É até possível que o Brasil consiga preservar certo dinamismo industrial e do crescimento voltado para dentro, mas como ocorreu no caso argentino, vai descolar das pressões externas e ficar defasado em relação à economia internacional.
Pior para nós, todos nós (menos para os industriais protegidos, claro, pelo menos durante certo tempo), que continuaremos pagando caro por produtos defasados e sem a qualidade requerida nos mercados internacionais.
Incrível como o Brasil escolhe ficar para trás e crescer lentamente.
Não se prevê grandes mudanças no futuro previsível: continuaremos sendo um país pequeno e sem grandes arroubos, na periferia do mundo...
Dos autores, conheço Sérgio Lazzarini, um excelente professor e pesquisador, autor do livro "Capitalismo de Laços", no qual pesquisou e descreve, justamente, essas alianças privilegiadas -- alguns diriam promíscuas -- entre grandes grupos econômicos nacionais e o poder, a começar pelo dinheiro do BNDES e por políticas setoriais de favorecimento. Capitalismo de compadres, diriam alguns, ou crony capitalism.
Ou seja, o partido da classe operária dando dinheiro para quem já é rico... Belo exemplo.
Entendo que todos se beneficiam, e nós pagamos.
Paulo Roberto de Almeida
O 'empoderamento desenvolvimentista'
O fato é que, mesmo fazendo profissão de fé à ortodoxia, Lula desde sempre manteve certo dispositivo desenvolvimentista à espreita em seu governo. Primeiro, confinado ao BNDES, depois expandido ao Ipea e à Fazenda, esse setor aguardava a hora de entrar em campo. Dilma ampliou seu espectro reforçando os Ministérios da Ciência e Tecnologia e do Desenvolvimento - este, com Lula, foi muito mais o Ministério do Comércio Exterior.
A visão desenvolvimentista é fenômeno recorrente no País e, a rigor, não constitui novidade no cenário nacional. Para sermos justos, lembremos que também Fernando Henrique Cardoso projetara seu momento desenvolvimentista. O superministério da produção de FHC só não foi levado a cabo pelas circunstâncias: a morte de Sérgio Motta, as sucessivas crises dos mercados emergentes, o escândalo dos grampos do BNDES e as desinteligências entre PSDB, PFL e PMDB em torno da composição do poder no segundo mandato.
Assim, o desenvolvimentismo dilmista não é algo exatamente novo nem extraordinário. O que o reaviva neste momento, como já se disse, são as circunstâncias.
A persistente crise financeira mundial nos países desenvolvidos arrefeceu a pressão externa, presente em FHC e Lula, para que fosse seguida a cartilha ortodoxa. Não menos importante, os mercados emergentes, que antes eram problema, tornaram-se solução - para usar uma frase de Lula. São hoje os heróis do crescimento num mundo combalido por desemprego e dívida. Sob constante assédio de empresas e investidores internacionais, o mundo emergente passa a ter mais espaço para políticas distanciadas da busca irrestrita de controle inflacionário e forte disciplina fiscal.
Esse novo "empoderamento desenvolvimentista" emerge, no Brasil, com algumas características importantes. No âmbito da máquina pública, o impulso, que antes se localizava nas iniciativas de formar "campeões nacionais", pelo BNDES, agora se espalha por meio de uma miríade de iniciativas articuladas pelos Ministérios da Fazenda, da Ciência e Tecnologia e do Desenvolvimento. Seus ministros querem cada vez mais mostrar serviço e, embora nem sempre atuem em uníssono, compartilham as mesmas críticas ao receituário ortodoxo, assim como parece ser o caso da própria presidente. Coincidência ou não, os cortes de juros pelo Banco Central vieram justamente num momento em que esse grupo se reforça.
Quais seriam, então, as implicações desse processo? A tríade ministerial acima citada deve continuar ganhando mais espaço e tentando ampliar seu leque de propostas. O aumento do IPI sobre automóveis, proposto pela Fazenda, carrega bandeiras defendidas pelos outros ministros, notadamente a exigência de conteúdo nacional e maior investimento em pesquisa no País. A criação da "Embrapa da indústria", propalada pela Ciência e Tecnologia, tem ampla ressonância com a crença compartilhada de que o setor industrial é elemento central de desenvolvimento. A recente proposta do Desenvolvimento de elevar impostos de importação para compensar a depreciação do dólar bate na tecla dos efeitos adversos da "guerra cambial" - expressão cunhada pelo ministro da Fazenda. A presidente Dilma diz querer rigor no controle inflacionário, mas não vê com maus olhos medidas, como essas, que podem encarecer os produtos no Brasil e/ou aumentar gastos, contribuindo, assim, para o recrudescimento da inflação.
Não se trata de negar que o Estado tenha seu papel, é óbvio que o governo há de zelar pelo emprego e pelo desenvolvimento do País. Mas, com mais pressão dos empresários, de um lado, e mais receptividade do governo, de outro, não será de estranhar que mais propostas de semelhante natureza continuem ganhando vida. Propostas e iniciativas dispersas, favorecendo setores escolhidos sem critério claro de bem-estar social.
Nesse contexto, a resposta estratégica do setor empresarial torna-se evidente. Para que apontar problemas sistêmicos de infraestrutura ou clamar por uma profunda reforma tributária, se é mais fácil argumentar por mais proteção ou "medidas compensatórias"? O aumento (adiado) do IPI dos automóveis agradou ao lobby das grandes montadoras, temerosas dos novos entrantes asiáticos. O objetivo de maior foco no mercado doméstico é conveniente para empresários que não querem gastar muito tempo e esforço se aventurando na concorrida arena global. O mais lógico, para esses empresários, é abraçar o movimento desenvolvimentista e clamar por mais proteção diferenciada, ainda que à custa dos consumidores.
Melhor seria, obviamente, se o governo conseguisse gerar uma agenda menos reativa a reclamações privadas e mais ativa em resolver os reais gargalos produtivos, evitando perpetuar setores com dificuldades estruturais para competir. Uma agenda que estimule, e não iniba, renovação setorial via novos entrantes - sejam eles empreendedores locais ou firmas estrangeiras.
Não é isso, no entanto, o que se observa. A conjuntura dos emergentes transforma-se e abre janelas ao desenvolvimento, mas essas janelas parecem estar viradas para o quintal dos fundos, para o passado. Afinal, as circunstâncias atuais podem não perdurar e punir, no futuro, países menos criteriosos nas suas políticas industriais. Ironicamente, a frase de lorde Keynes resiste: desse jeito, "no longo prazo, estaremos todos mortos", ou, então, condenados a um eterno retorno.
* Carlos Melo e Sérgio Lazzarini; cientista político, é professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). E-mail: carlos.melo@insper.edu.br; professor titular de estratégia do Insper. E-mail: sergiogl1@insper.edu.br -