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quinta-feira, 26 de maio de 2011

Brasil-Argentina: de acordo em continuar o desacordo...

A Argentina estava aplicando (ainda está) medidas restritivas ao comércio bilateral com o Brasil de maneira ilegal, abusiva, arbitrária. O Brasil deveria ter entrado, há muito tempo (desde 2003 pelo menos), com uma petição junto aos mecanismos de solução de controvérsias do Mercosul -- protocolos de Brasília e de Olivos -- para fazer cessar essas medidas contrárias ao espírito e a letra do Tratado de Assunção.
Escolheu não fazer e foi leniente com esses abusos e arbitrariedades durante todo o governo Lula, a pretexto de "reforçar o Mercosul", negligenciando que estava na verdade fragilizando o bloco e contribuindo para torná-lo essa desunião esquizofrênica que é.
Agora, em demonstrações explícitas de machismo comercial, o governo da presidente Dilma Roussef resolveu retaliar, e o fez da pior forma possível. Já que o vizinho aplicou medidas arbitrárias, ele também o fez, num estilo típico do partido no poder: "Todo mundo faz, eu também faço...", ou então: "Eu sou, mas quem não é...". Ou seja, já que alguém comete contravenções, eu também me julgo autorizado a fazê-lo.
E para deixar claro de que o argumento de defesa comercial erga omnes não era para valer -- que foi o motivo invocado para as salvaguardas sob a forma de licenciamento não automático de importações, que estariam, supostamente, prejudicando a indústria nacional -- se declarou logo disposto a suspender as restrições em negociações bilaterais com a Argentina, ou seja, se oferecendo para desfazer imediatamente o que tinha acabado de fazer.
Qual a validade e legitimidade da medida, então?
Mas como nada na vida é simples, parece que los hermanos não estão dispostos a levantar as suas barreiras.
Tudo segue igual, e os únicos prejudicados nessas demonstrações explícitas de machismo comercial são os produtores, comerciantes e consumidores de ambos oa países. Ou seja, todo mundo, para sustentar o ego de governantes protecionistas e amadores em política comercial.
Paulo Roberto de Almeida

Fracassa tentativa de acordo entre Brasil e Argentina
Ariel Palacios (Buenos Aires) e Raquel Landim
O Estado de São Paulo, 25 Maio 2011

Após dois dias de reuniões, técnicos não conseguem superar conflito comercial que paralisa produtos na fronteira entre os dois países

Fracassaram as negociações entre Brasil e Argentina para pôr fim ao conflito comercial. Após dois dias de reunião em Buenos Aires, os técnicos não conseguiram chegar a um acordo para acelerar a entrada de produtos brasileiros e argentinos que estão parados na fronteira. As conversas devem prosseguir no Brasil, mas não há data definida.

"A reunião foi boa do ponto de vista técnico, mas não foi estabelecida nenhuma mudança em relação ao que temos hoje", disse ao Estado o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. Em Buenos Aires, o secretário executivo do ministério, Alessandro Teixeira, admitiu que "não houve avanços práticos de curto prazo".

Segundo uma fonte do governo brasileiro, "não houve avanço, nem retrocesso". Na prática, significa que os carros argentinos continuarão parados na fronteira, aguardando as licenças de importação, que podem demorar até 60 dias. Produtos brasileiros com dificuldades para entrar e/ou circular na Argentina seguem na mesma situação.

No comunicado conjunto, os governos disseram que, "no que diz respeito ao licenciamento não automático de importações, as partes avançaram nas negociações visando a liberar gradualmente as licenças". Mas técnicos explicaram que o comprometimento é apenas genérico.

No fim da semana passada, alguns produtos foram liberados de ambos os lados como "gestos de boa vontade". Agora, volta a valer a situação anterior. O clima entre os dois países esquentou depois que o Brasil retaliou a Argentina e impôs licenças para a importação de carros.

Cotas. Segundo um negociador, os argentinos pediram para impor cotas em quase todos os produtos envolvidos no conflito. A lista inclui chocolates, geladeiras, calçados e máquinas agrícolas. "Fere o espírito do Mercosul, mas se formos avançar nessa linha não pode ser unilateral", disse a fonte. Alguns produtos já estão sujeitos a acordos de restrição "voluntária" de exportações à Argentina. O Brasil pediu tempo para consultar seus setores produtivos.

