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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

O quase golpe no Paraguai e a origem da clausula democratica do Mercosul - Marcio Dias


O quase-golpe paraguaio que desmoralizaria o Mercosul, mas que foi obstado pelo Brasil e pelos EUA, e que deu origem à cláusula democrática do Mercosul, atualmente em desuso num bloco bolivarianizado. Depoimento de Marcio de Oliveira Dias, ex-embaixador em Assunção na ocasião e um dos protagonistas do episódio, em artigo histórico e inédito. Material para a história dos dois países e do Mercosul.
O jornal paraguaio ABC Color retomou a matéria: 
Paulo Roberto de Almeida


Quando o Brasil ajudou a impedir o golpe de Oviedo
Se Bambino não estivesse à frente do Itamaraty, talvez o Paraguai tivesse sofrido um golpe de Estado militar que desmoralizaria o Mercosul
por Marcio de Oliveira Dias, ex-embaixador em Assunção
O Globo, 29/11/2015

Wasmosy em 1997: momento-chave - Rafael Urzua / Reuters/19-6-1997


Deixou-nos há poucos dias, vítima de um tolo acidente doméstico, o embaixador Sebastião do Rego Barros Netto, conhecido dos colegas e amigos como Bambino. Um dos grandes diplomatas brasileiros, colega de turma e particular amigo meu. Além da convivência funcional, éramos companheiros de tênis, bridge, comilanças. Um homem que sentia prazer na vida, que levava tudo com seriedade profissional temperada por um grande bom humor.
Por volta de 30 anos de carreira, protagonizamos um importante episódio das relações internacionais brasileiras, até hoje um pouco escondido do conhecimento público, mas que agora me disponho a revelar, muito como homenagem a Bambino. O ano era 1996, Bambino era o secretário-geral do Itamaraty, na ocasião substituindo o ministro Luiz Felipe Lampreia, grande amigo de nós dois, e eu era o embaixador em Assunção. O Paraguai era presidido por Juan Carlos Wasmosy, democraticamente eleito. Havia, entretanto, uma permanente ameaça de golpe de Estado por parte do ambicioso general Lino Cesar Oviedo, comandante geral do Exército, que pouco ou nada fazia para disfarçar suas pretensões presidenciais. Instruído pela área política do Itamaraty, prestei desde logo especial atenção a Oviedo e seus movimentos.
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Wasmosy contou-me que pretendia demitir Oviedo, mas tinha receio de que ele retrucasse com um golpe. Como já discutira o tema com a cúpula do Itamaraty, pude assegurar-lhe o apoio do governo brasileiro, mas Wasmosy disse-me que gostaria de ter a garantia pessoal do presidente Fernando Henrique Cardoso. Como Oviedo o mantinha sob observação constante, uma ida sua ao Brasil poderia precipitar a ação golpista. Alertou-me também que Oviedo monitorava as comunicações das embaixadas mais importantes. Para articular sigilosamente o encontro com Fernando Henrique, aproveitei a proximidade de meu aniversário e transformei o jantar que iria dar ao pessoal da embaixada numa grande recepção, para a qual convidei o topo do mundo político paraguaio, Oviedo inclusive. De acordo com Wasmosy, anunciei que ele estaria presente à festa.

Atenção de general foi desviada
Com as cúpulas política e militar do Paraguai bebendo, comendo e dançando na residência do embaixador do Brasil, Wasmosy tranquilamente decolou de sua estância no interior e chegou ao Aeroporto Militar de Brasília, onde, instruídos seu comandante e auxiliares, foi recebido discretamente por Bambino, que o levou ao Palácio da Alvorada, àquela hora (21h30m de sábado) já livre do assédio da imprensa. Tudo combinado pelo telefone de satélite — imune à monitoração de Oviedo.
Sentindo-se seguro com o apoio brasileiro, Wasmosy chamou Oviedo na manhã de segunda-feira e exigiu sua demissão. Surpreso, Oviedo pediu tempo para pensar. Wasmosy chamou-o novamente ao meio-dia e, com os comandantes das outras duas armas e com seu substituto na chefia do Exército, secamente disse-lhe que mantinha sua demissão e que se quisesse revidar com um golpe, que o fizesse. E que determinaria às forças que o apoiavam que não reagissem, pois não queria derramamento de sangue, deixando inteiramente a Oviedo a responsabilidade pelo que pudesse ocorrer.
A notícia já havia corrido e todas as estações de rádio faziam as mais diversas especulações, mas sem confirmação alguma, dado o absoluto silêncio por parte de Oviedo. A essa altura, a embaixada americana, com Oviedo na mira devido à convicção de seu relacionamento com o narcotráfico, emitiu comunicado onde condenava a sedição do general e reafirmava veementemente seu apoio ao presidente constitucional. O fez, a propósito, para evitar a eventualidade de uma composição com o presidente que viesse a prejudicar a clara caracterização de Oviedo como golpista.


Sebastião do Rego Barros em 2002 - Marco Antônio Teixeira /2-9-2002

Wasmosy, que recebia continuamente por telefone mensagens de apoio de outros chefes de Estado e de líderes mundiais (o Papa inclusive) pediu a mim e aos embaixadores dos Estados Unidos e da Argentina que procurássemos Oviedo. Tentamos fazê-lo, mas sem sucesso.
Já noite fechada, falei por telefone com o ministro do Exército, general Zenildo Lucena, por quem Oviedo tinha grande respeito pois foi seu instrutor em Assunção. Sabendo da relação, sugeri a Bambino que promovesse o contato. Relatou-me o ministro brasileiro que em conversa horas antes Oviedo pareceu-lhe bastante sereno e garantiu que não promoveria nenhum ato de força, “mas que providenciaria para que se fizesse com Wasmosy o que o Brasil fizera com Collor”.
Como Wasmosy e dois filhos (a mulher e o outro filho estavam fora do país) abrigaram-se na embaixada americana, fui até lá. Presente também Hugo Aranda, empresário ligado a Wasmosy que havia estado com Oviedo. O presidente terminava de escrever à mão um documento com sua renúncia, exigida por Oviedo sob pena de bombardear a casa presidencial e o palácio de despachos, além de deter ou eliminar outros componentes do Governo. Obtida a renúncia de Wasmosy, Oviedo “cuidaria ele mesmo do vice-presidente e faria com que o presidente do Congresso assumisse o governo na manhã seguinte”. Exigia a renúncia até as 2h. Aranda seria o portador do documento, em complicado sistema determinado por Oviedo, que, por não estar certo do paradeiro do presidente e não querer deixar traços como gravação de telefonemas, estabelecera a casa de Aranda como centro de encontro dos seus mensageiros com os de Wasmosy.

