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sábado, 15 de janeiro de 2022

Finlândia decidirá se cabe, ou não, aderir à OTAN, com base no princípio da igualdade soberana de todos os Estados - Hanna Ojanen (ECFR)

 O presidente da Finlândia, ao abordar a questão da eventual adesão do seu país à OTAN na sua mensagem de início do ano, referiu-se claramente ao princípio da igualdade soberana de todos os Estados, que é básico no multilateralismo contemporâneo e que foi ardentemente defendido pelo Brasil por Rui Barbosa, na segunda conferência internacional da paz, na Haia, em 1907.

Paulo Roberto de Almeida 

Between Russia, Sweden, and NATO: Finland’s defence of “sovereignty equality”

There are three main reasons Finland could eventually join NATO. But none of them are strong enough to bring about a change – yet.

Joint press point with NATO Secretary-General Jens Stoltenberg and the President of the Republic of Finland, Sauli Niinisto
 

headlined “Finland insists on its right to join NATO in defiance of Russia”. The issue attracted increased interest in Finland too, with newspaper Helsingin Sanomat taking the time to explain the joining process for its readers. But is Finnish NATO membership really on the cards? Niinistö shortly afterwards wrote that he had said nothing different from a previous statement in December, and that he would clearly signal any change in position. Indeed, the president restated the well-pondered – and ponderous – words that “Finland’s room to manoeuvre and freedom of choice also include the possibility of military alignment and of applying for NATO membership, should we ourselves so decide”. 

The prime minister, Sanna Marin, also maintains this stance. And it is true that Vladimir Putin’s December warnings about NATO enlargement have not – much – altered the substance of Finnish messaging on this issue.   

But the warnings have drawn a response, and the political leaders’ words hint at ways in which the situation could change. Niinistö’s 1 January speech warned that Russia’s recent ultimatums to the United States and NATO conflict with the European security order. The prime minister has referenced the OSCE principles, and the president pointed to “the sovereign equality of all states as a basic principle that everyone should respect” – a line that will sound familiar to Russian government spokespersons. In today’s fast-moving world, even normally slow-moving processes might suddenly speed forward. In Finland’s case, what decisive factors could change the country’s balance of considerations and move it towards NATO membership?  

A first obvious answer is Russia. The country is the main reason for Finland to join NATO – while at the same time being the main reason for it not to join. Finland’s only security concerns come from Russia, yet only Russia would react negatively to a Finnish application for NATO membership. 

This question has been building for some time. The Finnish foreign ministry commissioned a report published in 2016 called “The effects of Finland’s possible NATO membership,” written by senior Finnish, Swedish, and French experts. While it predicts an initial sharp Russian reaction to Finland joining, it also foresees tacit acquiescence and eventual acceptance once enlargement has taken place. So while membership is not out of the question, the report was clear that such a major change should be only a long-term move, not a short-term response.  

The Finnish president pointed to “the sovereign equality of all states as a basic principle that everyone should respect” – a line that will sound familiar to Russian government spokespersons.

A second answer to the question of what would propel Finland towards NATO would be a clear shift in public opinion – and how politicians manage this. Domestic opinion has shown a slight increase in favour of NATO and decrease in support for military non-alignment. Polls have found only 24-26 per cent in favour of membership and 51 per cent against. How this expresses itself through the formal processes remains unclear: previously, a referendum might have been the preferred means through which to decide on such a momentous change. But the dangers that plebiscites bring, including the potential to give outside powers the chance to interfere, are now frequently cited as a reason against organising one – something that is not totally unproblematic from the perspective of democracy. Perhaps support could be measured through parliamentary election results. One party, the centre-right National Coalition, has advocated membership since 2006, and some representatives of the Green party have spoken more positively about membership. But other major parties are considerably less in favour. 

For the time being, with no political party really leading the debate, or sign of public opinion moving dramatically on its own, domestic dynamics are unlikely to drive Finland towards NATO. 

Yet, another external player could prove decisive. If Sweden were to apply for NATO membership, Finland would quickly follow. But what will Sweden do? Even though Stockholm keeps close to Finnish policies more than in the past, it would still not necessarily follow it were Helsinki to move first. It would be easier for Sweden to be surrounded by NATO countries than it would for Finland to find itself between NATO-member Sweden and Russia. If it were ever to decide to join, Sweden may need other reasons, of a more moral and principled kind – and Niinistö’s new year’s speech perhaps hinted at this too, with what looks like a deliberate reference to the country when he remarked that “the sovereignty of several Member States, also Sweden and Finland, has being challenged from outside the Union.”   

Niinistö’s insistence on sovereignty seems to have resonated, as the Swedish prime minister has already spoken with him about the issue. The deep security and defence cooperation that has long existed between the two countries should mean that they would consult each other before making such a major decision public. And, moving together, they could formulate favourable membership conditions.  

So, while headlines implying potential Finnish membership of NATO may be wrong, the subtext of the story suggests the situation is not quite so static either. 

Hanna Ojanen is an ECFR Council Member and Research Director at the University of Tampere, Finland

The European Council on Foreign Relations does not take collective positions. ECFR publications only represent the views of its individual authors.

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terça-feira, 10 de agosto de 2021

A cenoura e a soberania (os EUA e o Brasil de Bolsonaro, um trompista) - Rubens Barbosa (OESP)

 A CENOURA E A SOBERANIA

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 10/08/2021 

Na semana passada, o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, visitou o Brasil e “abordou uma gama de prioridades estratégicas durante as reuniões de alto escalão com o governo brasileiro”, segundo comunicado oficial do governo dos EUA.

A aproximação com o governo Bolsonaro deve ser vista como uma ação pragmática dentro do contexto mais amplo da política externa e dos interesses geopolíticos dos EUA. A vinda da missão norte-americana de alto nível teve a ver, em especial, com o interesse do governo Biden de se contrapor a China no setor tecnológico, um dos componentes da confrontação geopolítica entre os dois países.  A exclusão das empresas chinesas do 5G na Europa, África e Américas é uma das principais prioridades da diplomacia americana.

No contexto dessa visão estratégica, o governo Biden, enfrentando oposição da ala progressista do Partido, optou por fazer um gesto ao governo Bolsonaro ao oferecer a oportunidade do Brasil se tornar um sócio global da OTAN. A entrada permitiria acesso ao programa de cooperação da aliança militar. A eventual inclusão do Brasil como “sócio global” da Otan ofereceria igualmente condições especiais para a compra de armamentos de países que integram a organização e abriria espaço para a capacitação de pessoal militar nas bases da aliança ao redor do mundo. O governo Biden já havia deixado Brasília saber que a participação de empresas chinesas inviabilizaria a cooperação na área de defesa e segurança. Não é preciso muita imaginação para entender que esse oferecimento, tem de ver com o possível apoio dos militares no governo para reverter a decisão já tomada de não restringir a participação de qualquer empresa na licitação da Anatel. Como se sabe, nessa questão há uma divisão entre os militares. De um lado, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) adotou publicamente uma posição contrária a participação da Chinausando argumentos de segurança nacional, mas outros membros das Forças Armadas, junto com as teles nacionais, são favoráveis, por nunca ter havido qualquer problema nas mais de duas décadas em que a empresa chinesa atua no país. Esse oferecimento, assim, foi apresentado como contrapartida ao veto à participação da Huawei no futuro mercado de 5G nacional. A relevância do mercado brasileiro e a perspectiva de influir na decisão de outros países sul-americanos são preocupações de Washington. No referido comunicado ao final da visita, ficou registrado que, em relação ao 5G, os EUA continuam a ter fortes preocupações sobre o papel potencial da Huawei na infraestrutura de telecomunicações do Brasil, bem como em outros países ao redor do mundo. A ausência de referência à posição do Brasil é positiva no sentido de que aparentemente o Brasil não cedeu, de imediato, as pressões dos EUA.

Encontra-se em gestação a reação do governo ao oferecimento de parceria global da OTAN e à pressão de Washington no tocante ao 5G. Espera-se que o estamento militar no governo deixe de lado interesses corporativos e aceite a decisão já anunciada de permitir a participação de todos. Na tomada da decisão, devem ficar claras as consequências para o Brasil de uma concessão aos EUA nessas questões.