As discussões foram tensas em Buenos Aires. "Não está nada fácil", admitiu um dos negociadores, em conversa durante intervalo nas reuniões. "O outro lado (os argentinos) não quer liberar (os produtos) de forma proporcional. Teremos um segundo round daqui a uns dias."

Os argentinos esperavam que o Brasil oferecesse um mecanismo "fast track" para a entrada de seus carros - as licenças de importação valem para todos os países. Mas o governo brasileiro não aceita fazer isso se não houver contrapartidas.

Em entrevista coletiva, Teixeira atenuou as dificuldades. Ele sustentou que "não há crise" com a Argentina, já que "o comércio entre os dois países está crescendo de forma substancial". E descartou definir as negociações como um "fracasso". "Saímos satisfeitos daqui."

Ele insistiu que a Argentina "não coloca restrições à entrada de produtos brasileiros" e que o problema está nos sistemas aduaneiros. "Como o sistema argentino não é informatizado, demora mais do que gostaríamos."

Argentina. Fontes do Ministério da Indústria argentino indicaram que o Brasil se comprometeu a responder "em prazos relativamente curtos, no caso de existirem soluções" sobre a entrada de azeite de oliva, vinhos, cítricos e laticínios argentinos, assim como agroquímicos, fertilizantes e medicamentos.

Os representantes argentinos também sustentaram que na área de máquinas agrícolas e eletrodomésticos os negociadores brasileiros não aceitaram "regras particulares de comércio" (eufemismo para os acordos de autorrestrição de exportações brasileiras para a Argentina) que possam equilibrar o saldo negativo de US$ 450 milhões da Argentina com o Brasil.

As mesmas fontes sugeriram que as geladeiras fabricadas no Brasil poderão ser reféns de uma negociação que promete ser complicada, já que se exige reciprocidade em relação ao produto argentino. Já em referência às recentes licenças não automáticas sobre automóveis e autopeças, destacaram que "o Brasil utiliza o setor de veículos argentinos novamente para não ouvir as reclamações naturais de uma industrialização equilibrada".

Tudo igual
FERNANDO PIMENTEL, MINISTRO DO DESENVOLVIMENTO:
"A reunião foi boa do ponto de vista técnico, mas não foi estabelecida nenhuma mudança em relação ao que temos hoje."

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Escaramuças comerciais Brasil-Argentina: se foi para desfazer, por que fez?

Eu nunca vou deixar de me surpreender com a coerência, a constância, a racionalidade e sobretudo a persistência de nossas políticas públicas em geral, com a fundamentação empírica e legal de nossa política comercial em particular, e em especial com a fabulosa política bilateral Brasil-Argentina, feita de doçuras e belezuras durante mais de oito anos, de repente endurecida (estilo Ché Guevara?) e agora novamente acomodatícia e compreensiva.

Se as salvaguardas "automobilísticas" foram dirigidas a um problema real -- ou seja, as importanções maciças de automóveis estrangeiros que estariam prejudicando a indústria nacional, segundo alegado (e supostamente registrado na OMC) -- como é que agora, com um simples telefonema, cujo teor se desconhece, se volta atrás?
Parabens pela coerência?
Como diria o Garrincha, parece que combinaram tudo com os russos...
Era só para exercer um pouco de machismo comercial, como já escrevi aqui mesmo...
Paulo Roberto de Almeida

Brasil vai apressar entrada de automóveis da Argentina a partir desta sexta
Correio Braziliense online, 20/05/2011

A partir de amanhã (20/5), o Brasil vai agilizar a liberação das licenças de importação de automóveis da Argentina, informou hoje (19) à noite o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. A medida ocorre em retribuição ao país vizinho, que vai fazer o mesmo com pneus, baterias e calçados exportados pelo Brasil.

O Ministério do Desenvolvimento esclareceu que as licenças de importação de automóveis continuam não automáticas. Na verdade, o Brasil vai apenas reduzir o prazo de análise da entrada de veículos da Argentina, que atualmente pode levar até 60 dias.

As medidas foram acertadas hoje pelo secretário executivo do ministério, Alessandro Teixeira, e o secretário da Indústria da Argentina, Eduardo Bianchi. Os dois conversaram por telefone e marcaram uma reunião na próxima segunda (25) e terça-feira (26) em Buenos Aires para discutir o impasse comercial criado pelas licenças não automáticas. De acordo com o ministério, a agilização das liberações representa um gesto de boa vontade dos dois países em chegar a um entendimento.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Machismo comercial: de volta aos velhos conflitos Brasil-Argentina?

