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domingo, 23 de outubro de 2016

Cuba: neto de Che Guevara desiludido com a ditadura cubana

Folha de S.Paulo, 
22 de outubro de 2016

“Mudanças em Cuba não ocorrem por efeito de um impulso liberalizador, mas sim por subsistência”

Por Sylvia Colombo
Canek e Che Guevara, neto e avô (Foto Arquivo)
Canek e Che Guevara, neto e avô (Foto Arquivo)

Publiquei neste sábado na Ilustrada uma matéria sobre o livro póstumo de Canek Guevara, o neto de Che que se transformou num crítico da Revolução e preferiu o mundo das letras e da música. Assim como sua mãe, Hilda Guevara, e seu famoso avô, Canek viveu pouco, e morreu no ano passado, aos 40. Conversei o pai, o também ex-militante de esquerda Alberto Sánchez, que é mexicano e havia ido parar em Cuba após sequestrar um avião. Hoje, Sánchez promove o livro do filho e discute o legado daqueles anos. Leia a íntegra da entrevista, aqui.

Folha – Quando o sr. chegou à Cuba e conheceu Hildita, a filha de Che Guevara, pensava que sua vida se vincularia à Revolução a tal ponto?

Alberto Sánchez – É impossível prever um futuro pessoal quando se é um militante revolucionário, e eu cheguei à ilha por acidente. Era o começo dos anos 1970, quando proliferava no México a luta armada. Em 1972, junto com outros companheiros, me ofereci como voluntário para resgatar uma companheira ferida que se encontrava nas mãos da polícia. 

Sequestramos um avião para realizar a troca _ameaçamos dizendo que havia uma suposta bomba a bordo, mas que não era nada mais do que o livro “Los Invictos”, de William Faulkner_ e nos dirigimos a Cuba, porque o avião 727 não podia chegar ao Chile diretamente, que era nosso destino original. Cuba seria apenas um ponto de passagem, mas acabei ficando mais tempo. Sete meses depois, conheci Hilda. Nos apaixonamos e, nove meses depois, nasceu Canek, no dia 22 de maio de 1974.

Minha relação com o partido comunista cubano sempre foi extremamente conflitiva, não apenas pela cumplicidade do governo mexicano com o cubano, mas também porque minha organização considerava que esse governo tinha congelado o devenir revolucionário e tinha se convertido numa ditadura, como tinha ocorrido no México e na Rússia.

Ao mesmo tempo, Hilda via que o pensamento de seu pai havia sido reduzido a um mito para uso político do partido. E saímos da ilha para continuar a militância em outros lugares. Essa mitificação do Che que Hilda via, Canek a explicou muito bem num texto intitulado “Canonización Revolucionaria”, publicado no México em 2007.

Folha – Canek contava em suas entrevistas que não se falava de Che Guevara na casa de vocês. Como era sua relação com ele? Era um homem a quem admirava?

Sánchez – Como toda a esquerda mundial, eu também admirava o Che, e continuo admirando-o, não apenas porque foi um político tão distinto, no sentido de que fazia o que dizia e dizia o que pensava, mas também pela ética de confrontar o que considerou estar errado, ainda sendo um alto funcionário do governo.

Sua morte em combate não apenas irradiou um exemplo para a esquerda mundial daquela época, mas também fez com que começasse a se converter num mito suprahumano, depois um ícone cultural, e finalmente num produto de consumo.

Mas Hilda sofria por ser a “filha do Che”, não ser ela mesma, e sim um apêndice do mito. Por isso educamos nossos filhos pequenos não na história política, tampouco na admiração a um homem que poderia se transformar num fardo às suas constas, e sim com nossos valores mais íntimos, baseados na liberdade e na verdade. Nas suas recordações de adolescência, Canek coloca de outro modo. Ele dizia: “meu avô não aparecia nas conversas, mas sempre estava ali”. E creio que Hilda foi verdadeiramente a herdeira do melhor que tinha seu pai. 

Folha – Como se sentiu sua família em Cuba? Por que preferiu voltar ao México?

Sánchez – Vivi em Cuba apenas três anos. No México, eu já tinha me inscrito na luta daquela geração de 68 contra o regime opressivo que havia. Mas em Cuba tudo era diferente. O povo dava plena legitimidade a seu governo ea exígua dissidência de esquerda era perseguida, acusada de ser contrarrevolucionária. Então havia uma asfixia de ideias e dos impulsos libertários democráticos que continua até hoje.

Folha – Quando Canek volta a Cuba e começa a ter críticas ao resultado da Revolução, que tipo de conversas o sr. tinha com ele?

Sánchez – Quando Canek cresceu, por conta da própria educação que recebeu, valorizava e defendia muito a liberdade, a própria e em geral. Isso provocou um choque nele quando chegou à ilha e viu como era o autoritarismo do “socialismo real” existente ali.

A essa altura, minhas conversas com ele já não eram conversas com um menino, porque ele já estava crescido e a experiência o fez amadurecer muito até chegar numa posição crítica a esse velho sistema que, por mais que se disfarçasse ideologicamente de socialismo, não era mais que um vulgar capitalismo de Estado, apoiado na integração vertical das organizações de massas, e perseguidor de toda forma cultural que fosse diferente daquela ditada pelo poder.

Folha – Qual lhe parece que será a importância da publicação desse livro póstumo de Canek, especificamente nesse momento em que a ilha passa por grande transformação [devido à reaproximação com os EUA]?

Sánchez – Seu romance retrata a angústia dos homens que buscam a liberdade e, em seu caminho, caem numa rua sem saída. Reflete a frustração e a hipocrisia em que se transformou a Revolução. É uma denúncia do falso discurso do poder que pretende encobrir o drama da vida concreta das pessoas. Um discurso que, por sua inquietante repetitividade, se descobre como um disco riscado.

As atuais transformações, umas aparentes e outras reais, não provêm de algum ânimo liberalizador ou democrático do regime, que está envelhecido, mas sim de uma tentativa de subsistir diante das mudanças irrefreáveis que vêm ocorrendo no mundo desde 1990, incluindo a revolução nas comunicações propiciadas pela internet.