Pedi a Wasmosy que não enviasse o documento até que eu me comunicasse com meu governo e, com a devida delicadeza, tomei-lhe o papel. Com a renúncia segura comigo, acordei Bambino às 2h40m e expus-lhe a situação. Concordamos em que a pressa de Oviedo devia-se à dificuldade que teria para implementar o “golpe branco” quando fossem abertas as Chancelarias do continente e em pleno funcionamento de seus governos. Pela impossibilidade prática de tomar qualquer medida àquela hora, concordamos em tentar ganhar tempo e chegar à manhã de terça-feira, 23, sem que ações de força ocorressem.
Wasmosy, disposto a tudo para evitar o derramamento de sangue, insistia em obedecer ao ultimato. Ditei-lhe, então, o texto de um pedido de licença provisória em termos que, avaliei, dificilmente poderiam ser aceitos pelo Congresso. Wasmosy escreveu de próprio punho o novo documento. Para evitar qualquer possibilidade de troca (ou de má fé de algum dos intermediários), pedi-lhe licença para rasgar a renúncia que estava em minhas mãos. Wasmosy, intimidado, não teve condições de contra-argumentar, e rasguei-a. Mas, apesar de acabrunhado pelas circunstâncias, Wasmosy teve o instinto político de guardar os pedaços. E uma imagem que jamais esquecerei é a da expressão do embaixador norte-americano quando rasguei a renúncia e ditei ao presidente os termos do papel com o qual podíamos ganhar o tempo necessário para neutralizar a manobra de Oviedo.
Aranda saiu com o novo papel para sua casa, onde encontraria o presidente do Congresso e o emissário de Oviedo. Para tranquilizar Wasmosy e manter, na medida do possível, a situação sob controle, propus-me a acompanhá-los. Lá encontrei o presidente do Congresso, que não me pareceu envolvido no golpe, e instei-o a que só assumisse caso a renúncia fosse inapelavelmente explícita e legalmente incontestável. O que sabia não poder ser, pois “saltava” o vice-presidente.
Chegando ao quartel, eu e o ministro do Interior fomos impedidos de entrar. Quando saíram os mensageiros, regressei com Aranda à embaixada americana. Contou-nos que Oviedo recebera o papel e o passara ao presidente do Senado, perguntando se permitiria sua posse na manhã seguinte. O senador disse-lhe que como estava redigido não permitia que o fizesse dentro da lei, sendo necessário, no mínimo, submetê-lo ao plenário. Oviedo ficou furioso e mandou buscar nos arquivos a renúncia de Stroessner e redigir documento nos mesmos termos para a assinatura de Wasmosy — que, receando o cumprimento das ameaças, dispunha-se a assinar a renúncia. Ponderei-lhe que, com a residência presidencial desocupada, Oviedo não a bombardearia e que tampouco iria disparar tiros ou jogar bombas no centro vazio da cidade. Ressaltei que era um blefe armado para forçá-lo a tomar uma medida que não teria condições de extorquir-lhe uma vez raiado o dia e com os governos dos países vizinhos em pleno funcionamento. Wasmosy finalmente concordou e autorizou Aranda a regressar ao quartel e dizer que não mais encontrara o presidente. Deixei Bambino a par do ocorrido.
Pouco depois das 6h, o líder oposicionista Domingo Laino pediu para ver-me. Wasmosy chamou-me. Disse que iria após receber Laino, e que, se o palácio de despachos estivesse em mãos leais, eu o encontraria lá. Sugeri a Laino que, com o outro líder oposicionista, Guillermo Caballero Vargas, passassem uma resolução pela qual o Senado se recusaria a sequer examinar qualquer pedido de renúncia do presidente ou do vice, por entender que estariam sendo apresentadas sob pressão. Laino concordou e (o que muito diz dele) pediu-me: “Embajador, puedo decir que la idea fué mia?”
No Palácio de Lopez, estavam os embaixadores acreditados, mais a grande maioria de deputados e senadores (estes já com a resolução de que não aceitariam examinar o pedido de renúncia), empresários, líderes de partidos, etc. Grande festival cívico-democrático. Só que, do outro lado da cidade, estava Oviedo com os canhões e blindados às suas ordens e, ainda acreditava Wasmosy, o apoio da totalidade dos generais. E já sem saída, pois o golpe direto fracassara pela decidida reação internacional e o indireto bloqueado pela iniciativa do Senado. Receava-se a possibilidade de um movimento desesperado de Oviedo.
A instâncias de Bambino, o ministro Zenildo falara novamente com Oviedo. Que fez chegar ao palácio que aceitaria “uma saída elegante para ele” (palavras textuais). Assunto que já havia sido objeto de especulações. Após exame pelo presidente, seus (poucos) ministros de confiança e os embaixadores, surgiram duas alternativas: a embaixada em Bonn ou o Ministério da Defesa (que, apesar do pomposo nome, está fora da linha de comando). Qualquer ministério exigiria a passagem prévia para a reserva. O que, entendíamos, reduziria de imediato o apoio dos generais a Oviedo.

Conversa áspera de duas horas
O ministro do Interior foi levar a oferta a Oviedo. Chega César Gaviria, secretário-geral da OEA, e junto aos demais, aguarda o resultado. Oviedo rechaçou liminarmente a embaixada, mas aceitou o ministério. Chegam os chanceleres do Mercosul (Bambino buscou-os no seu avião) e, como todos, aprovam o acordo como a melhor solução possível naquele momento.
Na manhã seguinte, Oviedo transfere o comando do Exército e é marcada sua posse na Defesa para o próximo dia. Até então aclamado, Wasmosy, uma vez conhecida a oferta do ministério a Oviedo, começa a ser alvo de pesadas críticas e chega-se a cogitar seu impeachment. Transferido o comando, entretanto, surgem sinais de quebra na unanimidade do apoio a Oviedo. Tentam os líderes militares convencê-lo a declinar do cargo. Wasmosy e o novo chanceler pedem-me que convença Oviedo. Tivemos longa e áspera conversa, duas horas. Oviedo começa a dar os primeiros sinais de afrouxar, mas Wasmosy ainda teme sua reação e hesita em suspender a nomeação.
Entra de novo Bambino em cena e pede a FHC que encoraje Wasmosy a suspender a nomeação. Com a ligação do presidente brasileiro, Wasmosy cobrou alento definitivo. Preparou-se rapidamente um discurso, em cuja redação colaborei a pedido de Wasmosy, e o presidente dirigiu-se ao Palácio de López, onde já chegava Oviedo para sua “posse”.
Após o pronunciamento do presidente e sendo-lhe barrada a possibilidade de dirigir-se ao povo da sacada presidencial, que ainda quis tentar, Oviedo, bastante desarvorado e com exíguo apoio, tentou dar início a uma carreira política. No que não teve sucesso, e após uma série de fatos, inclusive uma detenção, terminou por morrer num acidente de helicóptero.