Minhas observações sobre o estado atual das relações comerciais bilaterais:

A Argentina vem, há muito tempo, desrespeitando o espírito e a letra do Tratado de Assunção, ademais de contrariar todas as regras aplicadas a medidas de salvaguarda no plano do sistema multilateral de comércio.
A rigor, não caberiam medidas de salvaguarda dentro do bloco. Admitindo-se que seja direito da Argentina fazê-lo, ela deveria seguir o Código de Salvaguardas do antigo GATT, hoje administrado pela OMC, e cumprir todas as etapas e requisitos indispensáveis para fazê-lo, o que ela não fez.

De fato, a Argentina aplicou salvaguardas de maneira arbitrária, e ilegal, tanto do ponto de vista do Mercosul como no plano multilateral, e discriminou fortemente contra o ingresso de produtos brasileiros em seu mercado, chegando a propor o absurdo de um mecanismo de ajuste automático, uma espécie de cheque em branco que ela poderia sacar contra o Brasil quando desejasse.
O Brasil ainda negociou um mecanismo comercial bilateral (ao abrigo do ACE-14, e não do ACE-18, que é o TA na ALADI, como seria o normal), que apenas "legaliza" de forma canhestra suas arbitrariedades comerciais. Ao nao ter sido regulamentado o MAC, Mecanismo de Ajuste Competitivo (um nome que é uma paródia ao protecionismo argentino), ela passou a aplicar unilateralmente suas restrições ao comércio (geral, mas afetando mais fortemente o comércio bilateral).

Pois bem, tudo isso ocorreu com a conivência, a complacência, a leniência do governo brasileiro, tentando ser "generoso" e compreensivo com as dificuldades argentinas, e a pretexto de "salvar" o Mercosul, sem ver que isso na verdade contribuia para desmantelar profundamente o Mercosul.

O que deveria ter feito o governo brasileiro? Simplesmente demandado a Argentina sob os mecanismos de solução de controvérsias, reclamado das restrições abusurdas, ilegais, arbitrárias ao comércio bilateral, e solicitado um pronunciamento sob o PRotocolo de Olivos para eliminar essas restrições. Ao não obter satisfação -- o que seria previsível de ocorrer, já que a Argentina também abusou ilegalmente do Uruguai ao manter inacreditáveis restrições de fronteira, com a leniência brasileira, mais uma vez -- o Brasil simplesmente deveria ter introduzido uma petição contra a Argentina no mecanismo de solução de controvérsias da OMC, e obter reparações.
O que o Brasil fez agora foi "machismo comercial", ou seja, está cometendo os mesmos pecados que a Argentina.
Ora isso não é política comercial, mas apenas política, e da pior espécie.

Uma atitude correta seria solicitar uma conferência diplomática para revisar os procedimentos aplicáveis ao caso, de maneira geral e se constatado que os países não pretendem cumprir as regras do TA e as demais normas de política comercial, encetar um profundo processo de revisão do Mercosul, levando inclusive a negociação de novos instrumentos que substituam os atuais.

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Paulo Roberto de Almeida

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Los hermanos en guerra comercial: full retaliation now?

Parece que vamos entrar numa "drôle de guerre", como os franceses se referiam à guerra europeia nos seus primeiros oito meses, ou seja, limitada à invasão da Polônia pelos exércitos hitleristas, uma tensão na frente ocidental e amplo acordo entre as duas ditaduras xipófagas, de Hitler e Stalin, que se encarregaram de desmembrar a Polônia.
Entre o Brasil e a Argentina não vai se chegar a tanto, mas continuarão as escaramuças pelos próximos dias. Vai ser gozado assistir à próxima cúpula do Mercosul...
Paulo Roberto de Almeida

Engarrafamento na fronteira
Para retaliar Argentina, Brasil suspende importações de automóveis de todo o mundo
Eliane Oliveira, Janaína Figueiredo (Correspondente) e Aguinaldo Novo (O Globo)

Com a arma apontada para a Argentina, o Brasil suspendeu do processo de licenciamento automático as importações de automóveis prontos de todo o mundo na terça-feira. Com isso, o desembaraço desses produtos, antes imediato, agora ocorrerá em até 60 dias. Foi uma resposta ao protecionismo dos argentinos, que poderão deixar de vender ao mercado brasileiro algo em torno de US$5,2 bilhões ao ano, segundo estimativas de técnicos do governo brasileiro.

