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quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Fundação do Itamaraty vira aparelho de guerra cultural bolsonarista - Vera Magalhães (BR político)

 Fundação do Itamaraty vira aparelho de guerra cultural bolsonarista

Vera Magalhães

BR político, 9/09/2020

https://brpolitico.com.br/noticias/fundacao-do-itamaraty-vira-aparelho-de-guerra-cultural-bolsonarista/


A Fundação Alexandre Gusmão (Funag), vinculada ao Itamaraty, está sendo usada para promover ciclos de palestras com expoentes do bolsonarismo e reforçando teses negacionistas em relação à pandemia do novo coronavírus e em defesa de pautas da extrema-direita, como pregação antiaborto e contra o chamado "globalismo".

O conjunto de eventos e publicações promovidos pela entidade, que é um órgão público, é completamente tomado pela guerra cultural bolsolavista, sem nenhum espaço para teses de outras vertentes ou para representantes do próprio Itamaraty que pensam fora da cartilha do chanceler Ernesto Araújo.

Em 27 de agosto, a Funag promoveu um seminário intitulado "Como destruir um país: a aventura socialista na Venezuela", com a presença da embaixadora da Venezuela no Brasil, designada pelo governo paralelo de Juan Guaidó, Maria Tereza Expósito, e de Lucas Ribeiro, colunista do site Brasil sem Medo, ligado a Olavo de Carvalho.

Em 21 de agosto foi a vez de uma conferência virtual do jornalista Alexandre Garcia, que desde que deixou a Rede Globo se aproximou do bolsonarismo.

As palestras sempre são divididas em uma série de vídeos, todos disponibilizados, juntamente com a versão integral, no canal da fundação do Itamaraty no YouTube e também nas plataformas de streaming.

O mesmo expediente foi feito com conferência feita pelo deputado federal e filho do presidente Eduardo Bolsonaro, cuja candidatura ao posto de embaixador do Brasil em Washington foi frustrada em 2019. Ainda assim, o 03 ministra uma conferência sobre "benefícios" do "resgate" das relações entre Brasil e Estados Unidos, numa visão unilateral e absolutamente instrumentalizada ideologicamente de relações sobre as quais diplomatas e especialistas em relações internacionais fazem inúmeras restrições, pelos prejuízos comerciais e políticos que o alinhamento automático a Donald Trump causa ao Brasil.

Não para por aí. A deputada bolsonarista Chris Tonietto (PSL-RJ) é a protagonista de outra conferência, com direito a pílulas nos canais da Funag, com o tema "o direito a vida", que novamente trata a questão da legislação para aborto sob viés ideológico da direita, sem contraponto algum. Ademais: em que esse assunto é pertinente a uma fundação que discute questões diplomáticas e de relações internacionais? Fica evidente a instrumentalização de um órgão público apenas para a guerra cultural.

Um dos mais conhecidos blogueiros bolsonaristas, Flávio Gordon também mereceu uma palestra da Fundação Alexandre Gusmão, com direito a propaganda explícita de seu livro, "A Corrupção da Inteligência". O tema da conferência não poderia ser mais talhado pelo bolsolavismo militante: Globalismo e Comunismo. De novo, o aliado da família Bolsonaro e admirador de Olavo de Carvalho recebe tratamento vip da fundação pública: dezenas de vídeos e pílulas nos canais da fundação.

Mas o puro creme do proselitismo político e do negacionismo científico, além da instrumentalização política explícita da pandemia, fica por conta do ciclo de palestras batizado de "A conjuntura internacional pós-coronavírus". A próxima edição do evento acontece nesta quinta-feira, dia 10.

Os convidados da sexta edição, realizada no último dia 3, foram o blogueiro Paulo Eneas, do site bolsonarista e propagador de desinformação Crítica Nacional, o economista Paulo Figueiredo Filho, especialista em relações internacionais, bolsonarista e trumpista, e o professor de filosofia da Universidade Federal de Pelotas Carlos Adriano Ferraz.

O tema das palestras deixa evidente o viés anticientífico e de total contrariedade às recomendações sanitárias da Organização Mundial de Saúde, base para que a maioria dos países do mundo tenha adotado medidas de enfrentamento à pandemia: "A pandemia e a agenda globalista", "A ascensão e queda da China", "A nocividade do uso de máscaras", "O uso de máscaras e o controle social", "Mecanismos de controle do Estado sobre o indivíduo", "A pandemia foi instrumentalizada para fins políticos?", "O que fazer com a OMS?" e "A questão da obrigatoriedade da vacinação".

Todos esses temas têm sido tópico de declarações negacionistas do presidente Jair Bolsonaro ao longo da pandemia, inclusive sua mais recente investida sobre a obrigatoriedade da vacinação.

Fica evidente o uso político de uma fundação que deveria fomentar o pensamento plural, ser representativa da tradição diplomática do Itamaraty e debater doutrinas, ideias e teses respaldadas em evidências e na ciência, e não pura pregação ideológica com base em teorias da conspiração, narrativas vazias e negacionismo científico.


Mortes por cólera e golpe eleitoral: o rastro das missão brasileira no Haiti - Ricardo Seitenfus

MISSÃO DE PAZ?

Mortes por cólera e golpe eleitoral: o rastro das missão brasileira no Haiti

Ex-representante da OEA fala sobre as consequências da missão militar brasileira no país mais pobre do ocidente

Brasil de Fato, 9/09/2020

A um mês de completar três anos da retirada das Forças Armadas brasileiras do Haiti, o rastro da presença dos militares ainda está presente no país. A principal marca da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), comandada pelas tropas do Brasil durante treze anos (2004-2017), são milhares de vítimas de uma epidemia de cólera, a miséria e a instabilidade política em que o país se encontra ainda hoje.

É o que afirma Ricardo Seitenfus, doutor em Relações Internacionais pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais da Universidade de Genebra que atuou como representante especial da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Haiti entre 2009 e 2011.

Em seu livro A ONU e a Epidemia de Cólera no Haiti, Seitenfus aponta que soldados do Nepal que atuaram na Minustah foram os responsáveis por levaram o vírus ao Haiti. Segundo ele, ao invés de combater a disseminação da doença, a Organização das Nações Unidas (ONU) concentrou esforços em esconder sua responsabilidade pelo episódio com conivência dos oficiais brasileiros. 

“Há uma lei do silêncio em torno da questão que é vergonhosa. Se sabia desde o início [que os soldados nepaleses levaram a coléra para a ilha] e isso provocou milhares de mortes. Quando fazemos o balanço da situação do Haiti no momento em que saímos, é de um país com 50 mil mortes de cólera, instável e mais pobre do que estava. Ao invés de premiar os militares que lá foram, deveríamos pedir a conta a eles”, disse Seitenfus, em entrevista ao Brasil de Fato.

Durante a Missão de Paz, o Brasil enviou 37 mil militares ao Haiti, maior força militar brasileira no exterior depois da Guerra do Paraguai.