Canek escreveu “33 Revoluções” pensando nos leitores cubanos. Não sei que importância terá para cada um deles o drama descrito, mas espero que saibam valorizar o fato de que Canek também foi filho dessa Revolução, e que expressou de forma livre seus sentimentos.

Folha – A Cuba descrita no livro é asfixiante, mas Canek também a trata como um lugar com o qual tinha um sentimento de pertencimento. O sr. está de acordo?

Sánchez – Para mim, a experiência era distinta que a dele. Eu sou mexicano e sempre fui tratado como estrangeiro na ilha. Mas ao conhecer Cuba, que era tão diferente do meu país, fiquei fascinado e gostei dela porque me apaixonei por Hilda, que era tão cubana, tão argentina e tão peruana ao mesmo tempo. Admirei o povo cubano pelos sacrifícios que fazia para ir adiante, ao mesmo tempo em que me afligia ver a elite comunista convertida em nova classe governante. 

Quando Canek chegou a Cuba, em 1986, começava a desmontar-se o “socialismo real” e ele viveu o que se chamou de “período especial”, depois da queda do Muro de Berlim. A quebra econômica de Cuba implicou uma dramática degradação das condições sociais anteriores, e Canek foi testemunha de muitas tentativas de fuga pelo mar.

Mas ele havia nascido ali e sua mãe havia crescido e se educado em Cuba. Portanto era sua pátria, e se, ao final de sua vida, Canek sentia-se um cidadão do mundo, também queria Cuba de forma íntima como queria o México.

Mas gostar da pátria não significa gostar do governo.

Folha – Que repercussão espera que o livro de Canek tenha, dentro e fora de Cuba?

Sánchez – Canek sonhava que seu livro pudesse ser lido em Cuba, mas não sei que repercussões imaginava. Ninguém sabe de que modo, e por quais vias, a literatura possa influir nas ideias. Seria muito soberbo supor que o romance se revelasse como uma espécie de manifesto político. Não é. E agora que Canek é mais amplamente conhecido, já não por ser neto do Che, mas porque editores de muitos países, de culturas muito diferentes, apreciaram sua sensibilidade literária e a expressão de um grande escritor.

E a quem queira conhecer Canek melhor recomendo, amplamente, a leitura de suas crônicas de viagens, um longo périplo de cinco anos por vários países, que ele chamou de “Diário Sem Motocicleta” _em alusão ao filme de Walter Salles, e cujo primeiro tomo sai agora pela editora Pepitas de Calabaza, da Espanha. É um diário em primeira pessoa escrito com essa honestidade e liberdade com as quais Canek viveu até o último de seus dias.





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Humboldt: a invenção da natureza, de Andrea Wulf - resenha de Marcelo Leite (FSP)


Humboldt enxergou e pintou o mundo como teia de conexões

MARCELO LEITE
ILUSTRAÇÃO MAURO PIVA

23/10/2016 02h06

RESUMO Alexander von Humboldt, precursor da ecologia, mudou o modo de ver a natureza. Maior personalidade científica do século 19, explorou a América do Sul, de onde levou milhares de espécimes. Conviveu com Goethe, instruiu Jefferson e Bolívar, influenciou Lyell e Darwin, mas foi relativamente esquecido no século 20.

Mauro Piva

São várias as faces da natureza. Poucos se detêm a pensar sobre elas quando dizem coisas como "roubar é da natureza do político", "cabe ao homem desvendar as leis da natureza" ou "sair da cidade para estar em contato com a natureza".

A reflexão é necessária, entre outras razões, para ajudar a entender por que Alexander von Humboldt (1769-1859) foi fundamental no surgimento desse terceiro sentido, e também por que ele se tornou revolucionário.

Humboldt? Quem nunca ouviu falar desse naturalista alemão ou faz pouca ideia de quem ele tenha sido –a pessoa mais famosa, provavelmente, do século 19– encontrará grande auxílio na premiada biografia escrita por Andrea Wulf, "A Invenção da Natureza: A Vida e as Descobertas de Alexander von Humboldt" [trad. Renato Marques, Planeta (selo Crítica), 592 págs., R$ 99,90]. Como o título da obra já anuncia, antes de Humboldt a última acepção simplesmente não existia.

O primeiro e mais antigo dos sentidos da palavra "natureza" (physis) provém dos gregos. É a força ou o princípio que dá vida e movimento a todas as coisas e se confunde com sua finalidade ou substância. A onça é um predador; é de sua natureza predar.

Com o Renascimento e o Iluminismo, firmou-se um segundo sentido, também muito comum na linguagem corrente: a natureza como ordem e necessidade. Vista dessa maneira, ela se apresenta como a manifestação externa de disposições imutáveis e regularidades a serem explicitadas pelo espírito humano na forma de leis, por assim dizer, naturais.

É na atmosfera intelectual legada por Galileu, Copérnico e Kepler que Humboldt vem ao mundo, numa abastada família aristocrática prussiana.

O talento para observar a natureza e assimilar grandes quantidades de conhecimento fez dele um naturalista precoce, com gosto peculiar por diários de viagem, como o do capitão James Cook, que havia dado a volta ao mundo.

Estudante prodigioso, tornou-se inspetor de minas aos 22 anos. Intrigado com a "eletricidade animal" investigada pelo italiano Luigi Galvani (1737-98), planejou e executou por conta própria 4.000 experimentos "em que cortou, espetou, cutucou e eletrocutou rãs, lagartos e camundongos", conta Wulf em seu livro.

GOETHE

Durante visita ao irmão Wilhelm, em Jena, travou conhecimento com o poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), que morava na vizinha Weimar e tinha apreço especial pelas ciências da natureza. Humboldt liderava as frequentes discussões sobre zoologia, vulcões, botânica, química e galvanismo.

"Em oito dias lendo livros, uma pessoa não poderia aprender tanto quanto em uma hora de conversa com ele", resumiu Goethe, de acordo com a biografia.