O caso sem dúvida constituiu um evento ímpar na história diplomática brasileira, o desfazer de um golpe militar em país amigo por meio da ação diplomática. O chanceler Lampreia, que na ocasião estava ausente do Brasil a serviço, chegou a classificar o episódio como “a ação mais intervencionista que o Brasil já teve neste século”, como descreve o presidente Fernando Henrique na página 570 do seu “Diários da Presidência”. Mas o próprio presidente rotula o comentário do seu chanceler de “exagerado”... E acrescenta que tanto Bambino como eu esclarecemos que a ação no Paraguai foi feita em nome do Mercosul — que, na ocasião, ainda não “bolivarianizado”, valia preservar.
O episódio contribuiu inclusive para mudar junto aos círculos mais esclarecidos do país vizinho a imagem do Brasil , até então obscurecida pelo que era visto como um apoio aos anos da ditadura Stroessner,
Se Bambino não estivesse à frente do Itamaraty, talvez o Paraguai tivesse sofrido um golpe de Estado militar que desmoralizaria o Mercosul. Assim, além de todos os seus muitos amigos, ouso dizer que também o país vizinho tem motivos para lamentar o prematuro desaparecimento da grande figura profissional e humana que foi Sebastião do Rego Barros Netto, o nosso queridíssimo Bambino.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Ditaduras sempre querem mudar a historia, para controlar as mentes: falham invariavelmente...

A liberdade sempre encontra uma maneira de se expressar, mesmo reprimida duramente por ditadores, tiranos, demagogos, fraudadores da história, que também existem entre nós, mesmo que não tenham comandado massacres de pessoas, como na Rússia, na China, na Coreia do Norte, na Alemanha de Hitler, em várias outras ditaduras.
No Brasil, os fraudadores querem reescrever a história do passado, para controlar a do presente e moldar a do futuro. Vão falhar, como todos os outros.
George Orwell já descreveu as técnicas.
Sempre existe um espírito rebelde que rompe o silêncio, a mentira, a fraude...
Paulo Roberto de Almeida

