O título do post é inteiramente meu, mas creio que ele traduz, com um pouco de exagero, o espírito deste artigo de opinião, mas fortemente embasado em evidências de políticas setoriais e macroeconômicas que se desenham há muito tempo no Brasil.
É até possível que o Brasil consiga preservar certo dinamismo industrial e do crescimento voltado para dentro, mas como ocorreu no caso argentino, vai descolar das pressões externas e ficar defasado em relação à economia internacional.
Pior para nós, todos nós (menos para os industriais protegidos, claro, pelo menos durante certo tempo), que continuaremos pagando caro por produtos defasados e sem a qualidade requerida nos mercados internacionais.
Incrível como o Brasil escolhe ficar para trás e crescer lentamente.
Não se prevê grandes mudanças no futuro previsível: continuaremos sendo um país pequeno e sem grandes arroubos, na periferia do mundo...
Dos autores, conheço Sérgio
Lazzarini, um excelente professor e pesquisador, autor do livro "Capitalismo de Laços", no qual pesquisou e descreve, justamente, essas alianças privilegiadas -- alguns diriam promíscuas -- entre grandes grupos econômicos nacionais e o poder, a começar pelo dinheiro do BNDES e por políticas setoriais de favorecimento. Capitalismo de compadres, diriam alguns, ou
crony capitalism.
Ou seja, o partido da classe operária dando dinheiro para quem já é rico... Belo exemplo.
Entendo que todos se beneficiam, e nós pagamos.
Paulo Roberto de Almeida
O 'empoderamento desenvolvimentista'
Carlos Melo e Sérgio
Lazzarini *
O Estado de
S.Paulo, 07 de novembro de 2011 | 3h 04
Afora as peculiaridades do seu estilo, a presidente
Dilma Rousseff não faz um governo diametralmente oposto ao de seu
antecessor e é mesmo possível que aquilo que hoje demarca sua gestão
fosse levado a cabo também por Lula, estivesse ele sob as mesmas
circunstâncias. Bobagem imaginar cisões e distanciamentos entre criador e
criatura.
O fato é que, mesmo fazendo profissão de fé à ortodoxia, Lula desde
sempre manteve certo dispositivo desenvolvimentista à espreita em seu
governo. Primeiro, confinado ao BNDES, depois expandido ao Ipea e à
Fazenda, esse setor aguardava a hora de entrar em campo. Dilma ampliou
seu espectro reforçando os Ministérios da Ciência e Tecnologia e do
Desenvolvimento - este, com Lula, foi muito mais o Ministério do
Comércio Exterior.
A visão desenvolvimentista é fenômeno recorrente no País e, a rigor,
não constitui novidade no cenário nacional. Para sermos justos,
lembremos que também Fernando Henrique Cardoso projetara seu momento
desenvolvimentista. O superministério da produção de FHC só não foi
levado a cabo pelas circunstâncias: a morte de Sérgio Motta, as
sucessivas crises dos mercados emergentes, o escândalo dos grampos do
BNDES e as desinteligências entre PSDB, PFL e PMDB em torno da
composição do poder no segundo mandato.
Assim, o desenvolvimentismo dilmista não é algo exatamente novo nem
extraordinário. O que o reaviva neste momento, como já se disse, são as
circunstâncias.
A persistente crise financeira mundial nos países desenvolvidos
arrefeceu a pressão externa, presente em FHC e Lula, para que fosse
seguida a cartilha ortodoxa. Não menos importante, os mercados
emergentes, que antes eram problema, tornaram-se solução - para usar uma
frase de Lula. São hoje os heróis do crescimento num mundo combalido
por desemprego e dívida. Sob constante assédio de empresas e
investidores internacionais, o mundo emergente passa a ter mais espaço
para políticas distanciadas da busca irrestrita de controle
inflacionário e forte disciplina fiscal.