Nascia ali uma amizade e uma colaboração intelectual que duraria anos. Enquanto caminhavam pelo campo ou faziam experiências, debatiam longamente sobre a "Urform", força interna que, segundo Goethe, engendrava a forma geral dos organismos.

Humboldt, naturalista obcecado com a natureza única dos espécimes coletados, além de empirista habilidoso, que tudo media em busca de regularidades, assimilou assim a ideia –tão cara ao romantismo– de que a natureza toda se organizava em consonância com um princípio unificador. As homogêneas florestas alemãs se mostravam cada vez mais acanhadas, porém, para a altitude e a latitude das ideias que fervilhavam na mente de Humboldt.

Mauro Piva

Em 1798, noutra visita ao irmão, agora residindo em Paris, ele travou conhecimento com um jovem cientista francês, Aimé Bonpland (1773-1858), também fascinado por viagens a lugares remotos. Juntos, planejaram uma viagem ao Egito, que nunca aconteceu. Frustrados, conseguiram salvo-conduto da Coroa espanhola para visitar as Filipinas e a América do Sul.

CHIMBORAZO

O alemão caprichou na bagagem. Reuniu um arsenal de 42 instrumentos científicos –entre microscópios, telescópios, bússolas e relógios– que foram acondicionados em estojos forrados de veludo. "A minha cabeça gira de alegria", escreveu Humboldt. Em julho de 1799, Bonpland e ele aportam na Nova Andaluzia, hoje Venezuela.

Em 1800, embarcam numa expedição de quatro meses e 2.750 km para explorar o rio Orinoco. Descobrem, então, o canal Cassiquiare, ligação entre essa bacia e a do rio Amazonas, que até aquele momento se acreditava separadas. Voltam e tomam um veleiro para Cuba. Dali rumam para Cartagena, hoje na Colômbia, e seguem por terra para Lima, percurso que os leva a cruzar os Andes.

Humboldt escala o Chimborazo, no Equador, considerada então a montanha mais alta do mundo, a 6.268 m acima do nível do mar (hoje se sabe que o recorde é do Everest, com 8.848 m; no entanto, por sua proximidade com a linha do Equador, onde o diâmetro da Terra é maior, o Chimborazo é o pico mais distante do centro do planeta). O vulcão equatoriano viria a desempenhar papel crucial tanto na obra do naturalista quanto na história da América do Sul.

"Quando retornaram do Chimborazo", escreve Wulf, "Humboldt estava pronto para formular sua nova visão da natureza. Nos contrafortes andinos, ele começou a esboçar a sua assim chamada 'Naturgemälde', um termo alemão intraduzível que pode significar 'pintura da natureza', mas que também implica uma ideia de unidade ou todo."

Para dar corpo a seu conceito de que a natureza é um todo vivo, de que "poderes orgânicos estão incessantemente em ação", a produzir fenômenos que só ganham importância em sua relação com o todo, Humboldt escolheu fazer um desenho de 90 cm por 60 cm. Seu objetivo era apelar à imaginação dos leitores, pois "o mundo gosta de ver" e o olho vem a ser o órgão por excelência da "Weltanschauung" (visão de mundo).

O diagrama criado pelo naturalista representa o Chimborazo com colunas à direita e à esquerda contendo informações sobre medidas de temperatura, pressão atmosférica e umidade, além de animais e plantas de cada estrato. Ali se apresenta também um esquema de todas as montanhas do mundo, várias delas indicadas por sua altitude no contorno do vulcão.

Por trás de toda a variação entre latitudes, continentes e zonas climáticas, havia um padrão a uniformizar as categorias de flora e fauna segundo clima e localização, assim como um prisma decompõe a luz do Sol, em qualquer lugar, nas mesmas bandas de cores primárias.

Surgia assim o conceito de uma natureza global, tão diversa quanto ligada por uma infinita teia de conexões –uma visão "ecológica", embora o termo ainda estivesse por ser inventado.

TIRANIAS

Após três anos na América do Sul, Humboldt parte para o México e dali para os Estados Unidos, onde se encontra, em 1804, com o presidente Thomas Jefferson (1743-1826) –outro entusiasta das ciências naturais. Falam muito sobre o México, que ainda abrigava parte do que hoje é território norte-americano e pelo qual Jefferson revelara interesse incomum.

Humboldt, adepto fervoroso de uma república mundial das ideias, transmite ao governante ianque carradas de informações geográficas, ecológicas e econômicas sobre a região dominada pela Espanha. Hoje seria considerado um espião imperialista, talvez.

Aos 35 anos, cinco depois de deixar a Europa, o alemão retorna a Paris. Leva na bagagem 60 mil plantas, na média de uma dezena de exemplares para cada uma das 6.000 espécies coletadas, das quais 2.000 eram novas para a ciência (só 6.000 estavam descritas até então).

Recebido como herói, trava contato com naturalistas como Georges Cuvier (1769-1832) e Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829).

Outro conhecido nas rodas parisienses é um jovem sul-americano de família rica de Caracas, Simón Bolívar (1783-1830). Conversam muito sobre política e a tirania da Coroa espanhola no Novo Mundo. Humboldt discorre sem parar sobre as maravilhas sul-americanas, das corredeiras do Orinoco aos cumes dos Andes.

De regresso à Venezuela, em 1807, Bolívar passa a envolver-se mais e mais nos movimentos de independência. "Com sua pena", diria mais tarde, "Humboldt despertou a América do Sul".

O próprio Libertador, em 1822, escreve o poema "Meu Delírio no Chimborazo", no qual menciona ter seguido as pegadas de Humboldt e ouvido a invocação do Deus da Colômbia:

"Observa, me disse: aprende, conserva em tua mente o que viste, desenha aos olhos de teus semelhantes o quadro do universo físico, do universo moral; não escondas os segredos que o céu te revelou; diz a verdade aos homens".

ECOLOGIA

O naturalista passa a escrever freneticamente, em meio a seguidas viagens pela Europa. Conclui o primeiro tomo, "Ensaio sobre a Geografia das Plantas", do que viriam a ser os 34 volumes da "Viagem às Regiões Equinociais do Novo Continente". No livro estava incluída a "Naturgemälde", na forma de uma gravura dobrável colorida à mão.

