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sexta-feira, 26 de setembro de 2014

GloboNews Painel: Direita e esquerda na política nacional (Lamounier, Ponde, Azevedo)

Link do programa
Direita e esquerda na política nacional
no  Programa GloboNews Painel, de 28/12/2013, do qua participaram Luiz Pondé, Reynaldo Azevedo e Bolivar Lamounier, que acaba de publicar o seu livro sobre os "intelectuais" no Brasil.
Como foi ao ar  no final do ano, pode ter passado despercebido por muitos, inclusive por mim:

https://www.youtube.com/watch?v=lwEUK8_E60k#t=82

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Bolivar Lamounier se ocupa dos "intelectuais"

Com aspas, e aproveito para recomendar os livros de Paul Johnson e de Thomas Sowell sobre as contribuições nefastas que muitos desses personagens fizeram para maior prejuizo da humanidade.
A postagem eu devo a meu amigo Orlando Tambosi. 
Paulo Roberto de Almeida 
O antiliberalismo dos intelectuais brasileiros
Bolívar Lamounier acaba de lançar o livro Tribunos, Profetas e Sacerdotes - Intelectuais e ideologias no Século XX (SP, Cia. das Letras), em que analisa "o papel dos pensadores na atualidade". A obra está na minha lista de leituras, pois trata exatamente de uma questão que sempre me interessou: a persistência, entre a intelectualidade, do pensamento autoritário. Infelizmente, somos um país infenso à cultura da liberdade: passamos do positivismo para o autoritarismo militar, reforçado depois, a partir das universidades, pelo marxismo. Lamounier está certo: a esquerda se apropriou do conceito de intelectual. Resultado: aqui, até um Emir Sader, que escreve Getúlio com lh (Getulho) reivindica o papel de "pensador":

