Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
sexta-feira, 5 de novembro de 2021
A PEC dos "Predatórios" (sic) - Vera Magalhães (OESP)
terça-feira, 10 de novembro de 2020
Nova Diplomacia - Vera Magalhães (OESP)
Nova diplomacia
Guinada dos EUA é chance de livrar Itamaraty do ranço ideológico
Vera Magalhães, O Estado de S.Paulo
08 de novembro de 2020 | 03h00
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,nova-diplomacia,70003505744
Os Estados Unidos contam seus votos em ritmo de tartaruga, enquanto o mundo decora seus Estados e condados e aprende sobre seu complicado sistema eleitoral. Trata-se, para os países, de uma oportunidade de projetar a nova ordem mundial, e se preparar. O Brasil deveria estar nessa fase, não estivessem os responsáveis pela nossa política externa de luto pela confirmação da derrota do amigo Donald Trump.
A troca da guarda na Casa Branca deveria ser um alerta eloquente para o Itamaraty. Não vai mais adiantar se contentar com migalhas de atenção do “primo rico” ao “primo pobre”, com a família presidencial satisfeita em ser recebida para um tapinha nas costas.
Os democratas são conhecidos por adotar políticas protecionistas quando estão no poder. Com o republicano Trump não foi diferente nessa seara, bem sabemos. Então, nos obstáculos ao aço e alumínio brasileiros e ao jogo duro com etanol e commodities agrícolas pouco deve mudar.
Mas existe uma boa chance de a relação azedar em outras plagas, seja por uma reação política dos democratas aos excessos de torcida brazuca pelo adversário, seja pela mudança de discurso dos EUA no campo da política ambiental.
Joe Biden já deixou claras as restrições à maneira como o governo de Jair Bolsonaro trata os desmates e as queimadas na Amazônia, e os recuos brasileiros no comprometimento com metas climáticas, por exemplo.
Acenou com a ideia de constituir um novo fundo para a Amazônia, desde que mediante contrapartidas do governo brasileiro com políticas de preservação da floresta e fiscalização efetiva do avanço de atividades econômicas clandestinas na região.
Ainda entregue à paixão trumpista e imbuídos da crença mística de que ele venceria, não só o Itamaraty de Ernesto Araújo como o Meio Ambiente de Ricardo Salles se apressaram em recusar o dinheiro e dizer que quem manda aqui somos nós.
O prenúncio das relações entre os dois países com esse time dos terraplanistas ideológicos à frente é o pior possível. É por isso que, se fosse minimamente prático e racional, Jair Bolsonaro deveria considerar seriamente a possibilidade de trocar as peças no Ministério das Relações Exteriores (no Meio Ambiente não há nem o que falar, dado o desastre continuado que a presença de Salles provoca).
Um breve retrospecto do “legado” de Araújo, um diplomata obscuro até ser pinçado por Bolsonaro dado a seu fervor olavista, já seria suficiente para ele levar um bilhete azul num reality-show como O Aprendiz, do ídolo Trump.
Araújo se colocou à frente da tentativa de tirar Nicolás Maduro da presidência da Venezuela, e o Brasil foi um dos primeiros a reconhecer Juan Guaidó como “presidente autoproclamado”. Quase dois anos depois, Maduro se diverte com as agruras de Trump e não arreda pé da ditadura que impôs aos venezuelanos. Sob o comando do chanceler, o Brasil também torceu nas eleições da Argentina e da Bolívia e no plebiscito do Chile, sempre levando de 7 a 1.
Na questão do Oriente Médio, o clã Bolsonaro e seu fiel representante no Itamaraty também fizeram balbúrdia à toa: Benjamin Netanyahu, outro “parça” do Jair, enfrenta contestações internas por acusações de corrupção enquanto se fia nos acordos de paz costurados com a ajuda de Trump para se manter como primeiro-ministro de Israel. Anunciamos com estardalhaço uma mudança de embaixada que nunca se efetivou e vamos ficar falando sozinhos, agora que Trump está de saída. Para quê? Absolutamente nada.
É hora de devolver Araújo à sua carreira obscura e o Itamaraty a alguma racionalidade, que é a tradição da nossa antes reputada diplomacia. Mas esperar algo assim de Bolsonaro é como acreditar que Trump fará uma transição decente e democrática para Biden: não vai rolar.