Para sua biógrafa, "foi o primeiro livro sobre ecologia do mundo", pois promovia uma visão inteiramente diferente da natureza, em que as plantas apareciam agrupadas em zonas e regiões, não em unidades taxonômicas. "Humboldt entrelaçou os mundos cultural, biológico e físico e pintou um retrato de padrões globais", escreve Wulf.

Se Humboldt apelava para a imaginação dos leitores, era também porque acreditava que a ciência não precisava se apartar das emoções que o contato direto com a natureza propiciava. Contemplá-la não punha o observador –fortuito ou sistemático– diante de um sistema mecânico, mas de um organismo vivo.

"Enquanto muitos cientistas rejeitaram a 'Naturphilosophie' de [Friedrich] Schelling por ser incompatível com a investigação empírica e os métodos científicos", afirma Wulf, "Humboldt insistia que o pensamento do Iluminismo e de Schelling não eram 'polos conflitantes'. Ao contrário –a ênfase de Schelling na unidade era a forma como Humboldt também compreendia a natureza."

VISÕES

Foi por essa via que a "Naturgemälde" ganhou uma versão em prosa: "Visões da Natureza" ("Ansichten der Natur", em alemão, publicada em 1952, no Brasil, como "Quadros da Natureza"). Nas palavras de Wulf, "um livro científico que não tinha vergonha de ser lírico".

Traduzida em sete línguas, a obra de 1808 lançou Humboldt para a fama muito além do círculo dos naturalistas, com hordas de leitores a aceitar o convite para segui-lo "para dentro das matas e florestas, das incomensuráveis estepes, e sobre os cumes da cordilheira dos Andes [...] nas montanhas da liberdade".

Goethe foi um deles. "Mergulhei com você nas regiões mais indômitas", escreveu numa das cerca de 100 mil cartas recebidas por Humboldt ao longo da vida (ele próprio escreveu umas 50 mil).

Charles Darwin (1809-82) pediu ao irmão que lhe remetesse um exemplar para o Uruguai, onde aportaria a bordo do navio Beagle. Os britânicos Alfred Russel Wallace (1823-1913), Henry Walter Bates (1825-92) e Richard Spruce (1817-93) se abalariam até a Amazônia brasileira, como narra John Hemming no informativo "Naturalists in Paradise" (Thames and Hudson), na esperança de reeditar os feitos descritos na obra de Humboldt.

Henry David Thoreau (1817-62) e Ralph Waldo Emerson (1803-82), na América, e Júlio Verne (1828-1905), na França, também viriam a admirar o livro um dia. Ernst Haeckel (1834-1919), na Alemanha, foi outro humboldtiano, e cunharia o termo "ecologia" em 1866, no livro "Morfologia Geral dos Organismos".

DARWIN

Andrea Wulf considera que Humboldt foi mais importante para Darwin formular sua teoria da evolução por seleção natural do que Thomas Malthus (1766-1834) e seus escritos sobre a impossibilidade de o meio físico sustentar o crescimento indefinido da população. Para a historiadora alemã, Darwin leu a natureza da América do Sul com os olhos de Humboldt, cuja "teia da vida" ganharia com o inglês uma dimensão temporal e se converteria na "árvore da vida" –a ideia revolucionária de que todos os seres vivos ou extintos compartilham um ancestral comum.

Humboldt, assim, estaria no mesmo patamar de Charles Lyell (1797-1875), de quem Darwin absorveu a noção da imensa profundidade do tempo geológico, sem a qual a seleção natural não teria como produzir toda a biodiversidade existente na Terra. Lyell, por sua vez, relaciona o próprio Humboldt e sua visão unitária da natureza como fonte inspiradora de seu "Princípios de Geologia" (1830).

Darwin e Humboldt chegaram a se encontrar, em 1842, quando o alemão acompanhava o imperador prussiano Frederico Guilherme 4º em visita à Inglaterra. Mas só Humboldt falou, durante as três horas em que estiveram juntos, conta Wulf numa das passagens mais curiosas da biografia. Darwin se descreveria depois "atordoado" com o encontro.

Humboldt viveria ainda até 1859, perto de completar 90 anos (e poucos meses antes de ser publicado o livro "A Origem das Espécies", principal obra de Darwin). Escreveu muitos outros livros, como o monumental "Cosmos – Esboço de uma Descrição Física do Mundo", cujos cinco volumes foram editados entre 1845 e 1862 e inspirariam o título, mais de um século depois, da famosa série de TV de Carl Sagan, em 1980.

Quando da morte de Humboldt, milhares de pessoas seguiram a procissão funeral de seu apartamento na avenida Unter den Linden ("sob as tílias", em alemão) até a catedral de Berlim. Em Boston, o naturalista Louis Agassiz (1807-73) fez o obituário do alemão na Academia de Artes e Ciência dizendo que cada criança nas escolas americanas tinha tido a sorte de viver na "era de Humboldt".

Dez anos depois, em 14 de setembro de 1869, o centenário de nascimento do naturalista alemão foi festejado por toda parte, de Nova York a Berlim e da Cidade do México a Adelaide.

Nenhuma outra pessoa tem tantos lugares e coisas no mundo nomeados por ele quanto Humboldt: rios, baías, ruas, montanhas, animais, plantas, minerais. Nos Estados Unidos, há pelo menos 11 cidades e condados com esse nome.

Além de ser considerado o pai da disciplina científica da ecologia, Humboldt encarnou, com seu estudo da natureza, valores que ainda hoje embasam o pensamento ambientalista, como relaciona Wulf: o colonialismo (hoje, para muitos, o capitalismo) é desastroso para os povos e o ambiente; a sociedade colonial se baseia na desigualdade; os povos indígenas não são nem bárbaros nem selvagens, e os colonos são tão capazes de descobertas científicas, artes e habilidades quanto os europeus; o futuro da América do Sul se baseia na agricultura de pequena escala, não na monocultura nem na mineração.