Tribunos defendem causas e pessoas, profetas inventam paraísos e apontam o caminho da salvação. Já os sacerdotes cuidam da disciplina e ensinam ao rebanho o que é certo ou errado. Visionários ou controladores, eles têm missões distintas, mas neste caso é de intelectuais que se fala o tempo todo. Separá-los por esses três papéis foi a forma que encontrou o cientista político Bolívar Lamounier para contar, em seu novo livro, os feitos, malfeitos, limites e o incerto futuro dessas figuras às vezes destemidas, admiradas ou odiadas, às vezes arrogantes, equivocadas ou perseguidas. 
Tribunos, Profetas e Sacerdotes - Intelectuais e Ideologias no Século XX, que Bolívar lançou na semana passada em São Paulo e lança hoje no Rio, é um passeio pelos altos e baixos da função dos intelectuais na sociedade. Para entendê-la - e entendê-los - ele percorre as experiências de outros países (a antiga União Soviética, Alemanha, EUA) e desemboca, ao fim, na experiência brasileira. Depara-se, então, com a gangorra entre liberalismo e autoritarismo e dedica capítulos especiais a duas figuras centrais do século 20, Oliveira Vianna e Sérgio Buarque de Hollanda.
Ao falar do livro para o Estado, o autor levanta questões sobre o que disseram e dizem os intelectuais dos 21 anos do regime militar. Ele deixa, a propósito, uma advertência: “No Brasil, e em geral na América Latina, a esquerda se apropriou do conceito de intelectual”. Criou-se, dessa forma, “uma ilusão de ótica, uma confusão cultivada de uma forma em grande parte deliberada”.
O que significam os modelos de intelectual que dão título ao livro? 
O tribuno assemelha-se a um advogado: é o que defende as pessoas, grupos ou o próprio país. Um belo exemplo é o poeta andaluz García Lorca, cujo objetivo era defender a etnia cigana, não propagandear paraísos terrestres. Inventar esses paraísos e conduzir a humanidade até lá é papel do profeta - o exemplo clássico são os marxistas. O alto sacerdote é a autoridade que interpreta para o rebanho os livros sagrados. 
O “fim dos intelectuais” é mencionado no livro como um perigo real, num mundo de especializações e redes digitais. Eles vão desaparecer?
Não acredito que o intelectual esteja em extinção; o intelectual-tribuno certamente não está. Mas o espaço se reduziu drasticamente para os profetas e sacerdotes. No mundo atual, falar do futuro não é propor utopias mirabolantes, é projetar tendências a partir de fatos comprovados. Sacerdotes continuarão a existir em esferas específicas, como o âmbito acadêmico, onde cumprem a função de exigir padrões de qualidade científica.
Sua análise destaca uma persistente rejeição do liberalismo na história e na cultura brasileira. A que atribui esse fenômeno?
A história brasileira caracteriza-se pela coexistência entre dois veios importantes, um liberal e outro antiliberal. O liberal tem origem na independência e na Constituição de 1824. O antiliberal começa com a chegada do positivismo de Augusto Comte, forte nas escolas militares e se expande com o protofascismo. A partir dos anos 20 ele é reforçado pelo marxismo e se difunde fortemente através do nacionalismo.
O sr. assinala que Celso Furtado, Hélio Jaguaribe e Cândido Mendes idealizaram o modelo nacionalista do pré-1964. Por quê?
Celso Furtado e Hélio Jaguaribe pensaram que os militares tomariam os fazendeiros como aliados preferenciais e forçariam o restante da economia a permanecer estagnada, o que evidentemente não aconteceu. Cândido Mendes errou na previsão política, por acreditar que os militares detinham um poder ilimitado, imune a dissensões internas. Tal diagnóstico também foi desmentido. 
A percepção, pelos intelectuais, do que representou o regime militar para a sociedade e para o País foi insatisfatória? Pela urgência, moral e prática, eles se centraram na crítica ao autoritarismo e menosprezaram outros temas?
Era natural que assim fosse. As ameaças às liberdades democráticas eram reais. Mas essa ênfase não esgota o que aconteceu ao longo de 21 anos. Falta muito para a análise do período ser feita de modo satisfatório. Ainda são poucos os estudos sérios disponíveis e há barreiras ideológicas consideráveis.
Parece-lhe que há hoje muito mais intelectuais de esquerda do que de direita no debate público, e que a esquerda tem mais espaço nesse universo?
Não exatamente. O que ocorreu no Brasil e em geral na América Latina foi que a esquerda se apropriou do conceito de intelectual, adulterando-o a não mais poder. Assim, todo esquerdista letrado fica conhecido como intelectual, qualquer que seja a qualidade do que diz. No centro e na direita, pessoas com o mesmo perfil, e não raro com mais qualidade, não se apresentam como intelectuais e sim como economistas, historiadores, etc. O que há, portanto, é uma ilusão de ótica, uma confusão cultivada de uma forma em grande parte deliberada. (Estadã0).

sábado, 26 de julho de 2014

Concurso de gigantes do nanismo diplomatico - Bolivar Lamounier

Parece que as expressões colaram. Mas como o Brasil é grande por sua própria natureza, cabe sempre acrescentar a expressão gigante...
Paulo Roberto de Almeida

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De Messina a Tel Aviv: crônica do nanismo diplomático

Já tivemos diplomacia de melhor calibre. O que temos hoje é patético.
Bolivar Lamounier
Amálgama, 25/07/2014


