O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Vidas Paralelas: as diplomacias de Lula e Bolsonaro comparadas - Paulo Roberto de Almeida

Vidas Paralelas: as diplomacias de Lula e Bolsonaro comparadas

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: Entrevista; finalidade: Trabalho acadêmico]
  
1. Os dois primeiros anos de Lula em seus dois mandatos e os dois primeiros de Bolsonaro.
O governo Lula – que tinha prometido manter a política econômica do governo precedente na sua “Carta ao Povo Brasileiro” de junho de 2002 – começou muito bem no plano econômico, mas em compensação deu uma guinada para a esquerda na política externa, para contentar as suas bases militantes. Criou uma nova orientação para a política externa, que chamou de Sul Global, ou seja, priorizando uma política de relacionamento especial e prioritário com países do Sul, em contraposição ao que se tinha antes, que era uma política externa universalista, sem discriminações geográficas. 
Contou para isso o fato de que, depois de bastante tempo terem servido diplomatas como conselheiros presidenciais em matéria de política externa, se passou a ter um apparatchik do PT cumprindo essa função, um homem, Marco Aurélio Garcia, que foi um aliado integral dos comunistas cubanos na montagem do Foro de S. Paulo. Muito da política externa seguida durante todos os governos petistas tiveram essa inclinação, inclusive de apoio às mais execráveis ditaduras do continente e de outros continentes.
Em contraste, a política externa de Bolsonaro se colocou desde o início em confronto com essa orientação, mas exagerando do lado da extrema-direita, até exagerando na importância do Foro de S. Paulo, e colocando o combate ao marxismo cultural como uma das prioridades do Itamaraty, inclusive acusando diplomatas de terem servido de suporte a essa orientação ideológica do novo governo. O relacionamento do governo Bolsonaro se fez, ou se faz, prioritariamente em direção de outros regimes nacionalistas de extrema-direita, a começar pela figura do presidente americano, supostamente um campeão da luta contra o fantasma do globalismo e o multilateralismo. Com isso, essa política externa conseguiu alienar, inclusive por outras medidas em ambiente e direitos humanos, as boas relações que o Brasil mantinha com parceiros tradicionais na Europa.
De toda forma, não temos ainda dois anos de Bolsonaro, mas já nos dezoito meses podemos concluir que tem sido um desastre muito maior do que os primeiros dois anos do governo Lula, com uma ruptura completa nas grandes linhas da diplomacia brasileira, assim como nos métodos de trabalho do Itamaraty. 
Se posso recomendar mais amplas leituras sobre cada uma das duas políticas externas e suas práticas diplomáticas, elas figuram nestas obras minhas: 
Sobre a diplomacia de Lula: Nunca Antes na Diplomacia...: A política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014; impresso e e-book); Contra a corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Curitiba: Appris, 2019; idem). Sobre a diplomacia de Bolsonaro; Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019; em edição de autor e pela UFRR; disponíveis livremente em meu blog Diplomatizzando); O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira (Kindle 2020; ASIN: B08B17X5C1). Especificamente sobre o primeiro mandato dos governos Lula, tenho este artigo: 1699. “A diplomacia do governo Lula: balanço e perspectivas”, Brasília, 11 dezembro 2006, 14 p. Versão completa divulgada no blog Diplomatizzando (21/05/2012; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2012/05/diplomacia-do-primeiro-mandato-de-lula.html).

2. Caracterizando as políticas externas de Lula e Bolsonaro
A de Lula, esquerdista moderada e desenvolvimentista; a de Bolsonaro, ideologicamente marcada à extrema-direita, e subordinada não apenas aos Estados Unidos, mas ao governo Trump particularmente. Uma ruptura com os padrões tradicionais da política externa do Itamaraty muito mais profunda do que a que tinha ocorrido sob Lula. Para uma análise mais aprofundada, valem as recomendações das leituras acima.