O Brasil tem preocupação com a expansão da OTAN no Atlântico Sul, área prioritária na estratégia nacional de Defesa. O novo status poderia colocar o Brasil como instrumento dessa expansão, contrariando a política mantida até aqui, e podendo mesmo acarretar reação da Argentina em função das Malvinas.

Aceitando a pressão norte-americana, sem considerar os impactos negativos no setor de telecomunicações e no setor produtivo (indústria e agricultura), caso a regulamentação interna sobre a licitação do 5G seja alterada (por Decreto, pois não será possível modificar as regras fixadas pela Anatel, sem recomeçar todo o processo e sem audiência do TCU) e a participação de empresas chinesas fique inviabilizada, deverá haver repercussões concretas no relacionamento com a China. A questão do 5G é de crucial importância também para a China, como se viu na forte reação contra a Austrália depois do cancelamento da participação de empresas chinesas.  O governo chinês poderia tomar medidas restritivas em relação às exportações de produtos agropecuários brasileiros, investimentos no Brasil, à exportação de vacinas e de insumos farmacêuticos e aumentar sua presença econômico-comercial na América do Sul prejudicando nossos produtos.

Além disso, o atendimento dos interesses americanos não vai diminuir a pressão dos EUA no tocante à política ambiental e de mudança de clima em relação às ações ilegais na Amazônia (desmatamento, grilagem e queimadas), à direitos humanos e democracia (eleições em 2022), como explicitado no comunicado oficial.

Em vista dos interesses concretos que poderão ser afetados, o Brasil não pode senão adotar uma posição de independência no confronto tecnológico, comercial e geopolítico entre os EUA e a China. Motivações ideológicas ou geopolíticas não podem afetar os interesses do Brasil no médio e longo prazo. O Brasil em primeiro lugar.

Rubens Barbosa, presidente do IRICE


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

A política soberana ANTI-SOBERANA do governo Bolsonaro na Amazônia - Jamil Chade (UOL)

 O governo brasileiro naquele seu estilo falsamente patrioteiro, bate no peito e diz que está defendendo a soberania do país contra intrusões estrangeiras na Amazônia, mas ao mesmo tempo renuncia completamente à soberania, pois diz que depende da ajuda externa – o que é uma espécie de chantagem – para preservar os recursos naturais.

Nada mais hipócrita, falso e fraudulento, achando que assim pode enganar os parceiros estrangeiros com sua retórica vazia.

Paulo Roberto de Almeida 

Técnicos de Biden não compram versão do Brasil sobre esforços na Amazônia

Jamil Chade

UOL | 19/2/2021, 4h

Técnicos da administração de Joe Biden adotaram cautela e não se deixaram convencer com a versão do Brasil de que o governo de Jair Bolsonaro está lidando de forma eficiente com o desmatamento no país. Nesta quarta-feira, o representante de Joe Biden para assuntos climáticos, John Kerry, manteve uma primeira reunião virtual com os ministros brasileiros Ernesto Araújo e Ricardo Salles.

No evento, de pouco mais de 40 minutos, o governo brasileiro insistiu em repetir seu mantra adotado nos últimos meses: o Brasil está disposto a cumprir suas metas ambientais e reduzir o desmatamento. Mas, para isso, precisa de recursos e de apoio internacional.

Em outras palavras: o Brasil fará sua parte se contar com dinheiro da Casa Branca e de outros atores estrangeiros.

Esse recado passado à equipe de Biden havia sido o mesmo que o Planalto usou nas reuniões do Fórum Econômico Mundial, neste ano. O governo brasileiro indicou que, diante da recessão e dos gastos com a pandemia, teria sérias dificuldades para manter o orçamento para a proteção ambiental. A solução, portanto, teria de passar por recursos externos.

Em janeiro, o vice-presidente Hamilton Mourão criticou no evento de Davos o fato de que a comunidade internacional, apesar da pressão, não estar ampliando financiamento para operações na Amazônia para lidar com o desmatamento e proteger a biodiversidade. Segundo ele, depois da pandemia, governos não terão recursos para destinar para a região e o setor privado terá de ampliar sua participação. "Apesar de o interesse internacional no status da Amazônia ter aumentado de forma importante, o mesmo não pode ser dito da cooperação financeira e técnica internacional", disse o vice-presidente. "Ficou abaixo as necessidades atuais", alertou.

O que causa estranheza entre os delegados estrangeiros é que o pedido por dinheiro tanto para Biden como para a comunidade internacional ocorre dois anos depois que o governo brasileiro, de forma unilateral, interrompeu o acordo que existia de financiamento com alemães e noruegueses.

Biden e o cheque de US$ 20 bilhões

No caso americano, Washington está comprometido em colocar recursos para ajudar o Brasil e um pacote poderia chegar a US$ 20 bilhões. Mas um entendimento sobre como os recursos entrarão e quais serão os critérios exigirá uma conversa detalhada entre técnicos, que promete ser frequente.

Na condição de anonimato, embaixadores e negociadores confirmaram à coluna que, apesar de o contato ter sido um passo importante na aproximação entre os dois países e uma sinalização positiva por parte dos americanos, a reunião serviu do lado americano para confirmar de que terão de cobrar Brasília por conta dos dados relacionados ao desmatamento e as ações do governo.

De acordo com fontes diplomáticas, a Casa Branca fez questão de dizer que não existe qualquer ameaça à soberania brasileira na Amazônia. Mas a equipe de Kerry não se deixou convencer pelos argumentos apresentados por Araújo e Salles sobre a situação na região e nem sobre o que o governo vem realizando para frear o desmatamento.

Em Washington, os argumentos foram considerados como "insuficientes", inclusive sobre as metas do Brasil para atingir seus compromissos no Acordo de Paris. No final do ano passado, a ONU não aceitou o pacote apresentado por Salles e deixou o Brasil de fora de uma cúpula marcada para determinar a ambição das metas de cada um dos países.

Um dos resultados da reunião foi o compromisso de estabelecer um diálogo técnico reforçado e praticamente semanal para tratar tanto do desmatamento, como do apoio que o governo americano poderá dar para os esforços brasileiros. Também ficou estabelecido que esse diálogo técnico também envolverá a questão do financiamento, um ponto defendido pelo Brasil. "Todos os temas estão sobre a mesa", admitiu um interlocutor no Itamaraty.

Serão nesses diálogos técnicos que os americanos pressionarão por transparência por parte do Brasil, além de garantias de que haverá um compromisso político.

No encontro, os EUA reforçaram o convite para que o Brasil participe do encontro Earth's Summit (Cúpula da Terra) proposto por Biden. Os americanos confirmaram que estão preparando um pacote para assumir metas ambiciosas de redução de CO2 e que estão promovendo um diálogo com os principais interlocutores na área ambiental, a fim de antecipar visões convergentes para garantir que a Conferência do Clima, em Glasgow em novembro de 2021, não termine em mais um impasse internacional.

Do lado brasileiro, há uma aceitação de que o tema ambiental estará no centro da agenda diplomática internacional e que não há como escapar da discussão. Mas a percepção é de que cabe também ao governo americano provar que sua adesão do Acordo de Paris será acompanhada por medidas efetivas. Na visão do governo Bolsonaro, recai aos países ricos a maior responsabilidade pelas mudanças climáticas.

Após o encontro, um comunicado discreto do Itamaraty sobre a reunião foi emitido, evitando entrar em detalhes sobre o tom a conversa. De acordo com a nota, "os Ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, mantiveram reunião virtual com o enviado presidencial para o clima do governo dos EUA, John Kerry, na tarde de 17 de fevereiro".

"Na ocasião, foram examinadas possibilidades de cooperação e diálogo entre o Brasil e os EUA na área de mudança do clima e de combate ao desmatamento. Acordou-se aprofundar o diálogo bilateral nas áreas mencionadas, com processo estruturado em encontros frequentes, em busca de soluções sustentáveis e duradouras aos desafios climáticos comuns", completou.

A reunião ainda foi seguida por uma mensagem nas redes sociais por parte do chanceler brasileiro, indicando uma postura no mesmo sentido. "O diálogo e cooperação sobre meio ambiente e clima serão mais um elemento agregador na parceira Brasil-EUA que continuamos construindo", disse. Salles também foi às redes sociais para insistir sobre a cooperação que se iniciava com os EUA.

Mas, da parte do americano, o encontro não foi alvo imediato de comentários oficiais. Foi apenas na quinta-feira que Kerry, em suas redes sociais, reforçou a ideia de que Washington está comprometido em reconstruir a cooperação em temas climáticos.

