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sexta-feira, 8 de maio de 2015

Evaldo Cabral de Mello, um historiador que definiu o Brasil: metade corrupcao, a outra metade incompetência - Rafael Cariello

Frase definitiva, definidora, arrasadora, do que é o Brasil, pelo historiador Evaldo Cabral de Melo. Só pela frase, já merecia algum prêmio Nobel de historiador, de sociólogo, de intérprete do Brasil, coisa que ele detesta aliás, Casmurro como é...
"A gente sabe perfeitamente o que é o enigma brasileiro, não precisa ficar procurando. O Brasil é metade falta de caráter – corrupção –, metade incompetência. Você pode explicar quase tudo o que acontece no Brasil por uma dessas duas metades do mesmo fenômeno.”
Disse tudo. A frase, aliás, retrata bem, explica, simboliza, legitima e justificativa porque temos o governo que temos nos últimos treze anos. Isso é o Brasil, isto é o PT: metade corrupção, metade incompetência. Eu até diria que o PT é 100% corrupção e 150% incompetência, e consegue portanto chegar ao prodígio de fazer 250% daquilo que o Brasil é só 100%...
Paulo Roberto de Almeida


O casmurro
O entusiasmo pela narrativa e o tédio existencial de Evaldo Cabral de Mello, o historiador pernambucano que reinterpretou o Brasil
por RAFAEL CARIELLO
Revista Piauí, maio de 2015

O romancista João Ubaldo Ribeiro, autor de Viva o Povo Brasileiro e vencedor do Prêmio Camões, a mais importante láurea literária em língua portuguesa, morreu de embolia pulmonar na madrugada do dia 18 de julho de 2014. Tinha 73 anos e ocupava, desde 1994, uma das quarenta cadeiras da Academia Brasileira de Letras.

Seu corpo foi velado à tarde, na sede da centenária instituição fundada por Machado de Assis – um prediozinho cor de burro quando foge em estilo neoclássico, adornado por colunas gregas e enfiado no confuso e sujo centro comercial do Rio de Janeiro, por onde circula diariamente uma multidão de advogados, funcionários públicos, office-boys e camelôs.

No velório, como é costume, discutiu-se em voz baixa o futuro da instituição. Tratados pelo epíteto de “imortais”, os integrantes da Academia têm predileção pela política à beira dos caixões. Enquanto ainda prestavam homenagens a João Ubaldo Ribeiro, já cuidavam, com discrição, do nome que deveria sucedê-lo na cadeira de número 34. Naquele mesmo dia, o acadêmico Eduardo Portella, que fora ministro da Educação na Presidência do general João Baptista Figueiredo, procurou o historiador pernambucano Evaldo Cabral de Mello. Tentava convencê-lo a se candidatar.

Havia uma década que Portella insistia com o amigo para que entrasse para a ABL. Aquela era a “quinta ou sexta vez”, segundo disse, que exortava Evaldo, seu conhecido desde os anos 50, no Recife, a postular uma vaga como imortal. Portella é reconhecidamente o principal “cabo eleitoral” da Academia. Aos 82 anos, ainda aprecia a costura de bastidor e é hábil nos conchavos políticos. Em geral, seu apoio significa eleição quase certa para a instituição.

Evaldo Cabral de Mello, diplomata de carreira, irmão mais novo do poeta João Cabral de Mello Neto, seria de todo modo um nome forte para a disputa. Desde os anos 70, vinha pouco a pouco, sem alarde, construindo uma obra impressionante sobre a América portuguesa e o Nordeste brasileiro, tornando-se referência nas pesquisas sobre a ocupação holandesa da região, entre 1630 e 1654, e intérprete inovador das ambições políticas da elite local.

Segundo o historiador, por quase dois séculos senhores de engenho pernambucanos se pretenderam herdeiros políticos dos colonos, seus antepassados, responsáveis pela reconquista da capitania das mãos dos batavos. Dado o empenho de suas famílias numa guerra que acreditavam ter sido travada e financiada localmente, sem apoio da metrópole, esses senhores constituíam uma elite que chegava ao ponto de se considerar, desde o século XVII, digna de relativa autonomia em relação à Coroa portuguesa.

A atenção obsessiva que Evaldo dedicou ao lugar de onde veio – a rigor, uma pequena fatia de Pernambuco e estados vizinhos, a Zona da Mata, próxima à costa, onde se plantava a cana e se processava o açúcar – permitiu que o pesquisador acabasse por oferecer interpretações inovadoras não só para a história local, mas também para processos decisivos da história de toda a América portuguesa. Por exemplo, a ideia de que a Independência, em 1822, foi feita por funcionários públicos cariocas que, antes de qualquer outra coisa, temiam perder seus empregos.

Fugindo das tropas de Napoleão, a monarquia portuguesa havia se estabelecido no Rio de Janeiro em 1808, trazendo consigo a inchada burocracia de Lisboa. As capitanias do que então se chamava o Norte, Pernambuco e Bahia sobretudo, se viram obrigadas, do dia para a noite, a custear o fausto da nova Corte carioca. Do ponto de vista da elite pernambucana, diz Evaldo, a transferência do centro de poder para o sul da América portuguesa apenas agravou a espoliação colonial e a transferência de impostos. “Ao chegar ao Rio, a Corte portuguesa repetiu todo
o aparato que havia em Lisboa”, conta o historiador. “O que se empregou de gente. Esse é o Brasil de sempre.”

Quando, a partir de 1820, depois da longa ausência do monarca e de uma revolução constitucional em Portugal, o novo governo na antiga metrópole exigiu a volta à Europa de dom João VI, e em seguida de dom Pedro I, essa burocracia transplantada aos trópicos se rebelou. “No momento que você dava a ordem a dom Pedro para voltar, esses tribunais – que é como se chamavam antigamente as repartições públicas – seriam todos dissolvidos. Você voltaria para aquele nível de burocracia do período colonial.
O ‘fico’ de domPedro é o ‘fico’ desse povo todo, que ia ficar da noite pro dia sem emprego. Inclusive de brasileiros que, durante esses anos, tinham ingressado no serviço público.”

Esse mesmo alto funcionalismo fluminense, segundo Evaldo, se esforçaria nos anos seguintes para manter Pernambuco – onde setores da elite lutavam pela autonomia política local – como parte do Império, de modo a garantir o afluxo de recursos para o Rio.

A pesquisa de Evaldo, argumenta Heloisa Starling, professora de história da Universidade Federal de Minas Gerais, provocou um “solavanco” na historiografia brasileira. “A obra dele tira as coisas do prumo, mesmo. Evaldo nos diz que isso que falavam sobre o trânsito de ideias políticas, sobre a Independência, sobre a formação da nação, não era bem por aí. Não era como estavam dizendo.”



Gente com obra muito menos importante para a cultura brasileira – ou mesmo sem obra alguma – já havia sido eleita para a ABL. Assim, amigos de Evaldo, que aos poucos ingressavam nos quadros da Academia ou dela já faziam parte, insistiam crescentemente para que ele apresentasse sua candidatura. Eduardo Portella havia sido eleito em 1981. Em 1992, foi a vez do advogado Alberto Venancio Filho se tornar imortal. Ele conheceu Evaldo poucos anos depois, quando se tornou relator de um prêmio da casa, entregue ao historiador pernambucano. Ficaram próximos, e almoçam juntos em geral uma vez por mês. Segundo Venancio Filho, há anos ele insistia “periodicamente” com o amigo para que se candidatasse à academia. Alberto da Costa e Silva, maior especialista brasileiro em história da África, foi eleito no ano 2000 para a instituição. Ele e Evaldo haviam sido colegas no serviço diplomático, nos anos 70 e 80, na Espanha e em Portugal. Apesar dos apelos dos amigos, Evaldo resistia.

O pesquisador é avesso às instituições, às quais já disse ter “horror”. Nunca concluiu estudo universitário, fez sua carreira em história longe das faculdades brasileiras, enfiado em arquivos europeus, e fala com enfado de muitas de suas antigas atribuições burocráticas no Itamaraty. Em parte um “iconoclasta”, segundo a antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz, professora da Universidade de São Paulo, Evaldo “sempre foi um outsider, sempre quis ser um outsider”. Numa entrevista para Lilia e Heloisa Starling, parte de um livro organizado em sua homenagem, em 2008, o historiador chegou a dizer explicitamente que não lhe ocorreria se candidatar “a uma Academia Brasileira de Letras ou a um grêmio literário” porque, no fim das contas, “toda instituição termina por fabricar conformistas, vale dizer, homens do aparato”.

E, no entanto, naquele 18 de julho, a investida de Eduardo Portella foi bem-sucedida. Os amigos mais próximos receberam com surpresa a notícia de que, afinal, Evaldo Cabral de Mello havia concordado em se candidatar à Academia Brasileira de Letras. Apresentava-se para uma vaga que, num primeiro momento, parecia fácil de ser conquistada.



Desde os anos 90, quando se aposentou do Itamaraty, Evaldo Cabral vive num dos últimos enclaves de tranquilidade na Zona Sul do Rio de Janeiro, uma região de ruas arborizadas e pouco tráfego de carros, em Ipanema, próxima à Lagoa Rodrigo de Freitas. Paralela à via em que mora o historiador, fica a rua Nascimento Silva, onde Tom Jobim começou a compor as canções que dariam origem à bossa nova.

Evaldo deixou o serviço diplomático porque uma lei do governo Collor colocava limites ao tempo de permanência dos diplomatas no exterior. Na volta, teria que morar na capital federal, o que nem de longe lhe agradava. “Brasília é um lugar onde todo mundo é importante, do presidente da República ao contínuo da repartição”, disse. A solução, como já tinha mais de trinta anos de carreira, era se aposentar.

Mas também não queria voltar a viver no Recife. “As pessoas lá estão sempre brigando, se conflitando. Numa cidade pequena, como Recife, as pessoas pertencem a bandos. Pelo menos era assim no passado. Você tinha que pertencer a um bando – e hostilizar o outro bando. Isso em qualquer área. Tem a ver com província, com provincianismo. O Rio é maior, dissolve um pouco melhor. Você passa despercebido, se quiser. Do contrário, traz chateação, vai o sujeito lá em casa, querendo qualquer coisa, conferência, palestra, me metendo nas brigas.”

O historiador é um homem de estatura mediana – cerca de 1,70 metro –, magro, os cabelos já brancos e uma calva que avança até o topo da cabeça. Tem 79 anos. Em seu apartamento, os móveis são de madeira escura e, das vezes em que estive lá, a persiana era mantida entreaberta, bloqueando a luz do sol. Sentado no sofá, Evaldo faz lembrar as fotos famosas de Gilberto Freyre, em que o autor de Casa-Grande & Senzala parecia extremamente relaxado, com uma das pernas jogadas sobre o braço da poltrona. O historiador pernambucano não chega a tanto, mas costuma deixar uma das pernas esticada sobre o sofá de dois lugares, ocupando quase toda a sua extensão, a outra apoiada no chão, e por longos períodos mantém a cabeça inclinada para trás, recostada, como se estivesse cansado. Gilberto Freyre era parente de Evaldo. Quase toda a elite pernambucana, na narrativa do historiador, se afigura aparentada – e em sua própria árvore genealógica desfilam sobrenomes ilustres do estado, como Carneiro da Cunha e Souza Leão.

