O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida

Site pessoal: www.pralmeida.net.
Mostrando postagens com marcador embaixador. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador embaixador. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 25 de julho de 2025

Azerbaijão – Existe Seda em Rota Futura? - Paulo Pinto, embaixador

Existe Seda em Rota futura

Causa surpresa a notícia de que conferência entre Azerbaijão e Armênia tenha acontecido, durante o mês em curso nos Emirados Árabes, ao invés de na Rússia, conforme vinha ocorrendo tradicionalmente, em virtude da disputa territorial, entre Baku e Ierevan, que, nas últimas décadas tem levado estas capitais a recorrer à arbitragem de Moscou.
A maioria do noticiário disponível sobre o Azerbaijão, a propósito, o reduz cartograficamente ao grupo de três pequenos estados emancipados da extinta União Soviética, em 1991, na região do Cáucaso, junto com a Georgia e a Armênia.
Os dois textos iniciais abaixo, escritos durante o período em que fui Embaixador em Baku, entre 2009 e 2012, recuperam observações, sobre o término da Guerra Fria, o esfacelamento da URSS e a emergência de nações, sempre antagônicas, ao Sul da cadeia de montanhas do Cáucaso, cujas culturas foram sufocadas, durante 70 anos de ocupação soviética. Estas são, ademais, algumas condicionantes da disputa territorial entre os vizinhos azeris e armênios.
O Azerbaijão vive, hoje, momento de crescente inserção econômica e política internacional, em virtude da importância estratégica de seus recursos energéticos. Este esforço, no entanto, não é descolado do exercício de resgate de sua identidade cultural. O texto abaixo inspira-se no fato de que, após muito tempo esquecidos e na obscuridade, a Ásia Central e o Cáucaso voltam às atenções mundiais, em novo “Great Game”.

Azerbaijão – Existe Seda em Rota Futura?


24 de julho de 2025

A região ao Sul da Cordilheira do Cáucaso, onde se situa o Azerbaijão, era mais bem conhecida, na Antiguidade Greco-Romana e no auge da Rota das Sedas, do que no mundo atual. Segundo a mitologia grega, foi no alto daquelas montanhas que Zeus mandou acorrentar Prometeu, para que seu fígado fosse comido por abutres, como punição por ter entregado o fogo prometido aos humanos.

Até hoje – e visitei o local – há uma chama eterna que brota do chão, perto de Baku, que seria aquela fogueira inicial. Ao escurecer, adquire um tom azulado. É um prazer observar o fenômeno – entendido pela óbvia presença de gás subterrâneo – sorvendo chá com iguarias locais. Imagine-se, no entanto, a popularidade daquele fogaréu todo, inexplicado através de séculos, favorecendo o surgimento de crenças e credos como os seguidores de Zaratustra, que adoram o fogo (os seguidores do Zoroastrismo, hoje, vivem principalmente na área de Mumbai, Índia).

No auge da Rota das Sedas, que ligava a Europa à Ásia e foi popularizada por Marco Polo, a área hoje ocupada pelo Azerbaijão era grande tema de conversas – segundo consta – nos dois continentes. A parte antiga de Baku preserva muralhas do Século XIV que defendiam os comerciantes que por lá transitavam, naquela época, com suas caravanas de camelos.

Há restaurantes, sempre subterrâneos para proteger dos ventos – se o Azerbaijão é conhecido como a “Terra do Fogo”, Baku o é como a “Cidade do Vento” – onde se pode degustar cozinha local, lembrando aqueles tempos idos. Parece que o assunto preferido era os já então famosos tapetes azeris, objetos de troca, no comércio das sedas, entre europeus e asiáticos. Os bazares continuam vendendo este produto, perto de onde se situava a Residência da Embaixada.

Hoje, o Azerbaijão, quando reconhecido, é identificado por situar-se na “esquina do mundo”.

Especialistas e simpatizantes o situam geograficamente como fronteira entre a Europa e a Ásia, entre o Ocidente e o Oriente, entre o Mundo Cristão e o Muçulmano e entre áreas de influências atuais da Rússia, Irã e Turquia.

A maioria das avaliações disponíveis sobre o papel deste país no cenário mundial, no entanto, o reduzem, cartograficamente, ao grupo de três pequenos estados emancipados na região do Cáucaso, junto com a Geórgia e a Armênia.