"Lidar com a crise climática exige impactos grandes que apenas podem ser atingidos por parcerias globais", escreveu o americano. "Boa conversa ontem sobre cooperação climática, liderança do Brasil e crescimento econômico sustentável com Ernesto Araújo e Ricardo Salles", completou.

A ordem dentro da Casa Branca é a de sinalizar com incentivos ao Brasil no tema ambiental, antes de falar em sanções ou afastamento de posições. Numa espécie de crédito, Washington continuará a tratar o Brasil como um aliado e convidar o governo a suas iniciativas, como a cúpula do clima em abril.

Mas Washington saiu do encontro convencido de que esse aceno da Casa Branca terá de ser traduzido em ação por parte do governo em termos ambientais e uma capacidade de medir avanços concretos. Biden, que se elegeu em parte por conta de uma agenda ambientalista e de direitos humanos, está sendo pressionado por congressistas americanos, ativistas e uma ala mais progressista de seu partido a manter uma postura dura em relação ao governo Bolsonaro.

Durante a campanha eleitoral nos EUA, Biden chegou a criticar a destruição da floresta brasileira e ensaiou uma ameaça. Na ocasião, Bolsonaro criticou a postura de Biden. Mais recentemente, no pacote ambiental do novo presidente americano, mais uma vez a proteção da Amazônia faz parte dos planos. Mas, pelo menos por enquanto, com gestos de colaboração.

Já Kerry, em 2020, usou uma premiação à líder indígena Alessandra Korap, da tribo Munduruku, para chamar a atenção sobre a situação da floresta. Para ele, os Munduruku resistiram "ao avanço constante, violento, ilegal e às vezes patrocinado pelo estado por madeireiros e mineiros para explorar suas terras".

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/02/19/tecnicos-de-biden-nao-compram-versao-do-brasil-sobre-esforcos-na-amazonia.htm

Governo Bolsonaro diz que reduzirá desmatamento na Amazônia apenas se Biden pagar

Em primeira reunião com Estados Unidos sobre o tema, Brasil disse que precisa de verba estrangeira para se comprometer com metas de preservação

Revista Fórum | 19/2/2021, 6h44

 

O governo Bolsonaro realizou sua primeira reunião com o governo dos Estados Unidos para tratar questões sobre o meio ambiente. Nesse encontro, autoridades brasileiras condicionaram a proteção ambiental no país a um eventual incentivo financeiro por parte do país norte-americano.

De acordo com reportagem do jornal Estado de S.Paulo, o argumento utilizado pelo governo Bolsonaro foi que, sem recursos estrangeiros, não é possível se comprometer com acordos internacionais de preservação.

Com isso, segundo uma fonte do governo brasileiro, o espírito da conversa entre os dois países foi o do “a gente faz, mas vocês vão ter de pagar”.

Participaram do encontro os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o enviado especial do Clima do governo americano, John Kerry.

Na conversa, Kerry teria dito reconhecer “a legitimidade e a soberania do Brasil para cuidar de seus temas” e que a gestão Biden não tem “nenhuma resistência em trabalhar com o governo brasileiro”.

Durante a campanha eleitoral, Joe Biden prometeu diversas vezes aplicar sanções econômicas ao Brasil caso o país não mudasse sua política ambiental e continuasse permitindo a devastação da Amazônia.

https://revistaforum.com.br/global/governo-bolsonaro-diz-que-reduzira-desmatamento-na-amazonia-apenas-se-biden-pagar/

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Postura de um general de reserva sobre as ameaças à Amazonia - Carlos Alberto Pinto Silva (Defesanet)

Creio que este general reflete bastante do pensamento dos militares brasileiros no tocante a supostas ameaças à soberania nacional, no caso, mais uma vez, a famosa "internacionalização" da Amazônia.
Não tenho tempo, nesta madrugada de segunda-feira (02:31 da madrugada) de comentar em detalhe seus argumentos, mas eles são reveladores de certas reações primárias compatíveis com a paranoia normal dos militares no tocante a supostas ameaças à soberania do Brasil.
Não creio que vá mudar muito, pois a obrigação dos militares é, por definição, cultivar a paranoia, inclusive por razões orçamentárias.
Lamento pela descoordenação com uma política internacional sensata por parte do Brasil.
Estamos em tempos paranoicos, mais do que o normal.
Paulo Roberto de Almeida

Texto de fundamental importância do Gen Ex R1 Pinto Silva para os leitores de DefesaNet

MACRON E AS AÇÕES HOSTIS AO BRASIL  
“O Brasil para ser desenvolvido e respeitado pelos os demais Estados têm de lutar em defesa de sua soberania e por ideias que exerçam apelo além de suas fronteiras”[1].

Carlos Alberto Pinto Silva[2]

Defesanet, 1/09/2019

A cobiça sobre as incalculáveis riquezas da Amazônia não é uma exclusividade dos dias atuais. O objetivo de integrá-la definitivamente ao contexto nacional tem sido buscado ao longo das gerações, sem ser, contudo, alcançado plenamente.

Dissociada do restante do território nacional, a Amazônia tem sofrido fortes ameaças que atentam contra a soberania nacional, como é o caso da atual cometida pelo Presidente Macron, da França.

O presidente francês afirmou que está “em aberto o debate sobre a internacionalização jurídica da floresta amazônica”.

A situação vivida na atual conjuntura brasileira é a de paz relativa, uma Guerra Política[3] Permanente, não há inimigo e sim estados com ações hostis em defesa dos seus interesses. Está acontecendo um “Conflito na Zona Cinza”, caracterizado por uma intensa competição política, econômica, informacional, mais acirrada que a diplomacia tradicional, porém inferior à guerra convencional, realizada por Estados[4] que têm seus interesses desafiados pelo Brasil.

Ninguém começa uma Guerra Política contra um país amigo do seu povo, ou melhor, ninguém de bom senso deve fazê-lo, sem ter bem claro em sua mente o que com ela pretende alcançar. França e Alemanha motivadas pela assinatura do acordo MERCOSUL e União Europeia, acusam o Brasil de estar destruindo a Amazônia e de não cumprir com acordos relativos ao meio ambiente, e ameaçam com retaliações políticas e econômicas, mal disfarçando o verdadeiro motivo que é o de proteger suas economias.

A decisão de empreender uma “Guerra Política” contra o Brasil poderia ser baseada numa avaliação de custos e benefícios, ser empreendida com vistas a alcançar-se um objetivo político que fosse de interesse do Estado Frances, e nunca para atender a necessidade do Presidente Macron de se projetar internacionalmente como “defensor da humanidade”, e recuperar sua reputação na política interna protegendo seus agricultores. 

O centro de gravidade da ação dos Estados hostis ao Brasil, na atual conjuntura, está voltado a desestabilizar o governo, a desacreditar autoridades, a criar o caos na sociedade com o auxílio do potencial de protesto da oposição e da imprensa simpática à social democracia, sucedendo-se a uma inevitável crise política.

Devido às nossas possíveis atividades de defesa serem de um país em desenvolvimento contra países do G7, as ações devem ter um objetivo político claramente definido e responsabilidades políticas firmemente estabelecidas. Devemos criar, com a participação da sociedade, uma “Frente Nacional” de defesa do país.

