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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sexta-feira, 14 de março de 2025

Armínio Fraga: ‘Como o governo não plantou, não vai colher. Ou vai colher problema’ - Entrevista: Sheila D'Amorim (Valor) (via Mauricio David)

... “profissionalmente” a  equipe econômica está “funcionando mal”...

... se forem medidas que desincentivam o investimento é um desastre...

... A palavra adequada é colheita, de fato. Só que a colheita não vai ser boa, vai colher problema. Se plantou desequilíbrio, vai colher problema. É basicamente isso que está aí, mais ou menos encomendado...

... Não adianta a gente espernear, dizer “ah, não, não quero fazer a reforma”. Está bom, então vai pagar um preço. E o preço disso a gente já conhece. É incerteza, é volatilidade, é insegurança, é insegurança no emprego, é a frustração do crescimento baixo que o país tem tido há mais de 40 anos. Em 40 e poucos anos, o crescimento médio muito baixo, na média. Alguns anos foram bons. Alguns avanços importantes ocorreram na área social, na saúde… Tudo isso é verdade. Mas foi pouco. O Brasil cresceu muito pouco. Podia ter crescido muito mais. “

 

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Armínio Fraga: ‘Como o governo não plantou, não vai colher. Ou vai colher problema’

Para ex-presidente do Banco Central, a autoridade monetária precisa de ajuda. Ele diz que, sem ajuste fiscal adicional, Lula irá colher problema em 2025 e 2026. Ao Platô BR, ele falou ainda da irritação do presidente com o mercado financeiro e da avaliação de que Fernando Haddad é um ministro fraco

 

Repórter

12/03/2025 00:34

 

Armínio Fraga: ‘Como o governo não plantou, não vai colher. Ou vai colher problema’

Sem a disposição política do governo para encaminhar novas reformas ou propostas que reforcem o compromisso com o equilíbrio das contas públicas neste ano, o Banco Central está sozinho, com uma “batata quente na mão difícil de segurar”. A opinião é do economista e ex-presidente do BC Armínio Fraga, para quem a “colheita” que o presidente Lula espera ter em 2025 e 2026 “não vai ser boa”. “Vai colher problema”, afirmou Armínio em entrevista exclusiva ao Platô BR

Ele argumenta que, apesar de o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, e a nova diretoria da instituição terem um bom relacionamento pessoal com a equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda), “profissionalmente” a  equipe econômica está “funcionando mal”. E explica por que o BC precisa de ajuda.

Armínio, que comandou o Banco Central  em um dos períodos mais tensos da história econômica recente, com a mudança do regime cambial em 1999, também falou sobre o pacote do governo para tentar reduzir a inflação dos alimentos e defendeu a criação de uma “Bolsa Família Alimentação” voltada à população mais carente, em vez de medidas heterodoxas de controle de preços.

Ele se coloca ainda contra propostas de mudanca na meta de inflação no Brasil, atualmente em 3% ao ano, já defendidas no mercado e analisa as perspectiva de desempenho da economia brasileira nessa reta final do terceiro mandato do presidente Lula dizendo que há risco de recessão no final do ano.

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Sobre a  avaliação do governo de que o mercado financeiro não gosta de Lula, Armínio diz que o presidente “tem toda razão de ficar chateado” em situações como aquela em que parte da Faria Lima comemorou a queda de sua popularidade, mas “não deveria interpretar isso como uma coisa pessoal”. O motivo: o “mercado” que critica é o mesmo que adorou as medidas adotadas no primeiro mandato de Lula.

Indagado sobre as críticas recorrentes a Fernando Haddad  – o presidente do PSD, Gilberto Kassab, disse recentemente que ele é um ministro fraco -, Armínio Fraga tira o peso das costas do ministro e joga nas de Lula. Ele afirma que Haddad “faz o que o chefe dele manda” e que não sabe o que mais ele poderia fazer. “Talvez bater na mesa pontualmente e se posicionar, mas, no fundo, o maestro é presidente da República”.

Ao falar de outro tema candente, as medidas de Donald Trump que têm mexido com a economia global, o ex-presidente do BC, também sócio-fundador da Gávea Investimentos se disse preocupado. Nesta terça-feira, 11, a Casa Branca confirmou a tarifa de 25% sobre aço e alumínio “sem exceções e sem isenções”, o que inclui o Brasil. “Eu estou, no momento, preocupado porque acho que a ideia de um mundo economicamente mais aberto é muito poderosa e ela está sendo radicalmente revertida.”

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Um tema que hoje faz parte da mesa, do bolso, da vida do brasileiro é a inflação dos alimentos. Essa questão da alta do preço nos supermercados é um problema de difícil condução? É possível reverter no curto prazo?
Esse é um tema muito quente e, de fato, é muito impactante porque, para a maioria da população que tem renda infelizmente baixa a alimentação tem um peso muito grande e o IPCA tem mais ou menos 21%, mas na cesta de consumo das pessoas mais pobres é mais. Não é um assunto fácil, tem várias origens. O preço internacional das commodities, as mais variadas… O que aconteceu com o preço do café, por exemplo, é muito impressionante. O câmbio também afeta e, às vezes, questões climáticas. E a resposta não é trivial. É muito importante o mercado funcionar. Se não, você transforma um problema tipicamente temporário num problema mais permanente, com controles e com subsídios. No cômputo geral, a inflação tem sido um problema não só aqui, mas no mundo inteiro. No limite, é melhor uma solução tipo Bolsa Família do que propriamente alguma heterodoxia que, em última instância, sai pela culatra.

O programa que o governo anunciou para tentar reduzir preços dos alimentos está nessa heterodoxia ou ele é factível? Consegue fazer a inflação ceder no curto prazo?
Eu nem gosto usar muito a palavra inflação, que denota uma coisa mais geral. Os próprios bancos centrais, o nosso inclusive, tratam essas alterações de preços de alimentos, de commodities em geral, frequentemente como um choque temporário. O próprio Banco Central não vai incluir esse aumento de maneira plena, na ideia básica de que isso não é para sempre. E na ideia, mais básica ainda, de que a inflação é uma coisa mais geral. Do ponto de vista social, acho que é disso que a gente está falando, algumas dessas medidas podem trazer algum alívio. Essa discussão vai além do que está acontecendo agora e que passa por cesta básica e a própria criação de um imposto novo, o imposto que foi aprovado, mas está ainda em fase de implantação. Também teve muito lobby para isentar alguns alimentos. Eu acho que, no geral, a melhor solução não é a intervenção direta, é uma intervenção que é da família do Bolsa Família. Essa seria a ideia, se for para fazer alguma coisa. E eu entendo que é um momento de enorme dor para as famílias mais pobres
.

Mas seria o quê? Um auxílio cesta básica?
Algum auxílio, por exemplo, algum rebate. A discussão do rebate apareceu também. Acho que é de melhor qualidade econômica e permite com que o próprio mercado, com o tempo, funcione. É importante lembrar que o mercado tem duas dimensões e que, às vezes, uma delas fica esquecida. É sempre lembrar que, se controlar preço, não vai ter oferta. Isso é fundamental. Tem uma segunda que as pessoas têm no mercado uma forma de, no fundo, indicar quais são as suas preferências e isso é importante numa economia livre. Então, acho que essas respostas têm que ser muito cuidadosas, respeitando esse sofrimento das famílias. Mas é preciso pensar bastante. Eu não estou olhando todo o detalhe. Eu sou um pouquinho mais para cético, embora eu ache que a curto prazo alguma coisa pode ajudar, mas com cuidado. Se não houver esse cuidado, aí sai pela culatra. Lá na frente é até pior.

Por que seria até pior? Pelos gastos públicos?
Porque se forem medidas que desincentivam o investimento é um desastre.

Nos cálculos do governo para a redução da inflação no curto prazo há recuo da taxa de juros em relação ao final de 2024 e a não ocorrência de eventos naturais extremos, como seca ou chuva em excesso. Sobre isso o governo não tem controle. A super safra é o que está praticamente contratado, mas no dólar estamos vendo muita oscilação. A semana começou tensa. Como o senhor vê o comportamento dessas variáveis, considerando que 2025 e 2026?
Eu acredito que o que o Banco Central pode e deve fazer é buscar controlar a inflação e lidar, portanto, com todos os itens de consumo das pessoas. Os chamados choques de oferta podem e devem ser administrados pelo Banco Central, tendo como horizonte dois anos, o que se fala tipicamente… Mas pode ser mais, pode ser menos, dependendo do tamanho da encrenca. E o Banco Central pode suavizar esse movimento. Não é apertando demais, mas também do outro lado é simétrica a história. Não pode ser quando é para cima o Banco Central deixa correr, mas quando tem uma super safra e os preços vão lá embaixo ou alguma outra variação dos preços internacionais de commodities, o Banco Central não vai reduzir o juro demais. Por quê? Porque essa inflação mais baixa é temporária. Então, é fundamental
 que seja um mecanismo simétrico, e que preserve o valor da moeda em geral. Isso é o que dá para fazer. É parte do funcionamento de uma economia de mercado. E o governo pode e deve, na atuação do Banco Central, procurar suavizar um pouco esses ciclos e, na atuação mais regulatória, ter estoques, coisas do gênero. Existem ferramentas consagradas e que eu acho que podem ser usadas com certo cuidado.

