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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Para Nobel de Economia Esther Duflo, pobreza é o problema mais urgente e Brasil encara o desafio com ambição - Marisa Adán Gil (Época Negócios), Comentários Paulo Roberto de Almeida

Para Nobel de Economia Esther Duflo, pobreza é o problema mais urgente e Brasil encara o desafio com ambição - Marisa Adán Gil (Época Negócios), Comentários Paulo Roberto de Almeida

Comentários preliminares aos problemas da redução da pobreza e do crescimento poluidor e destruidor do meio ambiente 

Paulo Roberto de Almeida:

Ser Prêmio Nobel em Economia não necessariamente torna o premiado infalível, mais sábio ou certeiro em seus argumentos. No caso da Esther Duflo, não estamos nem falando de economia, mas de simples argumentos políticos ou politicamente corretos, que não são fundamentados em pesquisas empíricas, mas que expressam simples opiniões pessoais, algumas seriamente questionáveis.

Comecemos, por exemplo, pela primeira frase da matéria, que resume o teor do argumento da entrevistada:

O futuro da humanidade depende em grande parte de como vamos resolver seu maior problema: a pobreza.”

Não é verdade isso: a humanidade SEMPRE conviveu com a pobreza, aliás ela era extremamente pobre em TODAS as épocas passadas (com a notória e inevitável exceção dos donos do poder e dos senhores do capital (qualquer tipo de capital). A humanidade só começou a deixar de ser pobre com alguns impérios inovadores (em especial os impérios comerciantes) e a partir da primeira revolução industrial; ela está nisso nos últimos 250 anos, com a pobreza diminuindo paulatinamente (em algumas  nações até aumentando, devido à estagnação, guerras civis etc.).

Ou seja, o futuro da humanidade NÃO DEPENDE da diminuição da pobreza, pois a humanidade convive com ela desde sempre e isso nunca impediu avanços muito significativos na produção de riquezas e de muito ricos, alguns por predação, outros por produtividade, ou sorte. Vai continuar sendo assim pelo futuro previsível.

Segunda coisa errada: NÃO É A TAXAÇÃO dos ricaços que vai diminuir a pobreza. A pobreza pode até diminuir topicamente e localizadamente com alguma ajuda monetária, se os recursos forem bem empregados para reduzir enfermidades endêmicas e epidêmicas e para qualificar os mais pobres produtivamente, pois a simples ASSISTÊNCIA PÚBLICA, num sentido alimentar, representa um ajutório eventual ou ocasional, não uma prevenção contra uma recaída na pobreza, passado o efeito temporário da ajuda oficial ao consumo dos mais pobres.

Terceira coisa: essa “ajuda financeira” para combater mudanças climáticas tem o mesmo efeito: é um subsidio artificial que representa um paliativo, não uma solução à pobreza agregada ou mantida pelas mudanças negativas no meio ambiente. Estas são um dado da realidade em todas as sociedades e épocas. Mas atenção: os países ricos não se tornaram ricos apenas porque poluiram ou porque agrediram o meio ambiente (em seu próprio detrimento, diga-se de passagem). Ninguém poluiu deliberadamente com o objetivo de enriquecer: a poluição e a destruição ambiental eram simplesmente uma consequência, não necessariamente percebida de imediato, dos tipos de tecnologias disponíveis nas duas primeiras revoluções industriais, ambas à base de combustíveis fósseis: carvão e petróleo. Só se tomou consciência do crescimento destrutivo do ambiente nas últimas décadas.

Os paises pobres e não industrializados querem repetir o mesmo processo tecnológico ou pretendem que os ricos lhes forneçam tecnologias sustentáveis de graça?  Pode até ser, mas seria apenas generosidade derivada de algum remorso pós-colonial, não a via correta de se tornar rico pela via do desenvolvimento sustentável (ou seja, não destruidor, o que é muito difícil de se alcancar absolutamente). Assim como a redução ou eliminação da pobreza, o crescimento não destruidor é um processo muito difícil, que se resolve paulatinamente pela qualificação produtivo de todos os cidadãos do mundo, não exatamente pela ajuda externa. 