Fahrenheit 1989: China Erases Memories of Tiananmen

By  in Beijing
Der Spiegel, June 11, 2014
Photo Gallery: Remembering TiananmenPhotos
REUTERS
Twenty-five years ago, the Chinese army violently suppressed protests on Tiananmen Square. To this day, Beijing uses pressure, censorship and money to stifle all attempts to commemorate the seminal incident in an up-and-coming China.
Hu Yaobang, 73, a reformer and one of the few politicians the Chinese have ever genuinely worshiped, died on April 15, 1989. As the party leaders who had toppled him from his position as general secretary two years earlier carried him to his grave, some 100,000 students gathered on Tiananmen Square and demanded Hu's rehabilitation. The incident marked the beginning of the revolutionary events of 1989 in faraway Beijing.
On the evening after Hu's death, his son asked his friend Zhang Lifan, a historian, to document the coming days and weeks. He told Zhang that members of the Hu family were too exhausted to do it themselves.
Today Zhang, who was 38 at the time, is one of China's leading intellectuals. He had 300,000 followers until last November, when censors shut down his blog. Zhang is a tall, kind and playful, 63-year-old man. When he is searching for a word or a memory, he tilts his head to one side and presses his left hand to his forehead. He wears a silver skull ring, a memento mori given to him by a Buddhist monk.
In the weeks following April 15, 1989, Zhang would become far more deeply involved in the events that were unfolding than he might have suspected on the evening after Hu Yaobang's death. He has waited almost a quarter of a century to publish part of his memoirs and talk about his experiences publicly.
"I felt cold on the morning of the funeral," he says. "There were thousands of demonstrators outside, while inside the building supreme leader Deng Xiaoping, that 84-year-old who had had his hair dyed once again, was stomping around like some angry young man. I was standing right next to him. He was determined and ready for a fight."
In the spring of 1989 Deng, who had fallen out of favor twice during the Cultural Revolution, saw his life's work being threatened: the economic opening of China under party dominance. "He knew that he would not experience a third comeback," says Zhang. "That fear led to the suppression of the unrest on Tiananmen."
'Enforced Amnesia'
During the Cultural Revolution in the late 1960s, tens of thousands of academics, artists and writers were banished or even beaten to death. "I knew what sort of trouble words could get me into," says Zhang, "and I had stopped keeping a diary years earlier." Nevertheless, he agreed to accept the request from Hu's family. "Historians rarely have the opportunity to witness an event that shapes history."
It was indeed an event that made history. Europe is marking the 25th anniversary of an important turning point in 2014. While Germany commemorates the fall of the Berlin Wall, the countries of the former Eastern bloc are celebrating their liberation from communism. But China's leaders see no reason to commemorate the protests that began at their palace gates and swept into the streets for the first time in 1989. The country's name still identifies China as a people's republic today, and according to its history books, nothing of any significance happened there 25 years ago. When the number "1989" is typed into Baidu Baike, a Chinese version of the online encyclopedia Wikipedia, one of the responses reads: "1989 is the number between 1988 and 1990."
The leadership isn't just ignoring an anniversary. In fact, it has erased the incident from the collective memory, despite its profound impact on China's current intellectual elite. Sinologist Frank Dikötter describes the government's policy as "enforced amnesia". Authoritarian countries, of course, have a habit of dismissing historic facts.
Ironically, though, China's Communist Party takes its version of history very seriously. Party officials constantly invoke history in their speeches, and since 1989 dozens of professorships in history have been established, days of remembrance have been introduced and countless conferences have been held. "To forget history is treachery," states an anthology of contributions to one of these conferences.
Nevertheless, the party quashes any attempt to force it to face up to its own history, one that includes the hundreds killed in the Tiananmen massacre and the millions who died in mass campaigns during the years under former leader Mao Zedong through the land reform, the "Giant Leap Forward" and the Cultural Revolution.
Unparalleled Negation
Even among authoritarian countries, China's negation of its own contemporary history is historically unparalleled. In the 25 years since Tiananmen, the country has not only taken off economically, but has also experienced a cultural explosion. And yet China's publishing houses and film studios, along with its universities, think tanks, museums and Internet companies, are producing culture devoid of much of its own history. China's version of Ray Bradbury's dystopian novel "Fahrenheit 451" could very well be called Fahrenheit 1989, a society in which the regime has deleted all unpleasant memories, so that millions of young Chinese today have no idea what happened on Tiananmen Square.
A week after the memorial service for Hu Yaobang, Zhang Lifan received a second request, this time from the government. Then Soviet President Mikhail Gorbachev had been invited to visit Beijing, but the regime didn't want his reception to be tainted by thousands of people protesting outside. Men like Zhang, a lecturer at the Beijing Academy of Social Sciences at the time, knew the students. The government asked him to serve as an intermediary.
"Weeks earlier, I had met and debated with students in a student apartment in Dasuzhou Alley," says Zhang. On a day in May, 25 years later, he and his wife are searching for the apartment near Tiananmen where he met with the students. But their search is unsuccessful. Like most buildings near the Gate of Heavenly Peace (Tiananmen Gate), those in Dasuzhou Alley are now occupied by party officials and their families. There are high walls, imposing portals and security cameras everywhere. When Zhang stops walking for a moment and points to where the apartment was, a couple emerges from a crowd of tourists and photographs him. It's obvious that they are plainclothes agents.
Zhang, undeterred, continues his account: "I spent days rushing back and forth between Tiananmen Square and the office of the United Work Front, which was supposed to communicate with the students. I didn't get much sleep."
Division in Both Camps
He noticed signs of divisions in both camps from the very beginning, says Zhang. In the government, he explains, the reformers were losing ground to the hawks. Among the students, the thousands of new demonstrators arriving every day were applying growing pressure on the core group, which had persevered on Tiananmen Square from the beginning and was willing to negotiate a withdrawal.
Shortly before martial law was imposed, Zhang guided one of the government's chief negotiators through the checkpoints to the demonstrators' main tent.
"We all sat on the ground, and one of the student leaders introduced the chief of the delegation to his people. 'This here is Yan Mingfu of the Workers' Front,' he said, 'a good man from the system. Listen to what he has to say, and give the reformers a chance.' But then Yan Mingfu kicked him. It was already dangerous at the time to be called a 'reformer'."
On the next day, May 19, the demonstrators voted on a bus whether to clear the square. The outcome was negative. "I ran over to the official in charge. He was surprised, because he thought the government had been given different signals," says Zhang. That evening, the students requested another meeting with the government, and Zhang took them to see the official. "The tone had changed radically within a few hours. Now the official asked: 'What else is there to discuss? Go back and see what's on TV."
Premier Li Peng had gone on television to declare martial law. "That put an end to my mission," says Zhang. "I was disappointed by both sides, because I knew what a historic opportunity had now been lost."
Immediate Efforts to Obfuscate the Massacre
On the night of June 3, 1989, the army advanced on Tiananmen Square. Hundreds of protestors who couldn't have imagined that the soldiers would obey orders to open fire died in Beijing, and hundreds more were killed outside the capital. The exact death toll is unknown to this day. Efforts to obfuscate the massacre began immediately after it had occurred.
Many of the prominent student leaders managed to flee abroad. Those demonstrators who were arrested disappeared into prisons for months or even years, and many were sentenced to death. Those who publicly declared their solidarity with the protestors, like a few prominent journalists, were demoted or fired. Party leader Zhao Ziyang who, as Zhang later discovered, had requested his and other academics' assistance, was deposed and placed under house arrest. He died in 2005.
But the determining factor in the disappearance of the Tiananmen massacre from China's public memory was the way the regime dealt with the hundreds of thousands of sympathizers in Chinese schools and universities -- the 1989 generation, which now forms the core of China as a cultural nation.
"Sometime that fall, we were summoned by the academy," says Zhang. "We were told to sit in a circle and deliver our reports. When it was my turn, they said: 'Comrade Zhang Lifan! What have you done?' In response, I asked: 'Is that a question or an order?' It was an order, and of course I had done more than anyone else."
Life after Tiananmen
He says he received daily visits from the police after that. The interrogations became increasingly harsh, and Zhang feared that he would be arrested any day. "Instead, the mood suddenly shifted. University grants and conference and research budgets increased, and academia blossomed," he recalls.
Throughout the country, historians began writing entire libraries full of essays and books about China's humiliation in the opium wars, the history of Marxism and the rise of the Chinese nation under the Communist Party. "Most of its was completely worthless from an academic standpoint, and it didn't hold up as a historical narrative, either."
Zhang continued to work for a period of time. "I still remember what I said in parting: You and I, we no longer belong in the same wok. We no longer fit together." Since then, he has been writing his blog and occasionally publishing a book or an essay, such as his memories of the funeral of Hu Yaobang published last year in the magazine Yanhuang Chunqiu, which prompted complaints to the editors by government censors. "Those who do not participate in writing the official account of this country's history have to think very carefully about what they are writing and how much of a risk they are taking," says Zhang.
Since the suppression of the Tiananmen uprising, the power of the Communist Party has relied on four pillars, writes China expert Minxin Pei: robust growth, sophisticated repression, state-sponsored nationalism and co-opting of social elites.
China's intellectuals play a key role in this power structure, voluntarily or involuntarily. They benefit from the economic boom more than most Chinese, and they are both victims of the censorship and surveillance state and authors of a powerful account of the greatness of the nation, the rise of the party and victory over China's enemies -- an account that excludes all mention of the disasters and mountains of bodies littering the country's history.
Oliver Stone: Deal with Your History
In mid-April, on the 25th anniversary of the death of reformer Hu Yaobang, Beijing's cultural establishment listened to what one of the biggest fans of China among the West's creative classes, the history-obsessed US director Oliver Stone, had to say. He had been invited to speak about cooperation between Hollywood and the Chinese film industry at the Beijing International Film Festival.
Stone's message was unheard of, at least publicly. Before any meaningful cooperation between Hollywood and China's studios could take place, he said, the country would have to finally come to terms with its historical material. "Mao Zedong has been lionized in dozens and dozens of Chinese films, but never criticized," he told them. "It's about time. You got to make a movie about Mao, about the Cultural Revolution. You do that, you open up, you stir the waters and you allow true creativity to emerge in this country."
He could understand Beijing's studio heads avoiding subjects like Tibet or unrest in the Xinjiang region, he said. "But not your history, for Christ's sake."
The audience applauded.