Como a medida é considerada uma salvaguarda - prevista na Organização Mundial do Comércio (OMC) -, pelas leis internacionais de comércio a restrição teve de ser estendida a todos os fornecedores, para não ser caracterizada como discriminatória. Além da Argentina, haverá reflexos nas compras de veículos de México, China, Europa, Estados Unidos, Coreia do Sul e Japão, o que pode dar um alívio à balança comercial, tendo em vista o forte crescimento das importações de veículos.

O governo Cristina Kirchner divulgou ontem à noite nota oficial, assinada pela secretária de Indústria, Débora Giorgi, na qual afirma que "a aplicação de licenças não automáticas para o setor de automóveis foi adotada de forma intempestiva e sem aviso prévio, afetando assim 50% do total do comércio bilateral". A Casa Rosada havia recebido na véspera a carta enviada pelo ministro de Indústria e Comércio Fernando Pimentel.


A secretária afirmou que quando a Argentina aplicou, em fevereiro, 200 novas licenças não automáticas, "informou o Brasil dez dias antes do anúncio oficial, e a medida entrou em vigência somente 30 dias depois". Para ela, esse comportamento "atenta contra o diálogo natural entre os sócios majoritários do Mercosul".

Autopeças e vinhos podem ser incluídos
Segundo fontes da secretaria, a Casa Rosada foi informada de demoras na entrada de veículos da Toyota e da Mercedes Benz no Brasil. Para o governo Kirchner, disseram fontes, estão por trás da medida os "poderosos industriais de São Paulo".

Conforme antecipou O GLOBO na semana passada, as autoridades brasileiras estão irritadas com a Argentina, que mantém sob o regime de licença não automática 600 itens, a maioria exportada pelo Brasil. Por isso, decidiram retaliar.

A balança comercial automotiva (veículos e autopeças) brasileira vem se deteriorando: até 2008 era superavitária em US$10 bilhões, mas em 2010 teve déficit de US$6 bilhões. De 2005 até agora, a exportação de veículos passou de 30% para 14% da produção nacional. Segundo o Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), no primeiro trimestre deste ano as importações de automóveis subiram quase 50%. As compras oriundas da Argentina cresceram 40%; as da Coreia do Sul, 46%; e as da Alemanha, mais de 75%.

O governo tomou a medida, que provocou a retenção de caminhões na fronteira entre os dois países, sem confirmá-la oficialmente. Mas um alto funcionário avisou que, "em princípio", as licenças deixam de ser automáticas para automóveis, dando a entender que, se não houver uma resposta positiva dos vizinhos, outros itens, como autopeças, vinhos e lácteos, podem ser incluídos na nova regra.

Segundo técnicos envolvidos no assunto, até o fim da tarde de ontem, não houve contatos entre autoridades de primeiro escalão dos dois países. Debora Giorgi tentou falar por telefone com Pimentel, que não a atendeu e repassou a ligação à secretária de Comércio Exterior, Tatiana Prazeres.

Para a Argentina, o superávit de US$4 bilhões registrado pelo Brasil no comércio bilateral confirma a necessidade de manter o protecionismo - motivado pela queda do superávit fiscal, de US$16,8 bilhões em 2009 para US$12 bilhões no ano passado.

Risco de faltar veículos é pequeno
Representantes das montadoras minimizaram o impacto da medida, e alguns disseram ter o compromisso informal do governo de que ela só seria aplicada à Argentina, de onde vêm o Siena (Fiat), o Agile (GM) e o Space Fox (Volks). A Anfavea, que representa as montadoras, diz que a medida não vai interromper as importações, apesar de elevar a burocracia. Sobre um possível prejuízo aos consumidores afirma que, sem o teor oficial da medida, não seria possível avaliar. Para o consultor Luiz Carlos Augusto, da Jato Dynamics do Brasil, esse risco seria pequeno devido à elevada oferta de veículos.

A Abeiva, que reúne as importadoras de veículos, não comentou a decisão. Mas representantes de algumas empresas disseram ter recebido "a garantia" de que as compras de outras regiões não seriam afetadas.