"Nós nos apresentamos como salvadores do Haiti. Premiamos os generais brasileiros que passaram no Haiti com postos de ministros. No Palácio do Planalto, nunca foi contestado nada, quando de fato o Brasil foi conivente com essa situação", afirmou o especialista.

Para ele, é urgente que os brasileiros e haitianos conheçam todos os lados da Missão de Paz que deixou danos permanentes no país.

"Foi uma experiência para o Brasil que começou de forma eufórica e terminou de forma trágica. Essa é a experiência da Minustah. E eu espero que os militares - muitos se referiram ao Haiti como se fosse um pós-doutorado que tivessem feito lá fora - reflitam sobre sobre os aspectos absolutamente negativos da missão".

Confira a entrevista completa.

Brasil de Fato - Em seu livro “A ONU e a epidemia de cólera no Haiti” você aponta a responsabilidade da Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti (Minustah) em relação a epidemia de cólera que atingiu o país. Como isso aconteceu?

Ricardo Seitenfus - A primeira coisa que quero enfatizar é que o Haiti, apesar de reunir condições sanitárias que nós sabemos que são as piores do Ocidente, nunca, nunca, reitero, em toda sua história, teve cólera. A história da cólera nas Américas exclui o Haiti. A primeira vez que chega a cólera no Haiti é em outubro de 2010 por meio de movimentos de tropas das Nações Unidas e soldados vindos da região de Katmandu, do Nepal. A cólera surge justamente em um vilarejo ao lado de Mirebalais, onde estava a base de soldados do Nepal.

Isso ficou claro, e aí é importante o fio do tempo, a cronologia. Em novembro de 2010, ficou bastante claro. Mesmo em outubro, autoridades haitianas, a começar pelo presidente da República, René Préval, faz uma declaração para a imprensa: "isso é uma doença importada". Ficou bastante claro desde o início que havia um elemento exógeno, estrangeiro, que havia se inserido no meio haitiano naquela região. E as Nações Unidas tomam uma decisão em sua mais alta cúpula de não reconhecer a essa realidade.

E a partir daí estabelece uma estratégia de várias etapas, que eu descrevo no livro, de negação, minimização, até que em 2013, três anos depois, eles reconhecem que sim. Mas aí falam que têm imunidade. Que as operações de paz se beneficiam da imunidade das Nações Unidas.

Mas durante esse período, caso as autoridades haitianas soubessem, desde o início, desde 20 de outubro de 2010, que tivessem certeza que dali que veio a cólera, o embrião, assim que se comporta, poderiam ter tomado medidas preventivas como, por exemplo, proibir a utilização dos rios.  No Haiti, os rios, no interior, que dão água potável,  são utilizados para banho, para dar de beber aos animais, preparar as refeições, cozinhar, fazer de tudo. Os rios são limpos. Não existem defensivos agrícolas, as águas são limpas, é uma agricultura absolutamente natural.

E a partir daí, essa água que era uma fonte de vida no Haiti, sobretudo no Haiti rural, se transformou. Houve, como o epidemiologista francês Renaud Piarroux fala, um verdadeiro tsunami colérico. Não foi um ou dois turistas. Aquilo matou dezenas e centenas e depois milhares de pessoas em um período extremamente curto.

Queria fazer uma primeira diferenciação entre o que aconteceu no Haiti na época e o que acontece hoje. É que se sabe muito bem como tratar a cólera. É uma doença hiper conhecida, comportamento previsível, mesmo que seja objeto de mutações genéticas, o comportamento de impedir que se use os esgotos e o uso apenas de água encanada e tratada. Enfim, há uma série de medidas profiláticas bastante simples de serem aplicadas.

No entanto, as Nações Unidas naquele momento, não seguiram o caminho normal que segue a ciência no caso da cólera, que é a análise do que compõe esse vibrião colérico. Eles foram buscar outras motivações e origens possíveis para o surgimento do cólera e deixaram de lado a análise do genoma sequencial. 

O que foram fazer? Disseram que várias teses apareceram... uma era de que forças telúricas surgiram a partir do terremoto de janeiro de 2010. É inédito que cientistas se baseiem nisso, porque nunca se viu. Depois falaram do balastro dos navios que acostam em um porto que chama San Mar, mas também, evidentemente, não foi ali que nasceu. 

E uma terceira explicação foi o aquecimento global, dizendo que a cólera seria originária do aquecimento global, que impulsionaria o surgimento do bacilo cholerae na região do Delta do Artibonite. Ou seja: se afasta completamente o que já em 1851 havia sido estabelecido, que teria que analisar o genoma sequencial do cólera. E se vai para teorias naturais, que as origens seriam naturais e não de atividade humana. Essa é uma diferença muito grande em relação à covid-19 porque não sabemos qual o comportamento dele. A ciência está dividida, alguns exigem certas coisas, outros propõem a cloroquina... Há um debate dentro da ciência que se presta a uma utilização política.

No caso da cólera no Haiti não. Deveria ser bastante claro: é a análise do genoma sequencial. E é isso que, finalmente, a comissão de especialistas convocados pelo Ban Ki-moon, então secretário-geral da ONU, quando entrega o relatório em maio de 2011, afirma. Fazendo a análise do genoma sequencial e dizendo que provavelmente veio do Nepal, que é em razão da atividade humana, ou seja, dos excrementos e não uma causa natural.

Mas mesmo assim, como no relatório os especialistas escrevem provavelmente, as Nações Unidas se utilizam da expressão para alegar que não há certeza. Mas havia certeza.

Em 2012, uma das integrantes da comissão de especialistas disse: "não, o vibrião (bactéria) colérico tem a mesma composição no Haiti e no Nepal, exatamente a mesma". Então há uma situação bastante clara desde o início. Um elemento estrangeiro, de origem humana, que provoca a cólera no Haiti. E as Nações Unidas, ao longo de todo esse período, tem essa atitude de desviar a atenção, de desresponsabilizar. 

E, muito importante enfatizar isso, há uma conjunção de vontades de esconder a realidade. A grande imprensa internacional praticamente não fala sobre isso. Os governos envolvidos com a Minustah, a começar pelo nosso, não falam sobre isso. 

Para que tenha uma ideia, ainda em 2017, sete anos depois que havia o reconhecimento científico-político dessa realidade, o então ministro das Relações Exteriores do Brasil, Aloysio Nunes, vai ao Haiti para se despedir das tropas, que estavam voltando, e diz que as infelicidades haitianas não são de responsabilidade da Minustah. Há o que eu chamo de Omertá. Uma lei do silêncio em torno da questão, que é vergonhosa. Se sabia desde o início e isso provocou milhares de mortes.

O Renaud Piarroux não fala de dez mil, ele fala em 50 mil mortes em total silêncio, em total conivência. Em total lei da Omertá, dos mafiosos italianos. Ainda hoje, fico muito feliz que estejamos tratando disso, é uma responsabilidade intelectual minha de escrever esse livro. É um livro desagradável, claro que é, porque a realidade é muito desagradável.