diplomacia
por Bolívar Lamounier (25/07/2014)
em Brasil

Messina é o estreito que separa a Sicília, uma ilha, da Calábria, na Itália continental. Há milênios, sua “estreiteza” tem dado ensejo a uma vasta mitologia sobre os riscos a que aí estariam sujeitos os navegantes. Na Eneida, por exemplo, Virgílio discorre sobre a ameaça que os rochedos de ambos os lados representavam para a frágil felicidade de Enéas. A origem dos perigos seriam Cila e Caríbdis, entidades do mal que habitavam as profundezas e de tudo faziam para arremessar de um lado ao outro os incautos marinheiros que viam se aproximar. Vem daí a expressão “viver entre Cila e Caríbdis”: viver entre perigos contrapostos, mas interligados, simultâneos e complementares.
Equivocados em praticamente tudo o que fazem, os “estadistas” do PT quiseram experimentar as emoções da travessia, mas perderam-se e foram parar em Israel. Em tese, tal desnorteio deveria tê-los deixado no lucro: mais vale bater-se contra figuras semânticas que contra os temíveis rochedos de Messina. Mas para eles, o barato saiu caro. Colhidos em cheio pelo revolto mar da ignorância, uma parte de sua expedição esborrachou na pedreira do ridículo; atirada ao lado oposto, foi a outra parar nas alturas da empáfia e da megalomania.
A malfadada embarcação que se espatifou no ridículo tinha no comando o então presidente Luís Inácio Lula da Silva. O fato ocorreu nos idos de março de 2010. Desprovido do mais elementar sentido de proporção, Lula se propôs, nem mais e nem menos, a produzir a tão desejada paz entre israelenses e palestinos. Não lhe ocorreu que um feito dessa ordem, se fosse possível, faria a glória dos chefes de Estado do planeta inteiro, a começar pelos das superpotências. Em questão de minutos, os presidentes dos Estados Unidos e da Rússia e o “cumpanhero” Secretário Geral do PC chinês desembarcariam em Tel Aviv – de mãos dadas e saltitando e cantarolando como personagens de um filme de Doris Day.
Mas Lula não percebeu isso; não percebeu porque seu agigantado umbigo às vezes não lhe permite reconhecer a existência de um mundo real – um mundo “externo à consciência”, se posso aqui lembrar o Marx das Teses sobre Feuerbach. Não tendo ele mesmo se dado conta da atroz patetice que estava para encenar, teria havido entre os convidados a integrar a comitiva – ministros, assessores e puxa-sacos em geral – um pelo menos que o alertasse e tentasse demover de tamanho despropósito? Eu adoraria saber a resposta, mas deixo a questão para os estudiosos da diplomacia lulista. O desfecho, como não poderia deixar de ser, foi o único concebível. Querendo se fazer passar por um leão, o rato tudo o que conseguiu foi ficar rouco.
A segunda parte da história aconteceu na última quarta, e confesso que escrever sobre ela não me é menos penoso que rememorar o besteirol lulista de 2010. Tentei caracterizá-la como um caso de empáfia e megalomania, mas não sei se chego a apreendê-la em sua essência. Uma tragicomédia, talvez? Não, não.
Comecemos pelo cenário, no que ele tem de mais triste e assustador. De um lado o Hamas, em seus esconderijos na faixa de Gaza, disparando mísseis contra as cidades israelenses; do outro a aviação e o exército de Israel devolvendo a carga com juros e correção monetária. O número de vítimas palestinas – inclusive crianças – é muito maior que o de vítimas israelenses, mas quem em sã consciência apostaria no contrário? Deflagre-se mil vezes tal processo e mil vezes será esse o resultado, dada a desproporção entre as forças contendoras. O Hamas ignorava isso?
Voltemos porém à nossa história, quero dizer, a essa “apagada e vil tristeza” que tem sido a política externa brasileira na era petista. Depois do papelão (ou pastelão, se preferem) de 2010, já não tínhamos o direito de subestimar a ignorância das realidades internacionais por parte de Lula e seu partido – e não será agora, diante da pancada que Dilma Rousseff nos desferiu quarta-feira, que o vamos ter. A “presidenta” simplesmente mandou chamar o nosso embaixador em Israel. Para quê? Para protestar contra as ações militares do país nos últimos dias, obviamente.
No protocolo diplomático, é isso o que retirar o embaixador significa. Conto com a paciência do amigo leitor e da amiga leitora que hajam me acompanhado até aqui, sei que este meu ralentando pode ser irritante, mas não vejo saída. Tenho para mim que a missão pacificadora do Lula em 2010 é imbatível como candidata ao título de episódio mais ridículo da história diplomática brasileira. Pelos mesmos critérios, a retirada do embaixador por Dilma Rousseff é poule de dez na disputa pelo título de mais idiota.
Pensemos juntos. Descontada a fanfarronice, a missão do Lula partia de uma premissa correta: quem não sobe ao palco não participa do espetáculo. Numa situação inacreditavelmente complexa e séria como a que no momento vivem israelenses e palestinos, é improvável que o Brasil possa ter um papel relevante, mas assumindo uma posição unilateral e retirando o embaixador, com certeza não terá papel algum. A chance de ganhar na loteria é infinitesimal, mas se você não joga, é zero. Queremos ter um papel, exercer alguma influência, participar de negociações? Com o parti pris ideológico demonstrado e sem um representante sur place, esqueça.
Não vem ao caso especular sobre se a decisão de ontem foi mesmo da doutora Dilma ou se ela, consciente (?) de suas limitações, aceitou o que lhe foi sugerido sabe Deus por quem. Fato é que a dura represália diplomática israelense foi mais que merecida. Sim, meus senhores e senhoras, já tivemos diplomacia de melhor calibre. O que temos hoje é patético. A nota israelense qualificou o Brasil como um “anão diplomático” – e não é? Dessa vergonha a doutora Dilma poderia ter se poupado, na física e na jurídica – e nos poupado, evidentemente, visto que na jurídica não tem jeito, estamos no mesmo barco.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Politica brasileira, por um especialista: Bolivar Lamounier - resenha Paulo R Almeida