- Fizemos hoje um teste, e só houve mesmo problema na alfândega com a Argentina - disse um empresário.

'Mais de 20 anos sem essa medida'
RENATO BAUMANN

BRASÍLIA. Para o economista Renato Baumann, ex-representante da Cepal no Brasil, as ações para dificultar a importação de carros são "medidas de gaveta". Hoje no Ipea e na UnB, ele alertou para o risco de problemas com outros países, a não ser que a lentidão no desembaraço se aplique, informalmente, só a carros argentinos.

Não é um passo muito grande frear importações do mundo todo apenas para atingir a Argentina?
RENATO BAUMANN: Aparentemente, a medida é para atingir a Argentina, e o governo brasileiro não poderia agir de forma mais direta, para não ferir as normas internacionais de comércio. Há mais de 20 anos não se toma esse tipo de medida de gaveta, em que se misturam decisões administrativas e demora na liberação de mercadorias para limitar importações. Mas acredito que haja algo mais, pois as importações de automóveis, de forma geral, têm crescido bastante nos últimos anos. Seria também uma forma de tampar o ralo na balança comercial.

O governo brasileiro agiu certo em relação aos argentinos?
BAUMANN: O governo argentino não cumpriu o prometido de normalizar o desembaraço das mercadorias brasileiras. Não dá para dizer o que isso pode significar a médio prazo, pois há um componente político novo. É possível até que a medida seja revogada nas próximas horas, pois quanto mais tempo vigorar, maior o impacto.

Como fazer para evitar a ira dos outros países?
BAUMANN: Como é uma medida administrativa, pode significar que o fiscal, lá na ponta, seja orientado a agilizar o desembaraço para veículos de outras nacionalidades, demorando mais com os argentinos. Espero que haja um entendimento, pois se a Argentina decidir retaliar, será o pior que poderá acontecer. (Eliane Oliveira)

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Medida é atentado a diálogo, diz Argentina
Ariel Palacios e Marina Guimarães - CORRESPONDENTES
O Estado de S.Paulo, 13/05/2011

Débora Giorgi, ministra da Indústria do país vizinho, reage e afirma que o Brasil está agindo de "forma intempestiva e sem aviso"

BUENOS AIRES - Em um comunicado emitido na noite de ontem, a ministra da Indústria da Argentina, Débora Giorgi, criticou as medidas brasileiras que dificultam a entrada de automóveis argentinos no Brasil e acusou o Ministério do Desenvolvimento brasileiro de "atentar contra o diálogo natural" dos dois sócios comerciais.

Famosa por suas posições duras em relação ao Brasil, a ministra afirmou que, "com a aplicação de licenças não automáticas para o setor automotivo, o Ministério do Desenvolvimento do Brasil está agindo de forma intempestiva e sem aviso, afetando 50% do comércio bilateral".

A ministra, conhecida como "Senhora Protecionismo", sustentou que ficou sabendo da medida brasileira por meio dos empresários argentinos. "Quando a Argentina aplicou em fevereiro passado 200 posições novas em licenças não automáticas, o governo argentino informou o Brasil dez dias antes do anúncio oficial e a medida só entrou em vigência 30 dias depois."

Ontem a Associação de Fabricantes de Automotores (Adefa) disse que a medida causou surpresa porque não houve nenhuma informação nem para as montadoras no Brasil nem na Argentina, tampouco para o governo.

Débora Giorgi também disse que as medidas "repercutem sobre um setor, como a cadeia automotiva, onde a Argentina possui um déficit crescente, que no primeiro trimestre de 2011 foi de US$ 1 bilhão e duplicou o volume do mesmo período de 2010".

A ministra, autora de várias medidas protecionistas contra produtos brasileiros, afirmou que "esse tipo de comportamento (do ministério) atenta contra o diálogo natural dos dois maiores sócios do Mercosul". "E, fundamentalmente, afeta o compromisso de equilibrar a balança comercial que as duas presidentes assumiram, para conseguir uma industrialização harmônica."

A decisão do governo brasileiro é um duro golpe às montadoras instaladas na Argentina, "meninas dos olhos" do governo de Cristina Kirchner. Analistas consultados pelo Estado em Buenos Aires indicaram que a medida mostraria que a "paciência estratégica" do Brasil com a Argentina, ao longo dos oito anos do governo Lula, teria acabado.