*EDITORA DO BR POLÍTICO E APRESENTADORA DO PROGRAMA RODA VIVA, DA TV CULTURA
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domingo, 27 de setembro de 2020
Odorico, Severino e Bolsonaro na ONU - Vera Magalhães (OESP)
Odorico, Severino e Bolsonaro
Vera Magalhães
O Estado de S.Paulo, 23/09/2020Desde 1947 cabe ao Brasil abrir a Assembleia-Geral das Nações Unidas, na sede da ONU, em Nova York. O primeiro a fazer uso da prerrogativa foi OswaldoAranha. De lá para cá, nossa representação só deteriora. Com Jair Bolsonaro já são dois anos de negacionismo, mentiras e blablablá ideológico. Em 2019, presencial; ontem, em vídeo. Não importa, a vergonha é a mesma.
Infrutífero comparar as falas de Bolsonaro com outras igualmente infelizes de presidentes que o antecederam. De jaquetão e bigode engomado, José Sarney exibiu um inglês macarrônico. Mas não mentiu nem criou fantasias persecutórias aos olhos do mundo, nem tampouco exibiu desconexão completa da realidade.
Dilma Rousseff discursou várias vezes e sua fala recebeu merecidas críticas, por edulcorar os escândalos de corrupção que ajudaram a pavimentar seu impeachment, logo depois, por tergiversar com ataques à democracia em países de esquerda. Mas ela se conteve, por exemplo, e não falou em golpe ao discursar em abril, já às vésperas de ser afastada, para não levar assuntos domésticos e, mais, uma interpretação dos fatos, a um palco internacional.
Com Bolsonaro não há paralelo possível. Quando se pensava que nada poderia superar a fala do ano passado, na deste ano o presidente brasileiro disse cinicamente que o Brasil tem um dos melhores resultados no enfrentamento da covid-19, isso com mais de 137 mil mortos nas costas, enalteceu nossa política ambiental mesmo com a Amazônia e o Pantanal queimando aos olhos do mundo, converteu o auxílio emergencial em dólar e somou todas as parcelas para vender uma bonança dos mais pobres que é falsa e ainda inventou um conceito, a “cristofobia”, que, se bem explorado pelos seus ideólogos reacionários, pode fornecer mais empulhação para as eleições de 2022.
Diante de tal acervo de sandices, os paralelos possíveis com Bolsonaro na ONU se situam na ficção e no baixo clero, de onde o nosso presidente veio e de onde nunca teria saído em condições políticas normais.
A primeira referência é a antológica passagem de Odorico Paraguaçu, personagem do genial Dias Gomes, pelas Nações Unidas. Cercado de um séquito que incluía beatas fervorosas (também há as Cajazeiras do bolsonarismo), um puxa-saco caricato (candidatos a Dirceu Borboleta não faltam no Ministério) e o “capitão” Zeca Diabo (versão anos 80 de miliciano), o prefeito de Sucupira queria oferecer um terreno na cidade para que fosse construída a nova sede da ONU. Megalomania, ridículo e nacional-populismo na veia. Em 1983, pelo menos, era dramaturgia.
Outra passagem que lembra nos contornos patéticos as participações de Bolsonaro no fórum global foi a de Severino Cavalcanti em 2005, como presidente da Câmara, que cobri in loco. Então alvo do escândalo do “mensalinho”, em que era acusado de recolher propina de permissionários da Casa, o deputado pernambucano viajou com direito a séquito e limusine a Nova York e foi alvo de sistemática cobertura de imprensa.
O cerco a Severino, que se escondeu até no banheiro da ONU para fugir da imprensa, levou jornalistas de outros países a nos perguntarem quem era aquele homem para receber tanta atenção. Nos questionavam se ele estava envolvido no escândalo “Petróleo por Comida”. Mal sabiam que era comida por mensalinho mesmo, algo bem mais rastaquera.
Bolsonaro, com suas mentiras cínicas e deliberadas no momento mais grave da vida nacional neste século, rebaixa a Presidência a uma versão digital da Sucupira de Odorico.
As agências de checagem já trataram de desmontar o discurso fake que ele fez. A mim restaram essas reminiscências envergonhadas. Levaremos anos para suplantar esse momento de rebaixamento do Brasil.
quarta-feira, 9 de setembro de 2020
Fundação do Itamaraty vira aparelho de guerra cultural bolsonarista - Vera Magalhães (BR político)
Fundação do Itamaraty vira aparelho de guerra cultural bolsonarista
Vera Magalhães
BR político, 9/09/2020
A Fundação Alexandre Gusmão (Funag), vinculada ao Itamaraty, está sendo usada para promover ciclos de palestras com expoentes do bolsonarismo e reforçando teses negacionistas em relação à pandemia do novo coronavírus e em defesa de pautas da extrema-direita, como pregação antiaborto e contra o chamado "globalismo".