A seguir, são feitas observações, sobre o término da Guerra Fria, o esfacelamento da União Soviética e a emergência de nações, sempre antagônicas, ao Sul daquela cadeia de montanhas, cujas diferentes culturas foram sufocadas, durante os 70 anos de opressão socialista.

O interesse pela inserção internacional do Azerbaijão pode ser maior, contudo, quando se verifica a crescente importância estratégica das margens do Mar Cáspio. Compartilham da mesma situação geopolítica a Rússia, o Irã, o Cazaquistão e o Turcomenistão.

Verifica-se, a propósito, que o Azerbaijão tem merecido atenção diferenciada do exterior, pelas conhecidas riquezas energéticas que compartilha, na área ribeirinha ao Cáspio.

O maior mar interior do mundo situa-se, é sabido, na confluência de conflitos étnicos, religiosos, nacionais e extrarregionais históricos. Durante o Século XIX, travou-se disputa, nesta parte da Ásia Central, por conquistas territoriais e acesso a mercados e recursos naturais, entre o Império Russo e a Grã-Bretanha, também conhecida como “The Great Game”[1].

Com o término da Guerra Fria, a vizinhança do Cáspio ressurge como espaço a ser cobiçado em novo “Grande Jogo” (ou “new deals”, segundo a linguagem trumpista), em virtude agora, principalmente, de suas reservas de petróleo e gás, por Estados Unidos, Europa Ocidental e Rússia, além de potências menores.

Trata-se, no entanto, de área situada no percurso da antiga “Rota das Sedas”. Esta era o longo e inóspito caminho a ser percorrido, entre a Europa e a Ásia. Apesar de conter, no nome, a ideia de intercâmbio comercial, as principais trocas foram de caráter cultural, sobrepondo diferentes religiões, hábitos e costumes.

Coloca-se, portanto, o desafio do mapeamento de tendências e estruturas regionais em construção e identificação de principais atores regionais.

Assim, é possível utilizar, a título de reflexão da evolução política e econômica da área, o enfoque de sucessivos círculos concêntricos, a partir da vizinhança mais próxima do Azerbaijão, ao redor do Mar Cáspio, até a esfera mais ampla onde se situam influências dos atores do “Grande Jogo” do momento.

Isto é, o círculo inicial situar-se-ia a nível micro, onde se encontra mosaico de comunidades heterogêneas, que convivem no espaço geográfico ocupado por aqueles cinco países, ao redor do Mar Cáspio, divididas por rivalidades tribais, diferenças linguísticas, hostilidades religiosas e disputas territoriais de longa data.

O segundo círculo é o composto pela interação entre os cinco estados ribeirinhos citados acima: Azerbaijão, Rússia, Irã, Cazaquistão e Turcomenistão. Com exceção do Irã, os demais foram membros da União Soviética e encontram-se, ainda, em processo de construção nacional, em virtude de transição de sistema econômico centralmente planificado. Por consequência, estes países sofrem de incertezas políticas que podem afetar suas respectivas posições quanto à exploração dos recursos energéticos regionais.

O terceiro abrange estados periféricos ao Mar Cáspio, a saber, Turquia, Geórgia, Uzbequistão, Afeganistão e Armênia. A vizinhança lhes concede importância crucial para as exportações dos recursos energéticos dos estados ribeirinho caspianos, isolados dos mercados europeus, norte-americanos e asiáticos. Os acontecimentos políticos neste “inner circle”, ademais, afetam a situação interna daqueles incluídos, para fins desta análise, no círculo inicial, pela dependência do acesso de seus produtos ao exterior.

A seguir, em quarto patamar, formando um “outer circle”, encontram-se potências da magnitude de China e Índia, bem como atores regionais de peso, como Paquistão, Arábia Saudita e Estados do Golfo, Israel, Grécia, Bulgária, Romênia e Ucrânia. Há fatores em comum, que os relacionam com a área do Cáspio. Alguns são grandes importadores de petróleo, outros exportam o mesmo produto e, portanto, receiam a competição dos ribeirinhos caspianos, enquanto o território de alguns serve de via de trânsito para exportações.

O quinto círculo abrange as potências extra-regionais, como Estados Unidos, União Europeia, Japão e países da Ásia Oriental, cujos interesses, no que diz respeito à área do Mar Cáspio são complementares e competitivos.