3. A política interna de Lula e Bolsonaro
Supostamente liberal, mas de fato com NENHUMA privatização e quase nenhuma implementação de reformas fundamentais, a não ser a da Previdência, em grande medida feita pelo Congresso, e uma outra de regime especial para a questão da pandemia, preservado a reforma feita no governo Temer de controle de gastos.
Sobre a política econômica do governo Lula, posso indicar este meu artigo: 2192. “Uma avaliação do governo Lula: a área econômica”, Shanghai, 26 setembro 2010, 9 p. Revista Espaço Acadêmico (ano 10, n. 113, outubro 2010, p. 38-45; ISSN: 1519-6186; link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/11273/6144).

4. Aliados e inimigos de Lula e Bolsonaro (econômicos, sociais, políticos)
A esquerda em geral, o governo comunista cubano em especial, e os bolivarianos da América do Sul, no caso de Lula. No caso de Bolsonaro, demonstrou uma subserviência a Trump jamais vista em qualquer presidente brasileiro. No plano interno, os sindicalistas para Lula – dotações do MTb para as centrais sindicais, sem comprovação de gastos – e para os ruralistas mais atrasados no caso de Bolsonaro, daí os ataques contra a fiscalização dos desmatamentos na Amazônia e a denúncia das ONGs em todas as áreas.

5. Relação de Bolsonaro com Trump
Subserviência explícita, como se notou no “I love you Trump”, por ocasião da abertura dos debates na AGNU, em setembro de 2019. Também cultiva Netanyahu em Israel e outros líderes de direita.

6. Estratégia de segurança de Lula e Bolsonaro, preocupação com ameaças à segurança e investimento nas forças armadas.
Ambos procuraram atender aos reclamos das FFAA e dos militares, mais no terreno dos soldos e pensões militares do que dos equipamentos e projetos. No caso de Bolsonaro, também conta o apoio às PMs, que ele pretende fazer uma espécie de milícia a seu serviço. Um artigo sobre e estratégia global do governo Lula: 2207. “Never Seen Before in Brazil: Lula’s grand diplomacy”, Shanghai, 18 outubro 2010, 20 p. Publicado na Revista Brasileira de Política Internacional (vol. 53, n. 2, 2010, p. 160-177; ISSN: 0034-7329; link: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292010000200009&lng=en&nrm=iso&tlng=en; arquivo em pdf: http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v53n2/09.pdf).

7. Os principais interesses da política externa de Lula e Bolsonaro
Lula era megalomaníaco e queria ser reconhecido como grande líder mundial, ou pelo menos do Terceiro Mundo. Bolsonaro quer transformar a política externa do Brasil em bastião da luta contra o comunismo, o globalismo e outros supostos inimigos externos. Procedi a um exame sintético da política externa de Lula neste artigo: 2189. “Balanço do governo Lula: evolução do setor externo”, Shanghai, 25 setembro 2010, 6 p. Foco no comércio exterior e na integração mundial. Publicado em Dom Total (19/05/2011; link: http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=1981).

8. A consistência de Lula com a ideologia de esquerda
Retoricamente muito forte, mas na prática mais moderada; Lula nunca foi de fato de esquerda, sempre foi um oportunista. Já Bolsonaro não tem nenhuma objeção a ser identificado com a direita mais extrema. Cultivou Taiwan, antes das eleições, o que deixou os chineses muito irritados. Sobre o papel do governo Lula na questão política, tenho um artigo: 2510. “Democracy Deficit in Emerging Countries: Undemocratic trends in Latin America and the role of Brazil”, Hartford, 3 September 2013, 34 p. Paper for the Conference “Promoting Democracy: What Role for the Emerging Powers?”, organized by the Deutsches Institut für Entwicklungspolitik (DIE), the International Development Research Centre (IRDC), and the University of Ottawa (Ottawa, 15-16 October 2013; Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43350326/Democracy_Deficit_in_Emerging_Countries_Undemocratic_trends_in_Latin_America_and_the_role_of_Brazil_2013_).