Nós nos apresentamos como salvadores do Haiti. Premiamos os generais brasileiros que passaram no Haiti com postos de ministros. No Palácio do Planalto, nunca foi contestado nada, quando de fato o Brasil foi conivente com essa situação. O Brasil não exerceu a responsabilidade que deveria ser a sua.

E mais ainda, o general Paul Cruz que em 2010 era o Force Commander da Minustah, ele tinha a responsabilidade do acampamento, da base dos nepaleses. Ou seja, o Brasil, não somente seus militares mas também o seu governo, têm responsabilidade em relação a isso.

Quando se consulta essa solução proposta no apagar das luzes de seu mandato pelo Ban Ki-Moon e de recolher US$ 400 milhões para resolver essa situação, no site, é possível ver que os Estados Unidos colocaram US$ 10 milhões e que o Nepal colocou US$ 237 dólares e o Brasil zero.

É algo que temos que resgatar. Faz parte da nossa experiência, infelizmente com esses dados absolutamente negativos. E a humanidade não aprendeu porque está repetindo os erros com a covid. Não aprendeu e toda a discussão sobre a origem da covid é de novo a discussão sobre a origem da cólera.

Toda a discussão sobre o papel da OMS, também tivemos lá. Sobre o papel da OMS e da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) braço americano da OMS. Chegaram a falsificar mapas na época para mostrar que a cólera não havia surgido no departamento de Mirebalais, ou seja, houve uma conivência do conjunto das Nações Unidas, da chamada "família" das Nações Unidas. 

Quando se recupera os dados, as declarações, as informações, os mapas, é absolutamente incrível o que aconteceu no Haiti e que foi levado de roldão com um total manto de cumplicidade e de silêncio sobre isso.

Até chegar ao que eu te disse anteriormente, a questão da imunidade. Dizer que soldados envolvidos em operações de paz tem imunidade. Como? Baseado na Convenção de Londres de 1946, que foi firmada para proteger os funcionários civis das Nações Unidas. Como há também a proteção diplomática das convenções de Viena para os embaixadores, para os enviados... mas nunca se falou que isso protegeria soldados em armas, em armas ofensivas, inclusive.

Então, no frigir dos ovos, uma conclusão que se pode extrair dessa interpretação maximalista das Nações Unidas sobre o privilégio da imunidade é que os soldados das Nações Unidas, os capacetes azuis nas Operações de Paz, são os únicos que não precisam respeitar as Convenções de Genebra e não precisam respeitar o direito da guerra. Isso é um absurdo total. Sabemos que em 1948 foi firmada a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o primeiro princípio é o direito à vida.

E, portanto, lá os soldados, segundo essa interpretação das Nações Unidas, podem matar e voltar para seu país livremente, sem nenhum tipo de processo. Fazendo um parênteses, tem a questão dos "babies da Minustah".As crianças que foram geradas por soldados e aí tem uma lista de nacionalidades onde o Brasil está em segundo lugar. São mais de 280 crianças. Também não há nenhum tipo de proteção ou trabalho feito pelas Nações Unidas e muito menos pelos militares, pela Justiça militar dos países que enviaram tropas pra lá. 

E aí também é uma discussão jurídica que pra mim é bastante clara sobre o duplo chapéu que têm os soldados enviados em Operações de Paz, que seria o chapéu do país que envia e o chapéu das Nações Unidas. A ONU se esconde atrás dessa possível interpretação do duplo chapéu para dizer que a Justiça militar dos respectivos países fará com que isso seja resolvido, que fará justiça. E nunca foi feito.

Tem uma frase que eu utilizo que é: a justiça militar está para a justiça como a música militar está para a música. Há uma grande diferença entre justiça militar e justiça. 

Qual seria a responsabilização possível no caso da disseminação da cólera no Haiti?

Em 2017, o Ban Ki-Moon criou uma espécie de observatório sobre possíveis delitos sexuais, muitos haviam sido acusados em Operações de Paz. No Congo, no Haiti e outros lugares. Então, tem uma responsável que recebe as demandas por parte das famílias ou por parte das vítimas, mas são demandas individuais ao passo que isto está previsto exclusivamente para delitos de natureza sexual. Não está previsto para vítimas de ações coletivas, que é o caso da cólera.

Não há maneira de buscar justiça. As Nações Unidas haviam previsto no acordo de sede com o Haiti, uma comissão de reparações de particulares, e essa comissão nunca foi criada. 

Inclusive, na Comissão de Londres, na chamada sessão 29, que supostamente daria imunidade para todos em trabalho para as Nações Unidas, na sessão 30, ou seja, na sessão seguinte, diz que quando houver algum tipo de dúvida em relação à interpretação das sessões anteriores, seria feito uma consulta à Corte Internacional de Justiça. As Nações Unidas nunca aceitaram isso. Está previsto na Convenção de Londres de 1946 e também no acordo-sede entre as Nações Unidas e o Haiti, mas nunca permitiram.

Portanto há uma espécie de denegação de jurisdição. As vítimas não sabem a quem demandar. Isso é uma infração jurídica e mesmo penal. Ou seja, a vítima tem que ter meios de reclamação e não tem.

E com relação ao comando da Minustah, qual foi o papel das Forças Armadas brasileiras nesse período?

São duas fases da Minustah. Há uma fase que vai de 2004 a janeiro de 2010 e uma segunda fase de janeiro de 2010 até o seu fim. Até o final de 2009, eu representava a OEA no Haiti, tínhamos reuniões no Core Group para discutir o que chamávamos de modelo de saída de crise. Como podemos deixar o Haiti? Uma missão de paz onde não havia guerra. 

Tudo estava mais ou menos encaminhado. As gangues haviam sido desmanteladas, o Préval havia sido eleito no primeiro turno de 2006, a economia havia retomado um pequeno e médio crescimento, havia um diálogo nacional. Então, 2008-2009 é um momento de imaginar um modelo de saída de crise, fechar as malas e ir embora. É quando acontece o terremoto, em janeiro de 2010.

E o terremoto muda tudo. Vem os marines nos Estados Unidos, 20 mil. O Préval é visto como alguém inapto. Em outubro vem a cólera, um milhão de pessoas nas ruas. É necessário tirar todos os destroços da região metropolitana de Porto Príncipe. Há 230 mil mortos, 300 mil feridos. É uma catástrofe de dimensões gigantescas.

Nesse momento, quando os Estados Unidos enviam os 20 mil marines, mostram, bem claramente, que o Comando Sul não confia na Minustah. Há uma certa tensão entre a Minustah e militares americanos para saber quem vai fazer o que naquele momento, quem distribui os livros, quem faz segurança.

Os haitianos foram extremamente corajosos e até estóicos com o terremoto, não houve saques, rebeliões, não houve nada. Poucas semanas depois os marines foram embora, viram que não tinham função nenhuma ali. Mas mesmo assim, a partir daquele momento, o papel político da América Latina e propriamente do Brasil se esvai. O que é confirmado em dois episódios.