Compartilham, por um lado, da preocupação quanto à estabilidade desta região, que lhes fornece recursos energéticos e tem crescente poder aquisitivo para seus produtos industrializados. Por outro, disputam condições mais favoráveis para garantir o fornecimento de petróleo e gás, bem como o acesso a seus mercados para seus bens e máquinas.

Verifica-se, portanto, que os países às margens do Mar Cáspio não podem escapar, como na época do “Great Game”, a condicionantes externas. No século XIX, eram vítimas ou protagonistas de disputas por territórios e consumidores, conforme mencionado acima. Hoje, o Azerbaijão e seus vizinhos são influenciados por forças mais abrangentes de um mercado globalizado não apenas por fontes e consumo de energia, mas também de ideias, instituições e tendências socioeconômicas.

Nesse processo, segundo a perspectiva estratégica que se pode adotar, análises da evolução política e econômica do Azerbaijão não se devem esgotar na condição cartográfica do país, situado ao Sul da Cordilheira do Cáucaso.

Caberia, então, realizar o esforço de identificação de tendências e estruturas regionais em construção que afetem os principais atores ao redor do Mar Cáspio. Estas são determinadas por realidades locais e forças regionais, situadas em patamares distintos e descritos acima como sucessivas áreas concêntricas, que interagem e se condicionam mutuamente.

O observador em Baku defronta-se, portanto, com cenário de crescente inserção econômica internacional do Azerbaijão, em virtude da importância estratégica de seus recursos energéticos. Este desafio, contudo, não pode ser descolado do exercício de interpretação de como, nesta região ribeirinha do Cáspio, pretende-se preservar hábitos, práticas e valores locais, diante das condicionantes do atual “Great Game”, em disputa por influência sobre a antiga Rota das Sedas.

Já ia me esquecendo: após o Dilúvio, foi no alto da Cordilheira do Cáucaso que “Noé aportou com sua arca”. Este foi, mesmo, antigamente um destino de viagens bem mais popular, do que no mundo atual.

Azerbaijão: a esquina de Dede Korkut na Rota das Sedas

Quem são, no Azerbaijão, os azeris: turcos iranianos ou iranianos turcos? Consta que, no início de formação desta nacionalidade, lá pelo Século XIV, o ancião Dede Korkut ficava, em área hoje ocupada pelo país, na esquina da Rota das Sedas, e “narrando, espalhava por toda a parte” a epopeia deste povo tão antigo.

A questão não tem apenas o interesse literário sobre a principal narrativa oral dos “povos turcos” – entre eles os azeris, que reverenciam a imagem de Dede Korkut.

Isto porque, o Azerbaijão, como outros novos estados que se emanciparam da União Soviética, a partir da década de 1990, enfrentam, entre muitos, problemas do estabelecimento de identidades nacionais viáveis e da reconstrução de suas instituições culturais e educacionais.

O Azerbaijão é palco de história rica e antiga e, da mesma forma que seus vizinhos no Cáucaso, tem sido cenário de batalhas há mais de um milênio. Há evidência de ocupação humana em seu território, desde a Idade da Pedra.

Localizada na convergência de diferentes civilizações, a região foi invadida e disputada por grandes impérios e personagens famosos, como Alexandre o Grande, o General Romano Pompeu, o conquistador mongol Genghis Khan, e o Tsar Pedro o Grande.

Cartograficamente, o Azerbaijão estende-se do Noroeste do Irã, ao Mar Cáspio, a Leste. Faz fronteira, a Oeste, com a Armênia e Turquia. Ao Norte, situam-se a Geórgia e a Rússia. A nação azeri encontra-se, hoje, dividida em duas partes. A que ocupa o território do país hoje independente, a partir de 1991. E ao Sul, a que habita na parte meridional iraniana. Esta divisão ocorreu em 1828, a partir de tratado entre os Impérios da Pérsia e o da Rússia.

Apenas cerca de oito milhões dos nacionais azeris vivem no Azerbaijão. Entre 20 e 30 milhões habitam, ao Sul, no Irã. Estima-se, ainda, que quase dois milhões se encontrem na Turquia e número idêntico na Rússia. Grupos significativos residem na Geórgia, Iraque e Ucrânia.

Há versões distintas sobre a origem étnica desta população, cuja língua é conhecida como azeri e, hoje, segue, majoritariamente o Islã Xiita.

Daí, para o observador em Baku, ser importante encontrar algo que defina a identidade cultural azeri. Este esforço leva, inevitavelmente, ao estudo do personagem Dede Korkut.