Ao falar nessa questão de suavizar a atuação do Banco Central, significa que não é preciso subir tanto os juros e que o choque  já contratado está de bom tamanho para controlar essa situação? Ou o quê, especificamente?
A situação está envolvendo uma série de fatores porque houve uma depreciação muito grande do câmbio, que não é exatamente um sinal de confiança no real, mesmo com esse juro (alto). Então, isso não é bem um choque de oferta e tem que ter um outro tratamento mais complexo e, em última instância, o Banco Central tem que deixar claro ele vai perseguir a meta. Agora, se para chegar na meta o Banco Central está tendo que colocar o juro em 15%, que é a expectativa, ou 14,25%, na próxima reunião, é um sinal de que você tem um problema maior. O Banco Central está sobrecarregado e está faltando ajuda do lado fiscal. Esse é o problema maior que nós temos. E essa situação fiscal, no fundo, faz com que a confiança no real caia muito. Todo mundo está olhando: o governo está tomando dinheiro emprestado para pagar juro. Todo mundo que já tomou dinheiro emprestado ou conhece alguém que já caiu no cheque especial, deixou o saldo no cartão de crédito e aquilo foi rolando a uma taxa alta, entende bastante bem essa situação. Então, assim, o Brasil hoje tem uma situação onde o governo paga inflação mais 7,5% (IPCA mais 7,5%) por um período muito longo e não é viável. Estamos meio que enfiando a cabeça na areia com relação a uma questão: em última instância, tem um fundamento fiscal fora do lugar, que precisa ser corrigido. Agora, o governo já deixou claro que não quer mais fazer reforma nenhuma. Isso a meu ver é uma péssima política econômica e tem graves consequências sociais. E não é a longo prazo. É a médio prazo, e até mais a curto prazo porque que tira a confiança na economia e, com isso, o Brasil fica vivendo da maneira que a gente viu nos últimos 40 anos: cresce um pouco durante o período, depois tem uma crise, cresce um pouco, tem uma recessão. Não é bom. Isso está fora
 do lugar.

Estamos na segunda metade do governo e o presidente já deixou claro que acredita que 2025 e 2026 serão anos de “colheita”. Não tem mais espaço para reformas e o que havia a fazer já foi feito. Há o risco de não se fazer mais nada em 2025, 2026, além do que foi anunciado, encaminhado ao Congresso e aprovado no final de 2024. Qual é o risco?
A palavra adequada é colheita, de fato. Só que a colheita não vai ser boa, vai colher problema. Se plantou desequilíbrio, vai colher problema. É basicamente isso que está aí, mais ou menos encomendado.

Sem cuidar do fiscal, pelo que entendi, não se conseguirá avançar na equação, na solução de problemas: a inflação, os juros altos…
Exatamente. E o fiscal precisa de reformas profundas, esse que é o diabo. Mas não tem jeito. Não adianta a gente espernear, dizer “ah, não, não quero fazer a reforma”. Está bom, então vai pagar um preço. E o preço disso a gente já conhece. É incerteza, é volatilidade, é insegurança, é insegurança no emprego, é a frustração do crescimento baixo que o país tem tido há mais de 40 anos. Em 40 e poucos anos, o crescimento médio muito baixo, na média. Alguns anos foram bons. Alguns avanços importantes ocorreram na área social, na saúde… Tudo isso é verdade. Mas foi pouco. O Brasil cresceu muito pouco. Podia ter crescido muito mais. Mas não vai ser sem abordar a Previdência outra vez. Não vai ocorrer se as questões ligadas ao bom funcionamento do Estado não forem abordadas, com uma reforma administrativa bem feita para aumentar a produtividade do Estado também. Não vai acontecer se os gastos tributários, que são enormes subsídios para os mais ricos, não forem encarados. Acho que essa é uma agenda óbvia já há bastante tempo. Isso tudo é coisa grande. Hoje tem um tema quente que são essas emendas (parlamentares) e que estão estimadas em R$ 50 bilhões. Isso é 0,4% do PIB. Sinceramente, o Brasil tem que fazer um ajuste (fiscal) muito maior. Então, o déficit primário de 1% do PIB. Precisaria ter um superávit de 3% do PIB para estancar a sangria. Bom, e aí, como é que vai ficar? O que eu acho absurdo é a falta de transparência. Evidente que o Congresso tem toda legitimidade para se envolver na alocação dos recursos, mas a falta de transparência, não. Essa parte realmente é essa inaceitável.

Esse problema está sendo parcialmente atacado pelo lado da transparência, na discussão com o STF.
Mas o problema maior, que é o desequilíbrio entre a política fiscal e a política monetária, é a ameaça da chamada dominância fiscal. Esse é um problema muito grave e muito grande.

Quando a gente conversa com o governo, há uma leitura que o mercado tem uma irritação com o governo Lula, tem má vontade e sempre vê o que não foi feito e não valoriza o que foi feito. O mercado tem má vontade com o governo Lula?
O mercado não tem má vontade nem boa vontade com ninguém. O mercado gosta de uma economia sadia, que esteja crescendo, com os lucros crescentes, com investimentos rentáveis, com mais segurança, segurança econômica, segurança pessoal. Eu acho que o mercado, no fundo, numa economia de mercado, e não existe outra forma de se organizar a economia, ele gosta de boas políticas econômicas que tragam prosperidade, que permitam bons investimentos. O mercado gosta de volatilidade? Desculpe, mas estou trabalhando no mercado há décadas. O mercado gosta de uma boa tendência, positiva, bacaninha. Onde você vai poder investir, vai poder estudar direito os investimentos, entender o que você está fazendo, que também é um fator de produtividade para a economia. Às vezes, a gente se esquece. O mercado é um cassino? Não é. Usar o capital bem é bastante relevante. Eu entendo que o presidente Lula deve ter ficado chateado quando ele caiu nas pesquisas e o mercado subiu. Eu entendo perfeitamente. Ele tem uma história magnífica, e isso é inquestionável. Mas eu acho que no lado econômico…

Quando ele ficou doente, o mercado subiu…
Eu acho que ele tem toda razão de ficar chateado, mas eu acho que ele não deveria interpretar isso como uma coisa pessoal. Quando ele fez, tomou as decisões que ele tomou quando se elegeu a primeira vez, o mercado adorou. É o mesmo mercado. Então, não é esse o problema. É um problema do estado da economia que influencia os mercados.

Recentemente, o presidente do maior partido da base de apoio do governo, Gilberto Kassab, do PSD, falou num evento do mercado financeiro que, hoje, o governo tem um ministro da economia fraco, que não tem capacidade de influenciar o governo. O senhor considera Fernando Haddad um ministro fraco?
Não acho. Eu acho que ele faz o que o chefe dele manda. Não sei o que mais que ele poderia fazer. Talvez bater na mesa pontualmente
 e se posicionar, mas, no fundo, o maestro é o presidente da República. Então acho que é uma acusação, neste momento, natural também, porque as coisas estão paradas. Mas, em última instância, o problema está mais em cima.

O senhor já esteve no governo. Há um Banco Central com um presidente novo e uma diretoria relativamente nova ainda construindo a sua credibilidade. Como que o senhor vê hoje a atuação do Banco Central em parceria com a Fazenda, como uma equipe econômica de fato?
Pessoalmente, eu entendo que eles se dão bem, mas profissionalmente, vamos dizer assim, está funcionando mal. Eu acho que o lado fiscal está deixando uma batata quente na mão do Banco Central, difícil de segurar. Bem difícil. O Banco Central está precisando de ajuda. O arcabouço (fiscal), quando surgiu, foi um bom passo, mas ele está tendo resultados limitados. Ele próprio, no início, já nasceu limitado. Ele daria um passo na direção certa, mas não resolveria a questão. Eu tive a chance de comentar isso, inclusive no evento público em Brasília, na presença do ministro, que sempre foi uma pessoa lúcida, que, a meu ver, tomou a decisão correta lá atrás de fazer a manobra no ônibus e tentar caminhar na direção certa. Mas ela não foi 100% implementada e já era um primeiro passo positivo, mas apenas um primeiro passo. Mas eu não fulanizaria, não. Acho que se for para fulanizar, infelizmente é para cima.