Existem certas medidas fundamentais, entre elas, como manobra interior:
  
- despertar o interesse da sociedade pelos assuntos de defesa;

- buscar a harmonização dos três Poderes em assuntos de defesa e política externa;

 - buscar a integração das diversas ferramentas do Poder Nacional e dos grupos não estatais em benefício da defesa dos interesses nacionais do país, forçando o oponente a confrontar vários campos de batalha, simultaneamente;

 - permitir usar todos os elementos do Poder Nacional, em uníssono e com a combinação certa de instrumentos diplomáticos, econômicos, militares não cinéticos, políticos, jurídicos e culturais para cada situação;

- buscar a participação da própria população na defesa da soberania da nação;

- todos os fatores do Poder Nacional possuem uma estreita dependência do poder econômico, a ciência de bem aplicá-los na defesa da nossa soberania está na sua integração e harmonização;

- buscar a excelência nas atividades de guerra em rede, de inteligência artificial, segurança cibernética, e espionagem eletrônica;

- buscar que todos os brasileiros saibam o que é um “Conflito na Zona Cinza[5]”;- usar a Guerra Assimétrica Reversa [6] e a Assimetria Estratégica [7];
  

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Proteger a Amazônia: redefinir R2P - Jean-Baptiste Jeangène Vilmer

Jean-Baptiste Jeangène Vilmer, que é diretor do Instituto de Pesquisas Estratégicas da Escola Militar francesa argumenta que é preciso avançar no conceito de Responsabilidade de Proteger (R2P), no sentido de integrar a preservação do meio ambiente como uma das preocupações relevantes da comunidade internacional.
Ademais do artigo abaixo reproduzido, publicado no Le Monde (28/08/2019, p. 24), há uma entrevista que ele concedeu para a Radio France Culture: https://www.franceculture.fr/emissions/le-temps-du-debat/faut-il-un-droit-dingerence-international-ecologique
 
 Em seu artigo, ele parte do caso brasileiro para a redefinição da noção de soberania, essencial para a preservação de um bem comum para toda a humanidade, indicando os meios coercitivos (não desejáveis) e os indutivos (preferíveis) para esse objetivo.
Paulo Roberto de Almeida

« Il faut mieux protéger l’Amazonie »

Jean-Baptiste Jeangène Vilmer
Le Monde, 28 Août 2019

Contraindre un Etat à assurer la sauvegarde d’un bien commun de l’humanité implique de redéfinir la notion de souveraineté, explique Jean-Baptiste Jeangène Vilmer, directeur de l’Institut de recherche stratégique de l’Ecole militaire.

Actuellement consumée par des dizaines de milliers de feux et une déforestation qui rase l’équivalent de deux terrains de football par minute, la forêt amazonienne agonise sous nos yeux. Parce qu’il s’agit de la plus grande forêt tropicale au monde, du plus grand réservoir de biodiversité et de l’un des principaux stabilisateurs climatiques de la planète, nous souffrirons tous de sa destruction.
Cette catastrophe a suscité des réactions du secrétaire général de l’ONU et de plusieurs chefs d’Etat. Si la France est en première ligne – « Notre maison brûle », a réagi le président Macron, parlant d’une « crise internationale » –, c’est, non seulement, pour défendre un intérêt national en tant que pays amazonien, par son département de Guyane, mais aussi et surtout pour porter des valeurs universelles.
La forêt amazonienne est, en effet, un cas particulier : comme les « espaces communs » tels l’océan, l’atmosphère, les pôles ou encore l’espace, elle constitue une ressource dont les bienfaits bénéficient à tous et dont la destruction nuirait à tous. Mais, contrairement à eux, elle est située sur le territoire d’Etats souverains, qui n’hésitent pas à le rappeler : « L’Amazonie appartient au Brésil », avait ainsi martelé le président Bolsonaro en juillet, avant de répondre au président Macron qu’il s’ingérait dans « un problème interne ». Celui qui s’estime propriétaire d’un bien peut décider qu’il porte la responsabilité d’en prendre soin – ce qui était le cas jusqu’alors – ou qu’il a le droit de ne pas le faire, ce qui semble être le cas désormais.
Climatosceptique, M. Bolsonaro ne cache pas qu’il considère la protection de l’environnement comme un obstacle au développement économique. Depuis son arrivée au pouvoir, la déforestation s’est accélérée. En juin 2019, elle avait augmenté de 88 % par rapport à l’année précédente, selon les chiffres de l’agence spatiale brésilienne – dont le directeur s’est fait limoger après cette révélation. Le président est en outre accusé d’être resté inactif face aux incendies pendant plusieurs semaines.

« Responsabilité de protéger »

Le cas brésilien est spectaculaire mais il n’est certainement pas le seul. Se pose donc une question générale : comment contraindre un Etat souverain à protéger un bien commun qui se trouve sur son territoire et dont la destruction aurait un impact planétaire ?
D’abord en défendant une redéfinition de la souveraineté-pouvoir (le pouvoir d’opprimer sa population ou de détruire son environnement) vers une souveraineté-responsabilité (la responsabilité d’en prendre soin). C’est l’un des fondements de la notion de « responsabilité de protéger » (R2P) acceptée par l’ensemble des Etats membres de l’ONU comme s’appliquant aux atrocités de masse (génocide, crimes contre l’humanité, nettoyage ethnique, crimes de guerre). L’idée est que l’Etat a la responsabilité première de prévenir et de faire cesser ces crimes sur son territoire mais que, s’il échoue, par manque de volonté ou de capacité, la communauté internationale a une responsabilité subsidiaire d’intervenir.
Aujourd’hui, la destruction de l’environnement ne figure pas dans son champ d’application et, à l’exception d’une tentative infructueuse de l’alors ministre français des affaires étrangères et européennes Bernard Kouchner et de quelques autres de faire valoir que la R2P s’applique aussi aux catastrophes naturelles – lorsque le cyclone Nargis avait dévasté la Birmanie en 2008 et que le gouvernement refusait l’aide internationale –, il n’y a pas de précédent.
Une manière indirecte d’inclure l’environnement dans la responsabilité de protéger serait d’affirmer que les actions délibérées, généralisées ou systématiques causant des dommages étendus, durables et graves à l’environnement naturel portent atteinte non seulement à la sécurité de la planète mais aussi aux conditions d’existence de l’humanité. De ce point de vue, le crime d’écocide est aussi une forme de crime contre l’humanité. Le Conseil de sécurité des Nations unies pourrait en outre estimer qu’en contribuant au changement climatique, la destruction de la forêt amazonienne constitue une menace envers la paix et la sécurité internationales, lui permettant d’adopter des réponses coercitives.

Financement collectif

Si l’usage de la force – une intervention militaire pour établir un périmètre de protection et empêcher la déforestation par exemple – semble farfelue et dangereuse car certainement contre-productive, on ne peut exclure que, dans une situation similaire dans dix ou vingt ans, si l’enjeu est alors perçu comme vital, la question finisse par se poser. Aujourd’hui, la coercition consiste à exercer une pression croissante sur l’Etat hôte du bien commun à protéger (accord UE-Mercosur, importations, etc.).
Une autre approche, par l’incitation, serait de financer collectivement la protection : la communauté internationale pourrait créer un fonds d’investissement environnemental pour inciter les Etats ayant un bien commun mondial sur leur territoire à en prendre soin. L’aide serait conditionnée à la mise en place de politiques favorables à l’environnement. La réponse peut aussi être régionale, avec la mise en place de brigades internationales de bombardiers d’eau par exemple, sur le modèle européen du nouveau mécanisme « rescEU », mis en place cette année.
Dans tous les cas, il est important, d’une part, de ne pas braquer l’opinion publique du pays concerné car c’est sur elle, sur la société civile, qu’il faudra s’appuyer pour infléchir des politiques gouvernementales, et c’est pourquoi l’offre de coopération est dans un premier temps préférable à ce qui pourrait être perçu comme une punition humiliante. D’autre part, il faut comprendre les logiques économiques à l’œuvre et prendre le problème à la racine. Dans le cas du Brésil, la déforestation est due à la culture de soja et à l’élevage bovin, c’est-à-dire, in fine, à la demande mondiale de viande. Tant que celle-ci continuera d’augmenter, la forêt, donc le climat, seront menacés.