ESQUECIMENTO

Ainda assim, Humboldt é um nome ausente tanto da memória do ambientalismo quanto do senso comum, embora tenha inaugurado o conceito ecológico de natureza: complexo de espécies e relações que compõem cada ecossistema, cuja exuberância pode ser usufruída seja pelas ferramentas da análise científica, seja pela comunhão com algo primordial que tantos experimentam ao se encontrar nela.

Para Wulf, Humboldt foi o último dos polímatas, alguém que viveu nos estertores de um tempo em que ainda era possível armazenar tanto conhecimento numa só cabeça. Com a crescente especialização, sua ânsia por sínteses soa algo amadora, se não mística; para piorar, ele defendia mesclar pesquisa com imaginação e emoção –algo que só poderia redundar em ciência romântica, imprestável.

Voltamos a ser cartesianos, mecanicistas contumazes. Por outro lado, quem enxerga a Terra como uma teia viva de relações entre matéria e organismos dá preferência para um holismo mistificador, à imagem e à semelhança da Gaia de James Lovelock.

De um modo ou de outro, terminamos incapazes de reconstituir a unidade da natureza só com base no conhecimento, sem recurso à metafísica e ao sobrenatural, como pretendia Humboldt.

MARCELO LEITE, 59, é repórter especial e colunista da Folha.

MAURO PIVA, 38, é artista plástico e participa da coletiva "Máquina do Mundo" na Z42 Arte, no Rio.

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Aos 35 anos, cinco depois de deixar a Europa, o alemão retorna a Paris. Leva na bagagem 60 mil plantas, na média de uma dezena de exemplares para cada uma das 6.000 espécies coletadas, das quais 2.000 eram novas para a ciência (só 6.000 estavam descritas até então).

Recebido como herói, trava contato com naturalistas como Georges Cuvier (1769-1832) e Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829).

Outro conhecido nas rodas parisienses é um jovem sul-americano de família rica de Caracas, Simón Bolívar (1783-1830). Conversam muito sobre política e a tirania da Coroa espanhola no Novo Mundo. Humboldt discorre sem parar sobre as maravilhas sul-americanas, das corredeiras do Orinoco aos cumes dos Andes.

De regresso à Venezuela, em 1807, Bolívar passa a envolver-se mais e mais nos movimentos de independência. "Com sua pena", diria mais tarde, "Humboldt despertou a América do Sul".

O próprio Libertador, em 1822, escreve o poema "Meu Delírio no Chimborazo", no qual menciona ter seguido as pegadas de Humboldt e ouvido a invocação do Deus da Colômbia:

"Observa, me disse: aprende, conserva em tua mente o que viste, desenha aos olhos de teus semelhantes o quadro do universo físico, do universo moral; não escondas os segredos que o céu te revelou; diz a verdade aos homens".

ECOLOGIA

O naturalista passa a escrever freneticamente, em meio a seguidas viagens pela Europa. Conclui o primeiro tomo, "Ensaio sobre a Geografia das Plantas", do que viriam a ser os 34 volumes da "Viagem às Regiões Equinociais do Novo Continente". No livro estava incluída a "Naturgemälde", na forma de uma gravura dobrável colorida à mão.

Para sua biógrafa, "foi o primeiro livro sobre ecologia do mundo", pois promovia uma visão inteiramente diferente da natureza, em que as plantas apareciam agrupadas em zonas e regiões, não em unidades taxonômicas. "Humboldt entrelaçou os mundos cultural, biológico e físico e pintou um retrato de padrões globais", escreve Wulf.

Se Humboldt apelava para a imaginação dos leitores, era também porque acreditava que a ciência não precisava se apartar das emoções que o contato direto com a natureza propiciava. Contemplá-la não punha o observador –fortuito ou sistemático– diante de um sistema mecânico, mas de um organismo vivo.

"Enquanto muitos cientistas rejeitaram a 'Naturphilosophie' de [Friedrich] Schelling por ser incompatível com a investigação empírica e os métodos científicos", afirma Wulf, "Humboldt insistia que o pensamento do Iluminismo e de Schelling não eram 'polos conflitantes'. Ao contrário –a ênfase de Schelling na unidade era a forma como Humboldt também compreendia a natureza."

VISÕES

Foi por essa via que a "Naturgemälde" ganhou uma versão em prosa: "Visões da Natureza" ("Ansichten der Natur", em alemão, publicada em 1952, no Brasil, como "Quadros da Natureza"). Nas palavras de Wulf, "um livro científico que não tinha vergonha de ser lírico".

Traduzida em sete línguas, a obra de 1808 lançou Humboldt para a fama muito além do círculo dos naturalistas, com hordas de leitores a aceitar o convite para segui-lo "para dentro das matas e florestas, das incomensuráveis estepes, e sobre os cumes da cordilheira dos Andes [...] nas montanhas da liberdade".

Goethe foi um deles. "Mergulhei com você nas regiões mais indômitas", escreveu numa das cerca de 100 mil cartas recebidas por Humboldt ao longo da vida (ele próprio escreveu umas 50 mil).

Charles Darwin (1809-82) pediu ao irmão que lhe remetesse um exemplar para o Uruguai, onde aportaria a bordo do navio Beagle. Os britânicos Alfred Russel Wallace (1823-1913), Henry Walter Bates (1825-92) e Richard Spruce (1817-93) se abalariam até a Amazônia brasileira, como narra John Hemming no informativo "Naturalists in Paradise" (Thames and Hudson), na esperança de reeditar os feitos descritos na obra de Humboldt.

Henry David Thoreau (1817-62) e Ralph Waldo Emerson (1803-82), na América, e Júlio Verne (1828-1905), na França, também viriam a admirar o livro um dia. Ernst Haeckel (1834-1919), na Alemanha, foi outro humboldtiano, e cunharia o termo "ecologia" em 1866, no livro "Morfologia Geral dos Organismos".