Trata-se da figura maior da história épica dos oguzes, que  formaram um dos principais ramos dos povos túrquicos, entre os séculos VIII e XI, e são considerados  ancestrais dos turcos modernos. Estes incluem, entre outros: azeris, turcos da Turquia, turcomenos, turcos qashqais do Irã, turcos do Khorassan e gagaúzes, que, em conjunto, representam mais de 100 milhões de pessoas.

As narrativas místicas fazem parte da herança cultural dos “Estados turcos”, que incluem, hoje, a Turquia, o Azerbaijão e o Turcomenistão, e, em menor grau, o Casaquistão e o Kyrgystão. Para os povos que se consideram turcos, especialmente os que se identificam como oguzes, o livro Dede Korkut é o principal registro de sua identidade étnica, história, costumes e de seus sistemas de valores, através da História.

Nos contos, lugares, batalhas, armas, intrigas, cavalos, palácios, fontes e jardins saltam à imaginação. O leitor, então, passa a sonhar como se estivesse assistindo a um filme. Trata-se, como já foi dito, de uma película épica, a definir a consciência coletiva de um povo. Segundo especialistas no assunto, Dede Korkut teria, para o mundo turco e, nesse contexto, para a nacionalidade azeri, o mesmo papel de definição de uma identidade unificadora, que, no Ocidente teriam tido epopeias como a Ilíada e a Odisseia.

Várias datas são sugeridas para o desenrolar das narrativas de Dede Korkut. A maioria dos estudiosos concordaria que o período mais provável seria o do século XV, na medida em que as tradições mencionadas registrariam conflitos entre os oguzes e seus rivais turcos na Ásia Central. Outros autores, no entanto, situam os acontecimentos como ocorridos ainda nos século VIII. A grande dificuldade para o estabelecimento mais preciso das datas deve-se ao fato de que os povos em questão eram nômades, sem deixarem registros por escrito, prevalecendo as narrativas orais.

Os contos épicos de Dede Korkut encontram-se entre os melhores, registrados oralmente, na língua turca. Para especialistas, não há dúvida de que os fatos ocorridos teriam acontecido no território, hoje ocupado pelo Azerbaijão. Na esquina da Rota das Sedas, conforme já foi dito, por ser Baku, então, centro comercial da maior importância, no intercâmbio de bens e convergência de culturas, entre a Europa e a Ásia Central.

Tratam de lutas pela liberdade em época durante a qual os oguzes eram um povo pastoril, em fase de transição para o conceito de uma etnia turca mais ampla. Ocorria, mais uma vez, de um ponto de inflexão na história da região – enquanto o Islã começava a predominar na região, coincidindo com a adoção de um estilo de vida mais sedentário, possivelmente no século XIV.

Hoje publicado em diferentes idiomas, o Dede Korkut registra, como já mencionado, narrativas orais, seja com escritos em prosa, seja em versos. Conclui-se, hoje, que a epopeia é composta por dezesseis histórias. As doze principais compreendem período posterior à adoção do Islã, pelos turcos. Os heróis, portanto, são retratados como “bons muçulmanos”, enquanto há referências aos infiéis, como vilões. Mas há referências, também a mitologia prevalecente no período anterior à introdução do Islã.

O personagem Dede Korkut é entendido como o “Vovô Korkut”, uma mistura de curandeiro, profeta e narrador de estórias. É desenhado como um respeitável idoso, de cabelos e barbas brancos. O décimo segundo capítulo faz a compilação de dizeres atribuídos a ele. Representa, portanto, um líder mais velho – conselheiro ou sábio – resolvendo as dificuldades com as quais se confrontam os membros da tribo.

No Brasil, foi publicado um primeiro livro de autor azeri, “O Manuscrito Inacabado”, escrito pelo Prof. Kamal Abdullayev[2], tendo, como pano de fundo, tramas da referida epopeia. Segundo o Prof. Claude Allibert, a obra relata parte desta tradição oral “neste momento em que, a nação azerbaijana reencontra sua identidade, resgata o passado épico e o articula com o presente de um povo que recupera suas raízes”.