No episódio da cólera, onde ficamos em silêncio e não fizemos o que deveria ser feito, e no episódio das eleições do fim de ano de 2010 para a substituição do Préval. Houve um golpe eleitoral preparado pela Hillary Clinton com a conivência dos demais, que impactou o resultados das eleições no primeiro turno. Conto isso em outro livro: "Haiti: dilemas e fracassos internacionais".

Eu me opus ao golpe e me retiraram do Haiti em novembro de 2010. E ai é eleito o Michel Martelly. E aí é interessante... Fomos em uma Missão de Paz e resgatam o duvalierismo depois desse período. E ele faz o mandato dele de uma forma autoritária até 2016 e faz o sucessor dele que lá está até hoje. Não tem mais parlamento, não tem mais Conselho Eleitoral, desígnios dos prefeitos. É, de fato, um ditador.

Há mesmo até uma tese dizendo que normalmente depois de uma operação de paz o que fica no país que recebeu a operação de paz é um regime autoritário. É o caso da Libéria, do Congo, do Camboja. O primeiro-ministro do Camboja está no cargo há 37 anos. E foi colocado pelas forças de paz das Nações Unidas. Há outra tese que diz que as operações de paz das Nações Unidas, quando vão embora, deixam alguém autoritário e de extrema-direita. No caso do Haiti é bastante claro em relação a isso.

O Brasil perde, e a América Latina junto, o comando, mas unicamente pró-forma. Mandamos, nesse período, 37 mil militares ao Haiti. É a maior força militar brasileira no exterior depois da guerra da Tríplice Aliança, da Guerra do Paraguai. Mais ainda que na Segunda  Guerra Mundial quando mandamos 26 mil militares pro norte da Itália.

Então, é a maior presença brasileira militar depois da Guerra do Paraguai e quando fazemos o balanço disso, a situação do Haiti no momento em que saímos é um país com 50 mil mortes de cólera, deixamos um país instável, mais pobre do que estava e ao invés de premiar os militares que lá foram, deveríamos pedir contas a eles. Mas não foi isso que foi feito.Há uma tentativa de dourar a pílula, de contar outra história, quando a história é muito dramática, muito difícil.  

A América Latina teve esse papel triste, para as Forças Armadas brasileiras, foi um treinamento. Inclusive o Heleno, em 2010, diz que como treinamento foi excelente. Como Missão de Paz não tem mais sentido. Ele mesmo disse isso. Em 2010 deveríamos ter saído do Haiti e ter outro tipo de presença de cooperação econômica e desenvolvimento econômico e social. Hoje o Haiti está em pior situação do que estava em 2004.

E no caso desse exercício doméstico que as tropas brasileiras acabaram fazendo lá, vemos que mais pra frente tivemos uma intervenção no Rio de Janeiro da mesma forma. Esses militares estão hoje no governo. Foi uma decisão do governo mas qual o interesse das Forças Armadas em permanecer no Haiti? Visibilidade? Por que permaneceram ali?

Acho que há muitas razões. Primeiro a participação em uma operação de guerra sem correr nenhum risco. Tivemos zero mortes em combate, zero. Nenhum soldado, nenhum militar, nenhum policial morreu em combate no Haiti. Morreram em acidente, suicídio, é outra coisa.

Primeiro, é um exercício militar com baixa zero. Segundo, uma parte dele é paga pelas Nações Unidas. Terceiro: Tivemos autonomia de transporte, de comunicações, de testar a indústria bélica nacional, fantástica. Em um terreno propício. E, finalmente, uma última razão e que muitos mencionavam, e outros pensavam, que o Haiti era um laboratório que serviria de experiência para serem usadas nas regiões metropolitanas brasileiras.

A questão haitiana se resume às favelas de Porto Rico. Os militares, a começar pelo General Heleno, que fala claramente de usar helicópteros para sobrevoar favelas e atirar contra, como já foi feito no Rio de Janeiro. Como fizeram no Haiti. Dizer que no Haiti, como disse ele, havia uma autorização judicial, que o juiz dava autorização, isso não é verdade. O judiciário haitiano nunca se voltou a essa questão. Era única e exclusivamente dos militares da Minustah. 

Houve mortes em 2005 e 2006 sim [em decorrência do uso de helicópteros]! Há um documentário sobre isso, em que se mostra claramente que usaram helicópteros. Havia alguns diplomatas e militares que diziam que até escreveram que o Haiti seria um laboratório. Eu acho isso uma posição vergonhosa, de se utilizar dessa situação terrível para fazer uma espécie de aprendizado. Mas é isso que foi feito. 

O senhor aponta que os militares atuaram para encobria a epidemia de cólera no Haiti e hoje vemos os militares aqui no Brasil tomando pra si o Ministério da Saúde e também lidando com uma epidemia. O senhor vê semelhanças na ação militar brasileira nesses casos?

Eu acho que no caso do Haiti, se entrevistarem algum militar [brasileiro] sobre isso, ele vai dizer duas coisas: Primeiro que não sabia. E que segundo, não ficou claro de onde veio a origem [da cólera]. 

É evidente que o tratamento que foi feito em relação à cólera no Haiti foi feito com a conivência dos militares. Foi uma decisão política do Departamento de Assuntos Jurídicos da Secretaria Geral das Nações Unidas que sequer o secretário geral comanda. As decisões que emanam do Conselho de Segurança são inimputáveis. Se o Conselho decidiu pela missão de paz e segurança internacional, não pode ser colocada em questão nada que decorra dessa missão. 

O departamento de Assuntos Jurídicos zela para que isso seja respeitado. Nenhuma interpretação que venha a contrariar essa autonomia total e absoluta, essa imunidade total e absoluta, pode ser aceita.

Tanto é assim que quando houve a assinatura do Tratado de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI), os Estados Unidos conseguiram, para os crimes de guerra, de genocídio, fazer com que fosse aprovado por unanimidade uma resolução no Conselho de Segurança dizendo que as tropas em serviço das Nações Unidas não seriam submetidas ao TPI. Ou seja, poderiam vir eventualmente a cometer crimes de guerra mas não poderão ser julgadas pelo Tribunal de Haia.

Nota-se muito bem que há uma percepção de que tudo que está vinculado ao Conselho de Segurança está acima do bem e do mal. Não pode nem ser contestado. Nem por fatos como esse que estou narrando agora, nem pelo Direito. Direitos humanos, direito à vida, direito da guerra, Convenção de Genebra.

É uma visão dos Estados Unidos. Eles dizem: "se vocês não fizerem isso, vou paralisar as Operações de Paz". Parar o financiamento. Tem um artigo da Susan Rice, que foi embaixadora dos Estados Unidos na ONU e conselheira de Segurança Nacional do Obama. Onde ela descreve perfeitamente o papel das operações de paz nas estratégias do poder dos Estados Unidos. 

"O que é mais benéficos para nós? Mandar uma ação de paz ou nossos marines?". Uma operação de paz custa um quarto menos. "Eu adoro ir a um shopping que me dê 75% de desconto". Ela diz isso. 