Uma última coisa: fome, pobreza, miséria, desigualdade, economia destruidora NÃO SÃO problemas globais, ou multilaterais, uma vez que as POLÍTICAS para atuar em todas essas frentes são SEMPRE NACIONAIS, até LOCAIS. O mundo rico pode até ajudar, mas não necessariamente com dinheiro, mas com educação dos mais pobres. Essa é uma tarefa de cada governo e sabemos que governos podem ser incompetentes e até predatórios. Infelizmente, essa é a realidade.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 25 de novembro de 2024

 

ÉPOCA NEGÓCIOS 

Para Nobel de Economia Esther Duflo, pobreza é o problema mais urgente e Brasil encara o desafio com ambição 

Com propostas simples e arrojadas, ela explica como o objetivo pode ser alcançado – e qual é o papel da tecnologia nessa jornada 

Por 

Marisa Adán Gil 

22/11/2024 

Esther Duflo — Foto: Época NEGÓCIOS 

 

O futuro da humanidade depende em grande parte de como vamos resolver seu maior problema: a pobreza. É o que defende Esther Duflo, ganhadora do Prêmio Nobel de Economia em 2019 (ao lado de Abhijit Banerjee e Michael Kremer) por seus estudos sobre políticas públicas relacionadas às populações carentes. Ao lado de Banerjee (seu marido) e Kremer, a economista desenvolveu um método inovador para, a partir de projetos que resolvem problemas locais, chegar a soluções que poderiam atender milhões em todo o planeta. Os programas implementados a partir de estudos do J-PAL – centro de pesquisa fundado pela economista em 2003 – atingiram até hoje 400 milhões de pessoas, em áreas como educação, saúde e microcrédito.

 

Autora de best-sellers como Boa Economia para Tempos Difíceis e Lutar contra Pobreza, Esther Duflo ampliou seus estudos nos últimos anos para abordar as mudanças trazidas pela crise climática. Em abril de 2024, durante um encontro promovido pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional, apresentou uma ousada proposta de taxação de grandes companhias e bilionários para ajudar as nações e os indivíduos atingidos pelas mudanças climáticas. Pelas contas da economista – que esteve em São Paulo no mês de junho para participar de evento da Febraban –, os países desenvolvidos deveriam pagar aos emergentes US$ 500 bilhões ao ano, apenas para compensar as mortes causadas pela emergência climática. 

Confira a seguir o que ela tem a dizer sobre o futuro da economia e o papel da tecnologia para aliviar a pobreza. 


ÉPOCA NEGÓCIOS Grandes avanços tecnológicos, como a inteligência artificial, vão ajudar a aliviar a pobreza ou podem piorar o problema? 

ESTHER DUFLO Sou muito ruim em prognósticos. Os dois cenários são possíveis, e ambos podem ser verdade ao mesmo tempo. Um país como a Índia, por exemplo, baseou sua estratégia de desenvolvimento nos últimos 30 anos ou mais em serviços básicos de software que podem ser facilmente substituídos por inteligência artificial. Portanto, há o perigo de que esses empregos da classe média simplesmente desapareçam. As empresas que costumavam terceirizar serviços para o país hoje podem realizar as mesmas tarefas com a IA generativa. A questão fundamental é: existe outro uso para a IA que, em vez de substituir empregos, crie vagas? Ainda não temos essa resposta. Uma maneira como a tecnologia poderia ajudar, e não apenas a IA, é na solução de problemas de desenvolvimento para ajudar os pobres. Um exemplo é o celular. O aparelho se espalhou por todo o mundo. Quando começou a ser usado para fazer transações financeiras, transformou os países da África. É uma tecnologia que foi desenvolvida para fins comerciais e acabou tendo um uso social. Isso também pode acontecer com a IA. Mas temos de estar vigilantes, muito atentos a quem perde o emprego: como esses profissionais serão compensados, como serão ajudados a encontrar outros empregos, como vão sobreviver? 


NEGÓCIOS Grande parte do seu trabalho hoje consiste em propor políticas de combate à pobreza. É possível acabar com ela? 

DUFLO Antes da pandemia, era concebível eliminar a pobreza extrema até 2030 – e não por meio de grandes revoluções, mas enfrentando os problemas um a um. Portanto, não há razão para não ser otimista. Algumas mudanças são difíceis e levam mais tempo para se concretizar. É o caso da proposta do Brasil, no âmbito do G20, de criar um imposto global para reduzir a desigualdade econômica [O Brasil assumiu a presidência temporária do G20 em dezembro de 2023, com 

mandato de um ano]. Com certeza, isso vai demorar um pouco para acontecer. Mas o movimento começou, e isso é importante. Algumas batalhas você ganha, outras você perde. Desde que você ganhe algumas vezes, já é um avanço. 