Sempre de acordo com o já citado Prof. Claude Allibert, a epopeia Dede Korkut é recitada desde o século IX “atualizada através de técnicas narrativas modernas: micronarrativas, pluralidade de narradores, mudanças de épocas repentinas, retomada de uma mesma passagem que se completa em seguida, adoção de diferentes pontos de vista em torno de uma mesma situação, o que deixa um importante trabalho de compreensão ao leitor, que deve construir sua própria interpretação. A astúcia, a crueldade, e a beleza de certa violência guerreira, nem sempre contida, podendo explodir de modo brutal nos confrontos e nos castigos demoníacos, recobrem a atmosfera oriental arcaica que remete o leitor europeu à história mongol.”

Retorna-se, neste ponto, ao argumento citado acima sobre a problemática atual dos estados emancipados da URSS, no que diz respeito à recuperação de suas identidades nacionais e reconstrução de mecanismos institucionais.

Cabe recordar, a propósito, que, na década de 1960, quando se tornaram independentes a maioria das ex-colônias europeias, na Ásia e África, havia um mundo bipolarizado com escolhas de sistemas de governança mais simples e bem definidos: o socialista ou o capitalista. Era, então, possível a um país recém-independente escolher, como modelo, um ou outro. Como consequência, um poderoso aliado e grupo significativo de simpatizantes era imediatamente adquirido.

Quando emergiram da União Soviética, no entanto, as novas repúblicas tiveram que inserir-se, a partir de 1991, em emaranhado de “geometrias político-econômicas variáveis”, que não lhes garantia aliados automáticos.

Além disso, com a globalização já em vigor, receberam prontas cobranças sobre como adotar modernas legislações para formas de governança que respeitassem direitos humanos, meio ambiente, propriedades industriais e intelectuais e outras maneiras de comportamento internacional aceitável.

Conforme já foi dito, o Azerbaijão vive momento de crescente inserção econômica internacional, em virtude da importância estratégica de seus recursos energéticos. Este esforço, no entanto, não é descolado do exercício de resgate de sua identidade cultural.  Daí, a reflexão sobre suas tradições, como narrativas orais, não desperta apenas curiosidade literária.

Há historiadores que afirmam ter Dede Korkut vivido, no século XIV, ao Sul do Cáucaso, por 295 anos. Chego a acreditar, pois, visitei a região de montanhas de Lerik, na parte meridional do Azerbaijão, onde existe uma povoação conhecida pela longevidade de seus habitantes, vários com mais de 100 anos de idade. Isto seria explicado por um microclima que combinaria umidade, tipo de alimentação, um determinado chá, mel de abelhas raras, muitas caminhadas e qualidade de água.

Lá encontrei um cidadão que alegava ter 137 anos. Entre as perguntas rotineiras que lhe formulei, ficou a relativa à melhor época de sua vida. Criticou, a propósito, a parte final do Império Russo, no início do século passado, que abraçava então o Sul do Cáucaso, sem oferecer boas condições materiais à população azeri.

Bom mesmo, para sua vizinhança, alegou politicamente correto, tem sido o período iniciado com a liderança atual da família Aliyev, no poder em Baku, a partir de 1993.

Em suma, os atuais governantes, segundo o referido ancião, seriam capazes de “make Azerbaijan great again”.


[1] “The Great Game”, por Peter Hopkirk.

[2]  O Manuscrito Inacabado. Por Kamal Abdullayev. Ideia. João Pessoa. 2009.

Paulo Antônio Pereira Pinto, embaixador aposentado.


quarta-feira, 24 de maio de 2023

A Argentina precisa desesperadamente do apoio do Brasil: entrevista com o embaixador Daniel Scioli (Valor)

 ‘Argentina pode superar a crise com ajuda do Brasil’, diz pré-candidato à presidência

Embaixador argentino em Brasília, peronista Daniel Scioli fala de voto, inflação e cooperação
Por Marcos de Moura Souza, Valor — São Paulo
23/05/2023 20h57 

O embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli, está em campanha para tentar emplacar seu nome como candidato governista nas eleições presidenciais de outubro. As primárias — etapa na qual os eleitores votam nos nomes que efetivamente disputarão a eleição — se realizarão em 13 de agosto.

No bloco governista, a Frente de Todos, foi o primeiro a se colocar como pré-candidato. Outros se movem, de forma mais aberta ou cautelosa, para tentar a vaga. Entre eles, o ministro do Interior, Eduardo de Pedro e o chefe de Gabinete do atual governo, Agustín Rossi. O ministro da Economia, Sergio Massa, não se lançou, mas é visto também como presidenciável. Scioli é um veterano da política e o nome, entre os quatro, que os eleitores conhecem há mais tempo.