9. A consistência de Bolsonaro com a ideologia da direita
Nenhuma, pois Bolsonaro não tem capacidade de formular um pensamento político. Apenas tem instintos primitivos de anticomunismo primário. Profundamente autoritário.

10. Bolsonaro e a pandemia do COVID-19.
Continuou um negacionista empenhado em sabotar as medidas de isolamento. Alguns artigos meus: 3646. “Pandemia global e pandemia nacional: um futuro pior que o passado”, Brasília, 23 abril 2020, 10 p. Notas para palestra online; disponível no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/04/uma-palestra-sobre-duas-pandemias.html) e em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/42836086/Pandemia_global_e_pandemia_nacional_um_futuro_pior_que_o_passado_2020_); 3673. “A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de pandemia global”, Brasília, 18-20 maio 2020, 28 p. Ensaio sobre a temática do título, para servir como texto de apoio a palestra online; disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43208735/A_politica_externa_e_a_diplomacia_brasileira_em_tempos_de_pandemia_global_2020_) e anunciado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/05/a-politica-externa-e-diplomacia.html).

11. Comparando diretamente a política externa de Lula e Bolsonaro
Não há termos de comparação. Lula era um oportunista em todos os sentidos, inclusive e principalmente na política externa. Bolsonaro é um destruidor de todas as instituições existentes. Remeto novamente aos meus livros já referidos anteriormente: Nunca Antes na Diplomacia...: A política externa brasileira em tempos não convencionais(Curitiba: Appris, 2014; impresso e e-book); Contra a corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Curitiba: Appris, 2019; idem); Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019; em edição de autor e pela UFRR; disponíveis livremente em meu blog Diplomatizzando); O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira (Kindle 2020; ASIN: B08B17X5C1).

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de junho de 2020

Um curso sobre as Constituições brasileiras - Rodrigo Marinho (Mises Brasil)

Olá! Tudo bem? 
Tenho certeza que em algum momento da sua vida, independente da sua idade, você já ouviu dizer que o Brasil é o país do futuro. Entra década e sai década e essa frase continua sendo dita. Mas você já parou para pensar por que esse futuro nunca chega? Por que parece que estamos estagnados e presos no passado e que não conseguimos sair do lugar?
Agora, através do mais novo curso online do Instituto Mises Brasil “Por Que o Brasil Não Dá Certo: A História das Constituições", com aulas ministradas por Rodrigo Marinho, você irá entender os reais motivos pelo qual o nosso país é tão atrasado na política  e na economia.
Trata-se de um curso perfeito para aqueles que têm interesse na área do Direito e para aqueles que desejam aprofundar mais o seu conhecimento.
E para você já ir sentindo um pouco do gostinho do curso, estamos disponibilizando a primeira aula inteiramente GRÁTIS. Para assistir, basta clicar abaixo.
Quero assistir! 
O curso é vitalício, 100% online, totalmente adaptável à sua rotina, e após a conclusão você recebe um certificado digital do Instituto Mises Brasil.
Qualquer dúvida, você poderá tirá-la entrando em contato conosco através das nossas redes sociais ou pelo e-mail contato@mises.org.br.
Atenciosamente,
Equipe Mises Brasil.

Macau, a mais leal -Observatório da Política China


Macau no jugó con China: ¿ganó?Xulio Ríos es director del Observatorio de la Política China