E o pacote de medidas do final do ano passado e toda aquela discussão pública que gerou um desgaste para o ministro Haddad e o governo, de uma forma geral? Isso é reversível para 2025, 2026?
Eu acho que, em tese, é reversível se vier o comando para reverter. Mas, hoje, não é isso que está aí sinalizado. Não há dúvida que há uma pressão muito grande de que os últimos dois anos são hora de colher. Para colher, você tem que ter plantado antes. Como o governo não plantou, não vai colher. Ou vai colher problema.

Tem um ponto que  é um agravante: a mudança no comando dos Estados Unidos, a maior economia do mundo, e o presidente Donald Trump com esse vaivém na tarifação. Ficou mais difícil o cenário com Trump?
Muito mais, com certeza. O cenário já vinha complicado. A invasão da Ucrânia, o que está acontecendo no Oriente Médio, aquele terrível massacre em Israel, a guerra fria entre Estados Unidos e China… Não nos iludamos, isso é uma nova Guerra Fria. E aí, nesse quadro que surgiu Trump. Eu estou, no momento, preocupado porque acho que a ideia de um mundo economicamente mais aberto é muito poderosa e ela está sendo radicalmente revertida. A incerteza das políticas do presidente Trump são um fator recessivo. O tratamento que ele dá a seus aliados históricos, os seus vizinhos, humilhante é, a meu ver, inaceitável e incompreensível também. Não é um quadro muito promissor. A ideia é fazer umas reformas no Estado é sempre bom. Repensar algumas coisas, o bom funcionamento do Estado, avaliar, mas acabar com o Estado é um pouco demais. Não está muito claro até onde ele vai. Então, no momento, a chegada dele foi, eu diria, problemática e isso se espelha já um pouco no próprio mercado. Estamos aqui no meio de uma correção bastante forte na bolsa americana. O dólar, que, se imaginava, subiria com introdução de tarifas de importação, está caindo. É um movimento muito baseado em confiança também. É um pano de fundo bem ruinzinho
.

Nesse cenário tem muita intimidação de parceiros comerciais, mas algumas medidas concretas, como é o caso da tributação do aço e do alumínio do Brasil, entrará em vigor até que se faça alguma coisa no sentido contrário. Isso repercutirá no crescimento. Qual é a sua previsão para 2025?
Eu procuro não fazer previsão. Tem tanta variável…

O mundo está tão imprevisível?
A previsão é de uma desaceleração no Brasil, com certeza. Pode ser uma recessão.

Já em 2025?
Pode. Mais para o final do ano. Não quero fazer previsões porque tem muitas, vamos chamar assim, partes móveis na equação. Mas há risco, sim, de uma desaceleração forte. E ela combina uma política monetária apertada e um clima global bastante preocupante. Tem algumas coisas que eu estou bem curioso para ver. Qual vai ser a resposta da Europa? A Europa está dando sinais que foram reforçados com essa posição americana com relação à Ucrânia, muito interessante também.

Já tem gente que diz, na verdade, que o movimento é Make Europe Great Again, e que a Europa despertou. O destaque é a Alemanha, uma economia que sempre foi fiscalista. Austeridade fiscal acima de tudo e, agora, propôs um mega programa para os próximos anos de investimento em segurança e também modernização da indústria…
A Alemanha é um caso um pouco à parte porque ela construiu a credibilidade. Ela construiu uma base fiscal sólida para agora poder gastar 20% do PIB que eles estão prometendo gastar. Isso é um caso perfeito porque é uma economia que trilhou uma política fiscal, vamos dizer, mais austera. Ao contrário do seria uma visão intuitiva “curtoprazista”. A Alemanha tem tido um desempenho extraordinário. E agora, de fato, a concorrência na indústria, que é uma área forte da Alemanha, vinda da China, tem sido duríssima. As questões de estratégicas com a Rússia são complicadas. E a Alemanha pode com esse tipo de política? O problema desse tipo de política é o seguinte: é para quem pode, não é para quem quer. A Alemanha pode. Os outros, menos. Então, vamos ver como é que esse troço vai, no final das contas, acontecer. E o outro ponto é o seguinte: a Europa está envelhecendo bem rápido, fez opções de estilo de vida bem diferentes das opções americanas. E bem diferente das opções asiáticas. As pessoas têm mais tempo de lazer e proteção social maior. Isso tudo foram opções da Europa. O que a Europa precisaria, na verdade, é que esse processo fosse viável a longo prazo. Isso é o que está sendo questionado. Não dá. Está caro demais. Então, a ideia de que uma expansão fiscal vai ser a solução para o problema europeu. Não vai. Não. Talvez ajude no caso alemão porque eles são muito disciplinados. Certamente vão gastar bem o dinheiro, e eles podem gastar. Outros não podem.

Mas esse cenário também é um cenário inflacionário mundialmente, não é? O que penaliza também economias como a brasileira… Ou não?
Os últimos 20 anos, 30 anos de inflação formam um período muito interessante. De um lado, houve um consenso na linha de ter bancos centrais independentes, voltados para o controle da inflação. Foi um grande sucesso. Veio a pandemia, as inflações subiram, mas já estão caindo de novo. Existe essa visão de que a inflação não ajuda em nada. Temporariamente, às vezes, sim. A inflação sobe, os bancos centrais podem errar um pouco a mão aqui ou ali. Agora, no geral, a base fiscal também tem que existir para que os bancos centrais consigam fazer esse trabalho direito. Acho que, hoje, há uma certa euforia com relação ao que a Europa vai fazer. Tudo bem, mas a Europa fez opções. A produtividade da Europa, eu diria, é alta. Por hora trabalhada, a produtividade europeia é bastante alta. Então, assim, eu ainda acho que a médio prazo o problema da Europa tem a ver com demografia. A questão da imigração é colossal e, portanto, é um pouco cedo para soltar rojões e achar que agora vai.

Com essa reconfiguração mundial, com novas lideranças que assumiram postos chaves, como Donald Trump nos Estados Unidos, um patamar de inflação para uma economia como a brasileira de 3% é muito baixo? É possível conviver com uma inflação um pouco maior, na casa entre 4% e 5%, ou isso seria um problema muito grave para o Brasil?
Essa história é bem antiga. Tem economistas sérios defendendo um aumento da meta (de inflação). Eu não sou defensor. Eu acho que seria uma bobagem. Eu não tenho nada contra suavizar um pouco a volta à meta em situações limítrofes. Mas mexer na meta eu realmente não mexeria. Eu acho que o que falta aí é mesmo um apoio fiscal. A mudança de meta seria quase que instantaneamente engolida pela economia, sem ganho. Os preços vão subir e pronto, o gato comeu. Então, eu não mexeria, não. A inflação agora está alta, em 5%? Não vou conseguir trazê-la para a meta em 18 meses. Sem ajuda fiscal, mais ainda…

Mas essa suavização não come a credibilidade do Banco Central? Há um histórico recente, na gestão de Alexandre Tombini no BC, em que ele foi acusado de ter sido leniente, aceitado uma inflação um pouco maior e, com isso, ter feito o caldo desandar. Há uma preocupação neste Banco central em construir essa credibilidade para ser um Banco Central novo?
Não vejo nada neste momento que possa merecer qualquer acusação ao Banco Central. Ele está fazendo o trabalho dele. Agora, fazer esse trabalho com uma política fiscal frouxa em relação ao que ela deveria ser, é um pouco mais difícil. Acho que, desde que fique claro que a inflação está caindo, administrar esses choques de oferta num horizonte de tempo de mais do que um ano, levar dois anos, três anos para chegar na meta não é nenhum pecado. Agora, o nosso caso hoje, eu diria, é mais grave. Não é um ponto na inflação que vai resolver coisa alguma, na minha opinião. Dois pontos ou três no saldo primário, aí, sim.


terça-feira, 12 de novembro de 2024

Resistência da economia global surpreende - Martin Wolf (Valor)

Resistência da economia global surpreende

Martin Wolf 


Um fato notável é que o aumento da inflação, em grande medida inesperado, dissipou-se a um custo baixo em termos de produção e de emprego

 Valor Econômico, quarta-feira, 23 de outubro de 2024

 

“Uma pandemia única em um século, a eclosão de conflitos geopolíticos e eventos climáticos extremos desestabilizaram as cadeias produtivas, provocaram crises alimentares e energéticas e levaram os governos a tomar ações inéditas para proteger as vidas e os meios de subsistência”. É assim que o mais novo Panorama Econômico Mundial (WEO) do Fundo Monetário Internacional (FMI) descreve os eventos econômicos ocorridos desde o início de 2020.