O site do Ipea, na seção "Estante", da revista Desafios do Desenvolvimento parece que está sendo feito, ou foi montado por alguém sumamente distraído, ou simplesmente descuidado.
Esta minha resenha, por exemplo, não traz nenhuma informação sobre o livro indicado nesta minha ficha, sem qualquer dado habitual, como a reprodução da capa e os dados editoriais primários.
O site é primário...
Eu mesmo acrescento o título, pois ele é indispensável à compreensão da primeira linha da resenha:



20. “Tudo o que você sempre quis saber sobre a política brasileira...”, Brasília, 14 outubro 2005, 2 p. Resenha de Bolivar Lamounier: Da Independência a Lula: dois séculos de política brasileira (São Paulo: Augurium Editora, 2005, 320 p.). Publicada em Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 2, nº 16, novembro 2005, p. 60; link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1791:catid=28&Itemid=23). Relação de Trabalhos nº 1482. Relação de Publicados nº 604.

Tudo o que você sempre quis saber sobre a política brasileira...
Livros e PublicaçõesImprimirE-mail
Paulo Roberto de Almeida
... E nunca teve a quem perguntar. Agora já tem: é o novo "Lamounier", cobrindo desta vez (quase) dois séculos de história política. Mas atenção: o livro não é para principiantes, nem do lado teórico, nem do lado prático, isto é, dos que são chamados a nos representar no parlamento e no executivo. Estes, como evidenciado nos casos de "fundos não contabilizados", acabam construindo um universo à parte dos que pagam impostos, que vêem os recursos auferidos serem dilapidados pelos poucos que, segundo a descrição apta de Milton Friedman, "são pagos para gastar o dinheiro dos outros".