In AutonomíasEstudiosGeneral by Xulio Ríos
El 20 de diciembre de 1999, China recuperó la plena soberanía de Macau. Para Portugal significó el final de un ciclo de más de cuatro siglos de presencia administrativa en Asia; para Europa, la desaparición del último vestigio de su proceso de expansión en dicho continente; para China, el adiós definitivo al “último símbolo del colonialismo” en su territorio.
Aunque resulta inevitable referirse a Hong Kong al hablar del enclave portugués, conviene tener presente que además de ser casi anecdótica en términos comparativos, toda la conocida como “cuestión de Macau” se halla en el polo opuesto a Hong Kong y no solo desde el punto de vista estrictamente geográfico. En efecto, para empezar, el territorio, entonces de unos 17 km2 (frente a los 1.061 Km2 de Hong Kong), es una pequeña península situada sobre el estuario del río Sikiang, que incluye la ciudad de Macau, y las islas de Coloane, y las dos Taipa. La población no alcanzaba el medio millón de habitantes (frente a los más de siete millones de Hong Kong) y el PNB per cápita ascendía a 16.840 dólares (en 1997) frente a los 22.950 de Hong Kong (en 1995).
También a diferencia de Hong Kong, la influencia de los factores culturales y sentimentales desempeña en Macau un papel preponderante. Macau siempre ha tenido para Portugal un enorme valor simbólico. Desterrado de la patria, fue aquí donde Luíz de Camoes escribió su obra cumbre, Os Lusiadas, y durante los 60 años de regencia española en el país vecino (1580-1640) la bandera portuguesa nunca dejó de ser izada en Macau. De ahí que en la simbología inscrita en la bandera municipal, al lado de las armas de la ciudad, figure la frase “Cidade do Nome de Deus de Macau, Nao Há Outra Mais Leal”. También muy cerca de Macau nació Sun Yat-sen, quien en 1911, fundaría la República de China, una vez derribada la última dinastía imperial.
Al momento de la devolución, la fuerza económica de Macau no era comparable en modo alguno a la vecina Hong Kong. Ello influyó con seguridad en su proyección exterior, siempre mucho menor. La ausencia de grandes disensiones entre Portugal y China también restó protagonismo informativo al proceso de transición. Incluso para los dirigentes chinos, a diferencia de Hong Kong o Taiwán, siempre presentes en sus discursos o en los análisis a propósito de la reunificación, Macau parecía contar poco.
(Texto completo en el PDF adjunto).

O aspone presidencial em RI é um ignaro, não só em RI, mas em Português também - O Antagonista

O Robespirralho seria reprovado não só em temas internacionais, mas também no mais simples Português, porque as Notas que saíram em nome do Itamaraty, mas que não foram redigidas por diplomatas da Casa, são muito mal escritas, com erros primários de Português e sobretudo de conceitos elementares em Direito Internacional – que na verdade não existe – e de Relações Internacionais, torturadas até a morte.

A mediocridade chegou ao poder, mas o presidente inepto, ignaro, despreparado pode se contentar com gente tão estúpida quanto ele.
Paulo Roberto de Almeida

Filipe Martins “seria reprovado na minha disciplina de Segurança Internacional”, diz professor
 

Mais um manifesto da "linha dura" contra o ministro Celso de Mello - Joaquim Carvalho (DCM)

Embaixador que assina manifesto contra Celso de Mello foi dedo-duro do regime dos generais. Por Joaquim de Carvalho