Ainda assim, vista como um todo, a economia mundial tem mostrado resiliência. Infelizmente, os países em desenvolvimento têm mostrado menos do que os países de alta renda - beneficiados por uma maior margem de manobra em suas políticas públicas. Em suma, enquanto os de alta renda “voltaram aos níveis de atividade e de inflação que se projetavam antes da pandemia”, os países em desenvolvimento “estão mostrando cicatrizes mais permanentes”.

Um fato notável, contudo, é que o aumento da inflação, em grande medida inesperado, dissipou-se a um custo baixo em termos de produção e de emprego. Por outro lado, o núcleo da inflação também tem mostrado persistência, observa o FMI. Um ponto crucial é que “o núcleo da inflação dos preços dos serviços essenciais, em 4,2%, está cerca de 50% maior do que antes da pandemia em importantes economias avançadas e emergentes (excluindo os EUA)”. A pressão para que os ritmos dos salários e preços voltem à é o principal motivo para isso. No entanto, como os hiatos dos produtos estão se fechando, o FMI tem a esperança de que essa pressão salarial também diminua.

Os riscos são abundantes. A política monetária do passado pode ter mais impactos do que o previsto, talvez provocando recessões. Se a inflação for mais forte, o aperto monetário será maior do que o imaginado, o que poderia afetar a estabilidade financeira

Tanto o salto da inflação quanto seu notavelmente indolor declínio precisam de explicações. Entre elas, argumenta o WEO, está a queda mais rápida do que o esperado nos preços das fontes de energia e a forte recuperação da oferta de trabalho, impulsionada por surtos inesperados (e impopulares) na imigração.

Uma explicação mais sutil para o comportamento da inflação é que a interação entre o aumento da demanda pós-pandemia e as restrições de oferta tornaram a relação entre a ociosidade na economia e a inflação mais acentuada. Dessa forma, a inflação subiu acima do previsto quando a demanda aumentou, mas caiu mais rápido do que o esperado à medida que a oferta e a demanda se equilibraram. A política monetária desempenhou um papel em ambas as direções, ao estimular e depois restringir a demanda, mas também (quando os juros subiram) ao reforçar a credibilidade das metas de inflação.

Uma característica digna de nota desde 2020 tem sido a mudança na relação entre política monetária e fiscal. Durante a pandemia, ambas foram ultraexpansionistas. No entanto, após 2021, a política monetária foi apertada, enquanto a política fiscal permaneceu expansionista, em especial nos EUA. Os juros mais altos, então, elevam os déficits fiscais. Existe, entretanto, uma grande divergência entre os EUA e a região do euro nas perspectivas fiscais: pelas projeções do FMI, a dívida pública dos EUA subirá para quase 134% do PIB em 2029; na região do euro, por outro lado, a proporção da dívida pública em relação ao PIB deve se estabilizar em cerca de 88% em 2024, embora com grandes diferenças entre os países que a compõem.

Outra recente característica importante da economia mundial é que, desde o ataque da Rússia à Ucrânia em 2022, a taxa de crescimento do comércio exterior entre “blocos” desacelerou-se mais do que dentro deles, sendo que um “bloco” está centrado nos EUA e na Europa e o outro, na China e na Rússia.

O FMI não mudou muito suas estimativas e projeta um crescimento mundial próximo de 3%. Isso, pressupondo que não haja grandes choques negativos, que o crescimento do comércio exterior acompanhe o da produção, que a inflação se estabilize, que as políticas monetárias sejam apertadas e que as políticas fiscais sejam afrouxadas. As projeções do FMI mostram que o crescimento dos EUA, na comparação entre os quartos trimestres, cairá de 2,5% em 2024 para 1,9% em 2025, e que o da zona do euro terá leve aceleração, para 1,3%. Para a Ásia em desenvolvimento projeta-se um crescimento de 5% em 2025, para a China, de 4,7%, e para a Índia, de 6,5%.

Os riscos, infelizmente, são abundantes. A política monetária do passado pode ter impactos mais fortes do que os agora previstos, talvez provocando recessões. Se a inflação for mais forte do que a projetada, a política monetária ficaria mais apertada do que a imaginada, o que poderia afetar a estabilidade financeira. O impacto dos juros mais altos sobre a sustentabilidade da dívida pode ser maior do que o esperado, em particular nos países emergentes e em desenvolvimento. Os problemas macroeconômicos da China podem ser maiores do que o previsto, à medida que seu setor imobiliário se retrai e as medidas econômicas compensatórias permanecem limitadas. Caso Donald Trump se torne presidente dos EUA e lance suas medidas comerciais, as chances de uma guerra comercial total seriam consideráveis, com consequências imprevisíveis para a economia mundial e as relações internacionais.

Além disso, a eleição dos EUA será decidida pacificamente? Também há a chance de intensificação das guerras existentes ou do surgimento de novas. Tais eventos poderiam levar a novos saltos nas cotações das commodities, possivelmente (ou provavelmente) agravados por rápidas mudanças climáticas.

Tudo isso é assustador. Também vale a pena citar, porém, os possíveis lados positivos. Reformas e uma retomada da confiança poderiam levar ao aumento dos investimentos. A inteligência artificial e a revolução energética poderiam impulsionar os investimentos e o crescimento. É até possível que a humanidade decida ter coisas melhores a fazer do que intensificar a hostilidade e a estupidez a níveis cada vez mais altos.

O FMI ressalta a necessidade de garantir um pouso suave para a inflação e a política monetária. Também ressalta a necessidade mais imediata de estabilizar as contas públicas, ao mesmo tempo em que se promove o crescimento e se reduz a desigualdade. No médio prazo, torce por reformas estruturais mais fortes, como a melhoria do acesso à educação, a redução dos elementos de rigidez no mercado de trabalho, o aumento da taxa de participação na força de trabalho, a redução das barreiras à concorrência, o apoio a startups e o avanço da digitalização. Não menos importante, deseja a aceleração da transição verde e uma maior cooperação multilateral.

Se ao menos alguma divindade pudesse forçar a humanidade a ser assim sensata. Na prática, como sempre, isso caberá a nós.

 

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Por que a indústria brasileira encolheu tanto? - Edmar Bacha (Valor)

 Por que a indústria brasileira encolheu tanto?

De Edmar Bacha

Valor, 27/07/2024

 

Desindustrialização precoce e doença holandesa não explicam o fenômeno: é necessário buscar uma explicação alternativa

 

Entre 1995 e 2022, a participação da indústria de transformação na economia brasileira desabou. Em preços constantes, em 1995 ela respondia por 14,5% do PIB, mas em 2022 somente por 9,3%, uma queda maior do que cinco pontos de percentagem (pp). O que explica esse enorme encolhimento?

A literatura econômica brasileira oferece basicamente duas explicações. No jargão dos economistas, elas têm os apelidos de desindustrialização precoce e doença holandesa.

Desindustrialização precoce origina-se na observação de economistas que a parcela da indústria no PIB tem a forma de um U-invertido à medida que a economia se desenvolve. Em países pobres, essa parcela é pequena, devido à preponderância de atividades agrícolas. Em países de renda média, ela cresce à medida que ocorre a industrialização. Em países de renda alta, a parcela da indústria volta a se reduzir pois, com a urbanização, os serviços de modo geral ganham peso.

O que se observa desde o último quartel do século XX, e não somente no Brasil, é que muitos países tendem a se desindustrializar precocemente, ou seja, mais cedo do que antes. As explicações variam, mas em geral têm a ver com a importância que a terceirização adquiriu, mais o desenvolvimento de serviços de alta tecnologia, e a globalização que tendeu a concentrar as atividades manufatureiras na China.

Como avaliar a importância da hipótese da desindustrialização precoce como explicação para a desindustrialização brasileira entre 1995 e 2022? Uma possibilidade é comparar sua evolução com a que ocorreu nos países da OECD. Esses países têm uma renda per capita em média três vezes maior do que a do Brasil. Portanto, são países ricos que deveriam estar se desindustrializando, digamos assim, naturalmente — de acordo com a hipótese do U invertido entretida pelos economistas. Se o Brasil os acompanha, é porque estaria tendo uma desindustrialização precoce.

A surpresa, entretanto, é que a desindustrialização dos países da OECD foi muito pequena. Em 1995, em preços constantes, a parcela da indústria no PIB da OECD era 14,3%. Em 2022 ela caiu apenas para 13,8%. Portanto, uma desindustrialização de 0,5 pp, dez vezes menor do que os cinco pp observados no caso brasileiro.

Estatisticamente, calculamos que para cada 1 pp de desindustrialização na OECD ocorre uma desindustrialização de 1,6 pp no Brasil. Como a OECD se desindustrializou em 0,5 pp, ela consegue explicar apenas 0,8 pp da desindustrialização brasileira entre 1995 e 2022.

