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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida

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domingo, 3 de agosto de 2025

A deterioração fiscal da economia brasileira - Roberto Campos Neto (FSP)

 Roberto Campos Neto

Economista, foi presidente do Banco Central do Brasil por seis anos. É vice-chairman do Nubank e mestre em economia pela universidade UCLA 


Desafios de uma nova ordem global 

Vislumbramos uma equação insustentável: mais dívida, juros mais elevados, alta da desigualdade, maior necessidade de recursos e pouca capacidade de elevar impostos 

O mundo está em transformação. Como observador atento, ocupando uma posição privilegiada no Banco Central do Brasil ao longo dos últimos seis anos, identifiquei tendências que moldarão o equilíbrio global e que, frequentemente, escapam a debates mais aprofundados. Nos perdemos no debate de curto prazo: tarifasdólar, polarização política etc. Mas o problema é mais profundo: uma equação econômica e social insustentável. Neste artigo, mais generalista, abordo algumas dessas forças. Nos próximos, mergulharemos em mais detalhes.

Durante muito tempo, nos acostumamos à ideia de que dívida pública crescente não era um problema. O fiscal seria um tema para outras gerações. A narrativa dominante sustentava que o crescimento econômico seria estruturalmente baixo, os juros baixos por muito tempo, e a inflação, controlada.

A pandemia, no entanto, alterou drasticamente esse panorama. Assistimos à maior coordenação global de políticas fiscal e monetária já registrada, com a dívida mundial em relação ao PIB crescendo aproximadamente 15 p.p. (pontos percentuais). Desde 2019, a dívida das economias emergentes cresceu 20 p.p.. A inflação global, por sua vez, disparou e, na maioria dos países, não apresenta sinais de retorno aos níveis pré-pandêmicos. Essa percepção é reforçada quando se analisa as taxas de juros de longo prazo.

Aproximadamente 65% da dívida soberana global —concentrada em Japão, Estados Unidos e Europa— enfrenta hoje custos de rolagem muito maiores, devido ao aumento combinado do estoque de dívida e das taxas de juros. Esse movimento drena recursos de outras partes do mundo, especialmente de economias emergentes e pobres.

Embora tenhamos sido eficazes na coordenação de esforços fiscais e monetários durante a pandemia, a retirada dessas medidas revelou-se muito menos eficiente. Os programas de transferência de renda, por exemplo, aumentaram globalmente entre 1,5 e 2 p.p. do PIB durante a crise, e permanecem com volumes muito superiores aos níveis pré-pandêmicos. Recordo uma discussão entre banqueiros centrais numa tarde fria no FMI, onde se debateu que esses programas deveriam seguir a "regra dos 3 Ts": deveriam ser temporários, direcionados (targeted) e sob medida (tailored). Hoje, é evidente que a maioria desses princípios foi negligenciada.

Diante de tudo isso, o fiscal se tornou um tema premente. Virtualmente, todos os países apresentam atualmente déficits em suas contas públicas. Segundo o FMI, o grupo das economias avançadas apresenta uma média de déficit primário de 2% do PIB, enquanto as economias emergentes, de 3,8%. Gastos discricionários em diversos países, incluindo o Brasil, encontram-se severamente pressionados em orçamentos cada vez mais restritivos.

Diante da dificuldade de muitos países em equilibrar suas contas públicas, ajustes fiscais têm sido propostos e implementados, mas, na maioria dos casos, os ajustes priorizaram o aumento da receita em detrimento da contenção de despesas. Mais preocupante ainda, grande parte dos novos tributos incide sobre estoques de riqueza ou sobre empresas, sobrecarregando o capital e comprometendo a produtividade de longo prazo.

Outro fator crítico é o envelhecimento populacional, que pressiona os orçamentos de seguridade social, reduz a produtividade e afeta diversas áreas da economia. Projeções para os próximos 15 anos indicam que quase todo o crescimento populacional estará concentrado em nações mais pobres, enquanto a maioria dos países desenvolvidos enfrentará declínio populacional.

A esse cenário, soma-se a crescente instabilidade geopolítica, com impactos diretos nas cadeias globais de suprimento e nos gastos militares. Além disso, a transição energética, essencial para o futuro, enfrenta dificuldades para sair do papel. Todos esses elementos demandam enormes recursos.

Assim, vislumbramos um futuro com mais dívida, juros mais elevados, aumento da desigualdade, e maior necessidade de recursos para maiores despesas com defesa, investimentos robustos na transição energética, custos elevados para reestruturar cadeias de suprimento e encargos sociais crescentes devido ao envelhecimento populacional. A previsão do FMI é que a dívida global, que representava 84% do PIB em 2019, alcance 100% em 2030.

Essa equação é, claramente, insustentável. E o modelo atual começa a ser questionado. Teremos uma nova ordem global? As preocupações recentes com a trajetória da dívida pública nos Estados Unidos e as tensões observadas nas curvas de juros de longo prazo em alguns países levantam sérias indagações. Entre elas, destacam-se: o impacto do chamado "trumpenomics" no cenário global; a crescente vulnerabilidade dos países mais pobres e o agravamento da desigualdade; a necessidade de reinventar o modelo econômico europeu; os desafios da trajetória de dívida no Japão, com juros longos mais altos; e as implicações do crescente domínio da China em mercados estratégicos.

Como vemos, há mais perguntas do que respostas. Uma certeza, porém, emerge: o debate fiscal ganhará centralidade, e o modelo de Estado assistencialista em seu formato extremo terá que ser repensado. Será necessário equilibrar as demandas sociais com equilíbrio fiscal. Sem uma estratégia para equilibrar a dívida global e promover políticas que expandam a oferta e elevem a produtividade, caminhamos para uma crise global de dívida.

recente orçamento aprovado nos Estados Unidos, longe de ser motivo de celebração, marca o primeiro capítulo dessa narrativa. Para as economias emergentes, como o Brasil, é imperativo adotar políticas de ajuste fiscal e preparar-se para um ambiente mais volátil. Qualquer semelhança com a realidade brasileira não é mera coincidência.

