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quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Mal comparando a Argentina atual com a Alemanha saída da IIGM - Paulo Roberto de Almeida

Mal comparando a Argentina atual com a Alemanha saída da IIGM

Paulo Roberto de Almeida

Em seu pronunciamento à nação argentina de 20/12/2023, Milei expôs apenas fatos: o país decaiu terrivelmente e enfrenta agora dificuldades quase insuperáveis.

Ele propõe um duro caminho de recuperação baseado na recusa do intervencionismo estatal extenso e intenso do passado. 

Milei conseguirá? Tenho sérias dúvidas…

A Alemanha em 1949 tinha atrás de si um país destruído pela guerra e ocupado militarmente por potências estrangeiras. Os alemães aceitaram os fatos e seguiram em frente no caminho do trabalho, orientados por uma doutrina de ordo-liberalismo. 

Os argentinos talvez não tenham experimentado todos os horrores de um país destruído pelo coletivismo e pela ditadura ou ocupação estrangeira. Sua disposição para as reformas e o abandono das pequenas conveniências do “empurre a crise com a barriga” talvez ainda não tenham chegado ao “ponto ótimo da crise”.

Será muito difícil a Milei vencer a “casta” de interesses predatórios consolidados ou o corporatismo da república sindical construída ao longo de muitas décadas. 

Em todo caso, desejo-lhe muita sorte no empreendimento. A despeito de ser um pouco louco, ele está certo no diagnóstico geral. O problema está na mistura do bolo.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 21/12/2023

terça-feira, 18 de julho de 2023

Vidas Paralelas? Os processos de integração da América Latina comparados com os esquemas da Ásia Pacífico (2015) - Paulo Roberto de Almeida

 Um trabalho inédito, feito em 2015, antes que o TPP fosse confirmado, e antes de muitos outros desenvolvimentos nas duas regiões: 

Vidas Paralelas? Os processos de integração da América Latina comparados com os esquemas da Ásia Pacífico

Parallel lives? Regional integration processes in Latin America compared to the schemes in the Asia Pacific region.

 

Paulo Roberto de Almeida (2015)

 

Resumo: Ensaio sobre os processos de integração regional na América Latina e na região da Ásia Pacífico, em caráter comparativo e em perspectiva histórica. Examina as diferentes modalidades e esquemas de integração, em ambas as regiões, com destaque para os experimentos de áreas preferenciais de comércio – bem mais disseminados na região asiática – e de livre comércio ou de união aduaneira, sucessivamente tentados na América Latina, mas não conduzidos até sua implementação completa. Contrasta as políticas econômicas – macro e setoriais – aplicadas em cada uma das regiões, destacando o caráter mais aberto ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros no Pacífico asiático e a natureza mais introvertida, ou protecionista, com maior grau de dirigismo econômico, dos esquemas existentes na região latino-americana. Observa que, desde os anos 1960 se operou uma notável inversão de inserção econômica internacional de cada uma das duas regiões, uma vez que as perspectivas relativamente favoráveis existentes para a América Latina até os anos 1970 foram finalmente transferidas para a região asiática, que se inseriu de modo mais completo na economia mundial.

Palavras-chave: Integração regional. América Latina. Ásia Pacífico. Avaliação.

 

Abstract: Analytical essay dealing with the regional integration processes in Latin America and in the Asia Pacific regions, in historical perspective and with a comparative approach. Attempts an evaluation of the various modalities of the integration schemes, from more simple forms, as the preferential trade areas – more common in the Asia Pacific region – to the more complex free trade zones or customs unions, in implementation, albeit not completely, in the Latin American region. Compare and assess their differing economic policies – both macroeconomic and sectorial – and stress the more open features of the Asia experiments, integrated into the world trade and foreign investment flows, in contrast with the more introverted and protectionist nature of the Latin American experiments, characterized by various degrees of economic intervention by the States. A final observation can be made as to the clear inversion of the roles and respective places of the two regions in the world economy, from the early 1960s to our days, since the more favorable perspectives of Latin America seem to be transferred to the Asia Pacific region, where a deeper integration into the international productive networks is being operated. 

Kew words: Regional integration. Latin America. Asia Pacific. Assessment.

 

Ler a íntegra aqui: 

https://www.academia.edu/104708639/2796_Vidas_Paralelas_Os_processos_de_integra%C3%A7%C3%A3o_da_Am%C3%A9rica_Latina_comparados_com_os_esquemas_da_%C3%81sia_Pac%C3%ADfico_2015_

sábado, 26 de dezembro de 2020

Mudanças de Regime Econômico na História do Brasil, 1808-2020 - Paulo Roberto de Almeida

 3828. Mudanças de Regime Econômico na História do Brasil. 1808-2020”, Brasília, 26 dezembro 2020, 4 p. Atualização do quadro publicado nos trabalhos 2701 e 3795: Mudanças de regime econômico na história do Brasil: transformações estruturais, evolução institucional”, Revista de Economia Política e História Econômica (ano 10, n. 34, agosto de 2015, p. 169-225; ISSN: 1807-2674); texto ampliado, períodos subdivididos em fases intermediárias, com informação sobre taxas de crescimento e PIB per capita para os séculos XIX a XXI. Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/44774959/3828_Mudancas_de_regime_economico_na_historia_do_Brasil_1808_2020_2020_).