Sentado no sofá da sala, ao lado da janela, Evaldo me contou que desde 2003 não viajava a Pernambuco. “Não volto porque os aeroportos são muito cheios de gente. Não gosto de multidão. Nunca gostei.” Completou a explicação com bom humor, rindo: “Eu sempre tive uma tendência elitista muito grande. Reconheço e não peço desculpas, não.”

Perto do edifício onde mora, as amendoeiras e os flamboyants que cobrem o asfalto de folhas secas e flores alaranjadas, além de alguns prédios antigos de muros baixos e caiados, ainda lembram o ambiente de brisa do Rio nos anos 50, embora Evaldo reclame das mudanças por que passou o bairro nos últimos anos, do aumento do movimento e do barulho nas ruas. Por quase uma década frequentou o mesmo restaurante, a algumas quadras de sua casa, mas o trocou por outro há uns quatro anos, também próximo, porque aumentou o ruído que a clientela fazia no antigo estabelecimento. “Essa cidade é uma feira”, ele me disse, durante um desses almoços. “Não é mais possível ter paz e silêncio nem no cemitério. As pessoas agora deram para aplaudir morto, já viu?”

Os funcionários do restaurante o conhecem, mantêm uma mesa de canto reservada para ele e antecipam a abertura da casa para recebê-lo, alguns minutos antes do meio-dia. Sorriem e o tratam afetuosamente por “seu Cabral”. No caminho de poucas quadras até lá ele evita os trechos de maior movimento e aglomeração de gente. Deixa em casa a mulher, Maria Luisa, com quem é casado desde 1962, porque, segundo ele, os dois têm horários diferentes. Seus dois filhos moram fora do país – um é diplomata, no consulado de Milão, o outro trabalha para a Sony Music, em Miami. O historiador pernambucano quase sempre come sozinho.

Num dia quente de fevereiro, enquanto ainda beliscava um pratinho de azeitonas, Evaldo notou que o salão, com ar-refrigerado, estava mais cheio do que de costume para aquele horário – a varanda, em contraste, permanecia vazia. “É o calor”, explicou. Pouco depois, meia dúzia de turistas se refastelou numa mesa próxima. Adeptos da moda do verão, sacaram uma haste de metal comprida, o popular “pau de selfie”, para manter o celular à distância e tirar uma foto do grupo.

“Ó lá! Olha uma coisa com que eu não me habituo”, disse Evaldo, chamando atenção para a cena espalhafatosa na mesa ao lado. “Que idiotice. Que narcisismo. Só tem mediocridade neste século XXI. É o século da vulgaridade.” Ele parecia, contudo, se divertir ao fazer o comentário, como se não levasse completamente a sério a própria rabugice. O historiador Alberto da Costa e Silva diz que o amigo é na verdade um “falso introvertido”, piadista e afetuoso. “Você sabe que cada um de nós monta o seu teatro, a sua personagem no palco. Todos fazemos isso, desde criança, desde menino. E o Evaldo tem sido muito exitoso na representação de Evaldo Cabral de Mello. Que é uma personagem muito simpática.”

Antes de sair do restaurante, o historiador deixou uma gorjeta generosa para a garçonete. A moça era, ela também, contida e educada, e os dois pareciam manter uma relação ao mesmo tempo formal e afetuosa. Noutra ocasião em que também ofereceu mais do que os 10% de praxe, para a mesma moça, reparou que haviam rabiscado no dinheiro. Mexendo na cédula, em cima da mesa, comentou com a atendente que alguém tinha desenhado “um diabo”, com chifres e cavanhaque, na figura da nota. Os dois riram, discretamente.

No caminho de casa, quase à porta de seu prédio, um utilitário esportivo, desses grandões, tinha invadido o passeio público, atrapalhando a passagem dos pedestres. Com a voz baixa, Evaldo observou: “Coisa que brasileiro mais gosta é de parar o carro em cima da calçada. Dá uma sensação de importância.”



Uma das primeiras memórias de Evaldo é do Centro do Rio, em 1940, numa viagem com a família. “Eu tinha 4 anos. Tínhamos vindo passar o Carnaval. Ficamos hospedados todos no Grande Hotel, que não existe mais. Logo atrás, no Largo da Carioca, ficava um lugar que diziam vender o melhor suco de laranja do Rio de Janeiro. Me levavam lá, pra tomar suco. E eu ficava extasiado.”

Nessa mesma viagem, os pais compraram para o pequeno Evaldo um livro que ele reputa o mais importante de sua formação. “A obra que mais me influenciou na vida nem cheguei a ler; leram para mim.” Era O Touro Ferdinando, a história de um novilho sensível, arredio e ensimesmado. “Ele vivia com os outros bezerrinhos, num campo. E achava aqueles outros bezerrinhos todos tão chatos... Era a ideia que eu sempre tive dos meus colegas de juventude. O Ferdinando Flores tinha horror aos colegas. E ficava lá, só cheirando as flores. Foi sempre essa a ideia que eu tive de colégio. Todo mundo às carreiras, dando pancada, e eu no meu canto, lá.”

Segundo o historiador, a mãe, quando viu que o menino não se adaptava à rotina da escola, permitiu que ele estudasse em casa – interessada também, ele imagina, na companhia que o filho lhe faria. Evaldo é temporão. “Éramos sete irmãos.” O primogênito, Virgílio, era dezoito anos mais velho, e João Cabral, que vinha a seguir, dezesseis. A diferença entre o caçula e a penúltima da escadinha era ainda de sete anos. Aprendeu a ler sozinho, aos 4, 5 anos. “Pegava o jornal e lia; aprendi por mim.” Depois contaria com a ajuda de uma professora particular, que seria responsável por prepará-lo para a admissão ginasial, quando já não podia mais fugir dos bancos escolares, aos 10 anos.

Evaldo descreve com alegria, nesse período anterior ao colégio, as viagens ao Sítio do Tambor, que o pai mantinha na cidade vizinha de Carpina, a uns 60 quilômetros do Recife. Iam de carro. No verão, a família toda passava meses seguidos na roça, enquanto o pai ia e voltava, dividindo-se entre a cidade e o sítio. Era uma casa simples, com uma varanda grande, que pegava toda a frente e as duas laterais da construção, formando um grande “u” que envolvia a área interna.

Ele se lembra de um dia, ainda menino, ir brincar sozinho à beira de um açude que havia na propriedade. De repente, olhando para a paisagem, teve uma sensação nova, que não sabia explicar. “Comecei a olhar para a natureza, e a sentir um tédio enorme. É uma sensação muito estranha. A realidade fica insuportável. Você fica com desânimo. Pra que tudo isso? Pra que existem essas árvores? Pra que esse açude? Pra que aquela montanha está lá? É uma interrogação. Aos 8 anos. Deve ter sido em 1944. Você interroga. O que estou fazendo aqui?” Anos depois, lendo Jean-Paul Sartre, encontraria um nome para aquele sentimento. “Era a náusea!”, disse.

Foi também no Tambor que Evaldo descobriu o gosto pela história. Ele diz que se tornou um “historiador regional”, ocupado com engenhos, preços do açúcar e assuntos da Zona da Mata pernambucana, em alguma medida por leituras e experiências da infância. Ocorre que seu pai havia sido dono de engenho, chamado O Poço, mais tarde vendido, antes mesmo que Evaldo nascesse. “Meus pais e meus tios falavam o tempo todo dessa coisa, do engenho. E eu tinha sido eliminado da história. Era o único que tinha nascido depois.”

Além disso, gostava de ler no chão frio da varanda e, entre as leituras, descobriu os romances de José Lins do Rego, em particular Fogo Morto. Embora uma obra de ficção, a trama falava das coisas que Evaldo via em volta; ligava histórias de engenho, como o que seu pai havia tido, com a lida na roça, que testemunhava no Tambor. “Eu achei que a história toda era de um realismo enorme. Via aquilo correspondendo às coisas que eu conhecia no sítio.”

Anos depois, ele diz, o acaso interveio. “Eu acredito muito nesse negócio de acaso na vida individual.” Um primo seu, quase vinte anos mais velho, José Antônio Gonsalves de Mello, vinha se dedicando ao estudo da história de Pernambuco. Evaldo ouvira dizer que esse parente, com quem não tinha contato, havia até mesmo lançado um livro, Tempo dos Flamengos, sobre o período da ocupação holandesa. Disse ter ficado ainda mais curioso ao saber que a obra tratava “da mesma coisa que eu tinha visto em Zé Lins: história de engenho, moagem, safra, escravo; a mesma coisa”.

“Numa tarde, eu estava com minha mãe e a mãe dele, minha tia. Não sei por que deu na cabeça de minha mãe dizer para a irmã: ‘Ô, Albertina, peça a Zé Antônio para conversar com Evaldo.’ Eu o procurei, e ficamos grandes amigos. Ele foi mais meu irmão que todos os outros. Eu tinha 12 anos. Em 1948. Cheguei lá e ele me deu uma lista de coisas que eu tinha que ler.”

Gonsalves de Mello foi o responsável por sua primeira formação historiográfica. E também por apresentar Evaldo a outro parente em comum, Gilberto Freyre. “A mãe dele era irmã de minha avó, mãe da minha mãe. Em 1950, Gilberto era deputado federal por Pernambuco. E Zé Antônio me disse: ‘Venha cá, almoçar no domingo, que Gilberto está aí de passagem, você pode conhecê-lo.’ Depois ele não foi mais reeleito, ficou no Recife, e eu ia uma vez por semana à casa dele, bater papo, à tarde.”

Além das conversas e das indicações de leitura, o hoje historiador disse ter feito “umas pesquisas” para o autor de Sobrados e Mucambos, nessa época. Também trabalhou como uma espécie de assistente de Gilberto Freyre, datilografando todo o Assombrações do Recife Velho, já que o primo de segundo grau escrevia à mão. “Ele era interessante, muito inteligente”, me disse Evaldo. “O problema é que, no fim da vida, ficou de uma tal maneira egocêntrico que se tornou uma pessoa difícil, cansativa. Isso me deu um certo horror da vaidade. Eu fico me policiando pra não ter vaidade.”



Aos 17 anos, Evaldo voltou a visitar o Rio, dessa vez para passar uns dias com o irmão poeta, João Cabral de Mello Neto, que por lá vivia. Disse ter ficado animado com a possibilidade de conhecer outro poeta pernambucano, Manuel Bandeira – “primo de papai” –, a quem João prometera apresentá-lo. Foram à casa do autor de “Vou-me embora pra Pasárgada” e tocaram a campainha. Mas era domingo, e Bandeira não estava.