Não se trata de uma simples "introdução" à história política brasileira, uma vez que o livro exige dos leitores um conhecimento mínimo dessa história e, ao mesmo tempo uma certa familiaridade com conceitos centrais da ciência política. Tampouco se trata de um "manual" para a reforma política e eleitoral à intenção dos que nos governam, pois eles dificilmente se deixariam guiar por critérios de racionalidade estrita do sistema partidário e representativo, preferindo cuidar dos seus interesses, acima de quaisquer considerações éticas. Como diz o autor na introdução: "O crafting institucional da democracia brasileira ostenta resultados contraditórios: organizamos bem a esfera eleitoral e criamos uma ética para o voto, mas não organizamos nem criamos uma ética para a esfera dos partidos e do parlamento". Difícil, assim, que os governantes sigam as recomendações da terceira parte, relativa, justamente, à reforma política, para introduzir um sistema de governo, uma organização partidária e um sistema eleitoral que correspondam às necessidades da nação, contra seus próprios interesses, enquanto classe organizada para o assalto (é o caso de se dizer) e a manutenção do poder.

As duas primeiras partes, em todo caso, constituem a mais completa análise de que se tem notícia na literatura sobre a evolução da política brasileira, não apenas pelo lado dos "episódios" políticos, mas também pelo lado da teorização sobre os regimes políticos, os sistemas partidários, as relações civil-militares e as "lições" de cada período. Um quadro analítico resume a evolução do sistema político de 1822 a 2005: cada um dos regimes - Império, Primeira República, Revolução de 1930, Estado Novo, República de 1946 e o regime militar - terminou em grave conflito político, geralmente sob a forma de golpes militares, com o apoio das classes médias. O regime militar, na verdade, se esvaiu numa "prolongada peleja política e eleitoral", ao cabo da qual as oposições coligadas viabilizaram o retorno ao governo civil. O novo regime democrático, obviamente, ainda não acabou, mas se supõe que seu destino seja menos dramático do que a meia dúzia de sistemas político-partidários que o precederam.

Lamounier examina a historiografia convencional - propondo sua revisão - e a literatura de cada época. Duas formas de reducionismo político são identificadas no protofascismo ("mescla de positivismo, nacionalismo e endeusamento do Estado") e no marxismo ("sobretudo na versão stalinista da Terceira Internacional"), intrinsecamente antiliberais e antiparlamentares, ambos avessos à consideração do sistema político enquanto esfera autônoma. A análise se estende ainda à construção e funcionamento dos sistemas partidários e representativos, sendo evidentes o crescimento paulatino do corpo eleitoral, a ampliação do sufrágio e a fragmentação gradual do sistema partidário.

Um texto de Hegel sobre a Inglaterra de 1830 é ironicamente recrutado para explicar o que é um "curral eleitoral", prática aliás bem viva no Brasil moderno, a julgar pela formação de um exército contemporâneo de assistidos por "mensalinhos" oficiais. A despeito disso, a competição aumentou, mas nem sempre foi assim: Rodrigues Alves (1918) e Washington Luís (1926), por exemplo, conquistaram a suprema magistratura com maiorias "albanesas" superiores a 98% dos votos válidos, ainda que com cerca de 2% de votantes sobre a população total (hoje a proporção de eleitores é superior a 60%). "Lula lá", em 2002, foi "a batalha que não houve": a manutenção do sistema político de maiorias frágeis mostra a amplitude das reformas políticas que precisam ser feitas para tornar o Brasil mais conforme à estabilidade já conquistada no terreno econômico. A julgar pelo "presidencialismo de mensalão", ainda estamos longe do ideal...
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Como sempre, posto também o meu texto original: 

Tudo o que você sempre quis saber sobre a política brasileira...

Bolivar Lamounier:
Da Independência a Lula: dois séculos de política brasileira
São Paulo: Augurium Editora, 2005, 320 p.; R$ 49,00