E até os militares brasileiros, coniventes com essa situação, não entendem. Eu fico pasmo com gente de esquerda que não entenda isso. Em 2004, quem tomou a decisão de ir para o Haiti foi o Lula. Uma ilusão de entrar no Conselho de Segurança, de ter uma política externa mais ativa.

Eu apoiei isso, inclusive, em 2004. Eu pessoalmente apoiei. Só que vimos como fomos manipulados por essa situação. Se nós nos espelharmos na atitude que os militares tiveram, brasileiros e outros, durante a crise da cólera, estamos muito mal amparados hoje com os militares trabalhando com a covid.

Existem algumas semelhanças até da forma como trabalhar a informação. Uma coisa que marcou logo no começo foi o fato dos militares pararem de divulgar os dados em relação aos casos...

E no caso do Haiti, o que se fazia com os jornalistas? Se coloca no avião da FAB e levavam. Não deixavam falar com ninguém. Só com os militares. Pode pegar todo o material que veio de lá durante esses 12, 13 anos, a maioria é muito favorável. 

Mas eu acho que houve essas duas fases, só pra reiterar. Em janeiro de 2010, as cartas são embaralhadas, tudo é diferente. E ninguém está preparado pra isso. Ai foi improvisação, improvisação. Cólera, política, a reconstrução, a tentativa de salvar pessoas. Extremamente complexo.

Foi uma experiência inovadora para todos. Mas creio que em certos momentos de confusão é preciso ter certos princípios. Mas creio que os militares brasileiros e os brasileiros não tiveram esses princípios a partir do momento que foram coniventes com as mentiras das Nações Unidas em relação à cólera. Quando o Itamaraty foi conivente com o golpe protagonizado pela Hillary Clinton.

Quais seriam esses princípios que deveriam ter prevalecido?

O primeiro é o princípio democrático e do respeito à vontade do eleitor. E não trocar resultados. Fomos lá para ensinar a democracia. Talvez não com os melhores professores, mandamos militares, mas o princípio básico é respeitar o veredito das urnas.O segundo é respeitar os interesses daqueles que nós vamos ajudar. Fomos lá para ajudar os civis haitianos, para protegê-los. Nós terminamos matando 50 mil com a cólera e ficamos em silêncio. Fomos coniventes. Por nossa ação e omissão.

São dois princípios básicos que creio que infrigimos e não deixaram boas lembranças para os haitianos.  Acho que perdemos uma aura que tínhamos no Haiti, de simpatia, junto a população, junto aos movimentos de esquerda e aos nacionalista com essa missão que participamos. 

Quais são as responsabilidades que ainda precisam ser cumpridas em relação a esse episódio, no caso da ONU, e também enquanto Brasil? Qual seria o papel das nossas Forças Armadas, necessidade de reflexões nossas, brasileiros, sobre essa atuação?

A nossa primeira responsabilidade é falar a verdade. Reconhecer que efetivamente houve isso, por ação e omissão. Que agimos mal nesse período, fomos coniventes, nos silenciamos, participamos da Lei da Omerttá. O povo haitiano e o povo brasileiro têm direito de saber. Em segundo, é fazer com que essas Operações de Paz não estejam acima do direito, temos que ter uma formulação jurídica que enquadre os militares armados em Operações de Paz. Não é porque eles são enviados pelas Nações Unidas que têm total autonomia.

Eu cito, no livro, três documentos internos na ONU sobre as Operações de Paz. Nada mais. Nenhuma convenção internacional que defina como as tropas devem se comportar. Não existe isso. Não há nenhuma declaração das Nações Unidas que possa ser cobrada.

Então há o que eu chamo de limbo jurídico para as Operações de Paz. Não podemos admitir que depois da Guerra da Criméia, 1870, quando houve a criação do Direito da Guerra, proteger os feridos, os prisioneiros, a não tortura, proteger a população civil, todo esse arsenal que foi construído em quase dois séculos de proteção aos combatentes e aos efeitos dos combates, seja jogado fora. Não seja considerado nas operações. 

"Ah, mas estamos em uma operação de paz". A estamos impondo, por meio de armas, inclusive com armas ofensivas. Há o que eu chamaria de um buraco negro jurídico em torno das Operações de Paz. Seria muito importante que os juristas, aqueles que trabalham com os Direitos Humanos, direito humanitário, internacional, de guerra, se voltasse a isso e exigisse que tivéssemos uma carta de obrigações dos soltados em Operações de Paz.

Finalmente, foi uma experiência para o Brasil que começou de forma eufórica e terminou de forma trágica. Essa é a experiência da Minustah. E eu espero que os militares, muitos militares que se referem ao Haiti, à experiencia haitiana, como se fosse um pós-doutorado que tivessem feito lá fora, reflitam sobre os limites, sobre as limitações, sobre os aspectos absolutamente negativos.

Quando fazemos as contas, enviamos soldados para proteger a população civil no Haiti, provocamos uma situação que hoje, social, econômica e politicamente, é pior. Além disso, houve 50 mil mortes civis de inocentes. Essa é a marca registrada, para mim, da operação da Minustah do Haiti. Não temos porque nos vangloriarmos disso. 

Temos que fazer uma análise e levar, como em dado momento, a presidente Dilma e o Antonio Patriota levaram essa discussão pro Conselho de Segurança. Não somente sobre a responsabilidade de proteger, mas houve uma proposta brasileira sobre a responsabilidade ao proteger. Isso não foi levado em consideração pelos outros membros do Conselho. Houve somente uma discussão informal sobre isso. 

Mas eu creio que o governo brasileiro, qualquer governo, deveria insistir. Voltar a esse ponto fundamental sobre a responsabilidade ao proteger. Quais são os caminhos, os limites, os objetivos. Qual o enquadramento jurídico. Não podemos ter a carta branca que temos hoje.

Novichok: a guerra química de Putin

 Der Spiegel, Hamburgo -  5.9.2020

Germany Debates Halting Contentious Russian Pipeline Project

Leading politicians in Germany from all mainstream parties are demanding that construction on the natural gas pipeline Nord Stream 2 be suspended as a result of the poisoning of Alexei Navalny. But Merkel's government is so far resisting such calls.

 Alexander Chernyshev, Matthias Gebauer, Christina Hebel, Valerie Höhne, Peter Müller, Marcel Rosenbach, Christoph Schult und Fidelius Schmid

 

Officially, it was an invitation for a midday coffee on Wednesday, when Chancellor Angela Merkel gathered her six most important ministers in the Chancellery. A formal meeting of the Security Cabinet would have attracted too much attention.

The discussion focused on the fate of Alexei Navalny, the Russian opposition politician who was poisoned in Russia and who is now receiving treatment at Charité University Hospital in Berlin. Specifically, the results of an analysis performed by the Bundeswehr Institute for Pharmacology and Toxicology in Munich had arrived and a chief staff surgeon from the German military was on hand to explain them to the gathered ministers. Those results were a political bombshell.