A etapa seguinte no circuito de poetas residentes na capital federal foi a casa de Vinicius de Moraes, amigo e colega de João Cabral no Itamaraty. Evaldo explica que a visita era à noite, e o jantar na casa do irmão havia sido “substancioso”. “Não posso comer muito à noite que me dá sonolência.” Era 1953, e Vinicius parecia orgulhoso em apresentar a João Cabral as parcerias musicais que começava a fazer, numa espécie de pré-história da bossa nova. Em determinado momento, começou a cantar. “Ele ficava perdendo o tempo dele, cantando pro João, que não tinha o menor sentido musical”, comentou Evaldo. Ele próprio, no entanto, não chegou a demonstrar interesse muito maior. No meio da cantoria, caiu no sono.

“Eu dormi. Vinicius deve ter ficado safado da vida, porque, anos depois, no Recife, fui apresentado a Antonio Maria, que me disse: ‘Ah, você é o irmão do João Cabral que dorme na casa das pessoas?’ Eu digo: ‘Que história é essa?’ E ele: ‘Vinicius me contou.’”

Depois foi a vez de conhecer Carlos Drummond de Andrade. Ainda adolescente, no apartamento de Drummond, Evaldo tinha a oportunidade de testemunhar uma conversa entre os dois maiores poetas brasileiros do século XX. “Sobre o que falaram?”, perguntei. “Não faço ideia; dormi logo”, ele me disse.



Dois anos depois, faria outra viagem, dessa vez para a Europa. Havia acabado de terminar o equivalente ao ensino médio. Conseguiu uma bolsa, e passou um ano na Espanha, frequentando aulas de filosofia na Universidade de Madri. Depois, mais seis meses em Londres, bancado pelo pai. “Não fazia nada. Passeava pela cidade ou ficava em casa, lendo. Foi uma viagem, como se dizia, para desasnar.”

De volta ao Brasil, frequentou um ano de ciências sociais na Universidade Católica de Pernambuco, mas se desinteressou pelo curso, sobretudo depois que foi reprovado em estatística, ao final do 1º ano. Entraria para o Itamaraty, de certa forma, por falta de opção. “Eu não tinha muita saída. Não ia ser médico, não ia ser advogado, não ia ser arquiteto. Não tinha nenhuma vocação definida, a não ser a leitura. É como disse o Eduardo Portella: eu me exilei no Itamaraty. Me exilei no serviço diplomático.”

De todo modo, a vida fora do país o atraía. Tinha gostado do período na Espanha e na Inglaterra. Também disse ter tido, enquanto estava por lá, “a premonição de que as coisas no Brasil iam ficar muito confusas”. Como de fato vieram a ficar, em 1964. “Quer saber de uma coisa, pensei, vou para a Europa!”

Ao ser aprovado para o curso preparatório à carreira diplomática, em 1960, recebeu um cartão de João Cabral, que estava servindo em Madri. Na saudação, o poeta fazia referência a uma brincadeira de família. “João tinha notado que eu gostava de ficar até tarde do dia, de pijama, lendo”, explicou Evaldo. “Por causa do calor. Os meninos dele me gozavam muito, porque eu estava sempre de pijama.” No bilhete em que o parabenizava pela conquista, o irmão mais velho, já experiente na carreira diplomática, escreveu: “Agora que você passou, ponha a sua pijama e vá para casa ler.”

Na verdade, ele resolveu escrever. Foi num de seus primeiros postos, em Washington, na segunda metade dos anos 60, que Evaldo começou a montar o projeto de seu livro inaugural, Olinda Restaurada, sobre as longas guerras de resistência à ocupação batava e de restauração do Nordeste à Coroa portuguesa. Em Genebra, poucos anos depois, iniciou o aprendizado do holandês usado no século XVII, com o auxílio de uma intérprete da Organização das Nações Unidas, para poder ler a documentação produzida pelos invasores. Seus postos diplomáticos eram uma oportunidade de ouro para o trabalho como historiador. Em Portugal, frequentava os arquivos, e em Paris, as aulas do medievalista Georges Duby, no Collège de France.



Com o aumento do preço do açúcar e a crescente instalação de engenhos, a capitania de Pernambuco, entre o fim do século XVI e o início do XVII, vivia tempos de prosperidade. Olinda, afirma Evaldo, era então “uma cidade completamente portuguesa”, e a elite local conseguia manter confortos que em muitas cidadezinhas da península Ibérica seriam improváveis. “Você vê pelos cronistas como as pessoas faziam questão de se vestir bem, e gastavam bastante”, disse Evaldo.

O destino dessa Nova Lusitânia, como chegou a ser chamada a capitania, se jogava, no entanto, na Europa. Em 1580, questões dinásticas – o rei português dom Sebastião não havia deixado herdeiros – e a superioridade militar do país vizinho fizeram com que Portugal fosse incorporado pela Espanha, então a maior potência europeia.

Nessa mesma época, final do século XVI, as Províncias Unidas dos Países Baixos, entre elas a Holanda, predominantemente calvinistas e até então subordinadas à Coroa espanhola, católica, iniciaram sua guerra de independência. Em conflito com os espanhóis na Europa, pareceu razoável aos holandeses fundar uma empresa de comércio, a Companhia das Índias Ocidentais, e tomar o principal centro produtor de açúcar, o Nordeste brasileiro, então subordinado aos seus maiores rivais. O Recife foi bombardeado e ocupado em 1630.

Os luso-brasileiros, católicos, e os holandeses ocupantes, calvinistas, “se detestavam”, diz Evaldo. Mas a razão principal para a guerra de restauração, que começaria em 1645, foi o fato de, a essa altura, muitos produtores de açúcar estarem altamente endividados com a Companhia das Índias Ocidentais. “A companhia exercia poderes estatais. Dever a ela era bem mais esmagador do que dever a um comerciante português no reino ou mesmo em Olinda. A situação era tal que esses senhores de engenho iam ficar em pouco tempo reduzidos, pela dívida, a feitores da companhia. E havia redução de status. Essa foi a principal motivação para eles aderirem à guerra.”

Com a restauração de Portugal a reino independente, em 1640, aos poucos o comércio de açúcar entre a antiga metrópole e Pernambuco foi restabelecido. A venda do produto para os portugueses assegurou aos senhores de engenho a maior parte dos recursos necessários para financiar a expulsão dos batavos. Também organizaram um exército que contava com dois terços de suas tropas formadas por moradores da região, luso-brasileiros.

Apesar de terem contado com o apoio metropolitano para a vitória final, e de o Nordeste brasileiro só ter sido assegurado à Coroa portuguesa por meio de acordos diplomáticos e de uma pesada indenização paga à Holanda, a elite pernambucana passou a se considerar a verdadeira responsável por livrar a região das mãos dos protestantes. Documentos da época, revelados por Evaldo, indicam que os colonos se viam como vassalos especiais, “políticos” e não “naturais”, do rei português, já que poderiam, segundo argumentavam, ter escolhido não devolver Pernambuco ao reino. Muitos acreditavam ter estabelecido uma espécie de contrato com a Coroa portuguesa, e por isso deveriam ser poupados de uma carga mais pesada de impostos, além de terem o direito de serem governados pela elite local.

Os primeiros três governadores indicados pelo rei para Pernambuco, depois da reconquista do Nordeste, foram de fato escolhidos entre a “nobreza” da capitania, ex-participantes da guerra contra os holandeses. É significativo que o primeiro governador “estranho à terra”, na expressão de Evaldo, Jerônimo de Mendonça Furtado, vindo de Portugal, tenha sofrido um golpe político, perpetrado pelos homens de poder pernambucanos reunidos na Câmara de Olinda. Em 1666, eles tiveram a audácia de prender Mendonça Furtado, a rigor o próprio representante da Coroa em Pernambuco, após acusá-lo de abuso de poder e de desvio de recursos. Depois de preso, enfiaram o sujeito num navio e o mandaram de volta para Lisboa.



Esse “nativismo” de que fala Evaldo, herdeiro de uma longa história de conflitos com a Coroa e os portugueses, marcou também o processo de independência em Pernambuco, no início do século XIX. Àquela altura, no entanto, esse sentimento já ultrapassava a elite rural e era compartilhado por parte dos comerciantes estabelecidos no Recife, descendentes dos antigos mascates vindos do reino, mas já com laços familiares e interesses locais em Pernambuco.

O ressentimento em relação aos portugueses também havia alcançado as camadas urbanas e mais pobres da população, uma vez que o pequeno comércio, chamado “de retalho”, era monopolizado pelos reinóis. “A melhor oportunidade para essas pequenas camadas que iam surgindo, já libertas da escravidão, era ter uma tendinha, uma loja”, disse Evaldo. “Mas os grandes comerciantes portugueses só financiavam, só supriam os seus compatriotas. Isso criou uma grande insatisfação.”

Outra insatisfação, generalizada, derivava da espoliação econômica a que a província estava submetida, e que se agravou com a transferência da família real para o Sudeste brasileiro. No momento da vinda da Corte, os portos de Salvador e do Recife eram superavitários com a Europa, e boa parte dos impostos neles recolhidos passou a ser carreada para o Rio de Janeiro. “Para financiar a Corte, que era caríssima”, segundo o historiador. “Você pega uma colônia primitiva como era o Brasil e larga uma Corte de nível de vida europeu, ou quase europeu, como era o caso português. Não havia dinheiro que bastasse.”

A partir de 1820, com a revolução constitucionalista em Portugal, instalou-se aos poucos um conflito entre o Rio de Janeiro e o novo governo em Lisboa pelo controle das demais regiões do Brasil. A elite pernambucana, a essa altura, estava em grande medida dividida. Por três séculos, o açúcar havia unido os interesses da “nobreza da terra”. Mas, desde a década de 1780, na esteira da Revolução Industrial na Inglaterra, a Zona da Mata ao norte do Recife se especializara num novo produto, o algodão, que servia de matéria-prima às fábricas têxteis do outro lado do Atlântico. A um tal ponto que em 1816 o produto representava 83% do valor exportado por Pernambuco – sobretudo para a Inglaterra e a França –, enquanto o açúcar não passava de 15% do total. Ao sul da capital pernambucana, contudo, uma aristocracia tradicional ainda moía sua cana nos engenhos e mantinha relações comerciais estreitas com Portugal.

A elite agrária mais recente, da “mata norte”, comerciantes do Recife e boa parte da população urbana iriam apoiar as iniciativas autonomistas tanto em relação a Lisboa quanto ao Rio. Tais iniciativas, segundo Evaldo, pretendiam desde a solução radical republicana até algum modelo de Estado descentralizado, em que as partes do que veio a ser o Brasil mantivessem uma relação de tipo confederado, desde que garantida a autonomia das províncias.