NEGÓCIOS Em abril deste ano, você apresentou uma proposta semelhante, de taxar os países mais ricos para ajudar os mais pobres a enfrentar as mudanças climáticas. Pode explicar a sua proposta? 

DUFLO É preciso tributar os bilionários e as grandes empresas em nome da justiça climática. Temos uma dívida moral. Eu e meu time fizemos uma série de cálculos e chegamos à conclusão de que os países ricos deveriam pagar US$ 500 bilhões ao ano para os países pobres, para compensar os danos gerados pela crise climática – causada principalmente pelas nações desenvolvidas. Nesse cálculo, levamos em conta apenas as mortes provocadas pelo clima. Outros prejuízos não foram levados em consideração – nesse caso, o valor seria bem maior. 


NEGÓCIOS Será que as grandes empresas e os bilionários concordariam? 

DUFLO Bem, talvez não. Mas um imposto global sobre bilionários para ajudar os pobres a lidar com as mudanças climáticas é uma ideia popular. 84% dos europeus são a favor, e quase 70% dos americanos também. Se a proposta incluir apenas os super-ricos, e se o dinheiro for para pessoas que evidentemente são as mais pobres do mundo, a grande maioria da população será a favor. Haverá resistência, claro. Os Estados Unidos provavelmente não vão cooperar por um tempo. Mas nem todos precisam participar. Se um grupo de nações fizer isso, dá para ir bem longe. 


NEGÓCIOS Você já mencionou a crise da Covid-19 como um exemplo do que os países não devem fazer. O que aquele período diz sobre o futuro da humanidade? 

DUFLO Os países ricos poderiam ter feito muito para ajudar os de baixa e média renda a lidar com a pandemia. Transferências financeiras, por exemplo. Mas estavam muito ocupados com os seus problemas. E, claro, houve toda a saga da vacina, com os países ricos acumulando doses, em vez de compartilhá-las. Foi horrível, um exemplo do que não deve acontecer. O que isso mostra é que não dá para esperar uma crise para agir. Ou esperar pela liderança do G7. Mas uma liderança como a que o Brasil mostrou no G20 tem o poder de trazer mudanças. 


NEGÓCIOS Você vê o Brasil como um país líder nas mudanças? 

DUFLO Sim. E isso nem é opinião. Ficou muito claro para todos que a liderança brasileira do G20 é muito diferente do que havia ocorrido em outros anos, porque o país realmente se posiciona em todas as frentes. O Brasil encara o desafio com  

ambição. Usar o G20 como um fórum para discutir questões como erradicação da fome é um grande exemplo de liderança. Isso foi reconhecido por todos. 


NEGÓCIOS Qual você espera ser o resultado do seu trabalho? Você se vê como uma inspiração? 

DUFLO O que dissemos quando ganhamos o Prêmio Nobel, e ainda é verdade, é que a coisa mais importante que fizemos foi criar um movimento. Meu trabalho, quaisquer dos artigos que escrevi, se eles desaparecessem amanhã, não seria uma grande perda. Mas as minhas ideias, o método que usamos para avaliar o impacto de projetos, esse tipo de mentalidade inovadora sobre políticas públicas... isso importa. Criei um laboratório que se transformou em uma grande rede de pesquisadores, trabalhando com ONGs, governos e empresas. A ferramenta que desenvolvemos permite que você possa ser realmente rigoroso na avaliação de propostas e, portanto, assumir riscos. E, se for bem-sucedido, continuar. E se não for, tentar outra coisa. Para mim, essa é a minha grande realização, a coisa mais importante que fiz ou para a qual contribuí.


segunda-feira, 1 de abril de 2024

Quem sabe o trabalho de Daniel Kahneman poderia ajudar na política econômica do governo Lula?

 

O que é a economia comportamental, que deu ao psicólogo Daniel Kahneman um Nobel de economia

Pesquisador morto nesta semana, aos 90 anos, deu contribuições importantes para a compreensão da tomada de decisões econômicas 

Com informações do The Washington Post e The New York Times

Por que a dor de perder R$ 100 é um sentimento muito maior do que o prazer de ganhar o mesmo valor? Foi a questões como essa, que exploram temas como a aversão à perda, que o psicólogo Daniel Kahneman, ganhador do Nobel de ciências econômicas, se dedicou ao longo de sua carreira como professor e escritor. Ele morreu na última quarta-feira, 27, aos 90 anos.