Em entrevista ao Valor, ele descarta reformas estruturais ou corte de gastos, como defendem muitos economistas, para estabilizar a economia de seu país, que sofre com uma inflação de mais de 100%. Aposta em um cenário otimista de supersafra em 2024, com a expectativa de fim da prolongada seca, e no início das operações de um novo gasoduto, que, numa primeira fase, atenderá à demanda interna do país e, numa segunda fase, permitirá exportações para o Chile e para o Brasil.

Scioli vê nesses dois elementos o início de uma virada de página na atual crise argentina. Mas até que isso ocorra, diz ele, seu país precisa da ajuda do Brasil.

Scioli foi vice-presidente da Argentina no governo Néstor Kirchner (2003-2007), governador da Província de Buenos Aires (2007-2015) e candidato a presidente derrotado por estreita margem de votos e 2015. Desde 2019 é embaixador no Brasil.

Como pré-candidato governista, sua tarefa não é fácil dada a baixíssima popularidade do governo de Alberto Fernández.

Aos 66 anos, Scioli se apresenta como uma voz sensata e moderada para enfrentar os candidatos da oposição. Um deles, o economista e deputado Javier Milei, que faz sucesso entre uma faixa de eleitores pregando, entre outras ideias, o fim do peso e a adoção do dólar como moeda nacional. A seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: A Argentina vive um momento de rápida deterioração das expectativas em relação a inflação e câmbio, além de as reservas estarem dilapidadas. O que é possível fazer para estabilizar a economia neste momento?
Daniel Scioli: Desenvolvê-la, colocar todo o esforço no desenvolvimento produtivo, impulsionar setores estratégicos, como energia, mineração, a economia do conhecimento, do turismo, que ajudam a fortalecer nossas reservas. E há a perspectiva de que em 2024 teremos uma safra recorde. O agronegócio, setor tão importante para a economia argentina, foi afetado por uma seca histórica que reduziu em US$ 20 bilhões o que a Argentina tinha previsto para este ano. E isso afetou muito fortemente as reservas. Trouxe consequências para o conjunto da economia. Por isso com nossa aliança estratégica com o Brasil estamos trabalhando em um marco de cooperação e de complementação para passarmos esse momento.

Valor: Que medidas o Brasil poderia adotar para ajudar a Argentina a administrar esse quadro?
Scioli: Há uma demanda de empresários brasileiros que exportam para a Argentina para que o Brasil possa encontrar mecanismos para aumentar o comércio bilateral. A Argentina não veio aqui [no último encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Fernández em maio, em Brasília] pedir dinheiro. Veio apresentar uma situação relacionada à seca, somada aos impactos da guerra no aumento dos preços da energia. E para atravessar este momento seria muito importante que o Brasil, através de todas essas reuniões periódicas entre as autoridades, com o ministro Haddad, com vice-presidente Alckmin, com BNDES, com a própria Dilma Rousseff, conseguisse algumas garantias para ajudar a indústria brasileira que abastece a indústria argentina de insumos, matéria-prima e auto-peças.

Valor: Esse, na sua visão, é um dos pontos centrais? Mais disponibilidade de financiamento?
Scioli: Sim, para que o problema conjuntural com a seca na Argentina, que não tem dólares de forma imediata para importar, possa, através de financiamento de entidades brasileiras a suas empresas, conseguir que o comércio bilateral não seja interrompido. E isso por alguns meses e nada mais. Porque a Argentina tem projetada uma safra recorde, um superávit energético quando o gasoduto for concluído; um superávit muito importante relacionado às exportações de minerais estratégicos, como o lítio e o cobre; uma entrada de dólares também muito importante na economia do conhecimento.

Valor: As conversas com o Brasil estão avançando?
Scioli: Acredito que estamos muito próximos. Porque no acordo que foi firmado em janeiro, que é um plano de governo binacional, com interesses mútuos, houve avanço em todos os objetivos.