A primeira tentativa desse tipo eclodiu em 1817, com apoio de militares da província, quando um governo provisório autônomo foi estabelecido em Pernambuco. Tropas foram enviadas do Rio de Janeiro e da Bahia para debelar o movimento. Contingentes locais, vindos da mata sul, onde os proprietários produziam açúcar e mantinham relações comerciais mais estreitas com Portugal, reforçaram o Exército Real e ajudaram a vencer os rebeldes.

O poder continuou a ser disputado, nos anos seguintes, por setores da elite local, alguns mais autonomistas, outros menos. Ao mesmo tempo, a agitação política já chegava aos estratos mais baixos da população. Tropas locais, “batalhões de pretos e pardos”, promoveram revoltas no Recife. Manifestações urbanas saudavam Cristóvão, nome aportuguesado de Henri Christophe, ex-escravo e um dos líderes da independência do Haiti, que, além de tornar o país independente da França, pôs fim à escravidão. Também gritavam versos em que desejavam a morte dos “marinheiros”, em referência aos portugueses, e dos “caiados”, os brancos. Evaldo escreve que “a agitação assumia feitio insurrecional, provocando os temores de uma revolução racial”.

Em 1824, em reação ao gesto autoritário de dom Pedro de dissolver a Assembleia Constituinte – uma esperança para parte da elite pernambucana de poder negociar alguma autonomia para a província –, líderes locais voltaram a se rebelar. Tomaram o poder, proclamaram a secessão, a Confederação do Equador e exortaram as províncias do norte a resistir ao despotismo de Portugal e do Rio.

Em reação, dom Pedro I mandou nova esquadra para o Recife, desembarcando o Exército imperial em Alagoas, de modo a atacar os revoltosos por mar e por terra – o que foi feito. Como em 1817, as tropas leais à Coroa encontraram forte apoio na mata sul.

Mas não foi apenas a repressão militar que terminou por garantir a unidade entre o sul e o norte do Brasil, afirma Evaldo. Muitos proprietários de terras pernambucanos acabaram por aceitar, no fim das contas, a tutela do Rio. Essa sujeição era preferível ao risco de novas revoltas de “pretos e pardos” livres, como as que agitaram o Recife em meio ao processo de independência, que pudessem incendiar a imaginação dos escravos.

“A mata sul apoiou o projeto centralizador com medo do Haiti, com medo da reprodução do Haiti no Brasil. Assim, aumentava a chance de uma ajuda do governo central à repressão que tivesse que haver em Pernambuco, em caso de revolta escrava.”



No livro A Outra Independência, Evaldo afirma que a decisão de Lisboade retirar dom Pedro do Rio e extinguir funções administrativas na cidade ameaçava os interesses tanto da burocracia quanto dos grandes comerciantes fluminenses – beneficiados pela transferência da Corte, em 1808, e pela abertura dos portos. Mas sua ênfase está na reação do funcionalismo, tratado por um dos líderes autonomistas pernambucanos como um “exército faustoso e inútil de empregados públicos”. É essa massa de funcionários, ameaçados em seus empregos, segundo o ensaio de Evaldo intitulado A Ferida de Narciso, que será responsável por capitanear a separação política entre Brasil e Portugal.

A atenção dada pelo historiador à burocracia como promotora da emancipação política do país – por medo de perder seus cargos – amarra, numa só lógica, a vinda da família real, a espoliação das províncias do Norte para manter o fausto da máquina burocrática, o processo de independência e, também, a manutenção da unidade territorial do país. Do ponto de vista da Corte fluminense, era preciso manter, depois da Independência, “um sistema centralizado à escala da América portuguesa”, de modo a recolher impostos e sustentar “os imperativos fiscais do aparato estatal legado por dom João VI”, escreve o pesquisador pernambucano.

Sua interpretação da Independência destoa da síntese do processo de emancipação política feita pelos historiadores Fernando Novais e Carlos Guilherme Mota, de inspiração marxista. Na narrativa dos professores da USP, os proprietários rurais aparecem como protagonistas da ruptura, com o apoio de comerciantes e de parte da burocracia. Em seu livro A Independência Política do Brasil, Novais e Mota entendem a separação entre Brasil e Portugal como resultado do conflito entre a “burguesia portuguesa”, que ameaçava, a partir de 1820, restaurar seus privilégios de comércio com a antiga colônia, e os fazendeiros, beneficiados pela abertura dos portos – o que lhes garantia melhores condições de negociação com os comerciantes e preços menores nos produtos importados.

A análise de Evaldo se aproxima da que foi feita por Maria Odila da Silva Dias no ensaio, hoje clássico, A Interiorização da Metrópole. Ali ela defende que a Independência decorreu do “enraizamento de interesses portugueses” no Centro-Sul do Brasil, depois da vinda da família real, em 1808. “Processo este presidido e marcado pela burocracia da Corte”, que, segundo a historiadora, passou a investir em construções de luxo, compra de terras e no estabelecimento de firmas de negócios. “Grande foi a apreensão quando a revolução do Porto e a volta de dom João VI para o velho reino fizeram perigar a continuação do poder real e do novo Estado português no Centro-Sul que os interesses enraizados em torno da Corte queriam preservar”, ela escreve.

Quem chega a mencionar explicitamente a preocupação do funcionalismo com seus empregos é Raymundo Faoro, em Os Donos do Poder. A extinção dos cargos no país, segundo o advogado gaúcho, teria levado os burocratas reinóis aqui estabelecidos a engrossarem “a onda emancipadora” contra Lisboa. Faoro também cita John Armitage, comerciante inglês que se mudou para o Brasil no final da década de 1820 e mais tarde escreveu sobre o país. “Todos os indivíduos espoliados de seus empregos pela extinção dos tribunais”, narra Armitage, “converteram-se em patriotas exaltados; e, como se tivessem sido transformados por um agente sobrenatural, aqueles mesmos que haviam, durante a maior parte de sua vida, serpejado entre os mais baixos escravos do poder ergueram-se como ativos e estrênuos defensores da independência.”



Em 2008, celebrou-se o bicentenário da chegada da família real ao país. Alberto da Costa e Silva participava então, ao lado da historiadora Lilia Schwarcz, da comissão responsável pelos festejos oficiais.

Costa e Silva tem 84 anos. Nasceu em São Paulo, onde seu pai trabalhava como funcionário do governo federal, mas foi criado no Ceará e se considera, por herança paterna, “piauiense honorário”. Sua longa barba branca, generosa sobretudo abaixo do queixo, lhe dá um ar de figura histórica, de político do Império.

Numa conversa na Academia Brasileira de Letras, ele lembrou que à época do bicentenário seu amigo Evaldo Cabral de Mello não deixou de protestar por ele ter assumido um papel central na comemoração da transferência da Corte. “‘Isso é coisa de carioca’, ele me dizia. ‘Você está fazendo trabalho para os cariocas.’”

Mas os protestos de Evaldo, em meio às celebrações, não ficaram por aí. Numa entrevista aoJornal do Commercio, do Recife, o pesquisador pernambucano declarou que apenas o Rio tinha algo a comemorar com a vinda de dom João. E acrescentou: “De Pedro I, o primeiro golpista, até o Estado Novo e o golpe de 64, não houve ato de força que não invocasse a unidade nacional, cujo preço foi talvez demasiado caro para o que tivemos em troca.”

Em seu apartamento, num fim de tarde agradável de Ipanema, perguntei a Evaldo se ele teria preferido que o desenlace do processo de independência tivesse sido outro, com a constituição de países independentes ou alguma espécie de federação. Ele evitou dar uma resposta direta à questão. “Quando dom Pedro ficou como regente, ele chamou para ser ministro o conde dos Arcos, que tinha sido governador da Bahia e que tinha reprimido a Revolução de 1817”, disse. “O conde dos Arcos sugeriu a dom Pedro que dividisse o Brasil em cinco coroas diferentes, e que pusesse à frente de cada uma delas membros da família real portuguesa. Não sei se era melhor ou se era pior. Mas era uma possibilidade. Em história você não pode acreditar que as coisas que ocorreram tinham necessariamente que acontecer assim. Você sempre tem que deixar aberta a possibilidade de que as coisas pudessem ser diferentes do que foram. É o verso de Bandeira: Aquilo que poderia ter sido e que não foi.”

A questão é cara a Evaldo. Em textos e entrevistas ao longo da última década, ele tem insistido que a “reserva de mercado da história é a narrativa”, que a função primordial da disciplina é contar uma sucessão de fatos que se encadeiam no tempo e que não necessariamente teriam que acontecer daquela maneira – algo que pode parecer óbvio para quase todo mundo, menos para a grande maioria dos historiadores formados no século XX.

Em reação à história política praticada no século XIX, que enfileirava grandes feitos individuais, acontecimentos e batalhas, surgiu na França, no final da década de 1920, um grupo de historiadores conhecido como escola dos Annales. Procuravam incorporar métodos das ciências sociais para o estudo da história. Seus seguidores aplicavam princípios econômicos, sociológicos e antropológicos ao estudo do passado – e assim acabavam privilegiando o estudo de estruturas sociais, econômicas e culturais que tendiam a permanecer constantes no tempo, ou a mudar mais lentamente. Ao mesmo tempo, crescia – na história e nas ciências sociais – a influência do marxismo.

Foi depois da descoberta de um dos expoentes da escola dos Annales, Fernand Braudel, que Evaldo decidiu escrever Olinda Restaurada. Ele próprio afirma que suas primeiras obras são mais analíticas e menos narrativas. Mas aos poucos ele se convenceu de que uma excessiva embocadura “estrutural”, que um abuso na aplicação de princípios das outras ciências sociais ao estudo do passado, corre o risco de falsear a realidade, criando a ilusão de determinismos, de regras pretensamente científicas, de que as coisas tinham que ser dessa ou daquela maneira, inevitavelmente. Mais importante do que a regularidade, ele diz, é a intriga, o enredo e a sensação de incerteza quanto ao que poderia ou não poderia acontecer. “O que me irrita no marxismo é a mesma coisa que me irrita na antropologia: é você apresentar a realidade de uma forma muito organizada, muito bonitinha, estrutura, superestrutura, infraestrutura. Isso não existe. Não existe. Meu instinto de historiador me diz que a história é uma coisa muito mais desorganizada do que isso.”

Na entrevista que concedeu a Heloisa Starling e Lilia Schwarcz, ele já havia tratado do tema. “Essa sensação de incerteza que habita o agente histórico é algo que o historiador de hoje perdeu; e, contudo, ela está no âmago da verdadeira emoção histórica. Hoje, o paradigma estrutural, inclusive o marxista, anulou a sensibilidade do historiador para os dilemas do passado. Hoje a história é a que tinha de ser.”