 
Marcos Henrique Camillo Cortes
Os 78 signatários do manifesto contra Celso de Mello não valem um ovo para quem ama a justiça e a democracia.
Não são apenas militares de pijama que assim o texto patético. Entre outras frases miseráveis, dizem:
“Nenhum Militar galga todos os postos da carreira, porque fez uso de um palavreado enfadonho, supérfluo, verboso, ardiloso, como um bolodório de doutor de faculdade.”
Vivandeiras e lambedores de botas de militares também endossaram o manifesto.
Um desses é o embaixador Marcos Henrique Camillo Cortes, que foi chefe do Centro de Informações do Exterior do Ministério das Relações Exteriores (Ciex), um órgão que espionava brasileiros no exterior, segundo apurou a Comissão da Verdade.
Segue o trecho do texto publicado pelo Senado à época:
Embaixadores monitoravam brasileiros considerados subversivos pelo regime. Comissão Nacional da Verdade revelou casos em relatório apresentado ao governo.
Um embaixador escondido atrás das pilastras do Hotel Bristol, em Paris, para observar os encontros da esposa do ex-presidente Juscelino Kubitschek, Sarah Kubitschek. Os estreitos laços entre a polícia política uruguaia e a embaixada brasileira em Montevidéu, que vigiavam os movimentos do então ex-deputado Leonel Brizola, exilado no país. O cônsul-geral de Santiago, no Chile, atento aos passos dos brasileiros que recebiam aulas de caratê em um clube da capital chilena. Essas são algumas das ações da rede de espionagem montada pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) durante a ditadura militar (1964-1985) e que estão descritas no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV).
A atuação do Itamaraty e a participação dos embaixadores é detalhada pelos pesquisadores da CNV, que tiveram acesso a documentos do MRE e do Arquivo Nacional. Com o levantamento, eles concluíram que “o Itamaraty desvirtuou suas funções a ponto de envolver-se diretamente com a violência ilegal e com a exceção”. Os postos do Itamaraty no exterior e os diplomatas nas embaixadas e nos consulados, segundo documentos obtidos pela CNV, foram instrumentos da política repressiva.
“Muitos diplomatas e funcionários de outras categorias do serviço exterior desempenharam funções de espionagem de brasileiros que se opunham ao regime: restringiram-lhes o exercício de direitos fundamentais, criaram embaraços à vida cotidiana deles nos países em que residiam, impediram seu retorno ao Brasil, mantiveram os órgãos repressivos informados de seus passos e atividades no exterior e chegaram a interagir com autoridades de outros países para que a repressão brasileira pudesse atuar além das fronteiras. Inegavelmente, o MRE funcionou, naqueles anos, como uma das engrenagens do aparato repressivo da ditadura”, aponta o relatório da CNV.
No organograma elaborado pela comissão sobre os órgãos de repressão, a pasta das Relações Exteriores estava no mesmo patamar dos ministérios do Exército, da Aeronáutica, da Marinha e da Justiça. O principal braço do Itamaraty era o Centro de Informações do Exterior do Ministério das Relações Exteriores (Ciex) . O relatório aponta, porém, que a atuação não se limitou apenas ao Ciex. Havia ainda, como nos outros ministérios civis, uma Divisão de Segurança Interna (DSI).
De acordo com o relatório da CNV, como a produção de informações ocorria, em muitos casos, clandestinamente, estava fora do campo de atuação tradicional do serviço diplomático. Vale destacar que, nas décadas de 1960 e de 1970, o Brasil não estava ligado ao mundo exterior por sistemas de comunicação como a internet e era essencial a utilização dos canais do serviço exterior brasileiro para a troca de informações.
“Dissimulação”