DARWIN

Andrea Wulf considera que Humboldt foi mais importante para Darwin formular sua teoria da evolução por seleção natural do que Thomas Malthus (1766-1834) e seus escritos sobre a impossibilidade de o meio físico sustentar o crescimento indefinido da população. Para a historiadora alemã, Darwin leu a natureza da América do Sul com os olhos de Humboldt, cuja "teia da vida" ganharia com o inglês uma dimensão temporal e se converteria na "árvore da vida" –a ideia revolucionária de que todos os seres vivos ou extintos compartilham um ancestral comum.

Humboldt, assim, estaria no mesmo patamar de Charles Lyell (1797-1875), de quem Darwin absorveu a noção da imensa profundidade do tempo geológico, sem a qual a seleção natural não teria como produzir toda a biodiversidade existente na Terra. Lyell, por sua vez, relaciona o próprio Humboldt e sua visão unitária da natureza como fonte inspiradora de seu "Princípios de Geologia" (1830).

Darwin e Humboldt chegaram a se encontrar, em 1842, quando o alemão acompanhava o imperador prussiano Frederico Guilherme 4º em visita à Inglaterra. Mas só Humboldt falou, durante as três horas em que estiveram juntos, conta Wulf numa das passagens mais curiosas da biografia. Darwin se descreveria depois "atordoado" com o encontro.

Humboldt viveria ainda até 1859, perto de completar 90 anos (e poucos meses antes de ser publicado o livro "A Origem das Espécies", principal obra de Darwin). Escreveu muitos outros livros, como o monumental "Cosmos – Esboço de uma Descrição Física do Mundo", cujos cinco volumes foram editados entre 1845 e 1862 e inspirariam o título, mais de um século depois, da famosa série de TV de Carl Sagan, em 1980.

Quando da morte de Humboldt, milhares de pessoas seguiram a procissão funeral de seu apartamento na avenida Unter den Linden ("sob as tílias", em alemão) até a catedral de Berlim. Em Boston, o naturalista Louis Agassiz (1807-73) fez o obituário do alemão na Academia de Artes e Ciência dizendo que cada criança nas escolas americanas tinha tido a sorte de viver na "era de Humboldt".

Dez anos depois, em 14 de setembro de 1869, o centenário de nascimento do naturalista alemão foi festejado por toda parte, de Nova York a Berlim e da Cidade do México a Adelaide.

Nenhuma outra pessoa tem tantos lugares e coisas no mundo nomeados por ele quanto Humboldt: rios, baías, ruas, montanhas, animais, plantas, minerais. Nos Estados Unidos, há pelo menos 11 cidades e condados com esse nome.

Além de ser considerado o pai da disciplina científica da ecologia, Humboldt encarnou, com seu estudo da natureza, valores que ainda hoje embasam o pensamento ambientalista, como relaciona Wulf: o colonialismo (hoje, para muitos, o capitalismo) é desastroso para os povos e o ambiente; a sociedade colonial se baseia na desigualdade; os povos indígenas não são nem bárbaros nem selvagens, e os colonos são tão capazes de descobertas científicas, artes e habilidades quanto os europeus; o futuro da América do Sul se baseia na agricultura de pequena escala, não na monocultura nem na mineração.

ESQUECIMENTO

Ainda assim, Humboldt é um nome ausente tanto da memória do ambientalismo quanto do senso comum, embora tenha inaugurado o conceito ecológico de natureza: complexo de espécies e relações que compõem cada ecossistema, cuja exuberância pode ser usufruída seja pelas ferramentas da análise científica, seja pela comunhão com algo primordial que tantos experimentam ao se encontrar nela.

Para Wulf, Humboldt foi o último dos polímatas, alguém que viveu nos estertores de um tempo em que ainda era possível armazenar tanto conhecimento numa só cabeça. Com a crescente especialização, sua ânsia por sínteses soa algo amadora, se não mística; para piorar, ele defendia mesclar pesquisa com imaginação e emoção –algo que só poderia redundar em ciência romântica, imprestável.

Voltamos a ser cartesianos, mecanicistas contumazes. Por outro lado, quem enxerga a Terra como uma teia viva de relações entre matéria e organismos dá preferência para um holismo mistificador, à imagem e à semelhança da Gaia de James Lovelock.

De um modo ou de outro, terminamos incapazes de reconstituir a unidade da natureza só com base no conhecimento, sem recurso à metafísica e ao sobrenatural, como pretendia Humboldt.

MARCELO LEITE, 59, é repórter especial e colunista da Folha.

MAURO PIVA, 38, é artista plástico e participa da coletiva "Máquina do Mundo" na Z42 Arte, no Rio.

Divida soberana na AL: coloquio, agosto 2017, SP

CALL FOR PAPERS:

Politics and Sovereign Debt in Latin America in Historical Perspective Workshop

São Paulo School of Economics, Fundação Getúlio Vargas

São Paulo, 21-22 August 2017

Keynote speaker: William Summerhill, UCLA

CALL FOR PAPERS: deadline 20 November 2017

Sovereign debt is a financial as well as a political topic. Politics shapes the way governments borrow and repay. The interaction between politics and sovereign debt is a currently relevant topic to which historical research may offer significant contribution. This workshop aims to discuss the implications of political institutions in the way the governments of Latin America have managed their debts. The workshop in open to papers on any time range which focus on the region as a whole or on specific Latin American countries. The organisers particularly welcome interdisciplinary and data-driven perspectives on fiscal policy, long-term patterns of taxation and government spending, political economy of domestic/foreign debt and defaults, and governments' attitude towards capital flows and international financial supervision.  

The workshop will be held at the São Paulo School of Economics (EESP-FGV) during 21-22 August 2017. The interested participants are required to submit a 500-words abstract and title together with their CV to workshoplatam2017@gmail.comby 20 November 2016. The organisers, Leonardo Weller (EESP) and Coskun Tuncer (UCLA), greatly acknowledge the financial support by the British Academy.