Destino. "O Brasil é o destino por excelência das vendas argentinas de veículos. Por isso, parece que é uma retaliação encoberta", disse ao Estado o economista Mauricio Claverí, da consultoria Abeceb. "Sem dúvida, é a forma de retaliar que mais tem efeito sobre o governo Kirchner."

"Em 2009, quando o Brasil retaliou barreiras argentinas com a aplicação de medidas contra alimentos argentinos, o efeito foi rápido e o governo Kirchner cedeu. No caso das exportações automotivas, que são o "coração" das vendas ao exterior, a resposta deve ser ainda mais rápida." Na sequência, Claverí usou uma expressão tipicamente argentina para dizer que o conflito não chegará a um ponto sem retorno: "La sangre no llegará al río (o sangue não chegará ao rio)".

Em 2010, do total de 457 mil veículos exportados pela Argentina, 370 mil foram enviados ao Brasil, o equivalente a 81% das vendas do setor ao exterior. Em dinheiro, foram US$ 5,3 bilhões, de um total de US$ 6,584 bilhões exportados ao Brasil.

Segundo a Adefa, as exportações de automóveis já estão sendo barradas na fronteira por causa do licenciamento não automático anunciado pelo governo brasileiro. "Algumas empresas já foram afetadas pela medida. Elas contavam com licenças automáticas quando fizeram os embarques, mas ao chegar à fronteira as autoridades brasileiras não liberaram a entrada", disse o secretário executivo da Adefa, Fernando Canedo.

Canedo não quis identificar queis seriam as empresas atingidas, mas a Agência Estado apurou com fontes do mercado que seriam a Mercedes-Benz, a Toyota e a General Motors. "Hoje são apenas três, mas nos próximos dias serão todas as montadoras", disse a fonte.

PARA ENTENDER
Ao longo da última década, o setor automotivo argentino saiu do inferno em direção ao paraíso. O fundo do poço ocorreu em 2002, em meio à maior crise econômica, social e financeira da Argentina, quando a produção automotiva foi de apenas 90 mil unidades, a marca mais baixa desde 1960. Mas desde 2003, o setor começou uma recuperação persistente, em grande parte por causa do mercado brasileiro. Em 2010, o país produziu 724 mil unidades.

Uruguai se diz cansado de barreiras
Ariel Palacios - BUENOS AIRES
O Estado de S.Paulo, 13/05/2011

O governo do presidente uruguaio José Mujica, cansado das constantes violações do espírito de livre comércio do Mercosul, propôs aos dois principais sócios - o Brasil e a Argentina - que os países do bloco avisem com 15 dias de antecedência as eventuais aplicações de medidas protecionistas.

No pedido, que misturou ironia com frustração pela falta de cumprimento das normas de livre comércio, o governo do Uruguai destacou que se trata de "15 dias úteis antes de sua entrada em vigência" e os anúncios não somente deveriam incluir as tradicionais licenças não automáticas, mas também "medidas de qualquer tipo".

Para evitar que em Buenos Aires e Brasília os governos interpretem de forma incorreta o pedido uruguaio, o diretor nacional de Indústrias, Sebastián Torres, detalhou as barreiras que deveriam ser avisadas com antecedência: "As cotas, as disposições sobre etiquetados, os requisitos técnicos, medidas sanitárias ou fitossanitárias, a exigência da apresentação de qualquer tipo de certificado para autorizar uma importação e critérios-valor".

Em fevereiro passado o Uruguai foi pego de surpresa por uma saraivada de medidas protecionistas do governo argentino, que aplicou barreiras a 585 produtos fabricados no país. Segundo o Uruguai, "a aplicação de medidas não alfandegárias impede o livre comércio".

O governo uruguaio quer que o Mercosul defina o assunto até a cúpula que o bloco do Cone Sul realizará em Assunção, Paraguai, nos dias 23 e 24 de junho.

Nessa cúpula - que promete ser agitada pelo ressurgimento dos conflitos comerciais -, os países-sócios celebrariam de forma atrasada os 20 anos da criação do Mercosul, que completou duas décadas em março passado.