Conhecido como o pai da economia comportamental, Kahneman nunca fez um curso de economia, mas mesmo assim revolucionou a área, como conta Claudia Yoshinaga, coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV). 

O trabalho de Kahneman, realizado em grande parte na década de 1970 e por muito tempo em colaboração com o também psicólogo Amos Tversky, demonstrou até que ponto as pessoas abandonam a lógica e tiram conclusões precipitadas. A pesquisa desenvolvida pelos dois teve impacto em outros campos que vão do esporte à saúde pública e foi creditada como responsável por mudar como os olheiros de beisebol avaliam novos talentos, os governos elaboram políticas públicas e os médicos chegam a diagnósticos médicos. 

Kahneman dedicou-se a desmascarar a noção do “homo economicus”, ou “homem econômico”, que desde a época de Adam Smith era considerado um ser racional que age por interesse próprio. Em vez disso, descobriu que as pessoas confiam em atalhos intelectuais que levam muitas vezes a decisões equivocadas que vão contra seus próprios interesses

Essas decisões equivocadas ocorrem porque os seres humanos “são muito influenciados por eventos recentes”, disse Kahneman. “Eles são rápidos demais para tirar conclusões precipitadas em algumas condições e, em outras, são lentos demais para mudar.” 

“Pode parecer absurdo dizer isso, mas a economia comportamental, na qual Kahneman foi pioneiro, se baseia na premissa de que nós somos humanos”, diz Claudia. “Inicialmente, a economia clássica parte do princípio que todo mundo é racional, pensa da mesma forma e terá escolhas semelhantes. Mas, no mundo real, as pessoas não são necessariamente racionais o tempo inteiro, elas não pensam exatamente igual e fazem escolhas diferentes”, explica. 

Segundo ela, as contribuições de Kahneman tiveram grande impacto. “Basta lembrar que ele é psicólogo e ganhou um prêmio Nobel de economia. Foi um reconhecimento muito grande da ciência como um todo de que, para discutir economia, era importante levar em consideração os aspectos psicológicos, o aspecto humano”, diz. 

O pesquisador ganhou o Nobel em 2002, “por ter integrado conhecimentos da pesquisa psicológica na ciência econômica, especialmente no que diz respeito ao julgamento humano e à tomada de decisões sob incerteza”, afirmou na época a organização. O prêmio foi dividido com Vernon L. Smith, pioneiro no uso de experimentos de laboratório na economia. Kahneman afirmou que seu parceiro de trabalho Amos Tversky merecia grande parte do crédito pela pesquisa ― Tversky havia morrido anos antes, em 1996, e o Nobel não é concedido postumamente.

Intuição e vieses 

Kahneman tinha uma visão negativa da capacidade das pessoas de pensar para resolver um problema. Suas ideias aparecem em seu livro Rápido e devagar: duas formas de pensar, lançado em 2012 no Brasil, onde ele afirma que “muitas pessoas são excessivamente confiantes, propensas a depositar muita fé nas suas intuições”. “Elas aparentemente consideram o esforço cognitivo pelo menos um pouco desagradável e o evitam tanto quanto possível”, escreve. 

No livro, ele explica os dois modos de operação da mente ― que ele não criou, mas organizou e desenvolveu: o sistema 1, no qual a mente, agindo rapidamente, depende da intuição, de impressões imediatas e de reações emocionais; e o sistema 2, no qual a mente, desacelerando, funciona de forma mais racional e analítica e consegue corrigir os erros cometidos pelo sistema 1. Kahneman argumenta que, na maior parte do tempo, a mente trabalha no sistema 1 e tira conclusões com base em intuição, vieses cognitivos e qualquer outra coisa que acelere o processo de julgamento.

Outros autores personificaram esses modos mentais como econs (pessoas racionais e analíticas) e humans (emocionais, impulsivas e propensas a exibir vieses mentais inconscientes e uma confiança insensata em regras de ouro duvidosas). 

Com Tversky, Kahneman realizou diversos experimentos para demonstrar esses vieses cognitivos. Um deles, por exemplo, apontou que muito mais pessoas estavam dispostas a fazer uma viagem de 20 minutos para economizar US$ 5 no preço de um produto que custava US$ 15, do que a fazer a mesma viagem para economizar a mesma quantia de dinheiro em um produto de US$ 125 ― o que se relaciona com o efeito de enquadramento (framing effect), ou seja, a forma como um problema se apresenta, que, segundo eles, pode alterar a tomada de decisão. 

