O prazer intelectual como objetivo de vida
Paulo Roberto de Almeida
[Mini-reflexão
sobre minhas preferências em matéria de hobby e conduta.]
Eu venho de uma família
bem mais pobre do que a condição social de grande parte dos brasileiros da
atualidade: meus pais não tinham sequer primário completo, sem qualquer
profissão definida, pois meu pai era motorista e minha mãe lavava roupa para
fora para o sustento da família. Eu também passei a trabalhar desde muito cedo
na vida. A grande diferença em minha vida e formação foi a de que eu residia
próximo a uma biblioteca infantil, que comecei a frequentar ainda antes de
aprender a ler. Foi o que me permitiu ascender na vida por meus próprios
esforços, estudando em escola pública e trabalhando desde criança, e por isso mesmo
estudando de noite, lendo no ônibus ou em qualquer lugar. Eu me fiz por minhas
leituras e por meu trabalho, mas nunca pensei em ganhar dinheiro ou ficar rico,
e sim em ter prazer intelectual pela leitura, e através do estudo, que resumem
todos os meus objetivos de vida.
O que se puder fazer
para estimular o gosto, e mesmo a necessidade da leitura, constante, regular,
intensa, dos bons livros, nos jovens, nos nossos filhos e netos, é um
empreendimento meritório em si, e digno de ser levado adiante, em quaisquer
circunstâncias, em qualquer tempo e lugar. Não tenho nenhuma outra recomendação
a fazer senão esta, muito simples na verdade: o estímulo ao estudo, à leitura,
a reflexão própria, a produção intelectual, a promoção do saber, pelo saber em
si, não necessariamente por qualquer outro objetivo.
Ajudou-me, nessa
trajetória individual de ascensão social, que pode ser considerada exitosa --
uma vez que hoje faço parte de um grupo considerado de elite dentro do
funcionalismo público, o dos diplomatas -- justamente o fato de ter podido, por
mérito e esforço próprios, ingressar por concurso, ou por seleção pelo talento,
a profissões, na academia e na diplomacia, que me são amplamente gratificantes,
no plano puramente intelectual, do ponto de vista do que mais prezo na vida, e
que nunca foi o dinheiro, a riqueza ou o conforto material, e sim o prazer
intelectual, a satisfação espiritual, a realização pessoal, que é a de viver
num mundo de livros, de saber, de conhecimento, para mim, se possível ajudando
outros a ter o mesmo tipo de perspectiva na vida.
Contribuiu também
enormemente para isso o fato de ter encontrado alguém, Carmen Lícia, minha
mulher, que também mantém, e exerce intensamente, o mesmo gosto pela leitura,
pelas viagens, pelas descobertas intelectuais, pelo prazer de ter conhecimento
das coisas. Fui gratificado por essa circunstância, que se não é excepcional,
no sentido de ser exclusiva, constitui pelo menos uma condição essencial para
uma vida de satisfação intelectual.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 8 de outubro de 2016
PS.: Se, um dia, eu
resolver escrever minhas memórias (eu não tenho muito o que contar no plano das
atividades públicas), elas serão basicamente intelectuais, ou seja, falando de
livros, de ideias, de teorias, de conhecimento, e das ideologias, das falsas
ideias e dos equívocos conceituais que muito fizeram por afundar o Brasil (e
boa parte da América Latina), nestas décadas e décadas de frustração com a
roubalheira, a incompetência, o atraso, a desigualdade, a miséria intelectual
de nosso continente.