Jean-Baptiste Jeangène Vilmer est directeur de l’Institut de recherche stratégique de l’Ecole militaire (IRSEM). Il est l’auteur du « Que sais-je ? » La Responsabilité de protéger (Paris: PUF, 2015).

segunda-feira, 18 de março de 2019

Acordo de salvaguardas tecnologicas de Alcantara: a questão da soberania - Paulo Roberto de Almeida (2001)

A propósito do novo Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, assinado nesta segunda-feira entre o Brasil e os Estados Unidos, jornalistas e outros comentaristas vêm repetidamente afirmando que o antigo acordo tinha "problemas de soberania", sem nunca apontar onde estariam esses problemas.
Posso dizer que isso é incorreto, e já o acordo anterior estava plenamente habilitado a defender a soberania brasileira ao mesmo em que promovia nossos interesses nacionais, ao possibilitar a exploração comercial da Base de Alcântara.
Agora, como na época, essa conversa mole em torno da soberania não faz muito sentido.
Leiam o que escrevi em 2001, em defesa desse acordo, que foi sabotado pela esquerda, inclusive pelo atual presidente, que em nome de um nacionalismo enviesado terminou por recusá-lo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 18 de março de 2019



Acordo de Alcântara: soberania e interesse nacional


Paulo Roberto de Almeida


Washington, 31 de agosto de 2001


(http://www.pralmeida.org)
 (opiniões e argumentos emitidos a título pessoal)

Muito tem sido escrito e afirmado, algumas vezes em tom inflamado, a respeito do Acordo Brasil-Estados Unidos sobre Salvaguardas Tecnológicas (dito acordo sobre Alcântara), assinado em 18 de abril de 2000 e atualmente submetido à apreciação do Congresso Nacional, como etapa prévia à sua ratificação pelo poder executivo e ulterior entrada em vigor. Parecer contrário à sua aprovação foi preparado (mas ainda não votado) pelo relator da matéria na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, Deputado Valdir Pires (PDT-BA), cujos argumentos se prendem basicamente à adequação desse acordo a princípios historicamente defendidos pela diplomacia brasileira, à sua conveniência para o interesse nacional e seus efeitos eventualmente negativos em termos de acesso brasileiro à tecnologia de ponta no setor espacial, adicionalmente a outras considerações de caráter político ou econômico.
Gostaria de oferecer a seguir alguns comentários pessoais e gerais sobre algumas dessas importantes questões levantadas no parecer do deputado, defensor do interesse nacional tanto quanto vários outros funcionários públicos, inclusive os diplomatas, complementando minha linha de raciocínio por uma série de considerações tópicas relativas aos argumentos defendidos no parecer submetido à apreciação da Comissão de Relações Exteriores da Câmara. Para melhor apreciação destas considerações tópicas transcrevo, in fine, a íntegra do relatório do deputado Valdir Pires.

         QUESTÃO DA SOBERANIA BRASILEIRA E DO INTERESSE NACIONAL:
A soberania brasileira pode, por definição, ser melhor defendida a partir de uma posição de forte capacitação tecnológica e de inserção plena na economia internacional do que em uma situação de isolamento ou de tentativa de manutenção da antiga autarquia econômica, até os anos 90, quando o sistema produtivo brasileiro realizava cerca de 95% do PIB no interior da própria economia nacional, o que implica, obviamente, diversos elementos de irracionalidade.
À luz desse critério, pergunta-se de que forma essa soberania estaria mais perto de ser realizada?: com a plena utilização de Alcântara, colocando o Brasil num mercado dinâmico, lucrativo e dotado de alta densidade tecnológica, como ocorre com os lançamentos de satélites?; ou numa tentativa de reproduzir isoladamente todo o ciclo da conquista espacial, com todos os custos econômicos e a delonga de tempo daí decorrentes?
O acordo de salvaguardas pode não ser o modelo ideal se examinado pelo critério da cooperação espacial, mas deve-se considerar, justamente, que ele não é, não pretende ser e não pode ser um acordo de cooperação em bases recíprocas. Ele é, tão simplesmente, uma garantia, considerada como exigência absoluta pelos Estados Unidos, de que sua tecnologia espacial – fruto de enormes investimentos públicos e privados ao longo das últimas décadas – não será repassada sem a concordância dos detentores. Ora, estes não desejam, por razões que lhes são próprias, repassar essa tecnologia, provavelmente porque esperam poder conservar uma liderança tecnológica durante um certo tempo, além de outras considerações de natureza estratégica e de segurança.
Não está em poder do Brasil modificar essa situação, apenas tentar alcançar capacitação similar, ou equivalente, no mais curto espaço de tempo possível. Os processos de equiparação tecnológica são geralmente conduzidos em bases comerciais ou mediante cooperação. Como esta segunda modalidade não pode ser implementada neste caso específico, caberia ao Brasil começar a construir as melhores condições possíveis para apresentar oportunidades interessantes de parceria com empresas do setor privado. Ora, a utilização plena de Alcântara oferece, ainda que não possa garantir com segurança, as condições iniciais para que essa inserção do Brasil no mercado dos lançamentos se faça da maneira mais rápida possível. É pela via comercial que essa cooperação indireta se dará, uma vez que, pouco a pouco, empresas brasileiras serão chamadas a fornecer determinados serviços ou equipamentos, em lugar de sua importação contínua pelas empresas americanas de lançamento.
Nesse sentido, o acordo de Alcantara está mais próximo de lograr aumentar a soberania brasileira, do que um não acordo, como seria o caso de uma não adoção pelo Congresso brasileiro.

         QUESTÃO DA SIMETRIA-ASSIMETRIA DO ACORDO:
         A simetria não quer dizer necessariamente a existência de uma perfeita similaridade de concessões e benefícios entre as partes de um acordo, como se fosse um perfeito espelho, pois os países nunca são perfeitamente iguais ou situados no mesmo nível ou patamar de desenvolvimento.
         A simetria pode ser igualmente interpretada como o fato de que as partes alcançam benefícios equivalentes, em termos de seu potencial econômico e tecnológico. Ora, no caso estamos falando da maior potência econômica do planeta, situada na vanguarda do desenvolvimento tecnológico, e de uma potência média como o Brasil, ainda incipiente em matéria de tecnologia espacial.
         A pergunta a ser colocada é a seguinte: o Brasil retirará vantagens desse tratado? Inegavelmente, em termos de resultados comerciais e retornos tecnológicos, ainda que indiretos e, no início, extremamente modestos. Os EUA retirarão vantagem? Também, pois que suas empresas realizarão lançamentos a menor custo, podendo inclusive beneficiar-se de uma série de serviços locais adicionais (equipamentos simples, fornecimentos de material não durável, hotelaria, lazer etc) a preços sensivelmente menores do que em suas bases, onde a mão-de-obra, por exemplo, é reconhecidamente mais cara.
         Ou seja, os benefícios e vantagens não são absolutamente simétricos e nem poderiam ser, dada a disparidade de partida e de objetivos de cada parte. Do ponto de vista do Brasil, trata-se tão simplesmente de oferecer uma base de lançamento, do ponto de vista dos EUA, o aluguel dessa base a um preço razoável.
         Qual o preço a pagar por isso? A preservação do segredo tecnológico embutido nos lançamentos de empresas dos EUA. Mas, podemos estar seguros que nossos técnicos, engenheiros e outros especialistas espaciais saberão retirar ensinamentos de todo o know-how que estiver sendo mobilizado num lançamento, ainda que os equipamentos em si permaneçam, por vontade do cliente, como uma “caixa-preta”. Essas situações não são eternas, e mesmo as caixas pretas acabam sendo refeitas, copiadas indiretamente, inspirando métodos similares ou funcionalmente equivalentes, enfim, a vontade política e o contato com situações reais atuam como poderosos estimulantes ao catch-up tencológico.

         QUESTÃO DA “CESSÃO DE TERRITÓRIO” BRASILEIRO:
         Tal “cessão” simplesmente não existirá: as empresas americanas estarão alugando, e portanto terão o direito de controlar, uma determinada parcela da base de Alcântara. Empresas estrangeiras e brasileiras também restringem o acesso a determinadas áreas de suas instalações, nos mais diversos pontos do País, para a guarda de seus segredos industriais.