Valor: Financiar empresas que exportam para a Argentina enfrenta críticas no Brasil. Teme-se que as empresas brasileiras não recebam na Argentina e, consequentemente, não teriam como saldar o financiamento concedido a elas pelo Brasil. Há razão para esse temor?
Scioli: Não há nenhum risco. A Argentina tem uma situação conjuntural por esse fenômeno da seca. Mas todos os especialistas confirmam que no ano que vem teremos uma safra recorde. E a situação que tivemos neste ano e no ano passado, de ter de importar gás, será revertida e vamos passar a exportar. E apesar de tudo o que houve, estamos aumentando o comércio bilateral em mais de 25% em relação ao ano passado — a Argentina importando do Brasil— em um setor estratégico que é o automobilístico. Portanto, não há absolutamente nenhum risco porque a Argentina é um país que tem toda a condição para poder superar essa situação conjuntural. Veja o que está acontecendo no comércio bilateral com a China. China facilitou para que se possa pagar com yuan as importações da Argentina de empresas chinesas. Como defendo a integração, o nosso comércio bilateral, nossa aliança estratégica, estamos buscando mecanismos para que o Brasil não perca o mercado argentino para a China. Porque como as exportações vêm com financiamento da China, isso dá a ela uma vantagem. Vemos como muito mais natural [o comércio com o Brasil], estratégico, porque o Brasil é nosso principal sócio comercial e mais de 50% das exportações são de origem industrial. Então que se encontre uma fórmula, e será encontrada não tenho nenhuma dúvida.

Valor: Em quais setores empresas chinesas estão ampliando sua presença na Argentina, deslocando as empresas brasileiras?
Scioli: Podem ser calçados, têxteis. Também setores de autopeças, de pneus, químicos, insumos petroquímicos. Até no gasoduto. Porque há a possibilidade de a China fornecer os tubos com financiamento. A primeira etapa do gasoduto fizemos com tubos fabricados no Brasil. E se o grande beneficiário, quando a segunda etapa do gasoduto for concretizada daqui a um ano, vai ser o Brasil [fará sentido] que os tubos [desta segunda etapa] sejam fabricados no Brasil.

Valor: Voltando à crise da economia. Para além desse cenário otimista que o senhor apresenta pós-seca, com o novo gasoduto, o que o futuro governo precisará fazer para baixar a inflação?
Scioli: Vamos falar um pouco do cenário político argentino. Aqui há três caminhos. Os que propõem a dolarização; os que dizem que vão fazer o mesmo, só que mais rápido, que são aqueles que fizeram a Argentina voltar ao FMI com um hiperendividamento em dólares; e os que [como nós] estão convencidos que com desenvolvimento, crescimento, equilíbrio fiscal — não por meio de mais ajustes e mais sofrimento, mas, sim, por meio da expansão produtiva — serão geradas as condições para reverter essa situação. [...] O grande desafio é baixar a inflação e aumentar os salários porque a inflação afeta os salários. Não solucionaremos isso dolarizando a economia ou eliminando o BC, como defendem alguns, ou taxando a educação, a saúde ou tirando direitos dos trabalhadores.

Existem múltiplas causas para a inflação, não é só seca. Há também o impacto da guerra, que gerou aumento no preço da energia e a Argentina teve que importar gás. Houve também uma ajuda por parte do governo durante a pandemia que mudou o planejamento fiscal. Durante a pandemia a Argentina adotou medidas ativas para que nenhuma empresa fechasse suas portas. Então, com respeito ao futuro, a Argentina tem como encarar os seus desafios por isso estou convencido de que a alternativa segura será eleita de uma forma soberana — um nacionalismo moderno, de integração inteligente com o mundo, de industrializar e gerar valor com a economia do conhecimento, com a nossa matéria-prima. [A saída] não é a dolarização, nem mais ajuste que a sociedade não suporta nem mais endividamento. Não temos que pedir nem um dólar mais ao FMI. Temos que planejar e encarar o futuro expandindo nossos recursos aumentando as exportações.

Valor: O ministro Sérgio Massa tem feito gestões para adiantar os desembolsos do FMI. O senhor defende essa demanda e por que o Fundo aceitaria isso?
Scioli: Porque no acordo que foi firmado, o artigo 11 diz que qualquer acontecimento extraordinário seria possível rever metas e outros aspectos. E o que o ministro Massa está pedindo é que se considere essa nova situação.