According to meeting participants, the military doctor said there was no doubt that the poison used on Navalny belonged to the Novichok family of nerve agents. Traces of the agent were found in blood, urine and skin samples taken from Navalny as well as on a bottle that he had with him on his trip. Members of his family had kept the bottle after the politician collapsed on a flight from Tomsk to Moscow and turned it over to doctors in Berlin. It is thought that Navalny drank from the bottle after he had been poisoned, accounting for the traces found on the receptacle.

A Chancellery official says that the information shared by the military doctor "was a real shock." Since then, it has been clear that Germany's relationship with Russia will change significantly. The clear evidence that the internationally banned nerve agent was used makes it even more likely that the Kremlin was behind the poisoning. And Russian President Vladimir Putin.

That same evening, Merkel chose unusually harsh words in her public address. "We expect the Russian government to make a statement on this incident," she said. "There are now very serious questions that only the Russian government can and must answer."

The ball is now in Russia's court. In Berlin, meanwhile, a debate has erupted over which sanctions the German government should now consider applying. The expulsion of Russian diplomats and sanctions against the individuals responsible for the annexation of Crimea did little to impress Moscow. Economic sanctions against certain industries or products could be effective, but they would likely hurt Germany as well, given that Moscow's retaliations against such sanctions in the past have been just as severe.

 

"A Mistake from the Very Beginning"

 

The only penalty that would primarily hurt Moscow would be a construction stop on the almost completed Nord Stream 2 natural gas pipeline. "The German government's starry-eyed indifference to President Putin's brutality must finally come to an end," says Agnieszka Brugger, deputy group leader for the Green Party in parliament. "Putting an end to Nord Stream 2 would be the minimum."

The business-friendly Free Democrats (FDP) tend to agree. The pipeline "must immediately be examined," says Bijan Dijr-Sarai, the foreign policy spokesman for the FDP in parliament. He is in favor of an immediate moratorium. "It was a mistake from the very beginning to ignore the political backdrop to Nord Stream 2. It is now coming back to bite the government," he says.

But even members of political parties in Merkel's governing coalition, which pairs her conservatives with the center-left Social Democrats (SPD), are increasingly demanding that the pipeline project be abandoned. One is Norbert Röttgen, a candidate to become chairman of Merkel's Christian Democrats (CDU) and the chair of the Foreign Affairs Committee in Germany's federal parliament, the Bundestag. Another is Manfred Weber, head of the European People's Party group in European Parliament, to which German conservatives belong. "Of course, the most severe measure is part of the list of possible sanctions: a partial stop to the purchase of raw materials," Weber says. "The end of Nord Stream 2 can no longer be excluded."

Within the government, however, that step remains off limits. Officially, at least. In the background, cabinet members admit that the option must at least be discussedConstruction on the project has been suspended anyway because the United States has threatened sanctions. It wouldn't be that difficult, in other words, for the government to announce a moratorium itself and take ownership of the construction suspension.

The chancellor, though, would much prefer a European solution. The Navalny case, she is convinced, isn't just an issue for Germany.

The first opportunity to formulate a joint response came in the form of a Thursday meeting of the Political and Security Committee in Brussels. The committee includes ambassadorial level delegates from the EU member states and the Navalny case was at the very top of the agenda. Germany's EU partners expressed appreciation for the fact that Navalny had been brought to Berlin for medical treatment. That evening, EU foreign policy chief Josep Borrell said that the bloc was considering "restrictive measures."

 

Defending EU Interests

 

Within the EU, it is considered conceivable that sanctions could be levied against persons in Putin's immediate orbit, as happened following the poisoning of the double agent Sergei Skripal. A former Russian spy who had defected, Skripal and his daughter were both poisoned with Novichok in 2018 in the English town of Salisbury. They both survived.

Many diplomats, however, point to the differences between the Skripal poisonings and the Navalny case. For one, the 2018 attack took place on EU territory, while Navalny was poisoned in Russia. Furthermore, British citizens came into contact with the nerve agent during the Skripal attack, while EU citizens were not endangered by the Navalny attackMore than anything, though, investigators were able to relatively clearly identify the perpetrators in the Skripal attack, while that has not thus far been the case this time around. Borrell said through his office that as long as we don't know who was responsible, it is challenging to discuss punitive measures.

Daniel Caspary, head of German conservatives in the European Parliament, believes that the attack on Navalny is just more evidence that Putin doesn't take EU foreign policy seriously. "The poisoning shows that the EU isn't even close to being able to defend its interests, even in its immediate neighborhood," Caspary says.

EU diplomats who have long been involved in Russia policy hold similar views. "It's is clear that Putin is showing Europe the middle finger," says one. "Russia is completely unconcerned about the fact that well-respected scientists have now proven a connection to Moscow. Indeed, that's what the Russians want." The fact that EU foreign policy chief Borrell has condemned the attack "in the strongest possible terms" and demanded a Russian investigation, the diplomat says, will not have much of an effect in Moscow, absent the threat of specific penalties.

Furthermore, it is doubtful whether it will ever be possible to clearly pin the attack on the Kremlin. Novichok may have been originally developed in the Soviet Union, but it has long since found its way to other countries as well.

 

A Delicate Offer

 

Germany, in fact, contributed to that spread. Following the collapse of the Soviet Union, a Russian scientist made the offer to the Bundesnachrichtendienst (BND), Germany's foreign intelligence agency, to discretely remove a substance from the country that officially didn't exist: a binary nerve agent from a secret chemical weapons program with the codename "Foliant." The term "binary" refers to the fact that it can be mixed together shortly before use from two much less harmful substances. That means that not only can the production of the poison be concealed, but it is much safer to transport. The scientist wanted to take his family to the West, and he saw the nerve agent as his ticket.

The offer was too delicate for the BND to decide on its own, and ultimately, the Chancellery of Helmut Kohl decided to bring the valuable mole to Germany - but it was resolved that the substance he had on offer would be analyzed elsewhere. The scientist's wife smuggled two vials of the substances to Sweden in 1997 where it was analyzed in a military laboratory. The result: Novichok.

The BND proudly shared its coup with important NATO partners, including Britain and the U.S., though they already had knowledge of the poison. The analyses, though, would later help British specialists prove the use of Novichok in the Skripal case, even if a different variety was used in that attack.

 

"I Feel Culpable"

 

In addition to the samples smuggled to Sweden, additional quantities of the substance found their way onto the black market. The source was at least one frustrated employee of a secret laboratory in the town of Shikhany, not far from the border to Kazakhstan. The chaos following the collapse of the Soviet Union had led to salaries at the laboratory going unpaid for an extended period.

According to British intelligence reports, the Novichok used in the Skripal attack is linked to the Shikhany laboratory. A high-ranking scientist at the time named Leonid Rink produced a batch of Novichok in 1994, according to the report, and then stored it in glass vials, with each vial containing 0.25 grams of the substances. He stored several of them in his garage. According to court documents, Rink sold his vials to criminals from Chechnya and one from Latvia, who claimed he needed it for "self-defense." Rink sold the vials for $1,500 to $1,800 each.