         QUESTÃO DO “SEGREDO” TECNOLÓGICO:
A proteção do segredo tecnológico já ocorre hoje, em empresas brasileiras ou estrangeiras operando com tecnologias de ponta em outras partes do território nacional. A lei protege plenamente o segredo comercial e os métodos ou processos de fabricação que uma empresa deseja manter em regime de confidencialidade, em lugar de patenteá-lo por exemplo. Trata-se de uma escolha ditada por considerações puramente comerciais ou, no caso de países, de uma estratégia orientada por questões de segurança. Não nos cabe contestar a legitimidade dessas preocupações, apenas constatá-las e tentar fazer da adversidade – que é a desigualdade existente no mundo em matéria tecnológica – uma fonte de vontade política para tentar superar essa assimetria.
         Ainda no caso do chamado segredo tecnológico, a modalidade mais flagrante e mais conhecida dessa situação – ainda que muitas vezes ignorada pela maior parte das pessoas – é a da fórmula da famosa e popularíssima Coca-Cola: essa bebida, que tem 150 anos de existência, não está protegida, nem nunca esteve, por nenhum tipo de patente, nem de produto, nem de processo de fabricação (apenas e tão somente de marca de fábrica e de design industrial).
Nada, nem ninguém, pode impedir uma outra empresa de tentar copiar, imitar e fabricar por sua própria conta a bebida identificada como “coca-cola” (desde que oferecida sob outro nome, outra marca e outro desenho), assim como nada, nem ninguém pode obrigar a fábrica original da Coca-Cola a revelar o seu segredo industrial. Não há lei conhecida no mundo civilizado que determine a revelação de um segredo comercial. Quando essa tentativa ocorreu, na Índia, nos anos 50, a Coca-Cola preferiu abandonar o país – e perder um mercado promissor de vários milhões de consumidores – do que ceder ou revelar seu segredo comercial, a famosa fórmula do xarope (que não tem nada de muito surpreendente, diga-se de passagem). De fato, nos EUA e em outros países, muitos concorrentes tentaram alcançar o sucesso da Coca-Cola, não pela cópia mas pela imitação. Nunca ninguém conseguiu. O segredo da Coca-Cola não está, na verdade, na “caixa-preta” da fórmula mágica, mas na imensa quantidade de dinheiro empregado em sua propaganda e comercialização (distribuição).
O segredo do sucesso de Alcântara não está na caixa-preta americana, mas na capacidade soberana do Brasil de saber inovar e de oferecer um produto equivalente, ou similar, a um preço menor. Esse objetivo pode, eventualmente, ser alcançado sem o acordo de Alcântara, mas em sua ausência o caminho será mais longo e certamente mais caro e difícil.


COMENTÁRIOS TÓPICOS:
Elementos de apreciação sobre o parecer do deputado Valdir Pires à mensagem nº 296 do Poder Exectuivo, que submeteu ao Congresso nacional Acordo Brasil-Estados Unidos sobre Salvaguardas Tecnológicas (Alcântara), de 18 de abril de 2000. Estas notas estão organizadas de forma dialogal, ou socrática: após transcrição de trechos do relatório do deputado, identificado como VP, emito minhas próprias opiniões ou comentários, em caráter pessoal (PRA).

VP: Um dos princípios básicos do Direito Internacional Público é o da igualdade jurídica entre os Estados: distribuição equilibrada das obrigações; compromissos consensuais que devem ser obedecidos, de igual modo, por ambas as Partes.
PRA: Nem todos os acordos entre Estados soberanos são absolutamente simétricos, com obrigações e direitos igualmente distribuídos: um acordo de cessão de bases, por exemplo, como ocorre frequentemente no âmbito da OTAN, não apresenta caráter simétrico. Nem por isso, retira o poder soberano do Estado concedente, ainda que possa definir obrigações desiguais para as Partes. De fato, nem todos os acordos bilaterais podem ser absolutamente simétricos, por força de seu próprio conteúdo. A simetria, neste caso, deveria ser analisada tendo presente os objetivos e as vantagens comparativas de cada parte, ou seja, o interesse econômico-comercial brasileiro, associado ao uso do CLA, de um lado, e a proteção dos segredos tecnológicos americanos envolvidos, de outro.

VP: Acordo de Alcântara: suas cláusulas criam obrigações exclusivamente, ou quase que exclusivamente, para o nosso país.
PRA: Ele foi contraido precisamente com esse objetivo: definir obrigações brasileiras de preservar o segredo tecnológico embutido em equipamentos de origem norte-americana e de vetar o acesso à tecnologia neles contida. É um direito dos EUA definirem tais obrigações e um direito soberano de o Brasil aceitar ou não tais condições. A obrigação foi contraída voluntária e soberamente e poderá ser declarada perempta quando o Brasil assim o desejar (vencido o prazo de extinção das obrigações).

VP: Perguntamo-nos se há quaisquer motivos que justifiquem essa grosseira e gritante assimetria.
PRA: A “assimetria” é uma característica deste acordo específico: não se trata de um acordo bilateral de cooperação, mas sim de assunção de compromissos, como pode existir, no direito privado, num contrato de locação com cláusulas muito restritas, por exemplo. No direito comercial, um contrato de franquia ou um licenciamento de tecnologia ou know-how protegidos pelo segredo comercial apresentam igualmente caráter assimétrico, nem por isso o locatário da franquia ou da licença farão qualquer objeção de princípio contra cláusulas restritivas que sóem acompanhar tais contratos.

VP: O Brasil vem demonstrando firme compromisso com a causa do desarmamento e da não-proliferação.
PRA: O acordo não tem por objeto o desarmamento, mas sim o controle de tecnologias sensíveis que seu detentor julga por bem não disseminar, por razões comerciais ou de segurança estratégica. Ele não interfere em absoluto com a vontade e a decisão brasileira de se dotar de armas ou de eliminá-las.

VP: A adesão do Brasil ao MTCR foi precedida de negociações com os EUA sobre controles sobre a exportação de tecnologias sensíveis, especialmente a de mísseis e componentes de mísseis.
PRA: A adesão ao MTCR não impede o Brasil de desenvolver sua tecnologia espacial.

VP: O acordo é inteiramente dispensável, já que o Brasil assumiu compromissos que impedem o repasse, a divulgação e a apropriação indevida de tecnologias sensíveis ou de uso dual.
PRA: O acordo não tem esse objetivo multilateral e sequer está dirigido a tecnologias brasileiras. Seu objeto é tão somente o de proteger tecnologia norte-americana. Desse ponto de vista, a assimetria é inevitável. Caberia observar, a esse respeito, que o MTCR é um regime informal e voluntário, e não, um tratado multilateral, vinculante. Por esse motivo, o argumento de que o acordo com os EUA seria dispensável (por supérfluo) mostra-se injustificado, mesmo em uma análise preliminar, ou seja, sem que seja preciso entrar no mérito da questão.

VP: A desconfiança é injustificável e desrespeitosa.
PRA: Não cabe ao governo do Brasil fazer julgamento de valor sobre a atitude do governo dos EUA. O Brasil tem o direito ou não de aceitar tal atitude de desconfiança. O principal objetivo do Brasil neste acordo não era vencer uma batalha de opinião contra o governo dos EUA, mas tão simplesmente de definir condições que viabilizassem operações de lançamento contendo tecnologia norte-americana.

VP: O Brasil firmou com Ucrânia, Rússia, China, França e Argentina acordos visando a cooperação mútua nos usos pacíficos do espaço exterior, os quais não prevêem as salvaguardas tecnológicas.
PRA: Acordos de cooperação, como o conceito indica, visam benefícios mutuamente benéficos para as partes, que prometem empreender atividades conjuntas segundo regras mutuamente acordadas. O acordo em apreço tem como título: Acordo sobre Salvaguardas Tecnológicas Relacionadas à Participação dos EUA nos Lançamentos a partir de Alcântara,

VP: O governo norte-americano controlará diretamente áreas do Centro de Lançamento de Alcântara, as quais serão inacessíveis para os próprios técnicos brasileiros que lá tPRAalham.
PRA: Acordos de sede, com organismos internacionais, ou acordos de relações diplomáticas, segundo dispositivos da Convenção de Viena, também prevêm imunidades, privilégios e áreas de acesso proibido ou restrito. O acordo de Alcantara pode ser considerado uma modalidade particular no gênero. A Embaixada do Brasil em Washington só é acessível a pessoal norte-americano com autorização expressa das autoridades brasileiras; nas áreas de comunicações ou arquivos, por exemplo, tal acesso é simplesmente vedado. Pode-se igualmente observar que não há falta de legitimidade em reconhecer que um país, detentor de tecnologias avançadas, pode pretender protegê-las contra seu uso não autorizado. Neste caso é importante enfatizar o caráter específico (certas operações espaciais em particular) e limitado do controle de acesso no acordo em questão (isto é, só às áreas definidas como sensíveis). Também deve ser observado que os técnicos brasileiros não têm acesso proibido, mas apenas se sujeitarão a uma sistemática de verificação de identidade, estabelecida.

VP: A alfândega brasileira será proibida de revistar e inspecionar qualquer remessa de material norte-americano que ingresse no território nacional.
PRA: A alfândega norte-americana também não pode revistar o conteúdo de malas diplomáticas brasileiras que transitam por seus aeroportos.

VP: O governo brasileiro não terá nenhum controle efetivo sobre o material que a Parte norte-americana utilizará nos lançamentos a partir de Alcântara.
PRA: O governo norte-americano não tem nenhum tipo de controle sobre equipamento ou programa de criptografia que a Parte brasileira utiliza em sua Embaixada em Washington.