sábado, 8 de março de 2014

Venezuela chavista: uma colonia cubana - Carlos Alberto Montaner

Talvez não só a Venezuela...
(Grato a Orlando Tambosi)
Paulo Roberto de Almeida 

Venezuela, colonia de Cuba
Carlos Alberto Montaner, jornalista escritor cubano, analisa o legado do tirano Hugo Chávez, que morreu em 5 de março, no 60º aniversário da morte de Stálin. O que ele deixou, diz Montaner, foi um serviçal da ditadura castrista, Nicolás Maduro:
¿Cuál es el legado de Hugo Chávez? Al fin y al cabo, gobernó a su antojo durante catorce años (1999-2013). El periodo más largo de la historia de Venezuela, exceptuado Juan Vicente Gómez (1908-1935), otro militar de mano dura que se murió mandando. Digámoslo rápidamente: la herencia que les dejó a sus atribulados compatriotas fue la cubanización de Venezuela.
El 5 de marzo del 2013 se anunció la muerte de Hugo Chávez. Se cumplían 60 años exactos de la de Stalin. Chávez estaba clínicamente muerto desde mucho antes. Tal vez desde el 29 de diciembre anterior, cuando lo operaron en La Habana, pero lo mantuvieron artificialmente "vivo", con el encefalograma plano, conectado a máquinas que estimulaban los latidos de su inútil corazón.

Durante ese periodo, el gobierno cubano se dedicó febrilmente a organizar la transmisión de la autoridad en Venezuela. No podían desconectarlo hasta tanto no tuvieran todas las riendas del poder en las manos. Los Castro defendían subsidios por trece mil millones de dólares anuales, incluidos unos cien mil barriles diarios de petróleo, de los cuales Cuba reexporta la mitad.

Era importante prolongar el control del rico país sudamericano mientras se pudiese. En Venezuela se cumplía el destino trágico de las colonias: nutrir a la Metrópolis, más o menos como los insectos cautivos alimentan a las tarántulas que los van devorando lentamente.

Lo extraño, en este caso, es que el insecto es mucho mayor que la tarántula. ¿Cómo una pequeña, improductiva y empobrecida isla caribeña, anclada en un herrumbroso pasado soviético borrado de la historia, puede controlar a una nación mucho más grande, moderna, rica, poblada y educada, sin que siquiera haya existido una previa guerra de conquista? La clave de esa anomalía está en Chávez.

Caudillo

El axioma funciona así: Hugo Chávez se convirtió en el caudillo de Venezuela. Un caudillo es alguien que voluntariamente o por la fuerza asume el liderazgo para dirigir a una sociedad en la dirección que él decide. Entre las prerrogativas del caudillo está la de transferir su autoridad a otra persona o entidad. Al borde de la tumba, presionado por los Castro, Chávez, admitió la designación de Nicolás Maduro, sugerida por La Habana. Ergo, de facto, Cuba es el gran poder en Venezuela.

Este vasallaje contranatura comenzó en 1994, cuando Hugo Chávez conoció a Fidel Castro y el cubano lo sedujo, pero se selló totalmente a partir de abril de 2002, cuando el Ejército venezolano le dio un golpe a Chávez y lo obligó a renunciar, al menos durante 48 horas.

A partir de ese episodio, Chávez no creyó nunca más en sus compatriotas, políticos o militares, y se entregó totalmente en las manos de "los cubanos". ¿Qué le daban los cubanos? Una visión, un método y una misión, pero, sobre todo, informes de inteligencia sobre políticos, periodistas y militares. Detectaban o magnificaban deslealtades y se las revelaban. La información era poder. Cuba reunía y entregaba toda la información, subrayando los peligros para que Chávez estuviera eternamente agradecido.

Nadie conocía mejor los secretos de las tribus chavistas, muchas de ellas mal avenidas, que "los cubanos". Lo conocían todo: los delitos de los narcogenerales, los robos de la boliburguesía, las infidelidades de los supuestos aliados, la conducta íntima de los jefes, sus familias, sus hijos. Esa información podía destrozar a cualquiera que se les opusiera.

Dossier con inmundicias

Ese poder siniestro convertía a La Habana en el único factor aglutinante. Las tribus chavistas le temían. Las sujetaba firmemente por la entrepierna. Como en los versos de Borges, los unía el espanto. Cuando alguien se rebelaba contra su autoridad, le entregaban el dossier de sus inmundicias o le deslizaban un par de datos. No hacía falta más.

Cuando desconectaron a Chávez, ya Maduro había sido ungido, violando la Constitución. Era el hombre de los cubanos. Se había graduado en La Habana en la Escuela del Partido. No era un político, ni un militar, ni una figura de peso. Era un monigote al servicio de Cuba. Era el legado de Chávez. (El Cato).

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Meu primeiro pensamento do ano vai para...

... os oprimidos dos regimes totalitários e os possíveis futuros oprimidos de regimes tendencialmente totalitários.