De quebra, Hugo Chávez promete insistir com a aprovação da entrada da Venezuela como sócio pleno. A entrada oficial do país foi aprovada pelos parlamentos do Uruguai, Argentina e Brasil. Ainda depende do Senado paraguaio, onde a oposição - que tem a maioria - se recusa a aceitar o país no bloco.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Hermanos, pero no mucho: guerra comercial entre Brasil e Argentina

Apenas um "direito de defesa", como poderia dizer Obama, ao justificar a morte matada de Osama.
Neste caso, não se pensa, ainda, em "assassinar" o Mercosul, mas a situação poderia ser descrita como de guerra larvar...
Paulo Roberto de Almeida

Irritado com barreiras comerciais da Argentina, Brasil fará contra-ataque
Eliane Oliveira
O Globo, 5/05/2011

Brasil e Argentina vivem o pior momento de suas relações comerciais, após anos de trégua, e estão prestes a iniciar mais uma guerra por negócios. As barreiras às exportações brasileiras não param de crescer e, por isso, o governo Dilma Rousseff prepara, segundo uma fonte do primeiro escalão, respostas “à altura, na mesma moeda” ao nosso principal sócio do Mercosul. A imposição de dificuldades para o ingresso de produtos argentinos no mercado brasileiro, a suspensão de negociações sobre investimentos no país vizinho e até um recurso à Organização Mundial do Comércio (OMC) são medidas que estão sobre a mesa e podem ser adotadas.

Há dois grandes fatores de irritação. Um deles é que as autoridades sanitárias argentinas passaram a dificultar o desembaraço de mercadorias do Brasil, causando prejuízos milionários às indústrias de massas, balas e chocolates. Para piorar, o governo argentino simplesmente não cumpriu o prazo de 60 dias, que terminou na última terça-feira, para regularizar a liberação de cerca de 200 produtos que perderam licença automática.

— Acabou a conversa. Agora, vamos agir — resumiu uma autoridade do primeiro escalão do governo brasileiro.

A fonte indicou que itens argentinos perderão licença automática e que haverá maior rigor na exigência de documentos, inclusive de produtos perecíveis.

‘Está na hora de dar cartão vermelho à catimba’
Segundo uma denúncia encaminhada aos ministérios do Desenvolvimento e das Relações Exteriores pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), à qual O GLOBO teve acesso, os mais novos obstáculos estão sendo colocados pelo Ministério da Saúde do país vizinho na emissão, pelo Instituto Nacional de Alimentos (Inal), do certificado sanitário de livre circulação. O documento é fundamental para a comercialização dos produtos no território argentino, e o atraso na liberação, que começou informalmente em fevereiro, já traz prejuízos aos exportadores.

Nos meses de março e abril, o setor de chocolates, amendoins e balas perdeu US$5,2 milhões. Os exportadores nacionais de massas e biscoitos deixaram de vender US$800 mil ao mercado argentino. Os produtos são armazenados em depósitos na Argentina, sem permissão para comercialização.

— Está na hora de dar cartão vermelho à catimba do governo argentino — disse o diretor de Comércio Exterior da Fiesp, Roberto Giannetti da Fonseca, fazendo analogia com a velha rivalidade no futebol.

Por enquanto, foram identificados problemas com chocolates, doces e massas em geral. Mas todo o setor exportador brasileiro pressiona o governo a tomar providências. Existe a expectativa que outros artigos alimentícios sejam atingidos pela barreira protecionista argentina.

Em fevereiro, a Argentina anunciou que aumentaria, de 400 para 600 itens, a lista de produtos que deixaram de entrar no país automaticamente. Agora, o desembaraço das mercadorias demora, em diversas situações, até mais de 60 dias, ultrapassando o limite permitido pela OMC.

No alvo do país vizinho, massas, balas e chocolates
A situação dos exportadores brasileiros de chocolates, balas e massas foi discutida durante uma recente visita do secretário-geral do Itamaraty, embaixador Ruy Nogueira, a Buenos Aires. Ele manifestou a preocupação do governo com as novas barreiras sanitárias aplicadas pela Argentina e propôs a realização de um encontro ministerial entre representantes das pastas de Relações Exteriores, Fazenda e Indústria dos dois países.

Segundo fontes do governo brasileiro, representantes das indústrias de chocolates, cacau, amendoim e balas também estiveram em Buenos Aires e conversaram sobre as novas barreiras com o embaixador Enio Cordeiro. Ontem, O GLOBO entrou em contato com o Ministério da Saúde e a Secretaria de Indústria e Comércio da Argentina para tentar saber a posição da Casa Rosada sobre o conflito, mas não obteve resposta.

COLABOROU Janaína Figueiredo