 

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Lançamento do livro "Roberto Campos: diplomata, economista e político – o constituinte profeta" - participação Paulo Roberto de Almeida (IDP)

 Lançamento do livro:


Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins (coords.): 

Roberto Campos: diplomata, economista e político – o constituinte profeta 

(São Paulo: Almedina, 2021, 391 p.; ISBN: 978-65-5627-192-7; p. 81-122).

 

Canal do IDP no Youtube, link:https://youtu.be/YCbGEmoCY_Q


Programação: 

- Gilmar Ferreira Mendes - organizador da obra, Ministro do Supremo Tribunal Federal 

- Ives Gandra Da Silva Martins - organizador da obra, Advogado 

- Roberto de Oliveira Campos Júnior 

- Roberto Campos Neto - Presidente do Banco Central do Brasil 

- Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy - coautor da obra, Professor e Procurador da Fazenda Nacional 

- Bernardo Cabral - coautor da obra, Advogado 

- Lenio Luiz Streck - coautor da obra, Professor e Advogado 

- Paulo Roberto de Almeida - coautor da obra, Diplomata e Professor

 

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Roberto Campos Neto como presidente do Banco Central do novo governo

Leio o que segue no Antagonista, sempre bem informado: 



ROBERTO CAMPOS NO BC


Roberto Campos Neto será o presidente do Banco Central. Seu nome foi confirmado para O Antagonista pela equipe de Jair Bolsonaro.
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Se tal é o caso, cabe saudar o novo presidente do BC e relembrar as palavras de seu avô, nas Memórias (A Lanterna na Popa, 1994), que registram o quão chocado ficou Roberto Campos, ao falar, no final de 1966 ou início de 1967, com o segundo presidente, ainda não empossado, do regime militar, general Costa e Silva, a propósito das funções do Banco Central, criado em 31/12/1965, e que deveria ser mantido como um guardião independente do poder de compra da moeda. Costa e Silva então lhe respondeu, secamente, algo em torno dele próprio ser o "garantidor" nessa área, ou seja, desprezando totalmente a autonomia da nova instituição. Em consequência, o seu primeiro presidente, Dênio Nogueira, afastou-se voluntariamente da função.
Daí iniciou-se a longa trajetória do BC de instituição capenga, partícipe do processo de inflação inercial no Brasil, até ser resgatado pela presidência de Fernando Henrique Cardoso.
Infelizmente, depois de Henrique Meirelles (2003-2010), que soube exercer corretamente as suas funções, o presidente sob a terceira e quarta administração lulopetista da economia, participou, de certa forma, da deterioração completa da qualidade das políticas econômicas ocorrida nessa fase, quando a chamada Nova Matriz Econômica construiu, quase que deliberadamente – mas também com falcatruas e manipulações do Tesouro e do próprio Ministério da Fazenda –, aquilo que eu já chamei de Grande Destruição lulopetista da economia brasileira.

Se o futuro presidente do Banco Central se interessar, produzi, desde o centenário de nascimento de seu avô, duas obras que poderiam ser úteis na reavaliação da trajetória de seu avô na economia e na política do Brasil dos anos 1950 ao final do século: 

O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos; Paulo Roberto de Almeida (org.) (Curitiba: Editora Appris, 2017, 373 p.; ISBN: 978-85-473-0485-0; disponível para venda no link: http://editoraappris.com.br/produto/o-homem-que-pensou-o-brasil-trajetoria-intelectual-de-roberto-campos; formato e-book: http://editoraappris.com.br/produto/e-book-o-homem-que-pensou-o-brasil-trajetoria-intelectual-de-roberto-campos).



Paulo Roberto de Almeida (org.), Roberto Campos, A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (São Paulo: LVM, 2018, 448 p.; ISBN: 978-85-93751-39-4); com os textos: 1) Prefácio, p. 11-17; 2) “Roberto Campos e a trajetória constitucional brasileira”, p. 19-74; 3) “A Constituição contra o Brasil: uma análise de seus dispositivos econômicos”, p. 379-427. Amazon.com (links: http://a.co/d/1wnJvxxe: https://www.amazon.com.br/dp/8593751393/ref=cm_sw_em_r_mt_dp_U__k3j0BbYVJ83P6).

Simultaneamente, participei, com três artigos, “Roberto Campos: receita para desenvolver um país” (p. 245-248), “Fundando um banco de desenvolvimento: o BNDE” (p. 71-74) e “Bretton Woods: o aprendizado da economia na prática” (p. 52-56), deste livro coletivo: 



Ives Gandra da Silva Martins e Paulo Rabello de Castro (orgs.), Lanterna na Proa: Roberto Campos ano 100 (São Luís, MA: Resistência Cultural Editora, 2017, 344 p; ISBN: 978-85-66418-13-2). 

Também existe um vídeo no YouTube e um texto meu nessa mesma linha: 

Sessão especial no Senado em homenagem a Roberto Campos”, Vídeo da sessão no YouTube (26/04/2017; link: https://youtu.be/4z8Dz4Ul0nI). Texto lido na sessão especial do dia 17/04/2017 disponível no blog Diplomatizzando (16/04/2017; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/04/roberto-campos-sessao-especial-no.html).

Meus votos de sucesso no desempenho de suas novas funções ao descendente do grande economista, excepcional diplomata e maior intelectual e estadista do Brasil na segunda metade do século XX.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de novembro de 2018