Minha solidariedade, profunda e sincera, com todos aqueles que ainda padecem sob regimes de opressão, que não são, felizmente, muito numerosos atualmente, mas que, infelizmente, ainda tornam a vida de milhões de pessoas um inferno insuportável, quer no plano material, quer no mais elementar das simples liberdades humanas, o direito de ir e vir, o de falar, o de escolher onde morar, no que trabalhar, o que ler...
Entre esses certamente estão os miseráveis norte-coreanos, os pobres cubanos, muitos habitantes de ex-satrapias soviéticas, do Império do Meio, e potencialmente também de algumas proto-ditaduras latino-americanas, sem deixar de lado autocracias africanas e asiáticas, enfim, muitos regimes admirados e até auxiliados pelos companheiros.
Não preciso falar de meu desprezo por todos aqueles que defendem esses regimes de opressão, entre os quais figuram muitos figurões de certos partidos totalitários se esforçando para consolidar o monopólio sobre o poder.
O mundo ainda não é tão democrático quanto gostaríamos, e ainda padece dessa mania estatizante e intervencionista que afeta e caracteriza todos os inimigos da liberdade, aliás, aqui mesmo, no próprio Brasil, que certamente seria mais próspero se fosse mais livre.
Virá, um dia, quando a maioria da população tomar consciência das mentiras e dos embustes de que é vítima atualmente.
Paulo Roberto de Almeida 
Charlottesville, VA, 1/01/2014

sábado, 23 de novembro de 2013

Poder absoluto e grandes catastrofes nacionais - reflexoes de Paulo Roberto de Almeida

Reflexões ao léu: o poder absoluto e as grandes catástrofes nacionais

Paulo Roberto de Almeida

A história humana, pelo menos a história política (mas também a militar, a história social, e a econômica, a cultural, enfim, a história humana), está repleta de exemplos de desastres nacionais, por vezes verdadeiras catástrofes, que se abatem sobre todo um povo, não poupando até mesmo inocentes criaturas que não têm sequer uma vaga ideia sobre o que pode estar se passando na cabeça dos dirigentes que provocaram tais calamidades. Sim, estou me referindo a “man-made calamities”, desastres provocados pelo próprio homem, que, à diferença de certas calamidades naturais – provocadas por forças incontroláveis pela vontade humana, e até mesmo não evitáveis pela tecnologia social – não existiriam sem a intervenção de fatores contingentes que se devem inteiramente à ação humana, geralmente por parte de algum déspota (pouco) iluminado, quando não vulgarmente estúpido.
A história, a vida humana na verdade, ou toda a vida biológica, como ensinava um eminente cientista francês – Jacques Monod – é feita de acaso e de necessidade. Este, aliás, é o título de seu mais belo livro, publicado em meados dos anos 1970, se não me engano, e que constitui uma das primeiras vacinas intelectuais com que fui brindado e que ajudaram a diminuir progressivamente as altas doses de determinismo marxista que eu ainda carregava em minhas veias acadêmicas. A necessidade corresponde às forças da natureza, justamente, ou seja, os fatores imanentes, ligados à genética, à geologia, à gravidade, enfim, aos princípios darwinianos e newtonianos bem conhecidos. O acaso, por sua vez, ocorre também na natureza, pois não são raros os acidentes naturais ou genéticos que provocam irrupções vulcânicas, que conduzem às mutações de espécies, ou a uma série imensa de transformações repentinas, por vezes infinitamente lentas, que moldam a vida no planeta e até o itinerários de elementos não vivos, mas cambiantes pela ação dessas forças da natureza. O acaso, contudo, é bem mais presente na vida animal, especialmente na vida daqueles primatas que se acreditam superiores, mas que também respondem a certas pulsões que por vezes podem aproximá-los das mais terríveis bestas feras da fauna existente.
Por acaso (mas isso não tem a ver com Jacques Monod) lembrei-me agora da frase do tio do garoto que se converteu em “homem aranha”, absolutamente simples e, no entanto, cheia de sabedoria: “maior o poder, maior a responsabilidade” (ou algo aproximado a isso). Ela tem tudo a ver com estas reflexões ao léu, que me subiram à cabeça (se ouso dizer) depois de ler várias matérias, em revistas, jornais, na internet, sobre eventos totalmente corriqueiros, ou grandes episódios históricos, que se encaixam perfeitamente no título deste pequeno artigo: o poder absoluto pode conduzir a grandes catástrofes sociais, com enormes sofrimentos para os membros de uma determinada comunidade (por vezes durante mais de uma geração).
A humanidade, como se sabe, é formada por milhões de seres que foram se espalhando ao acaso pela superfície terrestre, adaptando-se ao ambiente natural, e daí construindo mecanismos de defesa contra os desafios e perigos naturais; mas eles também introduziram normas de controle social para evitar os “espíritos animais” que ainda caracterizam a espécie humana: o medo, a agressividade, o ódio, a conquista e a dominação, até instintos assassinos (nem sempre por autodefesa), ao lado de sentimentos mais nobres e altruístas, como o amor, a solidariedade, a fraternidade, o desprendimento e a caridade.
Algumas sociedade evoluíram satisfatoriamente e conseguiram criar certo equilíbrio (sempre instável, como é da natureza das coisas), com o ambiente, com as demais sociedades e até dentro da sua própria, ou seja, entre as várias categorias de seus membros; suas respostas habilitaram-nas a construir certo quantum de felicidade humana, em alguns casos até invejável. Quem desejar aprofundar seu conhecimento sobre como se deu essa evolução social e cultural, ao longo de algumas dezenas de milhares de anos, pode recorrer à leitura do livro do cientista americano Jared Diamond, Armas, Germes e Aço (recomendo comprar a edição americana na Abebooks, Guns, Germs and Steel, onde se pode achar usados em excelentes condições por UM dólar).
Nos últimos cinco ou dez mil anos, as sociedades evoluíram e aperfeiçoaram o seu desempenho na arte da guerra, nas transformações tecnológicas, na ocupação de mais territórios e na dominação de outros povos, aumentando potencialmente a capacidade de alguns deles conquistar, dominar e escravizar outros povos, o que não deixa de representar uma catástrofe para os assim submetidos. Pensemos, por exemplo, na escravidão dos judeus pelos babilônios, pelos egípcios, e no seu sofrido caminho para a autonomia, se estabelecendo num território que já tinha sido o seu, até, de novo, sua completa submissão pelos romanos, seguida de uma diáspora secular, na era cristã.
Independentemente desses percalços, que atingiram dezenas, centenas de povos ao longo da história – causando até mesmo o desaparecimento físico de alguns deles –, o fato é que a humanidade também progrediu num sentido humanístico, graças, entre outros fatores, às leis da razão, aos preceitos religiosos (como os próprios judaicos, cristãos, budistas, e vários outros) e ao simples reconhecimento prático de que a tolerância mútua e a convivência pacífica fazem muito bem à saúde humana, melhor em todo caso do que violência aberta e dominação brutal. De fato, a humanidade se tornou menos cruel, com a disseminação das religiões da fraternidade e do amor, em substituição àquelas que pregavam o sacrifício humano e a crueldade com os estranhos.
Nos dois mil anos que se seguiram ao aparecimento e expansão do cristianismo – tanto como religião “rebelde”, clandestina, quanto como religião de Estado, de um império – alguns povos progrediram enormemente, o que não quer dizer que os não cristãos também não tenham avançado na construção de instituições mais efetivas de governança e de uma prosperidade relativamente bem distribuída. A China, por exemplo, foi, muito antes do Ocidente, um Estado avançado, dotado de uma burocracia “weberiana” e de inovações científicas e de instituições sociais e políticas que só apareceriam muito mais tarde na vida do Ocidente cristão. Mas ela sempre constituiu um sistema imperial baseado na centralização absoluta do poder, um despotismo de base agrária (hídrica) que tornou a vida de milhões de súditos apenas um pouco acima da sobrevivência miserável, bem mais, em todo caso, do que no Ocidente medieval.
Progressos econômicos se traduziram em prosperidade – aumento da produtividade agrícola, desenvolvimento de atividades comerciais, financeiras e até culturais – e no incremento da capacidade militar, o que permitiu, justamente, o domínio e a subjugação de outros povos. Poderia ter sido a China, por exemplo, a dominar e escravizar o Ocidente – o que os mongóis fizeram parcialmente – mas acabou sendo os ocidentais que partiram à conquista da China e do resto do mundo, mais ou menos 500 anos atrás. Quem quiser saber mais sobre os progressos econômicos e tecnológicos da humanidade, recomendo ler os livros do historiador americano David Landes, especialmente seu A Riqueza e a Pobreza das Nações (também recomendo o site da Abebooks, onde se pode encontrar exemplares usados por até 4 dólares).