Esse novo "empoderamento desenvolvimentista" emerge, no Brasil, com
algumas características importantes. No âmbito da máquina pública, o
impulso, que antes se localizava nas iniciativas de formar "campeões
nacionais", pelo BNDES, agora se espalha por meio de uma miríade de
iniciativas articuladas pelos Ministérios da Fazenda, da Ciência e
Tecnologia e do Desenvolvimento. Seus ministros querem cada vez mais
mostrar serviço e, embora nem sempre atuem em uníssono, compartilham as
mesmas críticas ao receituário ortodoxo, assim como parece ser o caso da
própria presidente. Coincidência ou não, os cortes de juros pelo Banco
Central vieram justamente num momento em que esse grupo se reforça.
Quais seriam, então, as implicações desse processo? A tríade
ministerial acima citada deve continuar ganhando mais espaço e tentando
ampliar seu leque de propostas. O aumento do IPI sobre automóveis,
proposto pela Fazenda, carrega bandeiras defendidas pelos outros
ministros, notadamente a exigência de conteúdo nacional e maior
investimento em pesquisa no País. A criação da "Embrapa da indústria",
propalada pela Ciência e Tecnologia, tem ampla ressonância com a crença
compartilhada de que o setor industrial é elemento central de
desenvolvimento. A recente proposta do Desenvolvimento de elevar
impostos de importação para compensar a depreciação do dólar bate na
tecla dos efeitos adversos da "guerra cambial" - expressão cunhada pelo
ministro da Fazenda. A presidente Dilma diz querer rigor no controle
inflacionário, mas não vê com maus olhos medidas, como essas, que podem
encarecer os produtos no Brasil e/ou aumentar gastos, contribuindo,
assim, para o recrudescimento da inflação.
Não se trata de negar que o Estado tenha seu papel, é óbvio que o
governo há de zelar pelo emprego e pelo desenvolvimento do País. Mas,
com mais pressão dos empresários, de um lado, e mais receptividade do
governo, de outro, não será de estranhar que mais propostas de
semelhante natureza continuem ganhando vida. Propostas e iniciativas
dispersas, favorecendo setores escolhidos sem critério claro de
bem-estar social.
Nesse contexto, a resposta estratégica do setor empresarial torna-se
evidente. Para que apontar problemas sistêmicos de infraestrutura ou
clamar por uma profunda reforma tributária, se é mais fácil argumentar
por mais proteção ou "medidas compensatórias"? O aumento (adiado) do IPI
dos automóveis agradou ao lobby das grandes montadoras, temerosas dos
novos entrantes asiáticos. O objetivo de maior foco no mercado doméstico
é conveniente para empresários que não querem gastar muito tempo e
esforço se aventurando na concorrida arena global. O mais lógico, para
esses empresários, é abraçar o movimento desenvolvimentista e clamar por
mais proteção diferenciada, ainda que à custa dos consumidores.
Melhor seria, obviamente, se o governo conseguisse gerar uma agenda
menos reativa a reclamações privadas e mais ativa em resolver os reais
gargalos produtivos, evitando perpetuar setores com dificuldades
estruturais para competir. Uma agenda que estimule, e não iniba,
renovação setorial via novos entrantes - sejam eles empreendedores
locais ou firmas estrangeiras.
Não é isso, no entanto, o que se observa. A conjuntura dos emergentes
transforma-se e abre janelas ao desenvolvimento, mas essas janelas
parecem estar viradas para o quintal dos fundos, para o passado. Afinal,
as circunstâncias atuais podem não perdurar e punir, no futuro, países
menos criteriosos nas suas políticas industriais. Ironicamente, a frase
de lorde Keynes resiste: desse jeito, "no longo prazo, estaremos todos
mortos", ou, então, condenados a um eterno retorno.
* Carlos Melo e Sérgio
Lazzarini; cientista político, é professor do Instituto de Ensino e
Pesquisa (Insper). E-mail: carlos.melo@insper.edu.br; professor titular
de estratégia do Insper. E-mail: sergiogl1@insper.edu.br -