 

Mudanças de Regime Econômico na História do Brasil

 

Anos-Década

Eventos e processos políticos, orientações econômicas e sociais; resultados

Arranjos políticos predominantes, grupos de interesse, personalidades

Iniciativas e medidas de política econômica e características principais da fase

I – Economia escravista, agrário-exportadora, 1808-1888

Renda per capita em 1800 a preços de 2011: US$ 867 (Europa oc.: $ 2.307; USA: $ 2.545)

1808-1831

Fim do regime colonial abertura dos portos; relações comerciais; 

D. João; Imperador Pedro I; ministros do Primeiro Reinado

Tratados de comércio; pressões inglesas; tarifas reduzidas

Renda per capita em 1830: $ 867 (Europa oc.: $ 2.384; USA: $ 3.039; Arg.: $ 1.745)

1831-1840

Fim do I Reinado; regime das Regências: reformas na Constituição de 1824

Definição dos grupos políticos principais: liberais e conservadores

Tentativas frustradas de terminar acordos de comércio; tráfico persiste

Renda pc em 1850: $ 867 (Europa oc.:$ 2.678; USA: $ 3.632; Arg.: $ 1.994)

1840-1888

Abolição do Tráfico; redução progressiva da escravidão; abolição;

Alves Branco; Gabinetes do Segundo Reinado; Pedro II, Princesa Isabel

Pauta tarifárias nacional; protecionismo; incentivos à imigração

Renda pc em 1890: $ 1.084 (Europa oc.: $ 4.724; USA: $ 6.665; Arg.: 3.851)

II –Trabalho Assalariado, início da industrialização, 1888-1930

1888-1914

Forte imigração; surtos industriais; medidas protecionistas; aumento da dívida externa; primeiros investimentos estrangeiros

Proprietários de terras; tribunos; magistrados; presidentes; alguns industriais; bancos estrangeiros

Adoção de políticas econômicas de ajuste; vantagens dadas à indústria nacional; apoio à cultura do café; 

Renda pc em 1900: $ 874 (Europa oc.: $ 4.724; USA:$ 8.038; Arg.: $ 4.583);

Renda pc em 1910: $ 990 (Europa oc.: $ 5.135; USA:$ 9.637; Arg.: $ 6.092);

Crescimento do PIB e do PIB per capita do Brasil de 1901 a 1910: 4,2 e 1,1% anual

1918-1930

Expansão do café; apelo a capitais estrangeiros; envolvimento da classe média na política;

Presidentes, governadores estaduais; industriais, políticos, magistrados; investidores estrangeiros

Defesa do café; início da mudança da esfera britânica para a hegemonia americana;

Renda pc em 1920: $ 1.242 (Europa oc.: $ 4.884; USA: $ 10.153; Arg.$ 5.536);

Crescimento do PIB e do PIB per capita do Brasil de 1911 a 1920: 4,2 e 1,6% anual

III – Emergência do Estado intervencionista, políticas pró-industrialização

Renda pc em 1930: $ 1.350 (Europa oc.: $ 6.409; USA: $ 10.695; Arg.: $ 6.503);

Crescimento do PIB e do PIB per capita do Brasil de 1921 a 1930: 4,5 e 3,0% anual

(...) 

VII – Retorno a políticas de gradualismo no ajuste fiscal; limites a gastos

2016-2018

Retorno ao gradualismo e políticas de austeridade; correção de desajustes e desequilíbrios fiscais acumulados em 2012-16; reforma fiscal;

Presidente Michel Temer, ministro da Fazenda Henrique Meirelles e presidente do BC Ilan Goldfajn conduzem forte política de ajuste fiscal

Emenda constitucional de limite de gastos; reforma laboral; início de reforma previdenciária; inversão dos gastos crescentes; baixo crescimento;

Renda pc em 2016: $ 13.873 (Europa oc.: $ 38.511; USA: $ 53.015; Arg.: $ 18.875);

Crescimento do PIB e do PIB per capita do Brasil de 2010 a 2020: 0,2 e -0,6% anual

 

2019

Promessas de abertura econômica e comercial, de privatização sem resultados efetivos; diplomacia ideológica e servil aos EUA (Trump)

Populismo de direita com presidente Bolsonaro; ministro “liberal” Paulo Guedes: muita retórica; ideólogos reacionários na política externa; desastres

Reforma previdenciária conduzida no Congresso; governo confuso e inoperante nas políticas; divisão acentuada do país; autoritarismo;

Renda pc em 2018: $ 14.034 (Europa oc.: $ 39.790; USA: $ 55.335; Arg.: $ 18.556);

Crescimento do PIB e do PIB per capita do Brasil de 1961 a 1970: 6,2 e 3,2% anual

VIII – Grandes incertezas econômicas; recessão mundial; protecionismo

2020

Pandemia da Covid-19 desorganizou todo o processo de elaboração de políticas econômicas, obrigando a intervenções emergenciais de sustentação de empresas e auxílios sociais; aumento dos déficits orçamentários e da dívida pública.

Crescimento do PIB em 2020: -4,4%; Crescimento do PIB per capita: -5,2%

Elaboração: Paulo Roberto de Almeida (26/12/20/2020); com base em fontes diversas: FGV, com dados do IBGE e FMI; Andus Maddison Project on Historical Statistics (25/12/2020; link:https://www.rug.nl/ggdc/historicaldevelopment/maddison/releases/maddison-project-database-2020).

 

Ver o quadro completo neste link: 


https://www.academia.edu/44774959/3828_Mudancas_de_regime_economico_na_historia_do_Brasil_1808_2020_2020_





segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Duas diplomacias contrastadas: a do lulopetismo e a do bolsolavismo - Paulo Roberto de Almeida

Meu trabalho mais recente, apenas terminado, para uma palestra online. Obviamente não será lido: 

3739. “Duas diplomacias contrastadas: a do lulopetismo e a do bolsolavismo”, Brasília, 23 agosto 2020, 35 p. Exercício de comparação recapitulativa dos principais elementos de política externa e de diplomacia em cada uma das duas épocas, incluindo também a de FHC. Disponibilizado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43930886/3739_Duas_diplomacias_contrastadas_a_do_lulopetismo_e_a_do_bolsolavismo_2020_).