If stored correctly, experts believe the samples can remain potent for decades. When DER SPIEGEL reached Rink by phone on Thursday, he loyally disputed the notion that Navalny had been poisoned by Novichok. "That is complete nonsense. Even if they found something, it's not poison, there was no poisoning." He said his country is being smeared. Then, he hung up.

His former colleague Vil Mirzayanov has a completely different take. He was the person who publicly revealed the existence of the new Russian family of nerve agents in the early 1990s. Today, the 85-year-old lives in Princeton in the U.S. "Rink has to say such things," Mirzayanov says.

He also has a completely different view of the Navalny poisoning. "State structures are behind it. Without Putin, a thing like this isn't possible in Russia, because such attacks always trigger an international scandal. Regarding his own role, he is rather critical of himself: "I deeply regret having worked in this area and having made a contribution to the development of the nerve agent. I feel culpable."


Lítio, o novo petróleo: o caso do México

  

El País, Madri – 7.9.2020

El litio en México: entre los intereses privados y el discurso político

En Sonora existe el mayor yacimiento mundial de un mineral que algunos consideran como “el nuevo petróleo” y que busca un futuro en un país que sigue apostando por el crudo

Almudena Barragán

 

Ciudad de Mexico - En la mítica Sierra Madre Occidental que se extiende desde el sur de Estados Unidos, en un pueblito de Sonora (norte de México) de unos mil habitantes llamado Bacadéhuachi, se esconde el yacimiento de litio en roca más grande que se conoce en el mundo, según Mining Technology. A finales de 2019, cuando el Gobierno confirmó la existencia del yacimiento y se difundió que estaba en marcha un proyecto de explotación a cargo de una empresa canadiense (Bacanora Lithium) y una china (Ganfeng Lithium), hubo medios y funcionarios que empezaron a hablar del litio como “el petróleo del futuro”.

Parecía un exceso de optimismo para una zona fronteriza que, apenas un mes antes, había sido noticia por la masacre de una familia a manos del crimen organizado. O para un país que tiene una apuesta tan decidida por el viejo petróleo, el de siempre. Resulta tentador olvidar el presente cuando el futuro parece tan cercano: en Bacadéhuachi no suelen verse coches eléctricos y los teléfonos a veces pierden la señal, pero a 1.400 kilómetros de allí, del otro lado de la frontera, se levanta Tesla Motors, la fábrica de autos eléctricos más grande del mundo. Y lo que el pueblo tiene bajo sus pies es la fuente de energía necesaria para la fabricación de sus baterías.

Casi diez meses después de aquel repentino entusiasmo por el litio, y la misma semana que dejó de existir la subsecretaría de Minería, se ha conocido que el grupo de senadores de Morena, el partido de Gobierno, incluyó entre los temas para su agenda del próximo período legislativo una propuesta para nacionalizar el litio como recurso estratégico, lo que implicaría una reforma constitucional y cambios en la Ley Minera vigente. Aún no se ha definido si este tema —uno de los más de 400 presentados— será avalado e impulsado por la bancada oficialista en el Senado. El único funcionario mexicano que había expresado un interés similar en nacionalizar el litio, el exsecretario de Medioambiente Víctor Toledo, dejó de ser parte del Gobierno esta semana.

El litio, un mineral ligero que arde en contacto con el agua, es utilizado para fabricar cerámica y medicamentos antidepresivos, es un insumo básico de la industria nuclear y, sobre todo, se ha vuelto esencial en la producción de baterías de celular, computadoras, autos eléctricos y sistemas de almacenamiento de energía. Entre 2014 y 2018, los precios del litio se dispararon un 156%: desde los 6.690 dólares la tonelada subió hasta un máximo histórico de 17.000 dólares en 2018. Si bien la crisis sanitaria y económica causada por la pandemia ha impactado en el mercado, el precio se encuentra actualmente en torno a los 7.500 dólares y se prevé que la demanda siga creciendo de la mano de la industria tecnológica.

Solo en la megafábrica de Tesla, del multimillonario Elon Musk, en el desierto de Nevada (Estados Unidos), se producen al día más de 3.000 baterías que contienen alrededor de 13 kilos de mineral cada una. Según el Financial Times, la factoría necesitará 24.000 toneladas al año para dar salida a su producción. Con la entrada en vigor del tratado comercial de México con Estados Unidos y Canadá (T-MEC), la explotación del litio cobra mayor importancia ya que se debe asegurar una cadena de suministro en Norteamérica. En tres años, los coches fabricados en estos tres países deberán tener al menos un 75% de sus componentes producidos en la región para que puedan comercializarse libres de aranceles. Esto incluye a las baterías de litio, lo que podría volverse un negocio rentable para México.

“No solo se trata de minería en roca, estamos buscando cómo subirnos a la tendencia de la electromovilidad y acompañar el proyecto integral para que México se inserte exitosamente en una cadena de valor”, dijo en junio a EL PAÍS el entonces subsecretario de Minería mexicano, Francisco José Quiroga. Su entusiasmo quedó caduco en menos de tres meses: la semana pasada, el Gobierno de Andrés Manuel López Obrador puso en marcha la disolución de una decena de subsecretarías como parte de un plan para reducir el gasto público; entre ellas, la de Minería.

Según fuentes cercanas a la secretaría de Economía de México, la disolución de la subsecretaría de Minería representa un limbo jurídico y genera una situación de incertidumbre que podría beneficiar a las empresas privadas. Sin un subsecretario de Minería, la mediación entre los intereses duros de las compañías, las comunidades y las normas ambientales, parece quedar en manos de nadie. Tal vez, un secretario de Medioambiente con interés en las energías renovables podría tomar cartas en el asunto. Pero el funcionario que tenía ese perfil se fue del Gobierno la semana pasada.

Aunque la explotación del yacimiento de Sonora fue adjudicada hace una década, durante el Gobierno de Felipe Calderón, y el rol del Estado mexicano se reduce a dar seguimiento al proyecto, el anuncio realizado en diciembre de que en Bacadéhuachi existían reservas probables de 243 millones de toneladas de minerales —de donde se podrían extraer, según Mining Technology, unos cuatro millones y medio de toneladas de carbonato de litio (el que se utiliza para la baterías)—, catapultó el interés de los inversores y las promesas de futuro de algunos funcionarios. Pero dejó abierta una pregunta que se ha vuelto más apremiante con el desmantelamiento de la subsecretaría de Minería: ¿Cómo se beneficiaría México de tener en su territorio el mayor yacimiento de litio que se conozca? Tal vez, la pregunta indicada no sea cómo, sino quién.

 

Un mercado opaco

 

Según el Servicio Geológico de Estados Unidos, el consumo de litio en el mundo en 2019 fue de 77.000 toneladas y se estima que existen reservas comprobadas por 17 millones de toneladas, principalmente en Argentina, Chile, Australia y China. Este mineral suele encontrarse en salmueras naturales, rocas pegmatitas, arcillas, pozos petrolíferos, agua de mar y campos geotermales. “Es un elemento súper abundante en la tierra, sin embargo su explotación no es económicamente rentable en la mayoría de los casos. Por eso su explotación se da en pocos países”, explica Martín Obaya, investigador del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (Conicet) de Argentina y de la Escuela de Economía y Negocios de la Universidad de San Martín.