Valor: Governo e oposição ainda não definiram seus candidatos. Enquanto isso, o candidato Javier Milei avança numa fatia importante do eleitorado? A indefinição dos concorrentes ajuda Milei?
Scioli: Na Argentina existe uma lei que são as primárias que eu defendo e decidi participar delas para que democraticamente a sociedade argentina escolha os melhores candidatos. No caso dessa força política que se chama Libertad Avanza, tem um só candidato que é Milei, com suas ideias e seu programa de governo. E as pessoas, como estão com raiva, encontraram nele um candidato para expressar essa inconformidade com a política. Mas eu espero que as pessoas votem com esperança em um país melhor e não com raiva, que é razoável que as pessoas tenham. Existe uma alternativa que é muito mais razoável e sensata de progresso, de desenvolvimento do país, de soberania, que tem a ver com essas ideias que eu fiz referência. O caminho não é dolarizar a economia e perder a nossa soberania enquanto política monetária expansiva de crédito, de fortalecimento da moeda que nos permite enfrentar esses desafios que temos.

Valor: Como o senhor espera que as pessoas votem com esperança em um candidato de um governo impopular que deixa uma inflação de mais de 100%?
Scioli: Porque as pessoas sabem escolher uma pessoa com mais experiência. Fui governador, vice-presidente, ministro, secretário de Turismo e de Esportes e comandei esse trabalho de reconstrução na relação com o Brasil, que começou no ano passado e tem produzido um grande impacto. Um trabalho que começou no ano passado com o governo com uma diferença ideológica e política notável e que agora está avançando na concretização de uma aliança e um acordo de integração profundos. [...] Agora, começou uma etapa de reindustrialização da Argentina, a finalização da obra binacional mais importante da história que é o gasoduto, o marco para investimentos na área de mineração, obras de infraestrutura. Então, sobre isso o desafio é construir um país melhor e atacar de forma urgente a maior preocupação que a sociedade argentina tem que é a inflação e a recuperação dos salários.

Valor: Em um dos vídeos nas suas redes sociais, o senhor destaca que a experiência como embaixador no Brasil lhe deu ideias renovadas. Efetivamente, de que maneira a experiência em Brasília lhe ajuda em uma possível candidatura à presidência e em um possível governo?Scioli: Eu insisto na globalização da região e para encarar mais rápido a recuperação [é preciso] integração com Brasil, que seja benéfica para os dois países. Vamos poder expandir o crescimento, que é de onde vem a solução de fundo de um país. Todos os programas sociais, de emergência tem que envolver o trabalho e isso se consegue de mãos dadas com educação. O Brasil me deu e me dá a experiência a importância da Integração energética, da infraestrutura, de energias alternativas, no foco no agronegócio, no compromisso que existe nesse programa de neoindustrialização buscando em todos os setores produtivos uma melhora na competitividade na produtividade, o que está se fazendo aqui em matéria de simplificação e redução de imposto para melhorar a competitividade melhor crescimento estes pontos entre outros.

Valor: Em janeiro o presidente Lula e presidente Alberto Fernández falaram sobre o interesse em discutir uma moeda comum não necessariamente para substituir o peso e o Real mas para que fosse usada nas transações comerciais o senhor se manifestou positivamente sobre essas ideias de que maneira na sua avaliação isso poderia ajudar a Argentina?
Scioli: Esse é um objetivo de longo prazos que não depende apenas da vontade apenas de Brasil e da Argentina (...) Isso depende de articulação e acordos entre os nossos países. Hoje existem caminhos imediatos intermediários, por exemplo potencializar o pagamento com moedas locais, no caso real ou peso argentino. Ou como no caso da China o caso dos yuan e isso vai no caminho do que dizia antes: é preciso repensar essa transformação geopolítica com maior autonomia e auto-abastecimento entre os nossos países. Por exemplo, no caso dos fertilizantes ou no caso do semicondutores com o objetivo de reativar um projeto binacional que temos. Argentina tem a maior bacia de potássio do mundo que é fundamental para desenvolver fertilizantes.

Valor: Por fim, para dar um impulso a sua pré-candidatura seria necessário um gesto, uma posição do presidente da vice-presidente e o senhor espera isso?
Scioli: Não,não. Eu confio no povo argentino e o povo argentino confia em mim. Me conhecem há 25 anos na minha carreira política e em outras atividades no mundo desportivo, por exemplo. O presidente está [trabalhando para] resolver os problemas da Argentina e a vice-presidente tem o seu papel instituciona. Eu tomei uma decisão [de me pré-candidatar] convencido que é preciso dar ao nosso país essa alternativa que é a que eu represento frente ao que os outros grupos políticos tem proposto. Estou seguro que vai ganhar o previsível, o confiável, a sensatez, a moderação que possa harmonizar melhores acordos dentro da Argentina e com o mundo como eu demonstrei aqui no Brasil.