A CNV reuniu documentos e testemunhas de que o Ciex teve bases em Assunção, Buenos Aires, Montevidéu, Santiago, Paris, Lisboa, Genebra, Praga, Moscou, Varsóvia e na extinta Berlim Oriental. Há ainda indícios do funcionamento de bases do Ciex em La Paz, Lima, Caracas e Londres. O relatório da CNV traz, inclusive, provas documentais de que o Ciex fazia pagamentos em cheques de uma conta no Citibank, em Nova York, para informantes e conseguiu identificar alguns dos pseudônimos dos informantes.
O embaixador Marcos Henrique Camillo Cortes, o primeiro chefe do Ciex, sustentou, em depoimento à CNV, que o órgão jamais existiu. Porém, a comissão considerou a declaração “falaciosa”. Os pesquisadores consultaram 11.327 páginas dos documentos produzidos pelo Ciex, que tinha carimbos com a sigla da entidade e rubricas dos chefes, como Cortes. “Convém não esquecer que a dissimulação é uma das facetas mais características das atividades ligadas ao mundo da espionagem. No organograma do MRE, o Ciex abrigou-se sob denominações administrativas diversas, todas subordinadas diretamente à Secretaria-Geral ou ao gabinete do ministro de Estado”, assinala o texto do relatório da CNV.
Os pesquisadores recolheram provas contundentes da espionagem do Itamaraty, como no caso em que o embaixador brasileiro em Lisboa, Azeredo da Silveira, que, em 1974, remeteu um despacho telegráfico considerado “secreto” para a embaixada de Paris informando que havia decidido abrir uma base do Ciex diretamente subordinada a ele e pedindo que fosse mantido o “máximo de sigilo e segurança operativa no desempenho das tarefas de caráter especial”. Além dessa, o relatório da CNV traz a descrição de várias comunicações entre embaixadores e o MRE que evidenciam a espionagem feita a serviço da ditadura militar.
“Ações subversivas”
O Ciex foi criado em 1967, no auge da repressão do período da ditadura. Segundo um documento recolhido pela CNV, a motivação foi a necessidade de criar um órgão de informações, no âmbito do MRE, para monitorar as “ações subversivas” de brasileiros no exterior.
.x.x.x.
Abaixo, o texto que esse lambe-botas de milico assinou:
Ao Sr. José Celso de Mello Filho.
Ninguém ingressa nas Forças Armadas por apadrinhamento.
Nenhum Militar galga todos os postos da carreira, porque fez uso de um palavreado enfadonho, supérfluo, verboso, ardiloso, como um bolodório de doutor de faculdade.
Nenhum Militar recorre à subjetividade, ao enunciar ao subordinado a missão que lhe cabe executar, se necessário for, com o sacrifício da própria vida.
Nenhum Militar deixa de fazer do seu corpo uma trincheira em defesa da Pátria e da Bandeira.
Nenhum Militar é comissionado para cumprir missão importante, se não estiver preparado para levá-la a bom termo.
Nenhum Militar tergiversa, nem se omite, nem atinge o generalato e, nele, o posto mais elevado, se não merecer o reconhecimento dos seus chefes, o respeito dos seus pares e a admiração dos seus subordinados.
E, principalmente, nenhum Militar, quando lhe é exigido decidir matéria relevante, o faz de tal modo que mereça ser chamado, por quem o indicou, de general de merda.
Assinam o manifesto.
Lúcio Wandeck de Brito Gomes, Coronel da Aeronáutica;
Luís Mauro Ferreira Gomes, Coronel da Aeronáutica;
Luiz Sérgio de Azevedo Ferreira, Coronel da Aeronáutica;
Antoniolavo Brion, Professor;
Rodolfo Tavares, Presidente da FAERJ;
Alfredo Severo Luzardo, Coronel da Aeronáutica;
Napoleão Antonio Muños de Freitas, Coronel da Aeronáutica;
Airton Francisco Campos Tirado, Coronel do Exército;
Paulo Marcos Lustoza, Capitão de Mar e Guerra;
Marcos Coimbra, Economista;
Luiz Felipe Schittini, Tenente-Coronel PMERJ;
Mauro Roberto Granha de Oliveira, Engenheiro Civil;
Samuel Schneider Netto, Coronel da Aeronáutica;