Mas eu estou me desviando de minhas reflexões, que não têm tanto a ver com a história da humanidade – e posso recomendar excelentes livros de história universal, e até sobre a história das guerras – quanto com a história nacional de alguns povos, como aliás evidenciado no título: quero falar de catástrofes “nacionais”, não de imperialismos ou de submissão de outros povos. Parto do mundo westfaliano como ele é, ou seja, composto de unidades políticas territorial e politicamente definidas e mutuamente respeitadoras da soberania alheia, pelo menos formalmente. Observo que alguns povos puderam se desenvolver de modo satisfatório, logrando prover altos patamares de prosperidade e de felicidade humana para seus integrantes, enquanto outros estagnaram ou recuaram, quando não foram vítimas de desastres incomensuráveis.
E por que isso ocorreu com esses infelizes? Aí entra o primeiro componente de minha reflexão ao léu (mas dirigida): o poder absoluto. Estou convencido de que todos os grandes desastres nacionais – ou seja, aqueles que não tenham sido provocados por agressão externa ou catástrofes naturais incontroláveis – foram essencialmente a obra de alguns tiranos malucos, déspotas obcecados por alguma fixação mental, pequenos e grandes ditadores que se alçaram ao comando de seus povos, e a partir daí cometeram tantos erros e equívocos econômicos, militares, sociais, que ocorreu seja um recuo relativo, seja um retrocesso absoluto na vida dos povos vitimados por esses loucos.
Digo “loucos” ou “malucos” no sentido metafórico, obviamente, pois alguns tiranos são perfeitamente metódicos e “racionais” em sua sanha de dominação total. A compulsão do poder absoluto representa, em todo caso, um tipo de desvio psicológico, que faz com que alguns indivíduos não se contentem em dominar um determinado povo – geralmente o seu mesmo – pelos mecanismos naturais do poder político, mas insistem em manter um controle absoluto sobre a vida de cada indivíduo e sobre o curso de toda a sociedade. Trata-se, provavelmente, de um deformação da personalidade, mas que nem sempre transparece nas primeiras fases da ascensão social de indivíduos doentios.
Rejeito terminantemente o uso de conceitos afiliados ao maquiavelismo intelectual – ou seja, uma doutrina vinculada à análise política pré-moderna – para caracterizar essas situações de domínio despótico. Maquiavel – a quem já homenageei numa releitura de sua obra mais famosa, O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado) – era um patriota interessado em salvar a Itália dos invasores estrangeiros, com seus exércitos de mercenários selvagens, e que por isso, contrariando seus próprios instintos republicanos, consentiu em propor uma solução despótica para assegurar a sobrevivência do Estado (na verdade, a construção de um poder legítimo, podendo introduzir a lei e a ordem, para permitir o desenvolvimento da cidadania).
Os tiranos a que me refiro, e que estão na origem de tantos desastres nacionais, são totalitários no espírito e na ação, concentrados unicamente em seu poder absoluto e que, por isso mesmo, acabam levando suas sociedades e os povos que nelas habitam a desastres incomensuráveis, quando menos a atrasos quase insuperáveis na escala civilizatória. Eles são praticamente autistas, ou seja, voltados unicamente para si mesmos, mas também costumam ser dirigentes hábeis, capazes de seduzir os incautos, atrair o apoio de muitos cidadãos ingênuos – não falo dos simplórios e dos idiotas, que estes existem em todas as partes – e até mesmo conseguem capturar a estima de muitos, já que encarnando, supostamente, aspirações nacionais (patriotismo, dignidade nacional, sentido da grandeza da nação, autoestima legítima, às vezes necessidade de afirmação). Qualquer que seja a razão, um tirano não ascende a essa posição apenas pelo exercício da força bruta, ainda que tais extremos possam ocorrer excepcionalmente.
Em qualquer hipótese, como referido na abusadíssima frase de Lord Acton, o poder absoluto corrompe absolutamente, e são muito abundantes, e infelizes, os exemplos desse tipo de situação. A comunidade dos Estados contemporâneos ainda é muito diversificada quanto à natureza, conformação e tipo de governança existente na prática, havendo sistemas bastante avançados de legitimidade democrática – não é difícil distinguir certas sociedades escandinavas e as do mundo anglo-saxão, de modo geral – e outros lamentavelmente detestáveis em seu despotismo mais evidente (em vários países da África, na Ásia central e até mesmo na América Latina). Os regimes políticos não se sustentam apenas burocraticamente, pelas instituições criadas na modernidade westfaliana (e como tais reconhecidas no direito internacional), mas também se impõem pela brutalidade pré-moderna de certas tiranias de fato e de direito.
A história, como eu dizia ao início deste pequeno texto, está repleta de exemplos de desastres nacionais, sempre provocados por tiranos, ou candidatos a tal. Não me refiro necessariamente a Napoleão, e a seu Império quase uniformemente continental, na Europa, pois o pequeno imperador, e grande estrategista militar, parecia encarnar as virtudes da administração burocrática moderna, na destruição do que era considerado como “restos feudais” nos regimes absolutistas do continente. Megalomaníaco como era – sem ser um tirano cruel ou despótico – ele também conduziu a França ao desastre, mas numa escala ainda reduzida, se pensarmos nas destruições que vieram depois dele. Afinal de contas, ele presidiu à passagem do exército de mercenários ao recrutamento obrigatório, que também foi uma escola de cidadania – quando não uma escola tout court – a milhares de camponeses que de outra forma teriam vegetado naquilo que Marx chamava de idiotice da vida rural. Os exércitos modernos ainda são napoleônicos nos seus processos de conscrição, de socialização e de formação de soldados-cidadãos.