É coerente com esse argumento que ele prefira, entre as obras dos chamados grandes intérpretes do Brasil, aquelas menos esquemáticas e mais narrativas. De Sérgio Buarque de Holanda, considera Caminhos e Fronteiras superior a Raízes do Brasil. No caso de Gilberto Freyre,Sobrados e Mucambos, ele diz, é melhor do que Casa-Grande & Senzala. “Casa-Grande pega três séculos do Brasil. Sobrados e Mucambos pega cinquenta anos. É um livro muito mais sólido em termos de pesquisa e exposição. É uma obra que ainda vai ser lida por muitos anos, enquanto Casa-Grande & Senzala vai sair da estante de história para a estante de história das ideias.”

A própria ideia de “explicadores do Brasil” o desagrada. Sentado na ponta do sofá, num estado de espírito que parecia ao mesmo tempo entusiasmado e incomodado, disse que não fazia sentido Sérgio Buarque e Gilberto Freyre terem passado anos atrás de um suposto “enigma” brasileiro que, revelado, desse conta das particularidades da nossa sociedade.

“O enigma brasileiro está aí a olhos vistos; não há enigma nenhum”, disse, com ênfase. “Esses explicadores do Brasil estão ficando irrelevantes. Porque o Brasil está se tornando uma sociedade de massas. Já havia essa tradição, em outros países. O Brasil herdou essa mania da Espanha e de Portugal, que, como a Rússia, foram sempre países periféricos em relação ao capitalismo. Eram países que não davam certo – que não deram certo no século XIX – e viviam se perguntando qual era o problema com eles. Era um problema de autoanálise, de autoajuda até.”

A América Latina, disse Evaldo, herdou essa tradição da periferia da Europa – e por razões idênticas. “É uma forma de narcisismo coletivo. Você fica se perguntando: ‘Por que é que eu sou assim?’ Não tem enigma nenhum, pô. A gente sabe o que é. Corrupção, incompetência, falta de caráter. A gente sabe perfeitamente o que é o enigma brasileiro, não precisa ficar procurando. O Brasil é metade falta de caráter – corrupção –, metade incompetência. Você pode explicar quase tudo o que acontece no Brasil por uma dessas duas metades do mesmo fenômeno.”

Durante o velório de João Ubaldo Ribeiro, Eduardo Portella, que já havia conversado com Evaldo, chamou Alberto da Costa e Silva de lado. Informou-o da decisão do historiador pernambucano de afinal se candidatar à Academia Brasileira de Letras, e pediu ao diplomata que, por via das dúvidas, reforçasse o convite. O telefonema foi dado. Outros acadêmicos se juntaram ao movimento iniciado por Portella – alguns ainda temerosos de que o historiador pudesse mudar de ideia – e também ligaram para o autor de Olinda Restaurada.

No afã de tranquilizá-lo, alguém chegou a garantir a Evaldo que não se preocupasse, aquela vaga era certa, era dele. Mas não era bem assim. Naquele mesmo dia, o jornalista Merval Pereira começava a articular a candidatura de Zuenir Ventura, seu colega no jornal O Globo, para a cadeira de Ubaldo. Tanto Merval quanto Portella afirmam que não sabiam da movimentação de um e do outro quando exortaram seus respectivos amigos a apresentarem candidatura.

Por algumas horas, os principais cabos eleitorais de Evaldo acharam que ele concorreria sozinho, ou sem adversário capaz de ameaçá-lo. Antes do fim do dia, contudo, souberam que Zuenir também estava no páreo – e que a disputa não seria fácil.

Merval Pereira tem 65 anos e, desde os 17, trabalha como jornalista. Aos 18 já atuava no diário em que fez a maior parte de sua carreira e onde hoje mantém uma coluna política. É também comentarista da GloboNews, figura conhecida da tevê. O homem atrás dos óculos e do bigode tem muitos amigos. Já cultivava relações na academia muito antes de afinal se candidatar, em 2011.  Conhecia Eduardo Portella, por exemplo, desde a época em que cobria política em Brasília e o hoje acadêmico era ministro do governo Figueiredo. Muitos desses amigos e conhecidos, ele contou, insistiam para que disputasse uma cadeira, mas foi quando o ex-ministro declarou que apoiaria a sua eleição que soube ter as garantias necessárias. “O Portella me disse: ‘No dia em que você quiser entrar, é só me falar. Sou seu cabo eleitoral total.’ Aí comecei a levar a sério.”

A principal obra que o jornalista tinha a apresentar, ao concorrer à vaga, era o livro O Lulismo no Poder, uma coletânea de colunas suas. Merval é um jornalista importante, mas não é exatamente um literato – o que não é um problema e condiz com a tradição da casa. Fundada em 1897, desde os primeiros anos de funcionamento a instituição promoveu uma troca entre intelectuais e figuras de poder, vantajosa para os dois grupos, segundo o historiador João Paulo de Souza Rodrigues, que escreveu sobre a ABL no livro A Dança das Cadeiras.

Para os integrantes efetivamente ligados à literatura e à produção de ideias, disse Rodrigues, a academia oferecia a possibilidade de convívio e proximidade com a elite e figuras de poder político. “Por volta de 1909, 1910, as recepções da Academia já eram algo prestigioso. Os presidentes da República compareciam, e os escritores ganhavam prestígio social.” Por outro lado, para os homens públicos que não tinham na vida das ideias ou literária o centro de suas atividades, a ABL conferia lustro intelectual.

A relevância da instituição sempre dependeu, em grande medida, desse equilíbrio delicado entre figuras de poder e homens de prestígio intelectual, relevância que, ao longo do tempo, variou bastante, segundo o autor de A Dança das Cadeiras. Com a ascensão de São Paulo como principal centro econômico do país e promotor de uma vida intelectual importante, a partir dos anos 30, a ABL, sediada no Rio, com a imagem vinculada à República Velha, perdeu parte do seu prestígio.

“A partir dos anos 50, acho que ela entrou num longo período de marasmo”, disse Rodrigues. “Com certeza nos anos 70 e 80 ela está num marasmo. Mas recupera sua importância em meados dos anos 90.” Boa parte dessa recuperação de imagem, disse o pesquisador, teve a ver com a seleção de nomes para compor seus quadros, que melhoraram, em anos recentes. Entre seus membros, hoje, figuram escritores como Carlos Heitor Cony e Ferreira Gullar; e grandes intelectuais, caso dos historiadores José Murilo de Carvalho e Alberto da Costa e Silva, e dos críticos literários Alfredo Bosi e Antonio Carlos Secchin.

É de toda forma difícil olhar para a Academia Brasileira de Letras e não se lembrar da observação feita por Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, sobre a importância que certas qualidades de “inteligência” (as aspas são do próprio Sérgio Buarque) têm na vida social do país, “em prejuízo das manifestações do espírito prático ou positivo”. O historiador paulista diz em sua obra mais famosa que o brasileiro dedica pouca estima às verdadeiras especulações intelectuais, mas devota “amor à frase sonora” e à “erudição ostentosa”, que serviriam, no final das contas, apenas para marcar uma distinção social. “É que para bem corresponder ao papel que, mesmo sem o saber, lhe conferimos, inteligência há de ser ornamento e prenda, não instrumento de conhecimento e de ação.”

Mas nem só de prestígio e de ornamento vivem os acadêmicos. A ABL é uma organização privada, e grande parte dos seus recursos vem do aluguel de salas e escritórios num prédio comercial anexo ao da sede, no Centro do Rio, construído sobre um terreno que foi doado à Academia. Entre os benefícios oferecidos aos imortais estão um generoso plano de saúde, jetons pelo comparecimento às sessões e palestras, e auxílios de custo. De modo geral, os acadêmicos recebem mais de 12 mil reais mensais da instituição, que também paga passagens para viagens internacionais e, ao fim e ao cabo, o sepultamento no Mausoléu da Academia.

Sentado numa espécie de sala de estar na sede da Academia Brasileira de Letras, Merval me disse que os cabos eleitorais de Evaldo “ficaram surpresos porque quiseram” com a entrada de um novo candidato a imortal, em julho do ano passado. “O Zuenir estava pra ser candidato havia algum tempo já. E a maior parte dos eleitores do Evaldo votaria também no Zuenir.”

De fato, alguns acadêmicos que já haviam indicado a intenção de votar no historiador pernambucano mudaram de ideia com a campanha promovida pelo jornalista das Organizações Globo. “Não fui eu que virei os votos, de jeito nenhum”, ele protestou. “Foi o Zuenir. Eu fui um intermediário. Fiz a campanha, mas era um bom candidato.”

Temeroso de que Evaldo, com a entrada do concorrente, se aborrecesse e desistisse da disputa, Eduardo Portella mantinha o contato com o amigo. “Passei a telefonar diariamente pra ele. Pra não deixar ele fraquejar. Era uma preocupação, em função do temperamento dele.”

As contagens de voto dos cabos eleitorais indicavam um quase empate. “Podia ganhar qualquer um dos dois”, especulou Merval. Ocorre que, cinco dias depois do velório de Ubaldo, outro acadêmico, o escritor pernambucano Ariano Suassuna, também morreu. Os cabos eleitorais de Evaldo e Zuenir concordaram em transferir uma das candidaturas para a nova vaga, garantindo uma eleição fácil para os dois. Cabia decidir quem faria o gesto.

Merval concordou que Zuenir Ventura tomasse essa iniciativa. Mas queria garantias. Na Academia é possível adiantar o voto, por carta, anexando ao documento o escrutínio que só será contabilizado no dia da escolha do novo imortal. “Quando você tem vinte cartas, a eleição está garantida”, explicou Merval. Ele passou então a exortar os colegas para que entregassem cartas antecipando o voto em Zuenir, como forma de tranquilizar o amigo.

Alguns acadêmicos torceram o nariz para a operação heterodoxa, já que Merval pedia cartas antes mesmo que Zuenir Ventura houvesse se apresentado oficialmente para a disputa pela vaga recém-aberta, de Suassuna. Merval, contudo, disse que o procedimento de pedir cartas é normal, “uma tradição da casa, embora tenha gente que não goste e que não dê”. E acrescentou: “Foi uma troca de cartas. Ofereci as vinte cartas para o Evaldo também.”

Evaldo Cabral de Mello e Zuenir Ventura foram eleitos, com tranquilidade, para a Academia Brasileira de Letras.

Na mesma época em que aceitou entrar para a ABL, em meados do ano passado, Evaldo fez uma visita a um sebo conhecido do Rio, a Livraria Berinjela, localizado no subsolo de um edifício comercial, no Centro da cidade. Não pretendia comprar obras novas, mas sim vender as que já tinha. No que dependesse dele, ia se desfazer de quase toda a sua biblioteca. Quis saber do dono da loja, Daniel Chomski, se havia interesse. Combinaram de se encontrar em Ipanema, para que o livreiro pudesse avaliar a mercadoria.

“Tenho um carro de passeio grande, que uso para transportar os livros”, contou Chomski. “Fui à casa do Evaldo. Como eu tinha dificuldade de estacionar, pedi que ele separasse só uma parte da biblioteca para eu poder levar, e a gente se encontraria de novo, uma semana depois.
O que foi uma artimanha minha também, para poder ficar em contato. Ele é uma pessoa interessante, agradável.”