Best Regards,

Leonardo Weller, EESP-FGV
Coskun Tuncer, UCL

Venezuela: nota tibia da OEA expressa preocupação

Nota da OEA fica aquém da necessidades:

Comunicado Conjunto de la OEA sobre acontecimientos en Venezuela


Sem Bolivia, Equador e alguns outros países, "Paraguay, Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colombia, Costa Rica, Estados Unidos de América, Guatemala, Honduras, México, Perú y Uruguay, que conforman [algunos de] los Estados Miembros de la Organización de los Estados Americanos (OEA), emitieron un Comunicado Conjunto sobre los recientes acontecimientos en la República de Venezuela, cuyo texto se transcribe íntegramente:"

Comunicado conjunto de Estados Miembros de la OEA sobre los acontecimientos recientes en la República Bolivariana de Venezuela

Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colombia, Costa Rica, Estados Unidos de América, Guatemala, Honduras, México, Perú, Uruguay y Paraguay

Reafirmando su firme compromiso con los principios y valores democráticos y la defensa de los derechos humanos, los Gobiernos que suscriben el presente comunicado expresan su profunda preocupación por la decisión adoptada por el Consejo Nacional Electoral de la República Bolivariana de Venezuela de postergar el proceso de recolección del 20% del padrón electoral requerido para activar el referéndum revocatorio.

La paralización del proceso, previsto a realizarse entre el 26 y 28 de octubre, y la decisión del Poder Judicial de Venezuela de prohibir la salida de territorio venezolano de los principales líderes de la oposición de ese país, afecta la posibilidad de establecer un proceso de diálogo entre el Gobierno y la oposición que permita una salida pacífica a la crítica situación que atraviesa esa hermana nación.

Los Gobiernos que suscriben el presente comunicado reiteran su llamado a todos los actores políticos en ese país para que concreten a la brevedad y en un clima de paz, los esfuerzos de diálogo nacional, de manera directa o con apoyo de facilitadores, que permita encontrar soluciones duraderas en favor de la democracia y la estabilidad social, garantizando el pleno respeto de los derechos humanos, la separación de poderes y el fortalecimiento institucional.”

 


sábado, 22 de outubro de 2016

Juridismo legalista - Augusto de Franco


Nenhuma Lava Jato resistiria ao legalismo

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O discurso legalista contra as prisões preventivas decretadas por Sergio Moro não pode esconder a realidade: quem está sendo preso cautelarmente obstruiria as investigações se solto estivesse. Alguém duvida?

Os legalistas argumentam com o óbvio: a lei está errada, mas não pode ser mudada pelo judiciário e sim, somente, pelo legislativo. No entanto, o parlamento atual não mudaria a lei a desfavor de seus membros. É mais ou menos como mudar a lei da prerrogativa de função: os que têm foro privilegiado não vão abrir mão dele e correr o risco de serem presos por um juiz qualquer de primeira instância.

O problema é que, enquanto não se mudam essas leis que afetam o processo penal – o que é praticamente impossível no curto prazo (posto que são os interessados em manter seus privilégios que vão votar) – a impunidade continua, os crimes prosseguem sendo cometidos pelos privilegiados e a justiça continua paralisada.

Segundo os legalistas, deve-se esperar as próximas eleições para eleger um novo parlamento que aceite as mudanças e permita a atuação eficaz da justiça (pois que uma justiça ineficaz é injusta, não justa: logo não é justiça e, assim, desconstitui-se o próprio legalismo). Mas nada indica que um parlamento parido por novas eleições modifique ponderavelmente a composição atual ou o caráter corporativo da casa legislativa. Até porque os criminosos que continuam impunes ou serão reeleitos ou terão capacidade de eleger seus próprios comparsas para manter tudo como está. É esta – e não outra – razão que inviabiliza há tantos anos qualquer reforma política democratizante (e moralizante: pois uma moralização ao estilo Leônidas de Esparta, que não decorra de maior democratização, não interessa aos democratas).

A natureza do impasse dita a impossibilidade da solução legalista. Porque o impasse tem a ver com a impossibilidade de manter o espírito das leis dentro das regras atuais. A letra das regras atuais inviabiliza a manifestação do seu espírito. O legalismo é um apego à letra, em detrimento do espírito. É, no sentido mais geral, uma subordinação da democracia como ideia (no sentido que John Dewey conferia à expressão) às formas transitórias e contingentes que assume a democracia representativa reduzida a modo de administração política da formen Estado-nação. Ora, essas formas mudam. Não é hoje exatamente igual à forma que brotou no século 17, após a reinvenção da democracia pelos modernos, a partir da paz de Westfalia, quando foi necessário domar o Leviatã – com a fórmula do Estado democrático de direito – para proteger o cidadão do seu próprio Estado.

Hoje esse modelo está em crise, não apenas porque se descobriu que o Estado democrático (sempre em devir) – posto que a sociedade mudou a sua morfologia e a sua dinâmica – não cabe inteiramente dentro do Estado de direito (remanescente), mas também porque esse modelo não tem proteção eficaz contra o uso da democracia (notadamente das eleições) contra a própria democracia (a célebre pergunta de Sir Ralph Dahrendorf: e se os caras errados são eleitos?). Assim, o império da lei favorece mais ao império da vontade coletiva corporativa dos representantes do que aos desejos difusos dos representados. A corporação se encastela na letra das leis para matar o seu espírito. O legalismo é uma demora em perceber as mudanças. Pior, é um alentecimento (no sentido em que essa expressão é usada na teoria da relatividade restrita) no movimento real e concreto do emaranhado de relações que constitui o que chamamos de sociedade (que fica congelado ao ser capturado em uma forma piramidal de Estado, conspirando contra os fluxos interativos da convivência social e a horizontalidade do viver comum).

Os legalistas não percebem isso. Eles têm medo do fluxo, quer dizer, de tomar a democracia pelo que ela é geneticamente: um processo de democratização (na verdade, de desconstituição de autocracia) e, assim, preferem se entrincheirar em uma forma pretérita, para “não jogar fora a criança junto com a água suja do banho” (os conservadores adoram repetir esse dito, jamais aventando que o bebê em questão pode ter virado o de Rosemary). Por isso o legalismo é apenas mais uma ideologia conservadora, não necessariamente democrática (a não ser em casos especiais em que o império da lei está na iminência de ser convertido em império da vontade de um soberano, como ocorre nos processos agudos de autocratização da democracia).