Depois dele, o primeiro grande personagem da megalomania totalitária foi Lênin e seu projeto de criar o homem novo, eliminando burgueses, camponeses ricos, padres e intelectuais dissidentes, além de capitalistas em geral. Foi o primeiro regime despótico moderno, e teve muito a ensinar a seus êmulos na própria Rússia ou em outros países. O próprio Lênin se inspirou em Robespierre, e seu reinado de Terror, que ele admirava sinceramente, e pretendia reproduzir usando a Tcheca como seu instrumento.
Stalin, Mussolini, Hitler e Mao aprenderam com Lênin tudo o que aplicaram de perversidades totalitárias, ainda que Hitler não estivesse pronto a reconhecer essa sua dívida intelectual para com o fundados do império soviético. Os imensos desastres humanos que essa quadrilha de tiranos provocou, ao longo do século XX, se cifra na casa das dezenas de milhões de vítimas, de morte matada e de morte morrida, mas sempre por culpa de suas aventuras insanas em busca do poder absoluto. Observe-se que nenhuma ameaça externa os obrigou a empreender a eliminação maciça de seus supostos inimigos: tratou-se de uma decisão solitária, insana como soe acontecer.
Alguns deles foram metódicos na aplicação de seus propósitos tirânicos, e nisso os comunistas levaram uma imensa vantagem sobre seus colegas fascistas: eles criaram uma máquina fria de identificação e eliminação de aliados e inimigos, um sistema quase weberiano de tirania semi-racional, já que contando com uma filosofia universalista, que prometia um futuro radiante a todos os deserdados da terra (e eles eram muitos, várias dezenas de milhões). Os nazistas atuaram com base na separação das raças e num ódio irracional a determinadas categorias humanas, não conseguindo com isso emitir um discurso universalista; eles não puderam legitimar o seu poder, da mesma forma como os comunistas o fizeram (aliás até hoje, em alguns países). Todos foram tiranos absolutos, em algum momento tragados pela loucura do poder, o que os levou a cometer erros que redundaram em grandes tragédias humanas para suas próprias sociedades. Pensemos, por exemplo, em Hitler, logo após ter obtido o Anchluss da Áustria e ter absorvido boa parte da então República Tchecoslovaca: o que o obrigava a invadir a Polônia, a entrar em guerra com as potências ocidentais, e mais adiante invadir a União Soviética, que era inclusive sua aliada? O que o obrigava a declarar a guerra aos Estados Unidos, logo depois do ataque de Pearl Harbor? Insanidade completa, que se traduziu na maior tragédia de toda a história dos povos germânicos.
Numa versão mais “amena”, mas igualmente desastrosa para certos povos, tivemos alguns ditadores na Ásia e na América Latina, ainda hoje cultuados como grandes homens, até heróis, em seus países. Uma sociedade não muito distante de nós foi sequestrada por um fascista populista, e convive até hoje nessa situação bizarra, que atinge inclusive intelectuais, cuja inteligência (se existe) foi capturada por um cadáver. Uma outra na mesma região ainda atravessou recentemente a mesma experiência, e se afunda progressivamente na ditadura política e no caos econômico. Alguns outros candidatos a tiranetes pululam aqui e ali, dispostos a subir aos extremos, se o ambiente interno e externo assim lhes permitir. Num retrospecto histórico, não é difícil constatar o imenso atraso a que foram conduzidas suas respectivas sociedades: se eles não mataram como os tiranos absolutos acima referidos, eles atrasaram de modo por vezes irremediável sociedades que já foram mais ricas, e que tinham condições de conhecer patamares mais elevados de prosperidade material e de riqueza cultural.
O Brasil não conheceu esses extremos terríveis de tiranias fascistas, ou de domínio de caudilhos ridículos, ainda que tenha passado por ditaduras bastante severas na aplicação do autoritarismo “legal” a que sempre foram obedientes nossos militares de orientação positivista ou castilhista. Mas eles foram adeptos do que eu chamo de nazismo econômico e de stalinismo industrial, que ainda hoje seduzem certos espíritos simplórios numa esquerda que se caracteriza sobretudo por seu atraso mental e por sua indigência intelectual. Eles se disfarçam de keynesianos de botequim, mas se aproximam bastante do que eu chamo de fascismo corporativo.
O Brasil não retrocedeu absolutamente, ou não tanto quanto certos vizinhos e outros “aliados estratégicos” em outros continentes, mas ele se atrasou certamente, ao não perder oportunidades de perder oportunidades, como dizia Roberto Campos. Ele continua se atrasando, a julgar pelos indicadores de crescimento econômico comparado e pelo desempenho exibido nos exames internacionais de avaliação estudantil. Esse último problema é certamente uma tragédia, relativa e absolutamente, atual e potencial, e só posso lamentar que os companheiros atualmente no poder tenham conduzido nossa educação a níveis tão baixos de qualificação didática, sob qualquer perspectiva histórica que se conheça. A educação brasileira, aliás, já é um grande desastre nacional: imaginem se ainda estivéssemos vivendo sob um regime totalitário, como certamente gostariam alguns companheiros aloprados. Mas não só eles: alguns que se consideram geniais também...


Hartford, 23 de Novembro de 2013.