De acordo com este teste, a tese da desindustrialização precoce não parece explicar grande coisa da desindustrialização brasileira.

O que dizer sobre a doença holandesa? A expressão foi popularizada pela “The Economist” em 1977, para retratar o encolhimento da indústria da Holanda como consequência da descoberta de ricos depósitos de gás natural naquele país. Transplantada para o contexto brasileiro, a ideia é que um aumento das receitas provenientes de recursos naturais gera um auge exportador que fortalece o real face ao dólar. Esse fortalecimento reduz os preços em reais dos produtos manufaturados importados e dificulta a exportação dos produtos manufaturados locais. Em consequência, a indústria de transformação se encolhe.

Esse fenômeno foi sem dúvida importante entre 2005 e 2011, quando houve um enorme aumento dos preços dos produtos agrícolas e minerais exportados pelo Brasil, acrescido do efeito da descoberta do pré-sal que, antes mesmo de se materializar em novas exportações, provocou um grande influxo de capitais externos para o país. Em artigo de 2013, calculei que essa bonança externa, por seu efeito sobre a valorização do real face ao dólar, poderia explicar inteiramente a desindustrialização brasileira entre 2005 e 2011. Ou seja, nesses anos, a doença holandesa foi um fator importante para a desindustrialização. Mas é isso também válido para o período inteiro, entre 1995 e 2022? A resposta é negativa.

Para chegar a essa conclusão, utilizamos como indicador da doença holandesa a evolução das relações de troca do país — os preços das exportações em relação aos preços das importações —, já que o grosso das exportações brasileiras são bens primários, enquanto o grosso das importações são bens manufaturados.

Medida pelas relações de troca, a doença holandesa aparece com força entre 2005 e 2011, mas, fora desse intervalo, as relações de troca flutuam: para baixo entre 1995 e 1999,

constantes entre 1999 e 2005, para baixo de novo entre 2011 e 2016 e com tendência de alta a partir de então. Calculamos que, entre 1995 e 2022, as relações de troca aumentaram em cerca de 30%. Quanto essa melhoria poderia explicar da desindustrialização no período?

Estatisticamente, estimamos que para cada 10% de aumento das relações de troca ocorre uma desindustrialização de 0,27 pp. Ou seja, os 30% de melhoria das relações de troca entre 1995 e 2022 explicariam não mais do que 0,8 pp da desindustrialização no período. Assim, a doença holandesa também não dá conta de parcela relevante da desindustrialização brasileira.

Precisamos, portanto, buscar uma explicação alternativa para o encolhimento da indústria brasileira.

Observe-se inicialmente que podemos escrever a parcela da indústria no PIB em preços constantes como o produto de duas variáveis: produtividade relativa da indústria (valor adicionado por trabalhador na indústria como proporção do PIB por trabalhador) e parcela do emprego industrial no emprego total. Trata-se de mera identidade. Mas traz em si a possibilidade de uma explicação alternativa para a desindustrialização.

É que a parcela do emprego industrial no emprego total pouco varia entre 1995 e 2022. Assim, estatisticamente, a evolução da parcela da indústria no PIB está intimamente associada à da produtividade relativa da indústria.

Então, a próxima pergunta é: o que ocorreu com a produtividade relativa da indústria? A resposta, a esta altura não surpreendente, é que ela desabou! Em 1995, a produtividade da indústria era 84% maior do que a da média da economia. Em 2023, após sucessivas quedas, esse excedente se reduziu para apenas 12%. Ao invés de ser o motor da economia como outrora, a produtividade da indústria foi a que menos cresceu entre os 12 setores das contas nacionais; na verdade nem crescer ela cresceu, pois a produtividade da indústria foi mais baixa em 2022 do que em 1995!

Então, esqueçam-se de desindustrialização prematura, doença holandesa ou que mais seja, o problema a ser desvendado não é porque a parcela da indústria do PIB caiu, mas sim porque a produtividade relativa da indústria desabou. O problema é esse, mais complexo.

Ainda não temos uma resposta completa para essa evolução: as análises disponíveis na literatura somente dão pistas sobre o que ocorreu, que não convergem para uma conclusão definitiva.

Mas é pertinente observar que a imagem espelhada da enorme queda da produtividade relativa da indústria entre 1995 e 2022 foi um extraordinário aumento da produtividade relativa da agricultura. Em 1995, a produtividade relativa da agricultura era apenas 22% da produtividade média da economia; desde então, não parou de crescer: em 2023, já era igual a 94% da média.

O que a indústria perdeu em produtividade relativa, a agricultura ganhou (pois, tomada em conjunto, a produtividade relativa dos demais setores da economia ficou praticamente a mesma). Como a indústria convergiu de cima para a média, a agricultura convergiu de baixo para a média, e a média pouco saiu do lugar, uma hipótese é que, num quadro de relativa estagnação produtiva, o país teria apenas presenciado um processo de catch-up da agricultura em relação à produtividade da indústria. A agricultura se modernizou e a indústria ficou parada. Mas, então, por que a agricultura conseguiu se modernizar, mas a indústria não? Boa pergunta.

Pode ser que parte da resposta esteja no mercado em que uma e outra miraram. A agricultura mirou o mercado internacional e hoje concorre com sucesso com as potências agrícolas mundiais. Para um país que exporta pouco como o Brasil, o mercado mundial é meio sem limites, portanto, oferece amplo escopo para a adoção de tecnologias de última geração e o desenvolvimento de tecnologias nativas. Oferece não só o escopo, mas também impõe a necessidade, pois se trata de competir mundialmente com os gigantes do setor.

Já a indústria continua a mirar o próprio umbigo, ou seja, limita-se a vender com preços surreais seus produtos quase que exclusivamente para o mercado interno, e só consegue exportar alguma coisa com valor adicionado significativo para a Argentina. E sempre com muita proteção contra a entrada de produtos estrangeiros — basta ver a gritaria que a importação das “blusinhas” chinesas provocou entre os empresários.

Limitada ao mercado interno, pequeno para os padrões mundiais, a indústria não alcança a escala necessária para a adoção de tecnologias de última geração, nem sofre pressão para o desenvolvimento de novas tecnologias. O pouco que ela produz, ela vende — porque o mercado é protegido.

Essa parece ser uma explicação plausível de por que a produtividade da indústria brasileira permanece estagnada, enquanto a da agricultura continua a crescer.

 

Edmar Bacha é economista. As relações estatísticas citadas são desenvolvidas em E. Bacha, V. Terziani, C. Considera e E. Guimarães, “Why did Brazil deindustrialize so much? An empirical investigation”. Texto para Discussão n. 83, IEPE/Casa das Garças, julho 2024(*)

(*) https://cdpp.org.br/wp-content/uploads/2024/07/20240712WHY-DID-BRAZIL-DEINDUSTRALIZE-SO-MUCH.pdf

 

 

sexta-feira, 10 de maio de 2024

O que Macron quer é mais do mesmo - Assis Moreira (Valor)


 Um discurso importante de Macron. Resumo: ele quer mais subvenções estatais e mais protecionismo. Não se sabe se ambas as medidas são sustentáveis na ausência de maior produtividade europeia. Um cul-de-sac como diriam os franceses.

quinta-feira, 11 de abril de 2024

"Ideal é privatizar a Petrobras", diz Marcelo Mesquita, conselheiro mais antigo da Petrobras (Valor)

"Ideal é privatizar a Petrobras", diz Mesquita

Governança - Conselheiro mais longevo afirma que crises sucessivas ocorrem pelo modelo estatal

Kariny Leal, Fábio Couto e Francisco Góes - Do Rio

Valor, 11/04/2024


Mais antigo conselheiro da Petrobras, cargo que ocupa há oito anos, o economista Marcelo Mesquita entende que a privatização é a melhor saída para as contínuas crises vividas pela empresa, governo após governo. "Se um governo do PT faz isso, ficaria no poder 20 anos", diz. Um modelo possível, segundo ele, seria o de "Corporation", empresa sem controle acionário definido, com atuação focada em exploração e produção de petróleo no Brasil. No formato atual de empresa de economia mista, Mesquita identifica vários problemas. Entre os quais aponta as tentativas de ingerência política, incluindo a formação de preços dos combustíveis, e retrocessos na governança, que vai sendo minada gradualmente: "É uma barragem que vai criando rachaduras", compara.