O conjunto de eventos e publicações promovidos pela entidade, que é um órgão público, é completamente tomado pela guerra cultural bolsolavista, sem nenhum espaço para teses de outras vertentes ou para representantes do próprio Itamaraty que pensam fora da cartilha do chanceler Ernesto Araújo.
Em 27 de agosto, a Funag promoveu um seminário intitulado "Como destruir um país: a aventura socialista na Venezuela", com a presença da embaixadora da Venezuela no Brasil, designada pelo governo paralelo de Juan Guaidó, Maria Tereza Expósito, e de Lucas Ribeiro, colunista do site Brasil sem Medo, ligado a Olavo de Carvalho.
Em 21 de agosto foi a vez de uma conferência virtual do jornalista Alexandre Garcia, que desde que deixou a Rede Globo se aproximou do bolsonarismo.
As palestras sempre são divididas em uma série de vídeos, todos disponibilizados, juntamente com a versão integral, no canal da fundação do Itamaraty no YouTube e também nas plataformas de streaming.
O mesmo expediente foi feito com conferência feita pelo deputado federal e filho do presidente Eduardo Bolsonaro, cuja candidatura ao posto de embaixador do Brasil em Washington foi frustrada em 2019. Ainda assim, o 03 ministra uma conferência sobre "benefícios" do "resgate" das relações entre Brasil e Estados Unidos, numa visão unilateral e absolutamente instrumentalizada ideologicamente de relações sobre as quais diplomatas e especialistas em relações internacionais fazem inúmeras restrições, pelos prejuízos comerciais e políticos que o alinhamento automático a Donald Trump causa ao Brasil.
Não para por aí. A deputada bolsonarista Chris Tonietto (PSL-RJ) é a protagonista de outra conferência, com direito a pílulas nos canais da Funag, com o tema "o direito a vida", que novamente trata a questão da legislação para aborto sob viés ideológico da direita, sem contraponto algum. Ademais: em que esse assunto é pertinente a uma fundação que discute questões diplomáticas e de relações internacionais? Fica evidente a instrumentalização de um órgão público apenas para a guerra cultural.
Um dos mais conhecidos blogueiros bolsonaristas, Flávio Gordon também mereceu uma palestra da Fundação Alexandre Gusmão, com direito a propaganda explícita de seu livro, "A Corrupção da Inteligência". O tema da conferência não poderia ser mais talhado pelo bolsolavismo militante: Globalismo e Comunismo. De novo, o aliado da família Bolsonaro e admirador de Olavo de Carvalho recebe tratamento vip da fundação pública: dezenas de vídeos e pílulas nos canais da fundação.
Mas o puro creme do proselitismo político e do negacionismo científico, além da instrumentalização política explícita da pandemia, fica por conta do ciclo de palestras batizado de "A conjuntura internacional pós-coronavírus". A próxima edição do evento acontece nesta quinta-feira, dia 10.
Os convidados da sexta edição, realizada no último dia 3, foram o blogueiro Paulo Eneas, do site bolsonarista e propagador de desinformação Crítica Nacional, o economista Paulo Figueiredo Filho, especialista em relações internacionais, bolsonarista e trumpista, e o professor de filosofia da Universidade Federal de Pelotas Carlos Adriano Ferraz.
O tema das palestras deixa evidente o viés anticientífico e de total contrariedade às recomendações sanitárias da Organização Mundial de Saúde, base para que a maioria dos países do mundo tenha adotado medidas de enfrentamento à pandemia: "A pandemia e a agenda globalista", "A ascensão e queda da China", "A nocividade do uso de máscaras", "O uso de máscaras e o controle social", "Mecanismos de controle do Estado sobre o indivíduo", "A pandemia foi instrumentalizada para fins políticos?", "O que fazer com a OMS?" e "A questão da obrigatoriedade da vacinação".
Todos esses temas têm sido tópico de declarações negacionistas do presidente Jair Bolsonaro ao longo da pandemia, inclusive sua mais recente investida sobre a obrigatoriedade da vacinação.
Fica evidente o uso político de uma fundação que deveria fomentar o pensamento plural, ser representativa da tradição diplomática do Itamaraty e debater doutrinas, ideias e teses respaldadas em evidências e na ciência, e não pura pregação ideológica com base em teorias da conspiração, narrativas vazias e negacionismo científico.