VP: O governo dos EUA poderá, se quiser, lançar do CLA satélites de uso militar ( espiões) contra países com os quais o Brasil mantém boas relações diplomáticas.
PRA: Argumentando ad absurdum, pode-se arguir que governo brasileiro também pode, teoricamente, utilizar postos diplomáticos no exterior para monitorar eletronicamente comunicações de terceiros países com os quais os EUA mantém boas relações diplomáticas, mas isto não está efetivamente em qustão. No caso do acordo de Alcântara, a possibilidade de ingresso no Brasil de material indevido, de acordo com o ATS, só poderia, a rigor, ocorrer em caso de declaração inverídica do governo dos EUA sobre o equipamento enviado a Alcântara, pois nos termos do Artigo VIII, item B, é exigida uma declaração oficial, escrita, sobre o conteúdo dos respectivos “containers”. Além disso, no item C, do mesmo Artigo, há o requisito de que as firmas americanas licenciadas assegurem, por escrito, às autoridades dos EUA, que nada “não relacionado com o lançamento em vista” estará dentro dos “containers” enviados ao CLA. Assim, na hipótese de os “containers” trazerem material diferente do especificado, ficaria incontestavelmente caracterizada a violação do acordo e do Direito Internacional (que afirma que os acordos devem ser implementados de boa fé). Creio, pois, que esses dispositivos (apesar da dificuldade prática de detecção da infração) deverão ter efeito inibidor no que tange à introdução no Brasil de material ou equipamento diverso do autorizado.

VP: O dispositivo (de recuperação de escombros”) não se coaduna com os princípios do direito internacional aplicáveis ao caso: “Acordo sobre o Salvamento de Astronautas e Restituição de Astronautas e de Objetos Lançados ao Espaço Cósmico” (22.04.1968).
PRA: Tal acordo multilateral visa à cooperação internacional na área que é a sua, não se substituindo ou se sobrepondo a acordos bilaterais que países membros possam contrair entre si em atividades definidas nesses instrumentos bilaterais. Os acordos multilaterais também possuem salvaguardas de arranjos específicos entre países, não constituindo norma absoluta, obrigatória ou derrogatória da vontade das partes em acordo específico entre si.

VP: As salvaguardas tecnológicas previstas no Acordo são rigorosas e minuciosas, elas levantam dúvidas quanto à sua adequação ao princípio da soberania nacional.
PRA: A soberania nacional não está minimamente em causa, pois o Brasil, de livre e espontânea vontade, contraiu obrigações de respeitar segredos tecnológicos, em troca da utilização comercial de sua base de lançamentos. A compensação da cessão mediante salvaguardas se fará pelo retorno financeiro e comercial aberto pelo uso de tal base.

VP: Ao proibir a assistência e cooperação tecnológica, o Acordo suscita questionamentos sobre a sua real utilidade para o País. O único benefício que o Brasil poderá usufruir do acordo será o dinheiro proveniente do uso do CLA, que é, diga-se de passagem, muito pouco.
PRA: O acordo não se destina à cooperação ou à transferência de tecnologia na área espacial; num certo sentido, ele é mesmo o contrário disso: ele visa a fechar a tecnologia, segundo critérios próprios ao detentor dessa tecnologia. Do ponto de vista brasileiro, o fim precípuo do acordo é, essencilmente, o de viabilizar a utilização comercial de Alcântara. Quanto aos montantes percebidos, os critérios são o custo-oportunidade e a existência de alternativas mais baratas. O mercado determina o preço das bases de lançamento: quanto mais lucrativo o empreendimento, mais países se sentirão motivados a oferecer bases similares (como parecia ocorrer no caso da Guiana, em experiência frustrada de acordo com empresa americana).

VP: O Acordo estabelece que o Brasil não permitirá o lançamento de Cargas ou Veículos de países sujeitos a sanções estabelecidas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou cujos governos, a juízo de qualquer das Partes, tenham dado, repetidamente, apoio a atos de terrorismo internacional. Os Estados Unidos poderão proibir que o Brasil possa lançar satélites para nações desafetas dos EUA.
PRA: O MTCR, assim como o Clube de Londres sobre tecnologia da área nuclear, já estabelecem mecanismos de cooperação e de monitoramento controlado pelos pares, visando a obstaculizar o acesso à tecnologia por parte de estados em relação aos quais existam presunções de proliferação. O Brasil consultará os EUA em casos desse gênero. Práticas discriminatórias existiram em diferentes conjunturas da história mundial do século XX: nos anos 1930, por exemplo, EUA e Alemanha, cada qual a sua maneira, visaram controlar o acesso a minerais estratégicos e combustíveis de vizinhos ou aliados, dificultando ou obstaculizando o acesso a rivais potenciais (Japão ou URSS, por exemplo). Preocupações com segurança, legítimas ou apenas percebidas como reais, podem levar à adoção de medidas severas a esse respeito. No que respeita aos países sujeitos a sanções do CSNU, o Brasil teria, mesmo, que respeitá-las, como os demais membros da ONU. Quanto aos países que “a juizo de qualquer das partes, tenham dado, repetidamente, apoio ao terrorismo”, a própria linguagem do acordo sugere uma decisão negociada, ou, pelo menos, uma troca de comunicações, a respeito, e não um procedimento impositivo da parte americana.

VP: O Brasil perde a autonomia de utilizar a sua base como bem entenda.
PRA: O Brasil pode conservar tal faculdade, bastando não se vincular a acordo restritivo (como existente na área de franquias, por exemplo) com nenhuma nação. A assunção de obrigações visa a determinadas contrapartidas materiais, que poderiam não se materializar sem as salvaguardas.

VP: O dispositivo proíbe que o Brasil estabeleça laços significativos de cooperação com países que não façam parte do MTCR (apenas 32 países).
PRA: O Brasil já assumiu compromissos de não-proliferação ao abrigo do MTCR e de outros instrumentos. Trata-se de um dispositivo de tipo “religioso”, pois a adesão voluntária de um crente a uma determinada seita também impõe obrigações comportamentais que limitam sua liberdade (a monogamia não tradição cristão, por exemplo).

VP: A China não pertence ao MTCR, por considerá-lo injusto, irracional e pouco eficiente, além de ser um instrumento que tende a perpetuar as desigualdades tecnológicas entre as nações.
PRA: A China escolheu tal caminho, o que lhe veda cooperação em certas áreas e portanto o acesso a determinadas tecnologias. Sua capacitação tecnológica tem, assim, de ser feita com base em seus próprios recursos e possibilidades, o que implica auto-financiamento e cronograma condizente com tal escolha. A experiência histórica ensina que a igualdade tecnológica entre as nações á mais facilmente atingida mediante intercâmbios comerciais e acordos voluntários de cooperação e que as experiências solitárias de catch-up tecnológico (como no caso da ex-URSS) podem apresentar alto preço material e humano.

VP: O Brasil tem com a China acordo bilateral de cooperação espacial: os satélites sino-brasileiros poderão não ser lançados da base de Alcântara.
PRA: O acordo Brasil-China se destina ao lançamento de satélites brasileiros mediante foguetes chineses a partir de bases chinesas: isto não será afetado pelo acordo de Alcântara. De fato, na cooperação espacial Brasil/China não se visualiza o lançamento de foguetes chinêses a partir do CLA. Vale pecisar, contudo, que a China, embora não seja membro do MTCR, emitiu declaração oficial em que se associa, não só ao espírito, mas até mesmo à linguagem utilizada pelo MTCR , para assegurar sua observância aos controles de exportação de tecnologia de mísseis. Na época, as autoridades americanas vislumbraram, mesmo, a possibilidade de cooperação entre empresas americanas e chinesas para lançamento de satélites americanos na China. Isso demonstra que, sujeito à interpretação do ATS, não é absolutamente claro que a China viesse a ser, de plano, excluida de lançamentos do CLA, já que, de certa forma, ela poderia ser considerada “parceira”do Regime.

VP: O Brasil não poderá usar os recursos provindos do uso do CLA pelos norte-americanos para o programa espacial brasileiro.
PRA: Cláusula absolutamente irrelevante, pois o Brasil pode dotar orçamentariamente o CLA com tantos recursos quanto suas disponibilidades de Tesouro o permiterem. A proibição de uso dos recursos auferidos em Alcântara em atividades espaciais, no Brasil, parece ter sido incluída no texto do CLA mais para “efeito interno”, nos EUA, já que, evidentemente, o uso das verbas em comunicações, ou obras de outra natureza, liberaria recursos governamentais brasileiros, provenientes de outras fontes, para serem utilizadas no programa espacial, o que torna irrelevante a ressalva feita no acordo.