Semana após semana, por uns três meses – no intervalo entre a Copa do Mundo e as eleições –, o livreiro voltava à casa de Evaldo. Conversavam, ele fazia sua oferta pelas dezenas de livros da vez, acertavam o negócio, e Chomski ia embora. Segundo ele, a pequena biblioteca de Evaldo devia ter uns 1 500 volumes. O historiador afirma que era o dobro disso. Chomski levou quase metade. “A cada dia que eu encerrava uma visita, a gente já marcava a próxima”, explicou o livreiro, que disse ter ficado com a impressão de que Evaldo também apreciava os encontros. “Ele é o falso mal-humorado, o falso antissocial. Mas também não era o cara que se alonga muito, não. A conversa tinha um tempo certo.”

Em sua casa, Evaldo me disse que resolveu se livrar da biblioteca porque já não conseguia manusear os volumes. Vinha sofrendo de uma forte alergia, talvez resultado de anos de trabalho em arquivos. Também havia percebido, recentemente, que enfrentava dificuldade para se concentrar na página, se desinteressava com frequência, pulava de um livro para outro. Chegara à conclusão de que a principal motivação para as suas leituras, nesses anos todos, havia sido a pesquisa para os livros que pretendia escrever. “É aquela história do Sartre, lire pour écrire”, explicou.

As leituras e a pesquisa histórica tinham lhe ajudado, nesses anos todos, a combater o tédio, um sentimento que sempre o acompanhara. “Sempre tive um tédio existencial enorme”, disse Evaldo, rindo. “Acho que é um negócio genético. Embora meu pai fosse uma pessoa muito ativa. Não parava no lugar. Ele já me achava, quando criança, meio mole, meio bobo. ‘Menino, sai dessa rede. Vá andar a cavalo.’ E eu lá na rede, lendo.”

Com o tédio, mais ou menos constante, o historiador faz piada. A depressão, que o atacou pela primeira vez no final dos anos 80, em Portugal, era outra história. “A depressão é um negócio muito estranho. É um buraco negro.” Procurou tratamento, e um médico com quem se consultou em Campinas, numa viagem ao Brasil, lhe receitou Prozac. “Foi o melhor remédio que já tomei. Mas já não tomo mais Prozac, tomo outro antidepressivo. Com o tempo, ele vai perdendo o efeito.” O medicamento de que sente saudade funcionou bem por uns dez anos. Também lamenta terem deixado de fabricar outra pílula, francesa, que ele disse se chamar Survector. “Era ótima. Tomava uma, de manhã, e já dava vontade de trabalhar. Estimulava o cérebro.”

Quando questionei Evaldo sobre as razões que o levaram a entrar para a Academia Brasileira de Letras, mencionei uma explicação que vinha ouvindo de alguns de seus amigos. De que o convívio na Academia lhe faria bem. Um imortal disse ter a impressão de que o solitário pesquisador pernambucano havia constatado, afinal, “que é bom envelhecer na companhia de outros velhos”. Chegava a hora de Ferdinando Flores procurar os colegas.

Pesou a possibilidade de convívio com os amigos? “Sim”, ele disse, acrescentando logo em seguida: “Você acaba ficando... Eu já não escrevo. Já peguei meus livros e já me desfiz deles. Não vou escrever mais. Não tenho mais condições de saúde. E a cabeça já não funciona com a rapidez e a lucidez de uma pessoa jovem.”

Mais tarde, insisti no assunto. Quis saber se de fato ele não ia mais fazer pesquisas e escrever livros de história. “Não. Não tenho condições. Não tenho mais prazer em escrever. Não tenho mais curiosidade. A velhice é um negócio muito estranho. Você perde a curiosidade, perde a saúde. Perde, o que é mais grave, a memória. Há dois ou três anos, quando me detectei trocando fatos, episódios, pensei: está na hora de parar. É um negócio que você fica meio deprimido.”

No dia da posse de Evaldo, no final de março, a sede da Academia Brasileira de Letras não estava cheia. O historiador havia convidado pouca gente. Em compensação, a presença simultânea ali dos dois ex-presidentes imortais, Fernando Henrique Cardoso e José Sarney, era um acontecimento raro – e provocava algum alvoroço entre os convidados.

Seguindo a tradição, Evaldo deveria aguardar pelo momento da posse de maneira solitária, numa pequena sala lateral, separada do lobby do prédio principal por uma porta envidraçada – um pouco como se, portando pela primeira vez o fardão de acadêmico em público, ele estivesse ali em exposição. Um ou outro convidado às vezes desrespeitava o ritual e entrava na saleta, para cumprimentá-lo e trocar algumas palavras. Por vários momentos, no entanto, ele ficou ali, sozinho, sentado numa das poltronas. Parecia aborrecido com a espera.

Quando afinal discursou, foi a vez de Evaldo atropelar o ritual da casa. Fez apenas uma brevíssima menção aos ocupantes anteriores da cadeira para que fora eleito, quando a tradição manda que o discurso de posse seja, em grande medida, uma homenagem ao antecessor. Em vez disso, discutiu a sério o único assunto que lhe interessa de verdade: a escrita da história.

Criticou o uso indiscriminado, pouco crítico, no estudo do passado, de métodos e conceitos vindos da antropologia, da sociologia e da economia. A colaboração da história com as outras ciências sociais corria o risco de se transformar numa “orgia”, ele disse. Advertiu que, onde o sociólogo ou o economista procurassem a repetição de uma relação estrutural qualquer, um caso típico, o historiador devia estar atento ao enredo e à intriga. Fez, mais uma vez, o elogio da narrativa. Ao final, num salão anexo, os convidados fizeram fila para cumprimentá-lo – uma fila longa, que demorou a se desfazer.

Do lado de fora, perto da estátua de Machado de Assis que enfeita a entrada da ABL, alguns dos convidados comentavam, entre canapés e uísque, o estranho discurso proferido pelo novo imortal. Um amigo de Evaldo comentou que a fala havia sido, do ponto de vista diplomático, “um desastre”. O historiador pernambucano parecia desinteressado em agradar os novos colegas.

Por volta das 22h30, depois de muitos apertos de mão, Evaldo pôde afinal relaxar um pouco. Num salão lateral, longe do epicentro da festa, parecia feliz na conversa que mantinha com os editores Pedro Corrêa do Lago e José Mario Pereira, mas queixou-se de cansaço. Não demorou muito, esparramou-se numa das poltronas da sala. Observou que o fardão era abafado. Pereira, dono da Top-books e editor de muitos dos livros de Evaldo, brincou com o amigo. “E aquela espera antes da posse, na sala, sozinho?”, quis saber. “Aquilo foi o melhor”, reagiu Evaldo. “O problema mesmo é ter que cumprimentar essa fila de gente.”

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Livro: O Panorama Visto em Mundorama - Paulo Roberto de Almeida (2015)


O Panorama Visto em Mundorama
Ensaios Irreverentes e Não Autorizados
 (nova versão, com Conclusão, em 7/05/2015)

Paulo Roberto de Almeida

Índice

Apresentação                        
O mundo visto no diorama de Mundorama, 11

Primeira Parte
Política externa brasileira e diplomacia companheira
1. Fim das utopias na Casa de Rio Branco? , 17
2. A política externa companheira e a diplomacia partidária, 21
3. Continuidade e mudança na política externa brasileira ,  31
4. A diplomacia brasileira numa nova conjuntura política,  37
5. O Brasil e a integração regional, da Alalc à Unasul: algum progresso? ,   41

Segunda Parte
Economia política internacional
6. Mudanças na economia mundial: perspectiva histórica de longo prazo, 55
7. Os Brics na nova conjuntura de crise econômica mundial59
8. A Guerra Fria Econômica: um cenário de transição?, 68
9. Desafios da economia brasileira na interdependência global74
10. A agenda econômica internacional: o cenário atual 80
11. Como o Brasil se insere no cenário mundial, agora e no futuro próximo?85
12. Como e qual seria uma (ou a) agenda ideal para o Brasil,  91
13. O que o Brasil deveria fazer para maximizar a “sua” agenda?, 99

Terceira Parte
Globalização, Embromação
14. A globalização e o direito comercial: uma longa evolução , 113
15. Fluxos financeiros internacionais: é racional a proposta de taxação?, 120
16. Fórum Econômico e Fórum Social: dois mundos contraditórios, 129
17. Fórum Social Mundial: uma década de embromação138
18. Triste Fim de Policarpo Social Mundial ,    149
19. A falência da assistência oficial ao desenvolvimento, 159

Quarta Parte
Política internacional, Questões estratégicas
20. A guerra de 1914-18 e o Brasil: impactos imediatos, efeitos permanentes ,  167
21. O mundo sem o Onze de Setembro: explorando hipóteses , 172
22. Wikileaks: verso e reverso ,     179
23. Wikileaks-Brasil: qual o impacto real da revelação dos documentos? , 187
24. Digressões contrarianistas sobre o desarmamento nuclear  , 197
25. Um congresso de Viena para o século 21?  ,       203
26. As ilusões perdidas do século 21 ,    210

Quinta Parte
Ideias, cultura, livros
27. A ideia do interesse nacional: onde estamos?217
28. Imperfeições dos mercados ou “perfeições” dos governos , 223
29. Miséria do Capital no século 21  ,  229
30. Reformando o sistema monetário internacional  ,  233
31. As quatro liberdades e um projeto para o Brasil , 241
32. Algumas recomendações de leituras  249
33. Estratégia diplomática: relendo Sun Tzu para fins menos belicosos , 255
34. Memória e diplomacia: o verso e o reverso , 264
35. Da democracia à ditadura: uma gradação cheia de rupturas ,     269

Conclusão                              
A diplomacia dos antigos comparada à dos modernos ,  275


Apêndices
Relação cronológica dos ensaios publicados em Mundorama , 291
Relação dos artigos publicados anteriormente em RelNet ,     298
Livros publicados pelo autor , 302
Nota sobre o autor ,  307

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Akira Iriye, 'Global Interdependence: The World after 1945' - Book review, by Ryan Irwin (H-Net)

Irwin on Iriye, 'Global Interdependence: The World after 1945'

by Seth Offenbach
Akira Iriye. Global Interdependence: The World after 1945. A History of the World Series. Cambridge: Belknap Press, 2013. 1,008 pp. $35.95 (cloth), ISBN 978-0-674-04572-9.