No tempo em que está no colegiado da Petrobras, Mesquita conviveu com sete diferentes presidentes da empresa. Ele deixará o conselho depois da assembleia de acionistas do dia 25, uma vez que não pode se candidatar a uma terceira reeleição, vedada pelo estatuto. O economista não quis opinar sobre tuna possível permanência do atual CEO da estatal, Jean Paul Prates. Mas reconheceu que o debate sobre o comando da estatal paralisa a companhia. Diz ainda nunca ter visto situação como a atual em que conselheiros do governo e diretoria não se entendem, como ocorreu no caso dos dividendos extraordinários: "É como se não fosse bom estar dando lucro e pagando dividendo." A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor: Valor: Que avaliação faz do momento da Petrobras?

Marcelo Mesquita Em crises anteriores, a empresa estava em momento ruim. Em 2018, a Petrobras tinha dívida e custos altos. A lucratividade não era elevada, a empresa não pagava dividendos e a cotação do petróleo estava baixa. A empresa estava fragilizada. Hoje, anos depois, é diferente porque se fez uma reestruturação da governança. A empresa chegou a ter 120 mil funcionários, hoje tem 60 mil e produz mais. Quando se vê que a empresa está indo bem, não tem a "desculpa" para Brasília de que [a Petrobras] não pode atender os pedidos.

Valor: Porque dá lucro?

Mesquita: A empresa é muito lucrativa. Do ponto de vista do país, deveríamos olhar isso [o lucro] com felicidade, e não com o estranhamento que algumas pessoas olham, como se ter muito lucro fosse errado. É como se não fosse bom estar dando lucro e pagando dividendo, essa é a insanidade do atual momento.

Valor: Qual é a razão disso?  

Mesquita: A visão de que a Petrobras é uma galinha de ovos de ouro para o país precisa ser um consenso. O debate deveria ser o seguinte: vai haver uma transição energética, vamos fazer com a Petrobras ou não? É um debate complexo e saudável que o Ministério de Minas e Energia (MME) devia ter com o país. A empresa tem que dar lucro e pagar o máximo de dividendo que puder. Isso não deveria ser debatido. As pessoas acham que está sobrando dinheiro porque a Petrobras não está investindo o suficiente. É uma falácia. Esse é o ponto de partida da conversa do dividendo e do lucro. A Petrobras tem um plano de investimento que é o maior do Brasil, da América Latina e do hemisfério sul. É quase o tamanho da Exxon Mobil, a maior empresa de petróleo americana. Óbvio que a Petrobras gostaria de investir mais, mas precisa ter projeto.

Valor: Se a empresa está tão bem operacionalmente, por que não se construiu um consenso para evitar a crise dos dividendos?

Mesquita: Pois é, eu não entendo. Não sou do governo, não entendo o que acontece entre os políticos em Brasília. O sindicato não querer maior distribuição de dividendos até entendo, porque eles acham que dinheiro na empresa é melhor para ter mais emprego. Mas, de novo, isso é uma falácia porque não gera mais emprego sem as condições [econômicas] para sustentar essas vagas. Se tem dinheiro sobrando e compra ativo na Bolívia, na Venezuela ou na África só para dar destinação ao recurso, não faz sentido. Eu também gostaria que o país fosse autossuficiente em fertilizantes, mas não existe país rico que faça tudo. Se somos bons em fazer poços profundos, vamos focar nisso. Vamos debater como aumentar o investimento em exploração no Brasil.

Valor: Há risco de retrocesso na governança da Petrobras depois dos avanços dos últimos anos?

Mesquita: O risco é a empresa estar muito lucrativa, pagando dividendos e as pessoas quererem fazer coisas que no passado já se viu que não dão retomo. Esse risco é potencializado pela incerteza da transição energética. Mesmo empresas de petróleo privadas, sem as amarras da Petrobras, estão vivendo esse dilema [de diversificar o portfólio].

Valor: Qual é o melhor uso do dinheiro da Petrobras?

Mesquita: O ideal é privatizar a Petrobras, ter uma empresa menor e mais focada em exploração e produção de petróleo no Brasil. E deixar o país usar os recursos [da privatização] para fazer o que precisa, como infraestrutura, escolas, hospitais e abater a dívida pública para ter uma taxa de juros mais baixa. Isso permite ter um custo de capital menor. É saudável para o país usar esse dinheiro que a Petrobras gera. A Noruega e o Chile, por exemplo, têm fundos criados para pegar o excedente de dinheiro em momento de bonança, investir e guardar. No Brasil, não temos maturidade política para guardar porque todo mundo quer gastar quando está no poder e não deixar para quem vem depois. Se pudesse, esse seria o caminho: colocar o dinheiro em um fundo e usar quando precisar. Mas isso é tão sofisticado que não estamos nesse ponto do debate no Brasil.

Valor: O senhor defende a privatização da Petrobras há tempos, mas nunca houve condições reais de avançar nessa discussão...

Mesquita: A sociedade evoluiu. Agora seria o momento de ser magnânimo, de ser estadista. Se um governo do PT faz isso, ficaria no poder 20 anos. Deveriam ter a grandeza de entender isso. Se as forças políticas entendessem que têm que ser pragmáticas e não ideológicas em certas questões, alcançaríamos o consenso para nos desenvolvermos como nação. Cada vez que entra um grupo, fala que vai fazer tudo diferente do anterior. Não se acha uma convergência para que haja avanço.

Valor: Por que nunca ninguém conseguiu privatizar a Petrobras?

Mesquita: Porque ela ficou por último, depois de outros setores como celulose, siderurgia e mineração. A Petrobras, talvez por ser a maior e mais rentável, de um setor que muitos países têm estatais, ficou para o fim. E tem um debate polêmico [em torno ao tema], então vai indo pelas beiradas.

Valor Seu modelo para a privatização seria o de uma "Corporation"?

Mesquita: Privatização pode ser feita em vários modelos, o país tem que debater. Como permitir que a Petrobras se livre das interferências políticas privatizando, mas sem que fique desnacionalizada e aumentando investimentos, pagando impostos e gerando mais lucro. Se faz uma operação eficiente e lucrativa, o país ganha com isso, como ganha com a Vale. Quem é contra privatização por hipocrisia, deveria se obrigar a usar escola e hospital públicos em vez de ir no privado. O governo nem precisaria ter participação acionária, mas poderia influenciar, via "golden share", para não desnacionalizar. O governo recebe impostos da Petrobras, que são brutais. O [valor] que vai para funcionários e acionistas também é brutal.

Valor: Mas para privatizar teria que ter apoio do Congresso, mudar a Lei do Petróleo...

Mesquita: Estamos ficando para trás no mundo. A urgência da privatização da Petrobras tem a ver com a transição energética global. O petróleo vai deixar de ser uma riqueza, então precisamos usá-lo de forma correta.

Valor: Em que prazo?

Mesquita: Ninguém sabe. Mas está determinado que o planeta não quer mais usar petróleo, quer outras fontes de energias renováveis. Não sabemos em que velocidade. Uma empresa privada e ágil vai ter mais condições de tomar riscos do que uma estatal que muda a direção a cada quatro anos com a troca de governo. Qualquer governo de direita ou de esquerda quer mudar o presidente [da Petrobras] a cada ano. Em oito anos, eu vi sete conselhos, sete presidentes, sete diretorias. O Prates entrou, ainda está mudando as pessoas e a estrutura, e já estão falando que ele vai sair.

Valor: A dificuldade de Prates parece ser se equilibrar entre os interesses do governo e do mercado.

Mesquita: Esse embate existe porque tem minoritários que colocaram dinheiro e estão ali brigando. A empresa de economia mista [caso da Petrobras] funciona melhor do que quando não é, mas no Brasil não funciona bem como poderia. Porque não tem esse consenso político de que tem que ter vida de empresa e que não é uma autarquia federal. Com a "class action" [ação movida por investidores contra a Petrobras nos EUA, em 2015] e o acordo com a SEC [a CVM americana], a Petrobras se comprometeu a melhorar a governança e criar regras para evitar ataques e interferências. Graças a isso nos últimos oito anos a empresa melhorou muito. O ataque de Brasília é o mais difícil. Bolsonaro [o ex-presidente Jair Bolsonaro] ligava e achava que podia fazer o que queria. Mas não pode porque as pessoas que estão ali respondem com o CPE É resistência diária, mas a empresa vai sendo minada. É uma barragem que vai criando rachaduras. A flexibilização da Lei das Estatais foi uma delas.

Valor: Faltam duas semanas para a assembleia que vai eleger o conselho. Qual é a sua expectativa?

Mesquita: É um assunto difícil de falar, melhor comentar depois.

Valor: Tem elementos para dizer se Prates fica no cargo?

Mesquita: Nenhum, mas ficar 15 dias aparecendo supostos nomes que vão entrar [como CEO] é péssimo. A empresa para, os diretores começam a procurar emprego porque sabem que vão ficar desempregados. O presidente para de tomar decisão, as empresas que queriam parcerias também param.