Duas diplomacias contrastadas: a do lulopetismo e a do bolsolavismo
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata; professor no Uniceub
(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Sumário: 
1. Similaridades e diferenças entre uma e outra diplomacia
2. O que distingue, basicamente, a diplomacia lulopetista da bolsolavista? 
3. Contrastes e confrontos entre a diplomacia lulopetista e a bolsolavista
(a) Multilateralismo e cooperação internacional: a quadratura do círculo
(b) OMC e questões comerciais em geral: muito barulho por quase nada
(c) Terrorismo: o que os EUA determinarem, está bem
(d) Globalização e “globalismo”: quando o besteirol chega ao Itamaraty
(e) Brasil na América do Sul e a questão da liderança regional
(f) Mercosul: supostamente relevante, mas de fato deixado de lado
(g) Argentina, o parceiro incontornável (mas contornado)
(h) Europa, União Europeia: esperanças e frustrações
(i) A relação bilateral com os Estados Unidos: subordinação em toda a linha
(j) relações com a China: entre o saldo comercial e o “comunavirus”
4Instrumentos diplomáticos e características gerais das duas diplomacias

Resumo: Ensaio comparativo, contrastando as políticas externas das administrações Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro, com base em suas características gerais e nas tomadas de posição em relação a um conjunto de temas da agenda internacional, nomeadamente: multilateralismo (CSNU); OMC e negociações comerciais multilaterais; terrorismo; globalização; Brasil como líder na América do Sul; Mercosul; Argentina; Europa e União Europeia; relações com os Estados Unidos e China, ademais dos instrumentos diplomáticos mobilizados por cada um dos governos. Os elementos inéditos na fase recente são bem evidentes tanto no estilo quanto na substância, que passou a exibir diversos traços de ruptura com respeito aos padrões e tradições da diplomacia brasileira.
Palavras-chave: diplomacia brasileira; governo Luiz Inácio Lula da Silva; governo Jair Messias Bolsonaro; multilateralismo; globalização; regionalismo; negociações comerciais.

Abstract: Comparative essay, contrasting the foreign policies of Luiz Inácio Lula da Silva’s and Jair Messias Bolsonaro’s administrations. Besides the general features of each diplomacy, external policies and practices of each government are compared for a set of issues in the international agenda, namely: multilateralism (UNSC); WTO, and multilateral trade negotiations; terrorism; globalization; Brazil as a leader; South America; Mercosur; Argentina; Europe; relationship with the United States, and China, with a final section on diplomatic tools preferred by each government. There are unseen aspects in current diplomacy, both in style as well as substance, with breaking features with the traditional patterns and standards of Brazilian diplomacy.
Key-words: Brazilian diplomacy; Luiz Inácio Lula da Silva government; Jair Messias Bolsonaro government; multilateralism; globalization; regionalism, trade negotiations.


Duas diplomacias contrastadas: a do lulopetismo e a do bolsolavismo

Paulo Roberto de Almeida

1. Similaridades e diferenças entre uma e outra diplomacia
Em meados de 2004, ou seja, aproximadamente um ano e meio depois da inauguração do primeiro mandato do presidente Lula, procedi a uma avaliação de sua política externa, em perspectiva comparada com a diplomacia do recém findo governo de Fernando Henrique Cardoso, este ao final de seus dois mandatos. O artigo, “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula”, foi publicado na Revista Brasileira de Política Internacional (2004, vol.47, n.1, p. 162-184, link: http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v47n1/v47n1a08.pdf) e depois incorporado ao livro Nunca Antes na Diplomacia...: A política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014). Ele converteu-se num dos trabalhos mais acessados, segundo a listagem do Google Scholar (perto de trezentas citações), abrindo uma discussão colaborativa com diversos outros colegas acadêmicos trabalhando na mesma temática.
Um ano e meio após a inauguração do governo Bolsonaro, imaginei poder repetir o exercício, procedendo a uma comparação entre as duas diplomacias, a do lulopetismo e (à falta de melhor termo) a do bolsolavismo. De imediato, constatei que tal comparação, segundo os procedimentos metodológicos apropriados a esse tipo de abordagem, seria propriamente impossível, em vista da inexistência de base documental suficiente para o segundo elemento. Não obstante, como daquela primeira vez, vale o esforço analítico.
Cabe, antes de tudo, uma explicitação quanto à escolha do termo “bolsolavista”, em lugar de diplomacia bolsonarista. Ela é simples: não se tem nenhuma indicação de que o presidente, ou seus assessores mais próximos, tenham ideias próprias no terreno da política internacional, ao passo que muitas de suas posturas, inclusive na área externa, parecem ter recebido decisiva influência de conhecido influenciador e animador de movimentos da direita conservadora, que declarou abertamente que atuou como “patrono” da designação do chanceler escolhido; seja como for, nenhum deles, até aqui, ofereceu qualquer documento de trabalho ou discurso abrangente sobre as bases conceituais, as diretrizes operacionais ou as prioridades práticas do que normalmente se concebe como sendo uma política externa de um governo normalmente constituído.
(...)


segunda-feira, 15 de junho de 2020

Vidas Paralelas: as diplomacias de Lula e Bolsonaro comparadas - Paulo Roberto de Almeida

Vidas Paralelas: as diplomacias de Lula e Bolsonaro comparadas

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: Entrevista; finalidade: Trabalho acadêmico]
  