Manoel Carlos Pereira, Major-Brigadeiro;
Paulo Frederico Soriano Dobbin, Vice-Almirante;
José Mauro Rosa Lima, Coronel da Aeronáutica;
Sílvio Potengy, Coronel da Aeronáutica;
Oswaldo Fagundes do Nascimento Filho, Capitão de Mar e Guerra;
Marcos Henrique Camillo Côrtes, Embaixador;
Aileda de Mattos Oliveira, Professora Doutora em Língua Portuguesa;
Hartman Rudi Gohn, Coronel da Aeronáutica;
Carlos José Pöllhuber, Coronel da Aeronáutica;
Reinaldo Peixe Lima, Coronel da Aeronáutica;
Walmir Campello, Capitão de Mar e Guerra;
Sérgio Tasso Vasquez de Aquino, Vice-Almirante;
Wilson Luíz Ribeiro, Coronel da Aeronáutica;
Justino Souza Júnior, Coronel da Aeronáutica;
Luiz Carlos de Almeida Ribeiro, Capitão de Mar e Guerra;
Sonia Maria Soares Almeida, Professora Ensino Superior;
Bertucio Gomes dos Santos, Coronel da Aeronáutica;
Marco Aurélio Erthal, Coronel da Aeronáutica;
Carlos Aureliano Motta de Souza, Coronel da Aeronáutica;
Fernando Almeida, Capitão de Mar e Guerra Reformado;
Herman Glanz, Engenheiro;
Celso Tavares, Coronel da Aeronáutica;
Henrique Rodrigues Vieira Filho, Coronel da Aeronáutica;
Hamilton Leda, Funcionário do Ministério de Ciência e Tecnologia;
Augusto Borborema, Médico;
Ney Martins de Lima, Engenheiro Civil;
Luiz Thomaz Carrilho Teixeira Gomes, Brigadeiro;
Aldo Langbeck Canavarro, Capitão de Mar e Guerra;
Acácio Moraes Garcia, Procurador Federal e Professor;
Antonio Luiz de Souza e Mello, Engenheiro Civil – Petrobrás;
Rui Murat dos Reis, Tenente-Coronel da Aeronáutica;
Sérgio Pedro Bambini, Tenente-Brigadeiro;
Jorge Ruiz Gomes, Tenente-Coronel da Aeronáutica;
Carlos Casado Lima, Coronel da Aeronáutica;
Sergio Chouin Varejão, Engenheiro Mecânico e de Segurança do Trabalho;
José Siqueira Silva, General de Brigada;
José Carlos Lusitano, Contra-Almirante;
Loretta de Queiroz Baltar, Fisioterapeuta;
Henrique Aronovich, Coronel da Aeronáutica;
Renato Tristão de Menezes, Coronel da Aeronáutica;
Sérgio Pedro D’Angelo, Tenente-Coronel da Aeronáutica;
Carlos Arthur Doherty Lassance, Contra-Almirante;
Paulo Sobreira da Silva, Brigadeiro;
Berilo de Lucena Cavalcante, Coronel da Aeronáutica;
Helio Gonçalves, Brigadeiro;
João Carlos Gonçalves de Sousa, Coronel da Aeronáutica;
Alberto Siaudzionis, Coronel da Aeronáutica;
Luiz Carlos Baginski Filho, Brigadeiro;
Frederico de Queiroz Veiga, Major-Brigadeiro;
Italo Regis Pinto, Brigadeiro;
Guilherme Sarmento Sperry, Brigadeiro;
Lúcio Valle Barroso, Coronel da Aeronáutica;
Nélson Zagaglia, Coronel da Aeronáutica;
Ivan Américo Gonçalves, Capitão do Exército;
José Lindenberg Câmara, Capitão de Mar e Guerra;
Mari de Souza Gomes, Funcionária do Itamaraty;
Paulo José Pinto, Coronel da Aeronáutica;
Mauro da Silva Amorim, Coronel da Aeronáutica;
Helius Ferreira Araújo, Major da Aeronáutica;
Carlos Claudio Miguez Suarez, Coronel do Exército;
Paulo Filgueiras Tavares, Coronel do Exército;
Jonas Alves Corrêa, Coronel da Aeronáutica;
João Carlos Fernandes Cardoso, Brigadeiro;
Carlos Rogerio Couro Baptista, Advogado;
Kleber Luciano de Assis, Almirante de Esquadra;
Aparecida Cléia Gerin, Professora;
A referência à “general de merda” se deve a um trecho do livro de memórias de Saulo Ramos, ex-ministro da Justiça e responsável pela indicação de Celso de Mello ao STF, no final do governo Sarney.
Saulo ficou insatisfeito com o voto de Celso de Mello contra uma causa de interesse do já ex-presidente, em 1990. Sarney se candidatou a senador pelo Amapá, Estado em que ele não morava.
Celso de Mello foi contra o registro da candidatura e depois, em um telefonema relatado por Saulo Ramos, foi chamado de “juiz de merda”.
O embaixador lambe-botas de milico e os milicos de pijama, bem como os demais signatários, odeiam magistrados independentes.