Valor: O clima no conselho não parecer ser bom. É isso mesmo?

Mesquita: Onde tem alguma polêmica é quando se define o plano estratégico, ao definir o longo prazo da empresa. Eu votei contra o plano estratégico porque acredito numa Petrobras focada em exploração e produção, vendendo campos maduros, não entrando em coisas que não sabe fazer. Essa gestão, orientada por Brasília, aposta no outro caminho [de diversificar investimentos]. Tem que ter responsabilidade de votar com o CPE Às vezes tem consenso e outras vezes não.
Valor: Um caso em que não houve consenso foi na votação do dividendo extraordinário, quando Prates se absteve na votação.

Mesquita: Nunca vi isso em oito anos. Nos governos Temer e Bolsonaro, mesmo com todas as mudanças, havia coordenação entre CEO e o chairman da empresa, entre conselheiros colocados pelo governo e o que o presidente da empresa estava querendo fazer, sempre houve coordenação forte. Não entendo o que acontece, também não pergunto e não quero saber. É muito estranho a diretoria ter uma proposta e os conselheiros que a indicaram não terem uma atuação coordenada. É surpreendente como minoritário. E não sei explicar, não sei porque é assim. Eu acho que tem que ser distribuído 100% de tudo o que sobra. Por definição, se sobrou dinheiro e a empresa está com dívida resolvida, investindo o máximo que pode, tem que distribuir.

Valor: Então o senhor foi contrário à criação da reserva de capital.

Mesquita: Claro! Porque não tem que ter reserva de procrastinação. Eu até brinco internamente que essa não é uma reserva de capital, é uma reserva de atraso, porque esse dinheiro, um dia, ou vai ter que ser dado ao acionista ou vai ser investido em maluquice. Ou pode queimar [o recurso] caso faça retenção de preço de combustíveis.

Valor: Há algum ativo que a Petrobras não deveria ter vendido?

Mesquita: Foi ótimo [vendera distribuição de combustíveis] porque cria mais concorrência, mais players. Também não houve problema em vender refinarias. Quando se tem uma fatia de mercado monopolista e o dono da empresa é o governo, a mão pesada é sempre para vender barato e fazer politicagem. Historicamente, o capital aplicado em refino nunca deu retorno porque sempre se tentou represar preços para segurar a inflação.

Val

"Ideal é privatizar a Petrobras", diz Mesquita

Governança - Conselheiro mais longevo afirma que crises sucessivas ocorrem pelo modelo estatal

Kariny Leal, Fábio Couto e Francisco Góes - Do Rio

Mais antigo conselheiro da Petrobras, cargo que ocupa há oito anos, o economista Marcelo Mesquita entende que a privatização é a melhor saída para as contínuas crises vividas pela empresa, governo após governo. "Se um governo do PT faz isso, ficaria no poder 20 anos", diz. Um modelo possível, segundo ele, seria o de "Corporation", empresa sem controle acionário definido, com atuação focada em exploração e produção de petróleo no Brasil. No formato atual de empresa de economia mista, Mesquita identifica vários problemas. Entre os quais aponta as tentativas de ingerência política, incluindo a formação de preços dos combustíveis, e retrocessos na governança, que vai sendo minada gradualmente: "É uma barragem que vai criando rachaduras", compara.

No tempo em que está no colegiado da Petrobras, Mesquita conviveu com sete diferentes presidentes da empresa. Ele deixará o conselho depois da assembleia de acionistas do dia 25, uma vez que não pode se candidatar a uma terceira reeleição, vedada pelo estatuto. O economista não quis opinar sobre tuna possível permanência do atual CEO da estatal, Jean Paul Prates. Mas reconheceu que o debate sobre o comando da estatal paralisa a companhia. Diz ainda nunca ter visto situação como a atual em que conselheiros do governo e diretoria não se entendem, como ocorreu no caso dos dividendos extraordinários: "É como se não fosse bom estar dando lucro e pagando dividendo." A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor: Valor: Que avaliação faz do momento da Petrobras?

Marcelo Mesquita Em crises anteriores, a empresa estava em momento ruim. Em 2018, a Petrobras tinha dívida e custos altos. A lucratividade não era elevada, a empresa não pagava dividendos e a cotação do petróleo estava baixa. A empresa estava fragilizada. Hoje, anos depois, é diferente porque se fez uma reestruturação da governança. A empresa chegou a ter 120 mil funcionários, hoje tem 60 mil e produz mais. Quando se vê que a empresa está indo bem, não tem a "desculpa" para Brasília de que [a Petrobras] não pode atender os pedidos.

Valor: Porque dá lucro?

Mesquita: A empresa é muito lucrativa. Do ponto de vista do país, deveríamos olhar isso [o lucro] com felicidade, e não com o estranhamento que algumas pessoas olham, como se ter muito lucro fosse errado. É como se não fosse bom estar dando lucro e pagando dividendo, essa é a insanidade do atual momento.

Valor: Qual é a razão disso?  

Mesquita: A visão de que a Petrobras é uma galinha de ovos de ouro para o país precisa ser um consenso. O debate deveria ser o seguinte: vai haver uma transição energética, vamos fazer com a Petrobras ou não? É um debate complexo e saudável que o Ministério de Minas e Energia (MME) devia ter com o país. A empresa tem que dar lucro e pagar o máximo de dividendo que puder. Isso não deveria ser debatido. As pessoas acham que está sobrando dinheiro porque a Petrobras não está investindo o suficiente. É uma falácia. Esse é o ponto de partida da conversa do dividendo e do lucro. A Petrobras tem um plano de investimento que é o maior do Brasil, da América Latina e do hemisfério sul. É quase o tamanho da Exxon Mobil, a maior empresa de petróleo americana. Óbvio que a Petrobras gostaria de investir mais, mas precisa ter projeto.

Valor: Se a empresa está tão bem operacionalmente, por que não se construiu um consenso para evitar a crise dos dividendos?

Mesquita: Pois é, eu não entendo. Não sou do governo, não entendo o que acontece entre os políticos em Brasília. O sindicato não querer maior distribuição de dividendos até entendo, porque eles acham que dinheiro na empresa é melhor para ter mais emprego. Mas, de novo, isso é uma falácia porque não gera mais emprego sem as condições [econômicas] para sustentar essas vagas. Se tem dinheiro sobrando e compra ativo na Bolívia, na Venezuela ou na África só para dar destinação ao recurso, não faz sentido. Eu também gostaria que o país fosse autossuficiente em fertilizantes, mas não existe país rico que faça tudo. Se somos bons em fazer poços profundos, vamos focar nisso. Vamos debater como aumentar o investimento em exploração no Brasil.

Valor: Há risco de retrocesso na governança da Petrobras depois dos avanços dos últimos anos?

Mesquita: O risco é a empresa estar muito lucrativa, pagando dividendos e as pessoas quererem fazer coisas que no passado já se viu que não dão retomo. Esse risco é potencializado pela incerteza da transição energética. Mesmo empresas de petróleo privadas, sem as amarras da Petrobras, estão vivendo esse dilema [de diversificar o portfólio].

Valor: Qual é o melhor uso do dinheiro da Petrobras?

Mesquita: O ideal é privatizar a Petrobras, ter uma empresa menor e mais focada em exploração e produção de petróleo no Brasil. E deixar o país usar os recursos [da privatização] para fazer o que precisa, como infraestrutura, escolas, hospitais e abater a dívida pública para ter uma taxa de juros mais baixa. Isso permite ter um custo de capital menor. É saudável para o país usar esse dinheiro que a Petrobras gera. A Noruega e o Chile, por exemplo, têm fundos criados para pegar o excedente de dinheiro em momento de bonança, investir e guardar. No Brasil, não temos maturidade política para guardar porque todo mundo quer gastar quando está no poder e não deixar para quem vem depois. Se pudesse, esse seria o caminho: colocar o dinheiro em um fundo e usar quando precisar. Mas isso é tão sofisticado que não estamos nesse ponto do debate no Brasil.

Valor: O senhor defende a privatização da Petrobras há tempos, mas nunca houve condições reais de avançar nessa discussão...

Mesquita: A sociedade evoluiu. Agora seria o momento de ser magnânimo, de ser estadista. Se um governo do PT faz isso, ficaria no poder 20 anos. Deveriam ter a grandeza de entender isso. Se as forças políticas entendessem que têm que ser pragmáticas e não ideológicas em certas questões, alcançaríamos o consenso para nos desenvolvermos como nação. Cada vez que entra um grupo, fala que vai fazer tudo diferente do anterior. Não se acha uma convergência para que haja avanço.

Valor: Por que nunca ninguém conseguiu privatizar a Petrobras?