Reviewed by Ryan M. Irwin (SUNY Albany)
Published on H-Diplo (July, 2014)
Commissioned by Seth Offenbach

Global Interdependence begins with an evocative epitaph: “A man without bias cannot write interesting history—if, indeed, such a man exists.” The quote, which comes from Bertrand Russell’s memoirs, introduces this diverse overview of the world after 1945. As editor, Akira Iriye explains, his biases include a commitment to contributing a fresh perspective on the recent past, a desire to place this perspective in a truly global frame, and a devotion to explicating the layers of transnational history. Although these layers, which he identifies as geopolitics, economics, the environment, and cultural exchange, converged at different points after 1945, each has a distinct story and chronology, and each layer receives separate treatment in Global Interdependence’s five chapters. Readers looking for a new take on the driving force of history will have to look elsewhere; this is a tome about interactions. Transnational exchange happened “across borders, among people and their communities, ideas, and goods, to such an extent that, whether we are talking about political, economic, social, or cultural affairs, the destinies of nations, civilizations, individuals, and the natural habitat become closely linked” (p. 4). Presented with an admirable terseness, Iriye’s argument straddles the line between understatement and provocation: the world achieved interdependence after 1945.

Clocking in at over nine hundred pages, Global Interdependence can be unpacked in various ways. Like its predecessor, A World Connecting, 1870-1945 (2012), which was edited by Emily Rosenberg and published in 2012, Iriye’s volume consists of long interpretive essays that both synthesize recent scholarship and reflect the predilections of each contributor. Historians of U.S. foreign relations will recognize many of the authors—Petra Goedde, J. R. McNeill, and Thomas W. Zeiler, among others—and Global Interdependence might be read as an intervention in U.S. and the world history. That field, which barely existed a decade ago, emerged arguably from the confluence of diplomatic history with immigration and global studies during the early 2000s.[1] When viewed alongside Rosenberg’s volume, Global Interdependence provides a capacious starting point to think about this nascent historiography. The United States percolates nearly every page of Iriye’s tome, but the authors are as interested in the world as in the United States. Wilfried Loth explores the superpower contest through the prism of European unity; Zeiler illuminates how Washington shaped (and was shaped by) postwar capitalism; McNeill and Peter Engelke place this period in the context of population and energy concerns; Goedde explains the way diversity and homogenization interacted in the age of cultural globalization; and Iriye offers a précis on transnationalism. Paired with Rosenberg, Global Interdependence articulates a vision of the field that is less about the United States than about the line that defines this curious category of U.S./world. The book walks this line expertly—a challenge that has organized recent meetings of the Society for Historians of American Foreign Relations (SHAFR)—and does so in a way that showcases the field’s obvious methodological diversity.[2] The resulting narrative invites historians to rethink the context around and the significance of America’s rise to power during the twentieth century.

Yet Global Interdependence’s intellectual ambitions go beyond the United States. Iriye’s volume is the sixth book of the History of the World series, which he is assembling with Jürgen Osterhammel and publishing jointly with Harvard University Press and C. H. Beck. Beginning in prehistoric times, this multivolume project promises to articulate a genealogy of a peculiar historical subject: transnational consciousness. The journal New Global Studies has cultivated this scholarly agenda since 2007, feeding on recent writings by Christopher Bayly, Charles Bright, Michael Geyer, Bruce Mazlish, Osterhammel, and Saskia Sassen, among others, and Iriye’s book is an elaboration of this larger pedagogical endeavor.[3] World historians will not find references to peripheries, cores, orlongue durées in Global Interdependence, nor will they learn anything new about the rise and fall of great powers.[4] Iriye’s project is about connections and interactions. “We need a conceptual hold on the experience of a world that is defined by its globality,” Bright and Geyer wrote recently. It is not enough to define this effort by scale or theory; what is needed is a history that reveals why communities became interlocked and how they found meaning in that experience.[5] The History of the World series might be read as an answer to this clarion call; Iriye’s Global Interdependence undoubtedly has much to say about the history of “globality” or the horizontal planes of action that give life the globalization experience. “Post-1945 history shows numerous instances of incomprehension toward unfamiliar people and objects,” Iriye admits. But more important is the “growth of the realization that men, women, children, the spaces they inhabit, and animals, birds, fish, and plants are all interdependent beings” (p. 8). The story of this realization, unfurled here with editorial acumen, represents one way to conceptualize global history.

Each chapter provides its own twist on Iriye’s larger theme. Loth’s piece about the Cold War, for instance, is an interesting alternative to scholarship about the superpower contest in the Third World. His narrative begins and ends in Europe and explores how American-Soviet tensions interacted with the rise of an American-European duopoly and the growth of state-making experiments in Asia.[6] Zeiler’s essay is equally accessible. Starting with a nuanced portrait of U.S. power after World War II, he turns attention to political economy, showing that while the recovery of the industrialized world eroded Washington’s primacy during the Cold War, the United States never abandoned its commitment to opening economic doors around the world. This commitment has been the beating heart of modern globalization.[7] McNeill and Peter Engelke shift attention to the environment and themes of energy consumption, climate change, and population growth. We are living through the dawn of the Anthropocene era, they argue, which has seen humans supplant microbes and orbital wobbles as the principle cause of environmental change. The boldness of this claim is matched by the authors’ skepticism toward geo-engineering, giving their essay an ambiguity distinct from Global Interdependence’s other chapters.[8] On the topic of culture, Goedde and Iriye provide similar accounts about non-state activism and global consciousness. Goedde is more interested in women and local tradition than Iriye—her essay wrestles fruitfully with cultural hybridity—but her final conclusions do not depart from Iriye’s wider assessment of the post-1945 world: interdependence is too big to fail.[9] In the face of a tightening network of people, goods, and ideas, where intellectuals grope daily for a cosmopolitanism that befits our global condition, these individual chapters ultimately assemble to answer the most basic of questions: How did we get here?

A book this ambitious invites big questions and constructive criticism. Periodization, for instance, will always vex historians and Iriye’s decision to begin this story in 1945 carries baggage. On the one hand, 1945 is the obvious marker because it marks the origins of the Cold War. On the other hand, this choice masks the impact of World War II. While Rosenberg’s contributors mostly oriented their chapters backward toward the nineteenth century, treating the Second World War as an afterthought in the drama of industrialized globalization, the gaze here is cast forward toward contemporary times, leaving the most destructive conflict in human history out of focus for History of the World readers. Considering that conflict’s impact on ideas about planning and citizenship, this is no small oversight.[10] One might counter that the arrival of the atomic bomb operated as a cross-cultural “reset” button, but nuclear questions are at Global Interdependence’s periphery and few of its chapters would be less cohesive if they covered World War II itself. There is even an argument for beginning in 1914. The First Great War not only repudiated European norms about civilization, but also marked New York’s arrival as the industrial world’s preeminent financial center. By 1916 America was the largest economy on the planet, and even after Woodrow Wilson’s downfall in 1919, the United States continued to influence how countries came to terms with the vagaries of modern life.[11] Beyond facilitating a comparison of the 1920s and 1990s, a history that moved forward from 1914 might better illuminate the strange careers of import-substituting industrialization, global governance, and postcolonial nationalism.[12] What are the trade-offs of dating globality’s triumph to 1945?

Essay selection is also a topic that invites scholarly debate. Iriye provides an excellent balance here with two chapters about diplomacy and economics, another two essays about interactions and consciousness, and a middle piece on the environment. One critique of A World Connecting was that the essays were inadequately integrated, and a comparable argument can be made of Global Interdependence.[13] The contributors occasionally talk past each other and their overlaps—which are especially evident in the final two chapters—can be frustrating when read in light of the book’s omissions. China, for instance, is everywhere and nowhere. Although Beijing shaped relations between the United States and Soviet Union and eventually altered the geography of capitalism, the country does not receive the same treatment as Europe and North America, the lodestars of Loth’s and Zeiler’s chapters respectively.[14] Similarly, the information revolution is omnipresent yet opaque. The contributors are interested in technology but ignore “big science,” or the story of how public money fused with private research after the 1940s.[15] Change did not just happen, and while treating this marriage as a lubricant of transnationalism may reflect how people experienced new technology, it also diminishes the political history of invention and diffusion. Likewise, Global Interdependence handles decolonization perfunctorily. Whereas Rosenberg’s A World Connecting provided separate essays on statehood and imperialism, empire’s end is subsumed here by the dramatic growth of globalization and the arrival of transnational consciousness.[16] Essay selection is almost too easy to critique in a project with this many moving parts, but each of these jabs points toward open-ended questions: Where does power reside in the modern world? How should global historians balance causation and description? As narrators, where should we plant our feet—and who are “we”?

Finally, there is bias. Russell would surely have thoughts about the above questions and he would be fascinated by Iriye’s answers. Iriye has done much to historicize the global community and his biases are more interesting than he suggests on Global Interdependence’s opening pages. There is a Kantianism to his scholarship since the mid-1990s, rooted in a deep, sophisticated interest in the connective tissue of world affairs. Having spent three decades writing about war and conflict—namely, the American-Japanese antagonism during the early twentieth century—Iriye’s turn toward transnational history hints at a cosmopolitanism that is both placid and cavernous.[17] Global Interdependencepushes readers to think about themselves in the widest possible frame, urging scholars and laypeople alike to recognize the essential commonality of humankind—and realize the relevance of a history of global interdependence. This sentiment finds expression throughout the current volume, especially as the contributors move from the historical past to the political present.[18] It also contrasts with the recent proliferation of scholarship about inequality, violence, and imperialism.[19] Indeed, in Iriye’s concluding chapter one can hear echoes of earlier refrains about the world’s flatness, which will surely frustrate readers who have joined Thomas Piketty’s bandwagon or find intellectual sustenance on the pages of n+1 and Jacobin.[20] My students are certainly angrier than Iriye, even if they disagree about where to direct their frustration. Most of them have part-time jobs and outsized loans; they come to the State University of New York with limited resources and heightened anxieties, and tend to take their cultural cues from either Bill O’Reilly or Jon Stewart. Comparable questions inform their interest in and awareness of global interdependence: Will they be better off than their parents? What will technology change? Can this planet sustain itself?[21] All of which raises the specter of politics: In the face of these questions, is Iriye’s cosmopolitanism too synonymous with the universalism of a bygone age? Have past experiments with the Outline of History—predicated on the conviction that transnationalism would cultivate habits coexistence and prevent the recrudescence of “great” wars—already revealed the shortcomings in the pedagogical enterprise that animates History of the World?[22]

Iriye has earned his answers to these questions. Born in Tokyo on the eve of World War II, he entered academia at the Cold War’s highpoint and he has spent a lifetime reflecting on the themes of Global Interdependence. The book, and the series to which it belongs, is admirable and impressive. It challenges U.S./world and global historians in equal measure, nudging them to see globalization as a historical object that unifies the disparate insights of political, social, and cultural history. The individual chapters are excellent. But do not open these pages expecting a compelling critique of power. Iriye’s call to arms is subtle, mature, and elitist: we are one. The question remains, is that enough?