“Essa questão do framing effect também se relaciona com a teoria da perspectiva, proposta pelos dois, que diz que a dor de perder R$ 100, por exemplo, é maior que a alegria de ganhar de R$ 100. Então, mesmo que as situações sejam equivalentes, você enquadra a questão para a pessoa de modo que ela entenda que é um ganho ou que é uma perda e a tomada de decisão será diferente”, explica Claudia Yoshinaga, da FGV. “Essa ideia de que somos mais do que avessos a risco, nós somos avessos a perdas, foi uma grande contribuição do Kahneman e do Tversky”, acrescenta. 

A teoria da aversão à perda sugere que é tolice verificar a carteira de ações com frequência, pois a predominância da dor sentida no mercado de ações provavelmente levará a uma cautela excessiva e possivelmente autodestrutiva.

Em outros experimentos, Kahneman e Tversky demonstraram outras tendências mentais que influenciam o julgamento das pessoas. Eles apresentaram a estudantes uma personagem fictícia, Linda, de 31 anos, como alguém que era ativista na faculdade, preocupada com discriminação e justiça social e participante de manifestações antinucleares. 

Então perguntaram o que era mais provável: que Linda fosse caixa de banco ou que Linda fosse caixa de banco e ativa no movimento feminista. A grande maioria optou pela segunda opção, que seria a escolha menos provável porque a probabilidade de duas condições será sempre menor do que a probabilidade de qualquer uma delas. O experimento apontou a chamada falácia da conjunção, outra forma pela qual as pessoas às vezes tiram conclusões precipitadas.

Kahneman também se debruçou sobre a distorção psicológica entre o bem-estar “experimentado” e “lembrado” e sua conclusão foi de que a experiência lembrada é, em grande parte, determinada por seu “pico” (momento mais intenso) e pelo seu fim: se o final de um período de férias for agradável, as pessoas tendem a lembrar de todo o período de forma positiva; se houver menos dor no fim de um procedimento médico, as pessoas lembrarão de toda a experiência como menos dolorosa. Suas descobertas apontam que, às vezes, a experiência lembrada é mais importante do que a experiência em si. 

“Mesmo que as ideias de Kahneman remontem à década de 1970, elas continuam superatuais e relevantes”, afirma Claudia. 

O psicólogo e autor de Harvard Steven Pinker afirmou ao The Guardian, em 2014, que a mensagem central de Kahneman não poderia ser mais importante: que a razão humana deixada por conta própria está apta a se envolver em uma série de falácias e erros sistemáticos. “Portanto, se quisermos tomar melhores decisões em nossas vidas pessoais e como sociedade, devemos estar cientes desses vieses e buscar soluções alternativas. Essa é uma descoberta poderosa e importante”, disse. 

O colunista do The New York Times David Brooks escreveu em 2011 que, antes de Kahneman e Tversky, as pessoas que pensavam sobre problemas sociais e comportamento humano tendiam a presumir que somos, em sua maioria, agentes racionais. “Elas presumiam que as pessoas tinham controle sobre as partes mais importantes de seu próprio pensamento. Eles presumiram que as pessoas são basicamente maximizadores de utilidade sensatos e que, quando se afastam da razão, é porque alguma paixão, como o medo ou o amor, distorceu seu julgamento.”

Mas os professores Kahneman e Tversky, continuou ele, “produziram uma visão diferente da natureza humana”. Brooks descreveu: “Somos jogadores em um jogo que não entendemos. A maior parte de nosso próprio pensamento está abaixo da consciência”. E acrescentou: “Nossos preconceitos frequentemente nos levam a querer as coisas erradas. Nossas percepções e memórias são escorregadias, especialmente sobre nossos próprios estados mentais. Nosso livre arbítrio é limitado. Temos muito menos controle sobre nós mesmos do que pensávamos.”

O livro mais recente de Kahneman, Ruído: Uma falha no julgamento humano, publicado em 2021 e escrito com Cass Sunstein e Olivier Sibony, analisa outro tipo de viés, que faz com que médicos deem diagnósticos diferentes para o mesmo problema e juízes deem sentenças diferentes para o mesmo crime, entre outros. É o chamado “ruído”: enquanto os vieses previsíveis ocorrem quando, por exemplo, um juiz sempre condena com mais severidade réus negros, o “ruído” diz respeito a decisões menos explicáveis resultantes do que é definido como “variabilidade indesejada nos julgamentos”.

Por Heloísa Scognamiglios, com informações do The Washington Post e The New York Times