Os embaixadores ideológicos - Mathias Alencastro (FSP)

Os embaixadores ideológicos
O bolsonarismo está corroendo o Itamaraty
Mathias Alencastro
Folha de S. Paulo, 15/06/2020
Nesta altura do ano, paira sobre Luanda uma neblina úmida e ofuscante, conhecida localmente como cacimbo.
A capital angolana fica ainda mais desconfortável para os expatriados. Talvez uma malaise existencial esteja na origem do gesto desesperado do embaixador do Brasil no país, Paulino Franco de Carvalho Neto.
Numa missiva dirigida a um ex-ministro e atual colunista do Jornal de Angola, o diplomata adotou um tom incompatível com o cargo, acusando o angolano de proferir “barbaridades” sobre o Brasil e afirmando que Jair Bolsonaro tem um “compromisso inquebrantável com a democracia”, apesar de ser mundialmente conhecido por frequentar protestos golpistas.
Segundo a maioria dos especialistas, a decadência do Itamaraty tem nome e sobrenome: Ernesto Araújo. O advento dos embaixadores ideológicos revela que a instituição no seu todo está sendo corroída pelo bolsonarismo.
Entre muitas outras pérolas, merece destaque o ataque do embaixador na Espanha, Pompeu Andreucci Neto, ao El País. Com o vocabulário típico de um guerrilheiro guevarista, ele denunciou a “vocação neocolonialista” do jornal.
Na sua reação a um artigo crítico do Le Monde, o embaixador na França, Luís Fernando Serra, explicou que os governadores de oposição viram no “confinamento estrito” uma oportunidade para derrubar os “excelentes indicadores econômicos” da “administração Bolsonaro”.
Vale tudo para salvar o presidente, inclusive rebaixar a inteligência de outros políticos eleitos democraticamente.
O texto do embaixador em Luanda tem especial peso simbólico. Ele foi publicado dias depois de o Brasil anunciar o encerramento das embaixadas na Libéria e em Serra Leoa.
Angola é o lugar onde os grandes diplomatas Ítalo Zappa e Ovídio de Mello reinventaram a política africana-brasileira em plena ditadura. Um monumento à independência intelectual e moral do Itamaraty.
Cabe lembrar que o embaixador ideológico é uma raridade nas democracias. Na sua busca por um rottweiler para a embaixada da Alemanha, Donald Trump precisou contratar o relações-públicas Richard Grenell. Funcionários de carreira preferiram desertar do Departamento de Estado a manchar a sua biografia.
Mas Brasília não tem o equivalente de uma K Street, a rua de Washington repleta de ONGs e think tanks que contratam servidores desiludidos com os rumos da vida profissional.
No Itamaraty, segunda vida rima com aposentadoria. No entanto, o embaixador no Reino Unido, Fred Arruda, autor de uma sóbria resposta ao Financial Times, mostrou que é possível defender o governo sem vestir a camisa de bolsominion.
Quando a roda girar, os embaixadores mais assanhados regressarão ao escritório com o sorriso maroto de quem passou do ponto, e tudo será timidamente esquecido. Poderia ser diferente.
O Quai d’Orsay tratou de cortar as asinhas dos diplomatas franceses que embarcaram na tentativa de instrumentalização do ministério por Nicolas Sarkozy.
Caberá à sociedade civil cobrar ao Itamaraty uma reação a esses desvarios, num momento em que precisávamos, talvez mais do que nunca, de diplomatas bombeiros, em vez de incendiários.
Mathias Alencastro
Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra).