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sexta-feira, 5 de novembro de 2021

A PEC dos "Predatórios" (sic) - Vera Magalhães (OESP)

Há praticamente dois anos que venho alertando meus alunos sobre o caráter PREDATÓRIO das emendas parlamentares, agora potencializadas pelo ESTUPRO do orçamento representado pelas "emendas do Relator", um assalto a mão armada sobre o orçamento público, em favor de um estamento político que representa um patrimonialismo de tipo GANGSTERISTA.
Paulo Roberto de Almeida



terça-feira, 10 de novembro de 2020

Nova Diplomacia - Vera Magalhães (OESP)

Nova diplomacia

Guinada dos EUA é chance de livrar Itamaraty do ranço ideológico

Vera Magalhães, O Estado de S.Paulo

08 de novembro de 2020 | 03h00

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,nova-diplomacia,70003505744


Os Estados Unidos contam seus votos em ritmo de tartaruga, enquanto o mundo decora seus Estados e condados e aprende sobre seu complicado sistema eleitoral. Trata-se, para os países, de uma oportunidade de projetar a nova ordem mundial, e se preparar. O Brasil deveria estar nessa fase, não estivessem os responsáveis pela nossa política externa de luto pela confirmação da derrota do amigo Donald Trump.

A troca da guarda na Casa Branca deveria ser um alerta eloquente para o Itamaraty. Não vai mais adiantar se contentar com migalhas de atenção do “primo rico” ao “primo pobre”, com a família presidencial satisfeita em ser recebida para um tapinha nas costas.

Os democratas são conhecidos por adotar políticas protecionistas quando estão no poder. Com o republicano Trump não foi diferente nessa seara, bem sabemos. Então, nos obstáculos ao aço e alumínio brasileiros e ao jogo duro com etanol e commodities agrícolas pouco deve mudar.

Mas existe uma boa chance de a relação azedar em outras plagas, seja por uma reação política dos democratas aos excessos de torcida brazuca pelo adversário, seja pela mudança de discurso dos EUA no campo da política ambiental.

Joe Biden já deixou claras as restrições à maneira como o governo de Jair Bolsonaro trata os desmates e as queimadas na Amazônia, e os recuos brasileiros no comprometimento com metas climáticas, por exemplo.

Acenou com a ideia de constituir um novo fundo para a Amazônia, desde que mediante contrapartidas do governo brasileiro com políticas de preservação da floresta e fiscalização efetiva do avanço de atividades econômicas clandestinas na região.

Ainda entregue à paixão trumpista e imbuídos da crença mística de que ele venceria, não só o Itamaraty de Ernesto Araújo como o Meio Ambiente de Ricardo Salles se apressaram em recusar o dinheiro e dizer que quem manda aqui somos nós.

O prenúncio das relações entre os dois países com esse time dos terraplanistas ideológicos à frente é o pior possível. É por isso que, se fosse minimamente prático e racional, Jair Bolsonaro deveria considerar seriamente a possibilidade de trocar as peças no Ministério das Relações Exteriores (no Meio Ambiente não há nem o que falar, dado o desastre continuado que a presença de Salles provoca).

Um breve retrospecto do “legado” de Araújo, um diplomata obscuro até ser pinçado por Bolsonaro dado a seu fervor olavista, já seria suficiente para ele levar um bilhete azul num reality-show como O Aprendiz, do ídolo Trump.

Araújo se colocou à frente da tentativa de tirar Nicolás Maduro da presidência da Venezuela, e o Brasil foi um dos primeiros a reconhecer Juan Guaidó como “presidente autoproclamado”. Quase dois anos depois, Maduro se diverte com as agruras de Trump e não arreda pé da ditadura que impôs aos venezuelanos. Sob o comando do chanceler, o Brasil também torceu nas eleições da Argentina e da Bolívia e no plebiscito do Chile, sempre levando de 7 a 1.

Na questão do Oriente Médio, o clã Bolsonaro e seu fiel representante no Itamaraty também fizeram balbúrdia à toa: Benjamin Netanyahu, outro “parça” do Jair, enfrenta contestações internas por acusações de corrupção enquanto se fia nos acordos de paz costurados com a ajuda de Trump para se manter como primeiro-ministro de Israel. Anunciamos com estardalhaço uma mudança de embaixada que nunca se efetivou e vamos ficar falando sozinhos, agora que Trump está de saída. Para quê? Absolutamente nada.

É hora de devolver Araújo à sua carreira obscura e o Itamaraty a alguma racionalidade, que é a tradição da nossa antes reputada diplomacia. Mas esperar algo assim de Bolsonaro é como acreditar que Trump fará uma transição decente e democrática para Biden: não vai rolar. 

*EDITORA DO BR POLÍTICO E APRESENTADORA DO PROGRAMA RODA VIVA, DA TV CULTURA

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domingo, 27 de setembro de 2020

Odorico, Severino e Bolsonaro na ONU - Vera Magalhães (OESP)

 Odorico, Severino e Bolsonaro

Vera Magalhães

O Estado de S.Paulo, 23/09/2020

 Brasil se destaca na ONU pela caricatura, e não pela diplomacia


Desde 1947 cabe ao Brasil abrir a Assembleia-Geral das Nações Unidas, na sede da ONU, em Nova York. O primeiro a fazer uso da prerrogativa foi OswaldoAranha. De lá para cá, nossa representação só deteriora. Com Jair Bolsonaro já são dois anos de negacionismo, mentiras e blablablá ideológico. Em 2019, presencial; ontem, em vídeo. Não importa, a vergonha é a mesma.

Infrutífero comparar as falas de Bolsonaro com outras igualmente infelizes de presidentes que o antecederam. De jaquetão e bigode engomado, José Sarney exibiu um inglês macarrônico. Mas não mentiu nem criou fantasias persecutórias aos olhos do mundo, nem tampouco exibiu desconexão completa da realidade.

Dilma Rousseff discursou várias vezes e sua fala recebeu merecidas críticas, por edulcorar os escândalos de corrupção que ajudaram a pavimentar seu impeachment, logo depois, por tergiversar com ataques à democracia em países de esquerda. Mas ela se conteve, por exemplo, e não falou em golpe ao discursar em abril, já às vésperas de ser afastada, para não levar assuntos domésticos e, mais, uma interpretação dos fatos, a um palco internacional.

Com Bolsonaro não há paralelo possível. Quando se pensava que nada poderia superar a fala do ano passado, na deste ano o presidente brasileiro disse cinicamente que o Brasil tem um dos melhores resultados no enfrentamento da covid-19, isso com mais de 137 mil mortos nas costas, enalteceu nossa política ambiental mesmo com a Amazônia e o Pantanal queimando aos olhos do mundo, converteu o auxílio emergencial em dólar e somou todas as parcelas para vender uma bonança dos mais pobres que é falsa e ainda inventou um conceito, a “cristofobia”, que, se bem explorado pelos seus ideólogos reacionários, pode fornecer mais empulhação para as eleições de 2022.


Diante de tal acervo de sandices, os paralelos possíveis com Bolsonaro na ONU se situam na ficção e no baixo clero, de onde o nosso presidente veio e de onde nunca teria saído em condições políticas normais.

A primeira referência é a antológica passagem de Odorico Paraguaçu, personagem do genial Dias Gomes, pelas Nações Unidas. Cercado de um séquito que incluía beatas fervorosas (também há as Cajazeiras do bolsonarismo), um puxa-saco caricato (candidatos a Dirceu Borboleta não faltam no Ministério) e o “capitão” Zeca Diabo (versão anos 80 de miliciano), o prefeito de Sucupira queria oferecer um terreno na cidade para que fosse construída a nova sede da ONU. Megalomania, ridículo e nacional-populismo na veia. Em 1983, pelo menos, era dramaturgia.

Outra passagem que lembra nos contornos patéticos as participações de Bolsonaro no fórum global foi a de Severino Cavalcanti em 2005, como presidente da Câmara, que cobri in loco. Então alvo do escândalo do “mensalinho”, em que era acusado de recolher propina de permissionários da Casa, o deputado pernambucano viajou com direito a séquito e limusine a Nova York e foi alvo de sistemática cobertura de imprensa.

O cerco a Severino, que se escondeu até no banheiro da ONU para fugir da imprensa, levou jornalistas de outros países a nos perguntarem quem era aquele homem para receber tanta atenção. Nos questionavam se ele estava envolvido no escândalo “Petróleo por Comida”. Mal sabiam que era comida por mensalinho mesmo, algo bem mais rastaquera.

Bolsonaro, com suas mentiras cínicas e deliberadas no momento mais grave da vida nacional neste século, rebaixa a Presidência a uma versão digital da Sucupira de Odorico. 

As agências de checagem já trataram de desmontar o discurso fake que ele fez. A mim restaram essas reminiscências envergonhadas. Levaremos anos para suplantar esse momento de rebaixamento do Brasil.

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Fundação do Itamaraty vira aparelho de guerra cultural bolsonarista - Vera Magalhães (BR político)

 Fundação do Itamaraty vira aparelho de guerra cultural bolsonarista

Vera Magalhães

BR político, 9/09/2020

https://brpolitico.com.br/noticias/fundacao-do-itamaraty-vira-aparelho-de-guerra-cultural-bolsonarista/


A Fundação Alexandre Gusmão (Funag), vinculada ao Itamaraty, está sendo usada para promover ciclos de palestras com expoentes do bolsonarismo e reforçando teses negacionistas em relação à pandemia do novo coronavírus e em defesa de pautas da extrema-direita, como pregação antiaborto e contra o chamado "globalismo".

O conjunto de eventos e publicações promovidos pela entidade, que é um órgão público, é completamente tomado pela guerra cultural bolsolavista, sem nenhum espaço para teses de outras vertentes ou para representantes do próprio Itamaraty que pensam fora da cartilha do chanceler Ernesto Araújo.

Em 27 de agosto, a Funag promoveu um seminário intitulado "Como destruir um país: a aventura socialista na Venezuela", com a presença da embaixadora da Venezuela no Brasil, designada pelo governo paralelo de Juan Guaidó, Maria Tereza Expósito, e de Lucas Ribeiro, colunista do site Brasil sem Medo, ligado a Olavo de Carvalho.

Em 21 de agosto foi a vez de uma conferência virtual do jornalista Alexandre Garcia, que desde que deixou a Rede Globo se aproximou do bolsonarismo.

As palestras sempre são divididas em uma série de vídeos, todos disponibilizados, juntamente com a versão integral, no canal da fundação do Itamaraty no YouTube e também nas plataformas de streaming.

O mesmo expediente foi feito com conferência feita pelo deputado federal e filho do presidente Eduardo Bolsonaro, cuja candidatura ao posto de embaixador do Brasil em Washington foi frustrada em 2019. Ainda assim, o 03 ministra uma conferência sobre "benefícios" do "resgate" das relações entre Brasil e Estados Unidos, numa visão unilateral e absolutamente instrumentalizada ideologicamente de relações sobre as quais diplomatas e especialistas em relações internacionais fazem inúmeras restrições, pelos prejuízos comerciais e políticos que o alinhamento automático a Donald Trump causa ao Brasil.

Não para por aí. A deputada bolsonarista Chris Tonietto (PSL-RJ) é a protagonista de outra conferência, com direito a pílulas nos canais da Funag, com o tema "o direito a vida", que novamente trata a questão da legislação para aborto sob viés ideológico da direita, sem contraponto algum. Ademais: em que esse assunto é pertinente a uma fundação que discute questões diplomáticas e de relações internacionais? Fica evidente a instrumentalização de um órgão público apenas para a guerra cultural.

Um dos mais conhecidos blogueiros bolsonaristas, Flávio Gordon também mereceu uma palestra da Fundação Alexandre Gusmão, com direito a propaganda explícita de seu livro, "A Corrupção da Inteligência". O tema da conferência não poderia ser mais talhado pelo bolsolavismo militante: Globalismo e Comunismo. De novo, o aliado da família Bolsonaro e admirador de Olavo de Carvalho recebe tratamento vip da fundação pública: dezenas de vídeos e pílulas nos canais da fundação.

Mas o puro creme do proselitismo político e do negacionismo científico, além da instrumentalização política explícita da pandemia, fica por conta do ciclo de palestras batizado de "A conjuntura internacional pós-coronavírus". A próxima edição do evento acontece nesta quinta-feira, dia 10.

Os convidados da sexta edição, realizada no último dia 3, foram o blogueiro Paulo Eneas, do site bolsonarista e propagador de desinformação Crítica Nacional, o economista Paulo Figueiredo Filho, especialista em relações internacionais, bolsonarista e trumpista, e o professor de filosofia da Universidade Federal de Pelotas Carlos Adriano Ferraz.

O tema das palestras deixa evidente o viés anticientífico e de total contrariedade às recomendações sanitárias da Organização Mundial de Saúde, base para que a maioria dos países do mundo tenha adotado medidas de enfrentamento à pandemia: "A pandemia e a agenda globalista", "A ascensão e queda da China", "A nocividade do uso de máscaras", "O uso de máscaras e o controle social", "Mecanismos de controle do Estado sobre o indivíduo", "A pandemia foi instrumentalizada para fins políticos?", "O que fazer com a OMS?" e "A questão da obrigatoriedade da vacinação".

Todos esses temas têm sido tópico de declarações negacionistas do presidente Jair Bolsonaro ao longo da pandemia, inclusive sua mais recente investida sobre a obrigatoriedade da vacinação.

Fica evidente o uso político de uma fundação que deveria fomentar o pensamento plural, ser representativa da tradição diplomática do Itamaraty e debater doutrinas, ideias e teses respaldadas em evidências e na ciência, e não pura pregação ideológica com base em teorias da conspiração, narrativas vazias e negacionismo científico.


domingo, 19 de janeiro de 2020

Demissão do secretário pró-nazista não muda Bolsonaro - Vera Magalhães (OESP)

Discordo da última frase: "É democracia que chama.". Impossível: Bolsonaro nunca atenderia a um "chamado da democracia". São as instituições que constrangem...

Mudança x concessão

Demissão de Alvim não sinaliza que Bolsonaro vá mudar, mas que foi obrigado a recuar

Vera Magalhães
O Estado de S. Paulo, 19/01/2020

Como tudo no Brasil de hoje, o filme Dois Papas foi tragado pela polarização rasa e redutora que engolfa da política às artes, passando pelo esporte e pelas relações familiares. Direita e esquerda “adotaram" cada uma um Papa, alheias à complexidade de uma Igreja de milhares de anos e aos aspectos sutis da obra.  
Numa das cenas mais marcantes do filme, os dois monstros Anthony Hopkins (Bento 16) e Jonathan Pryce (ainda Bergoglio) discutem a diferença entre mudança e concessão. “Eu mudei”, diz o argentino ao Papa, diante de cobranças sobre a revisão que ele fez de dogmas e ritos da Igreja. “Não, você fez concessões”, replica Bento. “Não, eu mudei. É algo diferente.” De fato. 
Em mais um episódio de espantosa gravidade, o País foi dormir na quinta-feira e acordou na sexta assombrado por um pesadelo: num vídeo de composição macabra, o então secretário nacional de Cultura, Roberto Alvim, recitava com excitação indisfarçada e olhos vidrados um texto com trechos copiados de Joseph Goebbels, o mais fanático dos ideólogos do nazismo, que foi com Hitler até o final e morreu e matou a mulher e os seis filhos para não fazer nenhuma concessão e não abdicar da ideologia mortífera que ajudou a implementar. 
A reação foi avassaladora, mas não unânime. Num sinal de deterioração profunda do tecido social, houve quem defendesse o discurso tresloucado de Alvim pela necessidade de uma cultura que ou será nacional ou “não será nada”, alinhada aos valores cristãos e da família, e lamentasse sua demissão. Outros contemporizaram, celebrando a “rapidez” com que o presidente demitiu Alvim. E é aqui que entra a diferença entre mudança e concessão a que aludi no início do texto. 
O presidente de fato se indignou com o que o auxiliar disse? Não, de forma alguma. Menos de 24 horas antes de demiti-lo e poucas antes de ele publicar sua ópera bufa, Bolsonaro o saudou numa das lives semanais – também elas obra da estética autoritária do bolsonarismo, não nos enganemos – como o redentor da cultura nacional. Finalmente, disse o presidente do Brasil, tínhamos um secretário da Cultura digno do posto. E ali Alvim já desfiava sua política cultural sectária, anunciando um prêmio que contemplaria apenas os alinhados com o regime. 
Bolsonaro mudou entre os dois atos, o da louvação e o da demissão? Não, fez uma concessão. A contragosto, momentânea. Que não muda o caráter francamente autoritário de seu projeto de poder para a educação, a cultura, a política externa e os costumes, para ficar em poucas áreas.  
Na manhã de sexta o presidente ainda relutava em rifar Alvim. Tanto que a primeira nota do Palácio diz que ele já havia se explicado, e o fã de Goebbels se pôs a dar entrevistas em que reiterava o conteúdo da frase copiada. O que levou Bolsonaro a fazer sua concessão foi a evidência de que a comunidade judaica, aliada política importante de seu projeto, não aceitaria uma demonstração tão violenta de antissemitismo vinda de um auxiliar direto do presidente. 
Portanto, não haverá mudança. As manifestações racistas, autoritárias e francamente persecutórias a vários setores da sociedade continuarão vindo diariamente do presidente e da ala ideológica do governo.  
Mas foi riscada mais uma linha no chão. A sociedade não tolerará mais esses arroubos e nem as tentações de aparelhar e tutelar a vida nacional num projeto que é tudo, menos liberal e democrático. Quantos e quais setores ainda estarão dispostos a fechar os olhos para essa evidência em nome da política econômica é algo que será definidor dos próximos anos.  
Mas Bolsonaro foi avisado: pode xingar, ofender, tentar calar a imprensa, que não vai adiantar. Ele não vai mudar. Mas terá de fazer concessões. É democracia que chama.

domingo, 28 de julho de 2019

Vera Magalhaes (OESP) se espanta com os seguidores de JB


O cordão dos puxa-saco
Acólitos aplaudem patrimonialismo, nepotismo e ataques à ciência e à liberdade de imprensa
Vera Magalhães, O Estado de S.Paulo
O Estado de S. Paulo, 28 de julho de 2019
Minha avó paterna era uma carioca do samba. Adorava entoar marchinhas, com seu vozeirão rouco, a cada vez que um fato lhe chamava a atenção. Nas últimas semanas, me vem à mente dona Alduína cantando uma das suas favoritas, braços erguidos como se estivesse no bloco: “Lá vem/ O cordão dos puxa-saco/ Dando viva aos seus maiorais/ Quem está na frente é passado para trás/ E o cordão dos puxa-saco / Cada vez aumenta mais”.
O puxa-saquismo do Brasil de 2019, que ela não viveu para ver, aceita condescender com patrimonialismo e nepotismo explícitos, ataques à ciência, manifestações de preconceitos variados, desrespeito diário à liberdade de imprensa e tentativas de suprimir atribuições de órgãos, agências e até outros Poderes. Em resumo: exercícios de um crescente autoritarismo para ver se cola. E com muita gente tem colado. Na base da passação de pano, se aperta uma casa no cinto do que passa a ser considerado “o novo normal”. 
Jair Bolsonaro só pode avançar de nariz empinado e com a arrogância dos que acham que não devem satisfações a ninguém porque se cercou de acólitos que só lhe dizem amém. Os seis primeiros meses de governo tiveram como uma de suas marcas o banimento de todo aquele que ousou questionar atos, comportamentos e decisões do presidente. 
Foram para a Sibéria bolsonarista nomes como Gustavo Bebianno e Carlos Alberto Santos Cruz, no primeiro escalão, e outros menos conhecidos em estamentos inferiores do governo, sempre despachados com direito a esculhambação e destruição de reputações.
A maioria de quem sobrou entendeu que, ou se enquadra, ou dança. A exceção em termos de licença para divergir e tocar seu barco com liberdade, até aqui, tem sido Paulo Guedes, o “PG” na forma carinhosa pela qual é tratado por Bolsonaro. Mesmo quando interveio na seara do titular da Economia, como no caso em que tentou a todo custo arrancar vantagens para os policiais na reforma da Previdência, o presidente o fez com cerimônia e cuidado para não desautorizá-lo.
Por quê? Porque o futuro político do bolsonarismo depende de a economia dar certo. E porque Guedes não precisa do cargo de ministro para ter um futuro. E isso lhe dá liberdade para dizer “não” a Bolsonaro quando acha que deve, hoje em dia um privilégio quase exclusivo no primeiro escalão.
Pegue-se o exemplo de nomes como o general Augusto Heleno e mesmo o ministro Sérgio Moro. O primeiro assumiu com a fama de que seria o conselheiro de Bolsonaro. Exerceu essa missão com desvelo no início, ao dissuadir o presidente de ideias como a transferência da embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém e de flertar com a ideia de uma aventura militar na Venezuela. Mas se acanhou diante dos ataques das milícias bolsonaristas aos militares, que ceifou seu amigo Santos Cruz e direcionou suas bazucas contra ele próprio e o porta-voz Rêgo Barros.
Já Moro, tragado para a crise da Vaza Jato, penhorou na loja bolsonarista boa parte do capital político e social que construiu como juiz. Se quando aceitou o ministério havia uma análise de que era indemissível e Bolsonaro dependia mais dele que o contrário, hoje a cada dia o ministro depende mais do presidente e ata seu futuro ao do chefe.
Se formos descer a nomes menos brilhantes, as manifestações de puxa-saquismo são bem mais explícitas e constrangedoras. Aqueles que emprestam suas biografias a justificar até as decisões mais estapafúrdias do chefe deveriam prestar atenção à segunda parte da marchinha da minha avó: “Vossa Excelência / Vossa Eminência/ Quanta referência nos cordões eleitorais / Mas se o ‘doutor’ cai do galho e vai pro chão/ A turma logo evolui de opinião/ E o cordão dos puxa-saco cada vez aumenta mais”.