   ...e nunca teve a quem perguntar. Agora já tem: é o novo “Lamounier”, cobrindo desta vez (quase) dois séculos de história política. Mas atenção: o livro não é para principiantes, nem do lado teórico, nem do lado prático, isto é, dos que são chamados a nos representar no parlamento e no executivo. Estes, como evidenciado nos casos de “fundos não contabilizados”, acabam construindo um universo à parte dos que pagam impostos, que vêem os recursos auferidos serem dilapidados pelos poucos que, segundo a descrição apta de Milton Friedman, “são pagos para gastar o dinheiro dos outros”.
   Não se trata de uma simples “introdução” à história política brasileira, uma vez que o livro exige dos leitores um conhecimento mínimo dessa história, ao mesmo tempo em que certa familiaridade com conceitos centrais da ciência política. Tampouco se trata de um “manual” para a reforma política e eleitoral à intenção dos que nos governam, pois eles dificilmente se deixariam guiar por critérios de racionalidade estrita do sistema partidário e representativo, preferindo cuidar dos seus interesses, acima de quaisquer considerações éticas. Como diz o autor na introdução: “O crafting institucional da democracia brasileira ostenta resultados contraditórios: organizamos bem a esfera eleitoral e criamos uma ética para o voto, mas não organizamos nem criamos uma ética para a esfera dos partidos e do parlamento”. Difícil, assim, que os governantes sigam as recomendações da terceira parte, relativa, justamente, à reforma política, para introduzir um sistema de governo, uma organização partidária e um sistema eleitoral que correspondam às necessidades da nação, contra seus próprios interesses, enquanto classe organizada para o assalto (é o caso de se dizer) e a manutenção do poder.
   As duas primeiras partes, em todo caso, constituem a mais completa análise de que se tem notícia na literatura sobre a evolução da política brasileira, não apenas pelo lado dos “episódios” políticos, mas também pelo lado da teorização sobre os regimes políticos, os sistemas partidários, as relações civil-militares e as “lições” de cada período. Um quadro analítico resume a evolução do sistema político de 1822 a 2005: cada um dos regimes – Império, Primeira República, Revolução de 1930, Estado Novo, República de 1946 e o regime militar – terminou em grave conflito político, geralmente sob a forma de golpes militares, com o apoio das classes médias. O regime militar, na verdade, se esvaiu numa “prolongada peleja política e eleitoral”, ao cabo da qual as oposições coligadas viabilizaram o retorno ao governo civil. O novo regime democrático, obviamente, ainda não acabou, mas se supõe que seu destino seja menos dramático do que a meia dúzia de sistemas político-partidários que o precederam.
   Lamounier examina a historiografia convencional – propondo sua revisão – e a literatura de cada época. Duas formas de reducionismo político são identificadas no protofascismo (“mescla de positivismo, nacionalismo e endeusamento do Estado”) e no marxismo (“sobretudo na versão stalinista da Terceira Internacional”), intrinsecamente antiliberais e antiparlamentares, ambos avessos à consideração do sistema político enquanto esfera autônoma. A análise se estende ainda à construção e funcionamento dos sistemas partidários e representativos, sendo evidentes o crescimento paulatino do corpo eleitoral, a ampliação do sufrágio e a fragmentação gradual do sistema partidário.
Um texto de Hegel sobre a Inglaterra de 1830 é ironicamente recrutado para explicar o que é um “curral eleitoral”, prática aliás bem viva no Brasil moderno, a julgar pela formação de um exército contemporâneo de assistidos por “mensalinhos” oficiais. A despeito disso, a competição aumentou, mas nem sempre foi assim: Rodrigues Alves (1918) e Washington Luís (1926), por exemplo, conquistaram a suprema magistratura com maiorias “albanesas” superiores a 98% dos votos válidos, ainda que com cerca de 2% de votantes sobre a população total (hoje a proporção de eleitores é superior a 60%). “Lula lá”, em 2002, foi “a batalha que não houve”: a manutenção do sistema político de maiorias frágeis mostra a amplitude das reformas políticas que precisam ser feitas para tornar o Brasil mais conforme à estabilidade já conquistada no terreno econômico. A julgar pelo “presidencialismo de mensalão”, ainda estamos longe do ideal...

Paulo Roberto de Almeida
[Brasília, 14 outubro 2005]