VP: O objetivo verdadeiro e último do acordo: inviabilizar o programa do VLS e colocar a Política Nacional de Desenvolvimento de Atividades Espaciais (PNDAE) na órbita dos interesses estratégicos dos EUA.
PRA: O acordo não tem qualquer impacto, direto ou indireto, sobre o programa espacial brasileiro, que continuará a ser desenvolvido de forma autônoma. Ele é absolutamente neutro em relação a decisões nessa área que serão tomadas unica e exclusivamente pelo Brasil.

VP: Pelo “Ajuste Complementar entre o Brasil e os EUA para o Programa da Estação Espacial Internacional (ISS)”, a AEB forneceria à NASA uma série de caros equipamentos que seriam instalados na ISS; a NASA cederia à AEB quotas para a utilização da ISS Muitos cientistas contestam a oportunidade e o mérito de tal acordo, pois o projeto é absurdamente caro, em detrimento do desenvolvimento do veículo brasileiro lançador de satélites; o acordo e o ajuste complementar fazem parte de uma mesma estratégia destinada a colocar o programa espacial brasileiro na estrita dependência econômica, tecnológica e política dos EUA, o que já aconteceu com o programa espacial argentino.
PRA: O Brasil sempre soube definir acordos e parcerias em função de seus interesses nacionais e não há motivo para pensar que o VLS e o programa espacial brasileiro sejam colocados na dependência de quem quer que seja.

VP: O Brasil se obriga a assinar acordos de salvaguardas com o mesmo objetivo e do mesmo teor com outros países, que deverão obrigar os outros governos a exigir dos seus Licenciados (empresas que dominam tecnologia espacial) o que o governo norte-americano exige dos seus. Trata-se, conforme nossa concepção, de aberração jurídica que contraria princípios do direito internacional.
PRA: Trata-se de extensão das medidas de não-proliferação já assumidas anteriormente pelo País e que o Brasil assume voluntariamente, não obrigado por qualquer outro nação.

VP: Não é “praxe internacional” que lançamentos comerciais sejam amparados por acordos de salvaguardas tecnológicas. Na realidade, trata-se de prática que vem sendo imposta pelo governo dos EUA aos outros países do mundo.
PRA: Contratos amparados em cláusulas de direito comercial costuma ter cláusulas restritivas quanto ao uso, cessão ou comercialização da tecnologia ou licença de know-how cedida comercialmente.

VP: O acordo, na medida em que proíbe transferência de tecnologia e impõe cláusulas abusivas ao Brasil, cria situação discriminatória contra o País, o que fere frontalmente o artigo 1º do Tratado do Espaço.
PRA: Não se trata de acordo multilateral de cooperação ou regulando a transferência de tecnologia, mas de um acordo de salvaguardas, com todas as restrições associadas a esse tipo de acordo. Rússia, Ucrânia e China, por exemplo, já detêm a tecnologia de lançamento e mantêm agressiva política comercial de atração de firmas de telecomunicações.

VP: Se o governo dos EUA estivesse disposto a permitir a utilização das instalações do CLA e a cooperar com o Brasil seguindo diretrizes consentâneas com o direito internacional e com base na reciprocidade e respeito mútuo, que sempre devem pautar as relações entre as nações, tenham elas o mesmo nível de desenvolvimento ou não, aplaudiríamos quaisquer iniciativas destinadas a cumprir tal finalidade.
PRA: O Brasil não pode obrigar o governo dos EUA a adotar contra sua vontade, uma visão cooperativa em matéria de lançamento de veículos, assimilados por esse país a vetores missilísticos e sujeitos, portanto, a restrições existentes em sua legislação interna. O que o Brasil pode fazer é ampliar as áreas de cooperação e de intercâmbio comercial, confiando em que tais práticas servirão para capacitar paulitinamente o país do ponto de vista científico e tecnológico.

VP: Um acordo de salvaguardas tecnológicas aceitável teria de ter as seguintes características:
1. a proteção da tecnologia sensível seria responsabilidade, por igual, de ambas as Partes Contratantes, conforme os compromissos internacionais anteriormente assumidos;
PRA: Igual proteção implica igual patrimônio a proteger, o que manifestamente não é ainda o caso para o Brasil, nesta área. A tecnologia sensível do Brasil será, contudo, objeto de proteção adequada.

VP: 2. as “áreas restritas” seriam controladas por ambos os governos e as autoridades e técnicos brasileiros devidamente credenciados pelo Brasil teriam inteira liberdade de nelas adentrarem;
PRA: O conceito de “áreas restritas” implica, justamente, restrição de alguma ordem a nacionais da outra parte, como ocorre, por exemplo, no território da Embaixada do Brasil em Washington.

VP: 3. eventuais vetos políticos de lançamentos só se concretizariam mediante consenso de ambos os países;
PRA: Não existem vetos políticos no caso de tecnologias genuinamente nacionais, desenvolvidas de forma independente.

VP: 4. a República Federativa do Brasil teria a inteira liberdade de usar o dinheiro provindo do uso do CLA para investir onde bem entendesse, inclusive no desenvolvimento do seu veículo lançador;
PRA: Essa liberdade já existe, apenas que o dinheiro “carimbado” das operações colocadas ao abrigo do acordo de salvaguardas não poderá fluir diretamente para atividades vinculadas ao programa espacial brasileiro, devendo ser recolhido ao Tesouro. Como o dinheiro é fungível, nada impede que ele retorne de onde saiu, sem qualquer tipo de carimbo.

VP: 5. a alfândega da República Federativa do Brasil poderia, sempre que julgasse necessário, abrir os “containers” enviados, contando com apoio de técnicos norte-americanos para identificar o material ali contido;
PRA: Malas diplomáticas brasileiras não são examinadas pela alfândega americana. Um ponto relevante, entretanto, precisa ficar claro: segundo o Artigo VIII, item B, do ATS, as autoridades americanas se obrigam a fornecer delcaração escrita sobre o conteúdo dos “containers” a serem enviados a Alcântara. Isso demonstra que o acordo não estabelece obrigações só para a parte brasileira, pois esta exigência é claramente de interesse da parte brasileira.

VP: 6. a República Federativa do Brasil, na condição de nação soberana, a qual deveria ser óbvia para todos, poderia negociar transferência de tecnologia com terceiros países e cooperar com nações que não fossem membros do MCTR nos usos pacíficos do espaço exterior e na utilização de sua base;
PRA: Dispondo de autonomia tecnológica, o Brasil poderá decidir livremente o escopo e o leque geográfico de sua cooperação com terceiros países. Obrigações internacionais são no entanto assumidas voluntariamente pelos países com o objetivo de aumentar o grau de segurança internacional e diminuir o potencial de conflito inerente à ordem internacional relativamente “anárquica” que ainda caracteriza o mundo atual.

VP: 7. além do pagamento pelo uso do CLA, o acordo deveria contemplar transferência de tecnologia espacial destinada aos usos pacíficos do espaço exterior.
PRA: O governo dos EUA não estava interessado em negociar um acordo de transferência de tecnologia nessa área com o Brasil, além do acordo geral de cooperação científica e tecnológica existente. O Brasil poderá fazê-lo com outros países interessados.

VP: O ato internacional representa o oposto de qualquer acordo baseado no princípio da reciprocidade e no respeito mútuo.
PRA: A reciprocidade e o respeito existem, mas o acordo em causa não pode substantivamente reger uma relação de demandante a demandado de forma simétrica, em função de sua própria natureza: salvaguardar segredos tecnológicos de apenas uma das partes, não de ambas simultaneamente.

VP: Ante o exposto, o nosso voto é pela rejeição do texto do Acordo.
PRA: A inexistência de um acordo de salvaguardas teoricamente não inviabilizará o desenvolvimento da base de Alcântara, mas tornará muito difícil a sustentação de uma série de atividades a ela vinculadas, aumentando o custo geral de todo o projeto e delongando a implementação de etapas mais avançadas do programa espacial.

Paulo Roberto de Almeida

Washington, 806: 31/08/2001