Notes

[1]. For representative examples of this confluence, see Matthew Connelly, A Diplomatic Revolution: Algeria’s Fight for Independence and the Origin of the Post-Cold War Era (New York: Oxford University Press, 2002); Mai M. Ngai,Impossible Subjects: Illegal Aliens and the Making of Modern America (Princeton: Princeton University Press, 2004); and Akira Iriye, Global Community: The Role of International Organizations in the Making of the Contemporary World (Berkeley: University of California Press, 2002). Recent historiographical reviews include Thomas W. Zeiler, “The Diplomatic Bandwagon: A State of the Field,” Journal of American History 95, no. 4 (March 2009): 1053-1073; Erez Manela, “The United States in the World,” in American History Now, ed. Eric Foner and Lisa McGirr (Philadelphia: Temple University Press, 2011), 201-220; Thomas Borstelmann, “A Worldly Tale: Global Influences on the Historiography of U.S. Foreign Relations, in America in the World: The Historiography of American Foreign Relations since 1941, 2nd ed., ed. Frank Costigliola and Michael J. Hogan (Cambridge: Cambridge University Press, 2014), 338-360.

[2]. For a conversation about the field, see Matthew Connelly, Robert J. McMahon, Katherine A. S. Sibley, Thomas Borstelmann, Nathan Citino, and Kristin Hoganson, “SHAFR in the World,” Passport: The Society for Historians of American Foreign Relations Review 42, no. 2 (September 2011): 4-16.

[3]. For a conversation about the field, see C. A. Bayly, Sven Beckert, Matthew Connelly, Isabel Hofmeyr, Wendy Kozol, and Patricia Seed, “AHR Conversation: On Transnational History,” American Historical Review 111, no. 5 (December 2006): 1440-1464. Representative scholarship includes C. A. Bayly, The Birth of the Modern World, 1780-1914: Global Connections and Comparisons (Oxford: Blackwell, 2004); Bruce Mazlish, The New Global History (New York: Routledge, 2006); Jürgen  Osterhammel, The Transformation of the World: A Global History of the Nineteenth Century, trans. Patrick Camiller (Princeton: Princeton University Press, 2014); and Saskia Sassen, Territory, Authority, Rights: From Medieval to Global Assemblage (Princeton: Princeton University Press, 2006).

[4]. For older variations on global history, see Immanuel Wallerstein, The Modern World-System, 4 vols. (Berkeley: University of California Press, 1974-2011); Fernand Braudel, On History, trans. Sarah Matthews (Chicago: University of Chicago Press, 1980); and Paul Kennedy, The Rise and Fall of Great Powers:Economic Change and Military Conflict from 1500 to 2000 (New York: Vintage, 1989).

[5]. Charles Bright and Michael Geyer, “Benchmarks of Globalization: The Global Condition, 1850-2010,” in A Companion to World History, ed. Douglas Northrop (Oxford: Wiley-Blackwell, 2012), 286.

[6]. For an alternative approach, see Odd Arne Westad, The Global Cold War:Third World Interventions and the Making of Our Times (Cambridge: Cambridge University Press, 2005); and Odd Arne Westad, ed., Brothers in Arms: The Rise and Fall of the Sino-Soviet Alliance, 1945-1963 (Stanford: Stanford University Press, 1998).

[7]. The chapter complements Zeiler’s impressive work on the General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), as well as Alfred E. Eckes Jr. and Thomas W. Zeiler, Globalization and the American Century (Cambridge: Cambridge University Press, 2003).

[8]. The chapter enhances arguments in J. R. McNeill, Something New under the Sun: An Environmental History of the Twentieth Century (New York: Penguin, 2000).

[9]. Useful reflections on hybridity include Homi K. Bhabha, The Location of Culture, 2nd ed. (London: Routledge, 2004).

[10]. Some relevant work includes Christopher Bayly and Tim Harper, Forgotten Armies: Britain’s Asian Empire and the War with Japan (New York: Penguin, 2005); Christopher Bayly and Tim Harper, Forgotten Wars: Freedom and Revolution in Southeast Asia (Cambridge: Harvard University Press, 2007); Frederick Cooper, Decolonization and African Society: The Labor Question in French and British Africa (Cambridge: Cambridge University Press, 1996); David Edgerton, Warfare State: Britain 1920-1970 (Cambridge: Cambridge University Press, 2005); and James T. Sparrow, Warfare State: World War II Americans and the Age of Big Government (New York: Oxford University Press, 2011).

[11]. Adam Tooze, The Deluge: The Great War and the Remaking of Global Order(New York: Penguin, 2014).

[12]. Some relevant reflections include Cemil Aydin, The Politics of Anti-Westernism: Visions of World Order in Pan-Islamic and Pan-Asian Thought (New York: Columbia University Press, 2007); Sugata Bose, His Majesty’s Opponent: Subhas Chandra Bose and India’s Struggle against Empire (Cambridge: Harvard University Press, 2011); Patricia Clavin, Securing the World Economy: The Reinvention of the League of Nations, 1920-1946 (New York: Oxford University Press, 2013); Daniel Gorman, The Emergence of International Society in the 1920s (Cambridge: Cambridge University Press, 2012); Minkah Makalani, In the Cause of Freedom: Radical Black Internationalism from Harlem to London, 1917-1939 (Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2011); Mark Mazower,Governing the World: The History of an Idea (New York: Penguin, 2012); Glenda Sluga, Internationalism in the Age of Nationalism (Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2013); and John Waterbury, “The Long Gestation and Brief Triumph of Import-Substituting Industrialization,” World Development 27, no. 2 (1999): 323-341.

[13]. Donna R. Gabbacia, review of A World Connecting, ed. Emily Rosenberg, H-Diplo Roundtable Review 14, no. 40 (July 2013): 20.

[14]. Overviews of China’s journey include Odd Arne Westad, Restless Empire:China and the World since 1750 (New York: Basic Books, 2012); and Jonathan Spence, The Search for Modern China, 3rd ed. (New York: W. W. Norton, 2012). China’s return to global prominence can be seen fruitfully in the context of R. Bin Wong, China Transformed: Historical Change and the Limits of European Experience (Ithaca: Cornell University Press, 1997); and Kenneth Pomeranz, The Great Divergence: China, Europe, and the Making of the Modern World Economy(Princeton: Princeton University Press, 2000).

[15]. David Reynolds, “Science, Technology, and the Cold War,” in The Cambridge History of the Cold War, vol. 3, ed. Melvyn Leffler and Odd Arne Westad (Cambridge: Cambridge University Press, 2010), 378; and David Edgerton, The Shock of the Old: Technology and Global History since 1900 (New York: Oxford University Press, 2006).

[16]. Charles S. Maier, “Leviathan 2.0: Inventing Modern Statehood,” in World Connecting: 1870-1945 (Cambridge: Harvard University Press, 2012), 29-284; and Tony Ballantyne and Antoinette Burton, “Empires and the Reach of the Global,” in ibid., 285-434.

[17]. Some his early scholarship includes After Imperialism: The Search for a New Order in the Far East, 1921–1931 (Cambridge: Harvard University Press, 1965);Pacific Estrangement: Japanese and American Expansion, 1897-1911 (Cambridge: Harvard University Press, 1972); and Power and Culture: The Japanese-American War, 1941-1945 (Cambridge: Harvard University Press, 1981). His more recent scholarship includes “The Internationalization of History,” American Historical Review 94, no. 1 (February 1989): 1-10; Cultural Internationalism and World Order(Baltimore: John Hopkins University Press, 1997); Global Community; and, with Petra Goedde, “Introduction: Human Rights as History,” in The Human Rights Revolution: An International History, ed. Akira Iriye, Petra Goedde, and William Hitchcock (New York: Oxford University Press, 2012), 3-24. Some wider reflections about cosmopolitanism include Kwame Anthony Appiah,Cosmopolitanism: Ethics in a World of Strangers (New York: Penguin, 2006); Pheng Cheah and Bruce Robbins, eds., Cosmopolitics: Thinking and Feeling beyond the Nation (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1998); and Immanuel Kant, Kant: Political Writings, 2nd ed., ed. Hans Reiss, trans. H. B. Nisbet (Cambridge: Cambridge University Press, 1991), 1-53.

[18]. Loth, “Equations of Power,” 197-199; and Zeiler, “Opening Doors,” 352-361.

[19]. This literature has been eclectic, having grown in the shadow of America’s imperial wars in Afghanistan and Iraq. Some representative scholarship includes Michael Hardt and Antonio Negri, Empire (Cambridge: Harvard University Press, 2000); Craig Calhoun, Frederick Cooper, and Kevin W. Moore, eds., Lessons of Empire: Imperial Histories and American Power (New York: New Press, 2006); Martti Koskenniemi, The Gentle Civilizer of Nations: The Rise and Fall of International Law, 1870-1960 (Cambridge: Cambridge University Press, 2001); Charles S. Maier, Among Empires: American Ascendancy and Its Predecessors(Cambridge: Harvard University Press, 2006); and Mark Mazower, No Enchanted Palace: The End of Empire and the Ideological Origins of the United Nations(Princeton: Princeton University Press, 2009). For a relevant historiography review, see Paul Kramer, “Power and Connection: Imperial Histories of the United States in the World,” American Historical Review 116, no. 5 (December 2011): 1348-1391.

[20]. Thomas L. Friedman, The World Is Flat: A Brief History of the Twenty-First Century (New York: Farrar, Straus and Giroux, 2005); and Thomas Piketty, Capital in the Twenty-First Century (Cambridge: Harvard University Press, 2014). For a critique of Piketty, see Chris Giles, “Piketty Findings Undercut by Errors,”Financial Times (March 2014), http://www.ft.com/intl/cms/s/2/e1f343ca-e281-11e3-89fd-00144feabdc0.html#axzz33ixedkJL. For a thoughtful assessment of millennial Marxism, see Timothy Shenk, “Thomas Piketty and Millennial Marxists on the Scourge of Inequality,” The Nation (May 2014),http://www.thenation.com/ article/179337/thomas-piketty-and-millennial-marxists-scourge-inequality?

[21]. Relevant commentary includes “The Onrushing Wave,” The Economist(January 2014), http://www.economist.com/news/briefing/ 21594264-previous-technological-innovation-has-always-delivered-more-long-run-employment-not-less; Tyler Cowen, “The Robots Are Here,” Politico Magazine (November 2013),http://www.politico.com/magazine/story/ 2013/11/the-robots-are-here-98995.html#.U4_CpV60b1p; Dereck Thompson, “What Jobs Will the Robots Take?” The Atlantic (January 2014),http://www.theatlantic.com/business/archive/ 2014/01/what-jobs-will-the-robots-take/283239; Elizabeth Kolbert, The Sixth Extinction: An Unnatural History(New York: Henry Holt, 2014); and “A Sensitive Matter,” The Economist (March 2013), http://www.economist.com/news/science-and-technology/21574461-climate-may-be-heating-up-le....

[22]. The reference is to H. G. Wells, The Outline of History: Being a Plain History of Life and Mankind (New York: Macmillan, 1920).

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Citation: Ryan M. Irwin. Review of Iriye, Akira, Global Interdependence: The World after 1945. H-Diplo, H-Net Reviews. July, 2014.
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