La empresa dueña de la concesión que explotará el yacimiento en México, la canadiense Bacanora Lithium, ha publicado que en Sonora tiene reservas comprobadas por un poco más de tres millones y medio de toneladas: más de 40 veces la cantidad que se consumió en todo el mundo el año pasado. Al parecer, es lo suficientemente rentable como para que la compañía, cuya concesión tiene el tamaño de unos 100.000 campos de fútbol y una duración de 50 años, esté planeando en quedarse en México los próximos tres siglos: “Sonora es un proyecto que durará 300 años, con costos operativos bajos, en el que produciremos litio de alta calidad para la industria de las baterías para vehículos eléctricos”, explicó a EL PAÍS Peter Secker, CEO de Bacanora Lithium.

Secker dijo en un correo electrónico que la producción comenzará en 2023, “cuando los pronósticos para el mercado del litio se fortalecerán”. Si bien faltan tres años, la primera tanda de producción —estimada en 17.500 toneladas— ya está comprometida con la empresa japonesa Hanwa. El investigador argentino Martín Obaya señala que “el mercado del litio es todavía un poco oscuro. Gran parte se maneja por contratos de mediano y largo plazo entre empresas que tienen participaciones importantes entre sí. No hay un mercado spot como pasa con otros minerales”.

El futuro de la industria del coche eléctrico como alternativa al uso de los combustibles fósiles está ligado a la producción de las baterías de litio, principalmente en manos de los países asiáticos, que concentran más del 60% de la producción. Sin embargo, China, Japón y Corea no poseen las suficientes reservas de litio en su territorio por lo que cada vez es más común la presencia de empresas asiáticas en América. La fábrica de Tesla, por su parte, se provee de litio proveniente de Australia. Eso fue lo que dijo a fines de julio Elon Musk, cuando protagonizó una polémica por Twitter luego de que un usuario acusara a Estados Unidos de orquestar un golpe de Estado en Bolivia para que él pudiese obtener litio. “¡Vamos a golpear a quien queramos! ¡Acéptalo!”, respondió Musk, aunque luego eliminó su tuit. Bolivia nacionalizó los recursos de litio del salar de Uyuni en 2008, dos años después de la llegada de Evo Morales al poder.

Con la producción de litio de alta calidad en el norte de México, mucho más cerca de la fábrica de Tesla, y con los estímulos fiscales del T-MEC, el multimillonario podría empezar a mirar a México con otros ojos. Pero, hasta ahora, y a menos que prospere la propuesta del grupo de senadores de Morena, a los únicos que debería conquistar es a los empresarios extranjeros: el capital del proyecto de Sonora es completamente privado y toda su producción estaría destinada a la exportación. El Gobierno mexicano solo se beneficiaría de los impuestos y derechos que paga la minera, pero no tendría el control sobre la producción del mineral. Y tampoco parece que la carga fiscal que impone México a la minería sea un escollo demasiado grande para las empresas.

“La minería en su conjunto aporta a las finanzas públicas de México menos del 1% de todos los ingresos totales de su economía”, señala Beatriz Olivera, del centro investigación y análisis Fundar. “En impuestos (ingresos tributarios) el saldo es negativo: el año pasado salió a favor de las empresas mineras por 1.121 millones de pesos (50 millones de dólares), lo que significa que les terminamos devolviendo dinero por estar en nuestro país”, explica el analista económico Carlos Brown.

A pesar de la escasa incidencia de la minería en las arcas del Estado, se trata de un sector con una influencia política considerable. Durante la pandemia, por ejemplo, la Cámara Minera de México (Camimex), que reúne a la mayoría de las mineras privadas que operan en el país, presionó a las autoridades para no paralizar su producción durante la emergencia sanitaria. Camimex llegó a pedir la ayuda del embajador de Estados Unidos para que la minería fuera reconocida como una actividad esencial, y poder retomar pronto sus operaciones. A principios de mayo, el Consejo de Salubridad decidió sumarla a la lista de actividades esenciales junto con la construcción y la fabricación de equipo de transporte.

 

Energías renovables y... ¿limpias?

 

La apuesta por el potencial del litio está vinculada a la creciente preocupación global por los efectos del cambio climático, y la necesidad de reemplazar progresivamente a los combustibles fósiles como la piedra angular de nuestros sistemas energéticos. En México, donde el Gobierno solo parece tener ojos para el petróleo —al punto de que, en mayo pasado, se endurecieron las condiciones para la operación de las plantas eólicas y solares en el país—, el único otro funcionario que había mostrado abiertamente su entusiasmo por el litio fue el (ahora ex) secretario de Medio Ambiente, Víctor Toledo. En una conferencia en junio, Toledo había calificado a este mineral como “el nuevo petróleo” y dijo que estaba impulsando “que el Gobierno nacionalice los recursos del litio, porque ya están entrando las compañías chinas e inglesas”. Su entusiasmo también caducó pronto: los primeros días de septiembre, Toledo presentó su renuncia al Gobierno de López Obrador.

Los expertos consultados por El PAÍS coinciden en que hacen falta energías limpias y que el litio es una de las alternativas con más futuro. Pero, al igual que sucede con las metas de reducción de emisión de gases de efecto invernadero, la distancia entre la realidad y las ambiciones es amplia. Por un lado, según declaraciones del director de Desarrollo Sostenible de la Comisión Económica para América Latina y el Caribe (Cepal), José Luis Samaniego, la demanda de baterías de litio debería aumentar en el mundo un 1.200% para evitar el incremento de dos grados en la temperatura del planeta. Una de las limitaciones que tiene esta nueva industria es su reciclaje. “El proceso de purificación del litio va a costar más que extraer y producir de nuevo porque los sistemas de recuperación todavía no son eficaces”, señala Alberto Rico, doctor en Química por la Universidad Complutense de Madrid.

Por otro lado, que los coches eléctricos no emitan gases no quiere decir que la obtención del litio como fuente de energía sea necesariamente limpia. La explotación de yacimientos de litio en roca se parece más a la minería a cielo abierto que a la extracción en salares. Aunque, en comparación con los salares, el tiempo de producción es mucho más reducido, “el concentrado se mezcla con ácido sulfúrico para obtener el litio. Por una tonelada de litio producida de esta manera, se generan ocho toneladas de residuos”, explica Daniel Rosales, investigador del Conicet en la Universidad de Cuyo, en Argentina.

“Es necesaria una transición energética por la emergencia climática que vivimos, pero no debe hacerse a cualquier precio”, sostiene la investigadora mexicana Beatriz Olivera. “Si los procesos para extraer el mineral siguen siendo contaminantes y las mineras violan los derechos de las comunidades no habrá ningún progreso. Será maquillaje verde nada más”.