1. Os dois primeiros anos de Lula em seus dois mandatos e os dois primeiros de Bolsonaro.
O governo Lula – que tinha prometido manter a política econômica do governo precedente na sua “Carta ao Povo Brasileiro” de junho de 2002 – começou muito bem no plano econômico, mas em compensação deu uma guinada para a esquerda na política externa, para contentar as suas bases militantes. Criou uma nova orientação para a política externa, que chamou de Sul Global, ou seja, priorizando uma política de relacionamento especial e prioritário com países do Sul, em contraposição ao que se tinha antes, que era uma política externa universalista, sem discriminações geográficas. 
Contou para isso o fato de que, depois de bastante tempo terem servido diplomatas como conselheiros presidenciais em matéria de política externa, se passou a ter um apparatchik do PT cumprindo essa função, um homem, Marco Aurélio Garcia, que foi um aliado integral dos comunistas cubanos na montagem do Foro de S. Paulo. Muito da política externa seguida durante todos os governos petistas tiveram essa inclinação, inclusive de apoio às mais execráveis ditaduras do continente e de outros continentes.
Em contraste, a política externa de Bolsonaro se colocou desde o início em confronto com essa orientação, mas exagerando do lado da extrema-direita, até exagerando na importância do Foro de S. Paulo, e colocando o combate ao marxismo cultural como uma das prioridades do Itamaraty, inclusive acusando diplomatas de terem servido de suporte a essa orientação ideológica do novo governo. O relacionamento do governo Bolsonaro se fez, ou se faz, prioritariamente em direção de outros regimes nacionalistas de extrema-direita, a começar pela figura do presidente americano, supostamente um campeão da luta contra o fantasma do globalismo e o multilateralismo. Com isso, essa política externa conseguiu alienar, inclusive por outras medidas em ambiente e direitos humanos, as boas relações que o Brasil mantinha com parceiros tradicionais na Europa.
De toda forma, não temos ainda dois anos de Bolsonaro, mas já nos dezoito meses podemos concluir que tem sido um desastre muito maior do que os primeiros dois anos do governo Lula, com uma ruptura completa nas grandes linhas da diplomacia brasileira, assim como nos métodos de trabalho do Itamaraty. 
Se posso recomendar mais amplas leituras sobre cada uma das duas políticas externas e suas práticas diplomáticas, elas figuram nestas obras minhas: 
Sobre a diplomacia de Lula: Nunca Antes na Diplomacia...: A política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014; impresso e e-book); Contra a corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Curitiba: Appris, 2019; idem). Sobre a diplomacia de Bolsonaro; Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019; em edição de autor e pela UFRR; disponíveis livremente em meu blog Diplomatizzando); O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira (Kindle 2020; ASIN: B08B17X5C1). Especificamente sobre o primeiro mandato dos governos Lula, tenho este artigo: 1699. “A diplomacia do governo Lula: balanço e perspectivas”, Brasília, 11 dezembro 2006, 14 p. Versão completa divulgada no blog Diplomatizzando (21/05/2012; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2012/05/diplomacia-do-primeiro-mandato-de-lula.html).

2. Caracterizando as políticas externas de Lula e Bolsonaro
A de Lula, esquerdista moderada e desenvolvimentista; a de Bolsonaro, ideologicamente marcada à extrema-direita, e subordinada não apenas aos Estados Unidos, mas ao governo Trump particularmente. Uma ruptura com os padrões tradicionais da política externa do Itamaraty muito mais profunda do que a que tinha ocorrido sob Lula. Para uma análise mais aprofundada, valem as recomendações das leituras acima.

3. A política interna de Lula e Bolsonaro
Supostamente liberal, mas de fato com NENHUMA privatização e quase nenhuma implementação de reformas fundamentais, a não ser a da Previdência, em grande medida feita pelo Congresso, e uma outra de regime especial para a questão da pandemia, preservado a reforma feita no governo Temer de controle de gastos.
Sobre a política econômica do governo Lula, posso indicar este meu artigo: 2192. “Uma avaliação do governo Lula: a área econômica”, Shanghai, 26 setembro 2010, 9 p. Revista Espaço Acadêmico (ano 10, n. 113, outubro 2010, p. 38-45; ISSN: 1519-6186; link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/11273/6144).

4. Aliados e inimigos de Lula e Bolsonaro (econômicos, sociais, políticos)
A esquerda em geral, o governo comunista cubano em especial, e os bolivarianos da América do Sul, no caso de Lula. No caso de Bolsonaro, demonstrou uma subserviência a Trump jamais vista em qualquer presidente brasileiro. No plano interno, os sindicalistas para Lula – dotações do MTb para as centrais sindicais, sem comprovação de gastos – e para os ruralistas mais atrasados no caso de Bolsonaro, daí os ataques contra a fiscalização dos desmatamentos na Amazônia e a denúncia das ONGs em todas as áreas.

5. Relação de Bolsonaro com Trump
Subserviência explícita, como se notou no “I love you Trump”, por ocasião da abertura dos debates na AGNU, em setembro de 2019. Também cultiva Netanyahu em Israel e outros líderes de direita.

6. Estratégia de segurança de Lula e Bolsonaro, preocupação com ameaças à segurança e investimento nas forças armadas.
Ambos procuraram atender aos reclamos das FFAA e dos militares, mais no terreno dos soldos e pensões militares do que dos equipamentos e projetos. No caso de Bolsonaro, também conta o apoio às PMs, que ele pretende fazer uma espécie de milícia a seu serviço. Um artigo sobre e estratégia global do governo Lula: 2207. “Never Seen Before in Brazil: Lula’s grand diplomacy”, Shanghai, 18 outubro 2010, 20 p. Publicado na Revista Brasileira de Política Internacional (vol. 53, n. 2, 2010, p. 160-177; ISSN: 0034-7329; link: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292010000200009&lng=en&nrm=iso&tlng=en; arquivo em pdf: http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v53n2/09.pdf).

7. Os principais interesses da política externa de Lula e Bolsonaro
Lula era megalomaníaco e queria ser reconhecido como grande líder mundial, ou pelo menos do Terceiro Mundo. Bolsonaro quer transformar a política externa do Brasil em bastião da luta contra o comunismo, o globalismo e outros supostos inimigos externos. Procedi a um exame sintético da política externa de Lula neste artigo: 2189. “Balanço do governo Lula: evolução do setor externo”, Shanghai, 25 setembro 2010, 6 p. Foco no comércio exterior e na integração mundial. Publicado em Dom Total (19/05/2011; link: http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=1981).

8. A consistência de Lula com a ideologia de esquerda
Retoricamente muito forte, mas na prática mais moderada; Lula nunca foi de fato de esquerda, sempre foi um oportunista. Já Bolsonaro não tem nenhuma objeção a ser identificado com a direita mais extrema. Cultivou Taiwan, antes das eleições, o que deixou os chineses muito irritados. Sobre o papel do governo Lula na questão política, tenho um artigo: 2510. “Democracy Deficit in Emerging Countries: Undemocratic trends in Latin America and the role of Brazil”, Hartford, 3 September 2013, 34 p. Paper for the Conference “Promoting Democracy: What Role for the Emerging Powers?”, organized by the Deutsches Institut für Entwicklungspolitik (DIE), the International Development Research Centre (IRDC), and the University of Ottawa (Ottawa, 15-16 October 2013; Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43350326/Democracy_Deficit_in_Emerging_Countries_Undemocratic_trends_in_Latin_America_and_the_role_of_Brazil_2013_).

9. A consistência de Bolsonaro com a ideologia da direita
Nenhuma, pois Bolsonaro não tem capacidade de formular um pensamento político. Apenas tem instintos primitivos de anticomunismo primário. Profundamente autoritário.

10. Bolsonaro e a pandemia do COVID-19.
Continuou um negacionista empenhado em sabotar as medidas de isolamento. Alguns artigos meus: 3646. “Pandemia global e pandemia nacional: um futuro pior que o passado”, Brasília, 23 abril 2020, 10 p. Notas para palestra online; disponível no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/04/uma-palestra-sobre-duas-pandemias.html) e em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/42836086/Pandemia_global_e_pandemia_nacional_um_futuro_pior_que_o_passado_2020_); 3673. “A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de pandemia global”, Brasília, 18-20 maio 2020, 28 p. Ensaio sobre a temática do título, para servir como texto de apoio a palestra online; disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43208735/A_politica_externa_e_a_diplomacia_brasileira_em_tempos_de_pandemia_global_2020_) e anunciado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/05/a-politica-externa-e-diplomacia.html).

11. Comparando diretamente a política externa de Lula e Bolsonaro
Não há termos de comparação. Lula era um oportunista em todos os sentidos, inclusive e principalmente na política externa. Bolsonaro é um destruidor de todas as instituições existentes. Remeto novamente aos meus livros já referidos anteriormente: Nunca Antes na Diplomacia...: A política externa brasileira em tempos não convencionais(Curitiba: Appris, 2014; impresso e e-book); Contra a corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Curitiba: Appris, 2019; idem); Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019; em edição de autor e pela UFRR; disponíveis livremente em meu blog Diplomatizzando); O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira (Kindle 2020; ASIN: B08B17X5C1).

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de junho de 2020

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Comparacoes: Lula e Getulio - Ivar A. Hartmann (2015)

Este autor, sociólogo como eu, comparou Lula e Hitler. Eu também compararia; e isso desde que visitei o Museu dos Congressos Anuais do Partido Nazista em Nuremberg, em 2012, e assisti alguns vídeos de Hitler, arengando as massas, no mesmo tom que o palanqueiro sempre fez aqui no Brasil.
Fiquei tentado de escrever algo a respeito, mas por falta de tempo não o fiz.
Ele o fez, mas não disponho do artigo dele neste momento.
Ele divulgou este outro, que reproduzo.
Eu não seria elogioso a Getúlio Vargas, um ditador que depois virou  populista.
Mas, não deixa de ser interessante ler esta comparação.
Paulo Roberto de Almeida

Ivar A. Hartmann 
Doutorado em Direito Público pela Universidade do Rio de Janeiro, Mestre em Dirreito Público pela PUC, LLM pela Harvard Law School.

Getúlio e Lula ( Imperdível ) 
Há semanas escrevi as biografias comparativas de Hitler e Lula. Alguns não gostaram. Mas nada foi ideia minha: apenas comparei as igualdades existentes. Vamos então comparar Getúlio Vargas e Lula da Silva. O primeiro nasceu rico, o segundo pobre. Getúlio morreu com o que herdou dos pais, pois sua vida foi dedicada à política.
Lula enriqueceu por caminhos que só a cúpula petista conhece, e sua vida é dedicada à política. 
Getúlio formou-se em advocacia e foi um bom promotor de justiça. 
Lula formou-se na escola primária e foi um mau metalúrgico, tanto que perdeu o dedo. 
Getúlio liderou uma revolução popular contra a corrupção e o empobrecimento do país. 
Lula lidera uma revolução de canalhas proeminentes a favor da corrupção. 
Getúlio, presidente e ditador, levava multidões de trabalhadores aos estádios para ouvi-lo. 
Lula leva multidões de empregados do governo para ouvi-lo. 
Getúlio continua sendo “o pai dos pobres”. Lula é o padrasto dos pobres e o protetor de bandidos. 
Getúlio criou a CLT para proteger os operários. 
Lula acoberta o MST para proteger os desocupados. Getúlio, amigo de alemães e americanos, usou a Segunda Guerra para trazer dinheiro americano e iniciar o processo de industrialização do país, através da CSN.
Lula, amigo da Bolívia, Cuba, Uganda, Guiné Bissau e Nicarágua, manda o dinheiro dos brasileiros, via BNDES para industrializar estes países. 
Getúlio criou a Petrobras. Lula destruiu a Petrobras. Getúlio era o homem do chimarrão. Lula é o homem da cachaça. 
Getúlio fazia promoção do Brasil levando a imagem de um estadista sempre bem vestido e bem falante com uma esposa que se dedicava aos pobres do Brasil. 
Lula tem a imagem do Jeca Tatu do Monteiro Lobato, com uma esposa alheia aos interesses dos pobres. 
Getúlio teve um caso de corrupção em seu governo, chefiado por Gregório Fortunato, chefe de sua guarda pessoal. Pelo cargo de Gregório já imaginam os leitores o valor do escândalo. Matou-se de vergonha. Lula teve vários casos de corrupção em seu governo. Muito ainda agora sendo apurados, como é o caso da Petrobrás. Ministros, parlamentares e amigos próximos dele ou cumprem pena por bandidos ou estão respondendo a processo. 
Bilhões e bilhões de reais roubados dos brasileiros. Até o momento em que concluo, não há notícias de que tenha tentado o suicídio. 
Ambos brasileiros. Getúlio um homem. Lula um molusco.

domingo, 2 de novembro de 2014

Costumes petistas: comparar com ma-fe e iludir com os numeros - Paulo Roberto de Almeida

Passei uma parte da noite argumentando com um desses jovens e ingênuos companheiros, que armados apenas dos panfletos mentirosos da sua tribo, tentava mais uma vez me provar como o ancien régime neoliberal dos tucanos foi um horror econômico, e como tudo melhorou na gestão lulo-petista, para maior felicidade de todos neste país tão unido em torno das maravilhas que eles realizaram nesse novo regime do Nunca Antes.
Já sei que não adianta tentar convencer um petista: convertidos nunca se convencem, pois eles têm a verdade revelada, a luz imbatível das certezas incorrigíveis, e alguns números na mão, que eles torturaram para desvendar o reino das realizações mirabolantes.
Como eu conheço também todos os números, me seria seria fácil provar que eles estão errados. Seria fácil, mas custoso, pois primeiro precisaria demonstrar, com outros números à mão, que eles fazem "comparações" com base em valores nominais, não deflacionados, ou não corrigidos, que eles retiram as estatísticas do contexto para simplesmente agitar dois números discrepantes, que eles constroem, enfim, dados que não existem sem as muletas da má-fé e da distorção quantitativa.
Eu conheço isso de longe, e já assisti desde o início.
Aliás, todos nós, ou quase todos, saudamos o advento da era da justiça social, da ética na política e de todas aquelas promessas que iriam, finalmente, redimir o país da desigualdade, da corrupção, do fisiologismo, enfim, das trapaças habituais dos políticos.
Mal sabíamos o que nos esperava, que aliás começou em seguida, com a tal história da "herança maldita", uma das coisas mais sórdidas e mais desonestas que eu já vi, sendo proclamada o tempo todo, contra todas as evidências.
A desonestidade continuou, durante todo o primeiro mandato daquele que passou a ser chamado de Apedeuta, por Janer Cristaldo (a quem pago o copyright pela criação da expressão). Na campanha de 2006, os petistas soltaram uma das brochuras comparativas mais mentirosas que me foi dado ver com estes olhos de simples professor de economia, acostumado a lidar com os números das contas nacionais e das transações externas todos os dias, por força de ofício e de interesse intelectual.
Essa brochura, que devo ter ainda entre meus pertences me convenceu, em definitivo, que estávamos em face de um partido e de pessoas profundamente desonestas, que não hesitariam diante de nada para falsear a realidade para suas finalidades políticas.
Escrevi, então, o texto que vai abaixo, que ficou praticamente sem divulgação na ocasião, e que recupero agora de meus arquivos eletrônicos. Lamento não ter achado a brochura original do PT, para demonstrar como o exercício de mistificação era realmente escandaloso.
A partir daí, confesso que cansei de desmentir os companheiros, inclusive porque seria inútil: eles continuam, como vimos ainda agora, na campanha de 2014 (e foi assim também na de 2010), a mentir sobre a base de construções estatísticas manipuladas, e distorcendo os números.
Creio que por força do Apedeuta, eles têm uma obsessão pscicológica contra o FHC, pois não adianta estarmos há mais de 12 anos distante daqueles anos, eles voltam repetidamente a falar dos anos FHC, como se tivessem sido o horror na Terra, e eles tivessem vindo para inaugurar o Eden. Deve ser algum problema mental do chefe, um ódio incontido do sociólogo ex-presidente, que só o Apedeuta pode explicar de onde vem exatamente.
Em todo caso, parei de desmentir bandidos dessa laia, pois não adiantaria muito.
Mas, como passei metade da noite, hoje, tentando justamente educar um ingênuo, e tendo achado este texto nos meus arquivos, permito-me transcrevê-lo aqui apenas como registro histórico, já que ele fala de uma patifaria de oito anos atrás (mas elas continuaram no mesmo estilo, até piorando).
Fico por aqui, mas prometo escrever um dia um ensaio de cunho kafkiano, para tratar da questão.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 2/11/2014


Desconstruindo o Brasil: como iludir com números

Paulo Roberto de Almeida 

A liderança do PT na Câmara dos Deputados anunciou o lançamento, em 12 de julho de 2006, do livro “Governo Lula: a construção de um Brasil melhor - a verdade dos números”. Com ele, a bancada do PT na Câmara pretende fazer, com fins nitidamente eleitoreiros, um balanço das realizações do governo Lula, comparando-as com os dois mandatos do governo FHC.
Já se sabia que o PT, em geral, e Lula, em particular, eram obsecados por uma suposta herança “maldita” que lhes teria sido legada pelo antecessor de oito anos. O que não se sabia era que eles se dedicariam a arranjar números e a fabricar comparações para “provar” que o governo atual faz muito melhor do que tudo que se fazia antes, aliás, desde o descobrimento do Brasil.
O líder petista naquela casa legislativa pretende que são “dados à prova de balas” e que o PFL e o PSDB pretendem deles fugir “como o diabo foge da cruz”. Ele esqueceu-se apenas de mencionar que a maior parte dos dados negativos no período imediatamente anterior à eleição e posse de Lula pode ser justamente explicada pela deterioração sensível experimentada pela economia brasileira em face da perspectiva da vitória eleitoral do partido que prometia “mudar tudo isso que (estava) aí”, inaugurando uma era de ruptura econômica e de revisão fundamental dos compromissos externos do Brasil. 
O livro talvez seja mais relevante pelo que ele NÃO mostra do que pelo que ele efetivamente mostra, ou seja, um conjunto de dados estatísticos e de séries históricas habilmente arranjados – em gráficos, histogramas e tortas coloridas – para dar essa impressão de progresso notável nos números e nas tendências nos últimos três anos e meio. O PSDB vai provavelmente arranjar outros números e um conjunto alternativo de fatos para “provar” que muito do que se apresenta hoje como sucesso econômico  e conquistas sociais representa, na verdade, uma herança “bendita” das sementes plantadas anos atrás, com o que os dois principais partidos brasileiros terão dado sua contribuição original para a velha arte de enganar com os números e de iludir com argumentos construídos.
A arte da comparação é sem dúvida alguma um velho procedimento das ciências sociais e, mais ainda, das mágicas eleitorais, bastando, no entanto, que seus praticantes se dediquem, efetivamente, a comparar elementos comparáveis entre si – isto é, “animais” pertencentes a uma mesma “família” – e que eles consigam construir argumentos que não ofendam o leitor pela sua apresentação especiosa e, sobretudo, que eles não incidam naquilo que se poderia chamar de desonestidade intelectual.
Ora, ao pretender que a “análise criteriosa dos dados mostra que o Brasil mudou para melhor de 2003 em diante”, o líder do PT na Câmara quer nos fazer acreditar que o Brasil, até então obstruído pelo mar de sargaços do não crescimento e da desigualdade social absoluta, despertou em 1º de janeiro daquele ano para um destino glorioso de desenvolvimento econômico e social, com crescimento acelerado dos empregos e a distribuição generosa dos frutos de um crescimento que só o partido do presidente Lula foi capaz de prover. A desfaçatez só é comparável à ignorância deliberada que o PT continua a exibir em relação aos “recursos não contabilizados”, ao esquartejamento das agências regulatórias, ao loteamento do Estado e à alienação de soberania em diversos lances de sua diplomacia partidária. Aliás, vários dos dados compilados foram extraídos do livro do líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante, “Brasil Primeiro Tempo: análise comparativa do governo Lula”, no qual já compareciam muitos dos golpes de ilusionismo econômico que a liderança na Câmara pretende agora nos impingir.
Por acaso, uma única frase do líder petista na CD deve receber nosso total assentimento, a de que “o Brasil de hoje, o Brasil de julho de 2006, é bem melhor que o de 1º de janeiro de 2003, quando o governo Lula iniciou-se". 
De fato, o Brasil de hoje não apresenta todo o cortejo de números negativos que foram sendo criados ao longo de 2002, a partir da ameaça de vitória, concretizada em outubro, do candidato do partido que sempre prometeu alterar fundamentalmente os dados da economia brasileira. O que ocorreu, naquele ano, utilizando-se de conhecida metáfora brasileira, foi a introdução de um “bode” na sala; sua retirada gradual, a partir de janeiro de 2003, melhorou sensivelmente o ambiente na “casa Brasil”, tornando-o mais respirável e sobretudo menos sombrio, tal como então se antecipava, em função da eventual perspectiva de que os novos inquilinos pretendessem “chutar o pau da barraca”.
À margem dos muitos números, figuras e gráficos otimistas, uma única comparação – que seria absolutamente singela – não é jamais feita na pequena brochura montada pelos “economistas” do PT: a de que a política econômica conduzida pelo governo Lula é fundamentalmente diferente – em mecanismos, instrumentos, natureza e orientação – da política econômica neoliberal que eles diziam combater na era FHC. Se esses economistas conseguirem provar, a todos nós, leitores da brochura ou simples cidadãos, que a atual política econômica difere radicalmente em propósitos, nas modalidades e no ferramental utilizado daquela que era aplicada antes de sua gloriosa assunção ao poder, então eles merecem um prêmio Nobel de economia, ou melhor, talvez um prêmio de lata de prestidigitação econômica.
O fato é, como sabem todos, que em nenhuma das políticas macroeconômicas tidas como fundamentais – na área monetária, fiscal ou cambial – ocorreu qualquer ruptura com tudo o que “estava ali antes”. Se mudanças ocorreram, nas políticas setoriais, elas foram para pior, quando não para o absolutamente negativo em termos de desempenho ou de regulação de setores importantes para o crescimento do Brasil: na área agrícola, houve ameaça sobre ameaça de “desconstrução” do agronegócio, com os constantes ataques do ministro do subdesenvolvimento agrário à agricultura de exportação e as frequentes ameaças de invasão de terras pelos neobolcheviques do MST; na área da pesquisa agrícola, os impasses criado pelos opositores fundamentalistas dos transgênicos foi dramática para o progresso dos experimentos no setor; na infraestrutura, todos assistiram á tragédia das estradas esburacadas e aguardam apreensivos a possibilidade de um novo apagão energético; todas as agências reguladoras foram literalmente castradas em seu poder de monitoramento e de implementação de normas apolíticas, substituídas estas por decisões governamentais que deixam os investidores sem condições de se precaver contra a possível volatilidade e o caráter errático das novas regras.
Nada na brochura nos lembra a não-reforma política, a não-reforma trabalhista, a não-reforma previdenciária, a não-reforma educacional (a não ser para constranger as universidades privadas e introduzir critérios dúbios de “justiça social”, de caráter racial, nas públicas. Em nenhum momento se diz que a carga fiscal, já pesadamente aumentada na gestão anterior, foi ainda mais reforçada, sem que qualquer reforma tributária no sentido do alívio impositivo tenha sido ensaiada nestes últimos três anos e meio. Tampouco se menciona o crescimento expressivo das despesas públicas, muito acima da inflação e da própria taxa de crescimento, tão pífia quanto ela tinha sido na administração tucana.
A brochura tampouco menciona que a política externa “ativa e altiva”, como gosta de repetir o chanceler a serviço da diplomacia partidária absolutamente canhestra e amadora do PT, sofreu derrota após derrota em todas as suas pretensões terceiro-mundistas e integracionistas. Quando Lula assumiu, a prioridade estava com o reforço do Mercosul e a “união da América do Sul”, para melhor negociar a – na verdade opor-se à – Alca. Não é preciso sequer mencionar o estado atual do Mercosul e a efetiva desunião regional para evidenciar o fracasso dessa política de “liderança” brasileira na região, recusada por todos e obstaculizada por muitos. Todas as candidaturas brasileiras para organismos internacionais – OMC, BID e sobretudo a obsessão com uma cadeira permanente no CSNU – sofreram derrotas fragorosas, causadas sobretudo por aqueles que tinham sido aprioristicamente definidos como “parceiros estratégicos”, a começar pela Argentina e pela China. A alienação da soberania nacional e a rendição a interesses estrangeiros da diplomacia petista tornaram-se patentes quando foi um governante estrangeiro – no caso o presidente Chávez – que definiu onde se instalaria uma nova refinaria de petróleo (e não estudos técnicos conduzidos no próprio Brasil) e quando o governo dobrou-se vergonhosamente à imposição da nacionalização dos recursos energéticos da Bolívia, em frontal oposição a tratados assinados entre os dois países e a acordos concluídos entre aquele governo e a Petrobras.

A desonestidade intelectual transparece, por exemplo, na comparação de  taxas anuais de inflação, quando se menciona que quando Lula assumiu, algumas projeções indicavam que a inflação poderia chegar em 2003 a 42,9% e que agora a inflação de 2006 será de 4,5% ao ano. Desonestidade ainda maior vem associada à lembrança de que em outubro de 2002, o risco-país (calculado com base na aceitação dos títulos do governo brasileiro no exterior) estava em 2.035 pontos. Em maio deste ano [2006], estava em 216 pontos. Não é preciso dizer que não se tratava, absolutamente do risco-Brasil, mas única e exclusivamente do risco-Lula e do risco-PT.
Um outro “esquecimento virtual” comparece na questão cambial: jamais comparece na brochura a noção de “populismo cambial”, antes assacada permanentemente contra o ex-presidente do BC Gustavo Franco, quando a taxa real do dólar, em sua época, estava abaixo, em termos reais, da que hoje é suportada pelos exportadores e setores industriais. Tampouco se lembra que o governo Lula cumpriu obedientemente os acordos com o FMI, aumentando inclusive de forma totalmente voluntária o nível do superávit primário (de 3,75% do PIB para 4,25%), honrando todos os compromissos e terminando por devolver antecipadamente, num gesto claramente demagógico, os empréstimos de baixo custo concedidos por aquele organismo financeiro apenas para lançar títulos no mercado comercial a taxas de juros mais altas.
A questão do emprego é outro sintoma da desonestidade intelectual da brochura do PT, uma vez que se sabe que mais da metade do mais de um milhão de “empregos criados” corresponde, de fato, a empregos existentes que foram simplesmente formalizados, sem que fosse efetivamente gerados novos postos de trabalho. A redução das desigualdades é apresentada como outra das “vitórias” deste governo, quando os estudos indicam claramente que se trata de uma tendência dos últimos doze anos, pelo menos, quando a redução da inflação permitida pelo Plano Real eliminou o “imposto inflacionário” sobre os pobres e investimentos em infraestrutura e em educação do governo FHC contribuíram para a melhoria de diversos indicadores sociais. O coeficiente de Gini baixou sim, mas não exclusivamente em virtude do bolsa-família, esse “mensalão” governamental que está criando um exército de assistidos do tamanho de uma Argentina que mais se assemelha a um curral eleitoral do que a uma comunidade de cidadãos que deveria ser paulatinamente inserida no mercado de trabalho.
A produção agrícola, por sua vez, ameaça novamente entrar em crise neste ano e no próximo, em virtude do pouco caso revelado pelo partido aliado do MST em relação ao agronegócio, que grande parte dos petistas despreza e pretende ver substituído por uma agricultura familiar não mercantil. A cartilha também mente quanto ao número de assentados da reforma agrária de Lula, misturando número de candidatos a lotes com assentamentos efetivos.
Finalmente, nada se menciona quanto à bomba fiscal que está sendo armada para 2007 pelos aumentos irresponsáveis dos salários dos funcionários públicos feitos nesta conjuntura eleitoral pelo governo Lula. Esses aumentos, travestidos de “correções de planos de carreira” para não serem sumariamente vetados pela justiça eleitoral, ofendem claramente os preceitos legais em matéria de legislação eleitoral, uma vez que são aumentos claramente acima dos índices oficiais de inflação, têm por fim contemplar os interesses de várias categorias do funcionalismo nesta época pré-eleitoral e são feitos mediante medidas provisórias, quando nada indica que eles apresentem urgência e relevância substantiva, como recomendariam os preceitos constitucionais regulando a emissão desse tipo de medida. 

Em suma, o PT continua fazendo da propaganda seu principal instrumento político, mediante uma maquiagem nos números dos últimos anos, esperando que a maior parte dos cidadãos se deixe iludir quanto a uma suposta “excelência de resultados” do governo petista. Em matéria de magia eleitoral, para não falar de desonestidade intelectual, não poderia ser mais ilustrativo de tudo o que se tem assistido nos últimos três anos e meio.
Brasília, 14 de  julho de 2006