Mesquita: Porque ela ficou por último, depois de outros setores como celulose, siderurgia e mineração. A Petrobras, talvez por ser a maior e mais rentável, de um setor que muitos países têm estatais, ficou para o fim. E tem um debate polêmico [em torno ao tema], então vai indo pelas beiradas.

Valor Seu modelo para a privatização seria o de uma "Corporation"?

Mesquita: Privatização pode ser feita em vários modelos, o país tem que debater. Como permitir que a Petrobras se livre das interferências políticas privatizando, mas sem que fique desnacionalizada e aumentando investimentos, pagando impostos e gerando mais lucro. Se faz uma operação eficiente e lucrativa, o país ganha com isso, como ganha com a Vale. Quem é contra privatização por hipocrisia, deveria se obrigar a usar escola e hospital públicos em vez de ir no privado. O governo nem precisaria ter participação acionária, mas poderia influenciar, via "golden share", para não desnacionalizar. O governo recebe impostos da Petrobras, que são brutais. O [valor] que vai para funcionários e acionistas também é brutal.

Valor: Mas para privatizar teria que ter apoio do Congresso, mudar a Lei do Petróleo...

Mesquita: Estamos ficando para trás no mundo. A urgência da privatização da Petrobras tem a ver com a transição energética global. O petróleo vai deixar de ser uma riqueza, então precisamos usá-lo de forma correta.

Valor: Em que prazo?

Mesquita: Ninguém sabe. Mas está determinado que o planeta não quer mais usar petróleo, quer outras fontes de energias renováveis. Não sabemos em que velocidade. Uma empresa privada e ágil vai ter mais condições de tomar riscos do que uma estatal que muda a direção a cada quatro anos com a troca de governo. Qualquer governo de direita ou de esquerda quer mudar o presidente [da Petrobras] a cada ano. Em oito anos, eu vi sete conselhos, sete presidentes, sete diretorias. O Prates entrou, ainda está mudando as pessoas e a estrutura, e já estão falando que ele vai sair.

Valor: A dificuldade de Prates parece ser se equilibrar entre os interesses do governo e do mercado.

Mesquita: Esse embate existe porque tem minoritários que colocaram dinheiro e estão ali brigando. A empresa de economia mista [caso da Petrobras] funciona melhor do que quando não é, mas no Brasil não funciona bem como poderia. Porque não tem esse consenso político de que tem que ter vida de empresa e que não é uma autarquia federal. Com a "class action" [ação movida por investidores contra a Petrobras nos EUA, em 2015] e o acordo com a SEC [a CVM americana], a Petrobras se comprometeu a melhorar a governança e criar regras para evitar ataques e interferências. Graças a isso nos últimos oito anos a empresa melhorou muito. O ataque de Brasília é o mais difícil. Bolsonaro [o ex-presidente Jair Bolsonaro] ligava e achava que podia fazer o que queria. Mas não pode porque as pessoas que estão ali respondem com o CPE É resistência diária, mas a empresa vai sendo minada. É uma barragem que vai criando rachaduras. A flexibilização da Lei das Estatais foi uma delas.

Valor: Faltam duas semanas para a assembleia que vai eleger o conselho. Qual é a sua expectativa?

Mesquita: É um assunto difícil de falar, melhor comentar depois.

Valor: Tem elementos para dizer se Prates fica no cargo?

Mesquita: Nenhum, mas ficar 15 dias aparecendo supostos nomes que vão entrar [como CEO] é péssimo. A empresa para, os diretores começam a procurar emprego porque sabem que vão ficar desempregados. O presidente para de tomar decisão, as empresas que queriam parcerias também param.

Valor: O clima no conselho não parecer ser bom. É isso mesmo?

Mesquita: Onde tem alguma polêmica é quando se define o plano estratégico, ao definir o longo prazo da empresa. Eu votei contra o plano estratégico porque acredito numa Petrobras focada em exploração e produção, vendendo campos maduros, não entrando em coisas que não sabe fazer. Essa gestão, orientada por Brasília, aposta no outro caminho [de diversificar investimentos]. Tem que ter responsabilidade de votar com o CPE Às vezes tem consenso e outras vezes não.
Valor: Um caso em que não houve consenso foi na votação do dividendo extraordinário, quando Prates se absteve na votação.

Mesquita: Nunca vi isso em oito anos. Nos governos Temer e Bolsonaro, mesmo com todas as mudanças, havia coordenação entre CEO e o chairman da empresa, entre conselheiros colocados pelo governo e o que o presidente da empresa estava querendo fazer, sempre houve coordenação forte. Não entendo o que acontece, também não pergunto e não quero saber. É muito estranho a diretoria ter uma proposta e os conselheiros que a indicaram não terem uma atuação coordenada. É surpreendente como minoritário. E não sei explicar, não sei porque é assim. Eu acho que tem que ser distribuído 100% de tudo o que sobra. Por definição, se sobrou dinheiro e a empresa está com dívida resolvida, investindo o máximo que pode, tem que distribuir.

Valor: Então o senhor foi contrário à criação da reserva de capital.

Mesquita: Claro! Porque não tem que ter reserva de procrastinação. Eu até brinco internamente que essa não é uma reserva de capital, é uma reserva de atraso, porque esse dinheiro, um dia, ou vai ter que ser dado ao acionista ou vai ser investido em maluquice. Ou pode queimar [o recurso] caso faça retenção de preço de combustíveis.

Valor: Há algum ativo que a Petrobras não deveria ter vendido?

Mesquita: Foi ótimo [vendera distribuição de combustíveis] porque cria mais concorrência, mais players. Também não houve problema em vender refinarias. Quando se tem uma fatia de mercado monopolista e o dono da empresa é o governo, a mão pesada é sempre para vender barato e fazer politicagem. Historicamente, o capital aplicado em refino nunca deu retorno porque sempre se tentou represar preços para segurar a inflação.

Valor: Faz sentido econômico ter lançado o segundo trem da Rnest [Refinaria Abreu e Lima]?

Mesquita: Faz porque o investimento foi feito. O ganho é grande ao se terminar o que começou. Votei a favor. Apesar de ter sido um investimento mal-feito, com preços absurdos, que demorou à beça [para ser implantado], a pior obra é a inacabada. Não é uma questão ideológica, é prática, específica.

Valor: Há defasagem nos preços dos combustíveis desde o início do ano. Como é o debate no conselho?

Mesquita: Não se pode olhar a defasagem apenas a curto prazo. Todo mês o conselho monitora a política de preços, a equipe de vendas explica o que está acontecendo com dados e gráficos. Na gestão de Prates, a política foi correta, não se vendeu gasolina com subsídios. Quando precisou, [a Petrobras] aumentou [os preços]. Agora é difícil [aumentar preços], porque quando se fala em derrubar o presidente e é preciso reajustar, é difícil acreditar que ele vá fazer. Entram as pressões políticas. Eu já vi esse filme antes. Por isso tem que privatizar.

Valor E se Prates reajustasse os preços dos combustíveis hoje?

Mesquita: Seria corajoso ao extremo. Eu, se fosse ele, até tentaria, para mostrar que é forte e que não vai sair. Se o Lula não quer tirá-lo [da presidência da Petrobras] de fato, é um ótimo momento para aumentar os combustíveis, mostrar que está tudo normal.


or: Faz sentido econômico ter lançado o segundo trem da Rnest [Refinaria Abreu e Lima]?

Mesquita: Faz porque o investimento foi feito. O ganho é grande ao se terminar o que começou. Votei a favor. Apesar de ter sido um investimento mal-feito, com preços absurdos, que demorou à beça [para ser implantado], a pior obra é a inacabada. Não é uma questão ideológica, é prática, específica.

Valor: Há defasagem nos preços dos combustíveis desde o início do ano. Como é o debate no conselho?

Mesquita: Não se pode olhar a defasagem apenas a curto prazo. Todo mês o conselho monitora a política de preços, a equipe de vendas explica o que está acontecendo com dados e gráficos. Na gestão de Prates, a política foi correta, não se vendeu gasolina com subsídios. Quando precisou, [a Petrobras] aumentou [os preços]. Agora é difícil [aumentar preços], porque quando se fala em derrubar o presidente e é preciso reajustar, é difícil acreditar que ele vá fazer. Entram as pressões políticas. Eu já vi esse filme antes. Por isso tem que privatizar.

Valor E se Prates reajustasse os preços dos combustíveis hoje?

Mesquita: Seria corajoso ao extremo. Eu, se fosse ele, até tentaria, para mostrar que é forte e que não vai sair. Se o Lula não quer tirá-lo [da presidência da Petrobras] de fato, é um ótimo momento para aumentar os combustíveis, mostrar que está tudo normal.