Ao tomar consciência do impasse, os legalistas poderão perguntar: mas então vamos apagar as letras das leis? Isso não será o caos? Não representará uma regressão capaz de desconstituir todo o sistema, aí sim ameaçando a continuidade da democracia, nos jogando na guerra de todos contra todos, onde predominará a lei do mais forte ao arrepio de qualquer direito? O argumento – hobbesiano (o legalismo tem uma raiz hobbesiana na medida em que não é somente a ameaça às liberdades que o mobiliza, mas o perigo da quebra da ordem) – quer nos assustar com o horror de um cenário líbio.

Eles teriam alguma razão se a sociedade não passasse de um epifenômeno, incapaz de substituir por si mesma e de se constituir como um modo de agenciamento autônomo (como pensava Margaret Thatcher, quando disse em 1987: “And, you know, there is no such thing as society. There are individual men and women, and there are families”). Eles teriam razão se o mundo fosse a Somália, mas não teriam razão se o mundo fosse a Noruega. Em países como o Brasil, que estão no meio do caminho entre a Somália e a Noruega, eles também não têm razão. Nem os noruegueses, nem os brasileiros, se engalfinhariam numa guerra fratricida em razão de novas interpretações da lei de processo penal (capazes de aggiornar sua interpretação literal para permitir a manifestação do seu espírito).

O fato é que, mantidas as leituras tradicionais, não há espaço para mudança, quer dizer, para a continuidade do processo de democratização (que é o que devemos entender pela palavra democracia) e, consequentemente, para a tão almejada moralização dos nossos costumes políticos. Na Noruega há menos corrupção do que na Somália, mas não em virtude da sanha punitiva do Estado ou de uma ultra-ortodoxa interpretação da letra das leis por parte do judiciário e sim da não-aceitação desse tipo de comportamento pela sociedade (ou seja, do nível do seu capital social), o que é diretamente refratado pelo sistema político lá vigente e delimita um campo de legitimidade para a ação dos seus representantes.

O impasse é o seguinte. Não podemos esperar que o nível do nosso capital social seja semelhante ao da Noruega para combater a corrupção endêmica no sistema político realmente existente aqui. Inclusive porque um dos principais exterminadores de capital social é, justamente, o nosso sistema político do modo como está organizado e funciona.

E há um agravante que torna o impasse ainda maior: surgiu entre nós (em razão da via neopopulista adotada pelo PT no governo na última década) um novo tipo de corrupção, sistêmica, com objetivos estratégicos de poder. Uma corrupção que se caracteriza não apenas pelos desvios de conduta de indivíduos para se eleger, reeleger, eleger um parente, amigo ou correligionário, financiar uma caciquia ou grupo político, auferir vantagens pessoais de toda ordem, enriquecer e se dar bem na vida, mas uma corrupção como estratégia de tomada do poder (a tal “revolução pela corrupção”, percebida pelo poeta Ferreira Gullar), para financiar um esquema paralelo ao Estado, comprar ou alugar parlamentares, aparelhar a administração pública e saquear as empresas estatais transformando-as em instrumentos de sua atuação, sustentar uma rede suja de veículos de comunicação, neutralizar ou eliminar inimigos e, inclusive, financiar regimes antidemocráticos em outros países (ditaduras, como Cuba, Angola e Venezuela e regimes em transição autocratizante, como Bolívia, Equador e Nicarágua, que adotam a via neopopulista).

 

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Este segundo tipo de corrupção é, especialmente, exterminador de capital social, numa velocidade e intensidade que jamais seriam alcançadas pela corrupção tradicional, o que inviabiliza ainda mais a espera pelo amadurecimento de uma cultura cidadã apta a combatê-la. Porque é uma conspiração contra a formação do commons, é uma privatização partidária da esfera pública, que se apoia no corporativismo das instituições da democracia formal, sobretudo no parlamento e no judiciário, que passam a usar a letra das leis para se defender das mudanças capazes de coibir seus privilégios. Basta ver que, manietado pelas leis, o Supremo Tribunal Federal, após dois anos de Lava Jato, não condenou nenhum político: só dois parlamentares são réus.

O neopopulismo é muito perigoso para o processo de democratização justamente porque consegue colocar as velhas instituições da democracia formal a seu favor. Foi por isso que o PT depositou os seus ovos dentro da carcaça podre do velho sistema político, criando um cinturão de ferro de impunidade. Não há como quebrar essa barreira a não ser que a sociedade pressione o parlamento para que modifique as leis. Mas, como vimos, isso não é possível sem flexionar a interpretação das leis com o apoio da sociedade. Se tal processo não estivesse em curso, não haveria Lava Jato (e a mais importante operação da década já teria sido consumida nas malhas de justiça, tal como ocorreu com várias de suas congêneres, como a Castelo de Areia), Dirceu não teria sido condenado (pelo contrário, teria sido perdoado pela Corte Suprema também pelo petrolão, assim como já o foi pelo mensalão, juntamente com todos os seus comparsas petistas), Palocci e Vaccari não teriam sido presos e Lula não estaria na iminência de responder à justiça. Ou seja, nada de relevante teria acontecido, não somente em relação à nova corrupção praticada como estratégia de tomada de poder, mas também no que diz respeito ao combate à corrupção tradicional de um Cunha, de um Collor (igualmente inocentado pelo STF dos crimes que cometeu no governo) e, quem sabe, de um Renan e de um Sarney.

 

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Madame Pasadena e seu crime quase perfeito (OESP)

Ingênuos, incautos, true believers, coniventes, cúmplices, complacentes, companheiros em geral, sempre quiseram nos fazer acreditar que a compra dessa refinaria foi apenas um "mau negócio", algo assim como um acidente de gestão, um má surpresa num conjunto de grandes iniciativas destinadas a fazer da Petrobras uma companhia com presença verdadeiramente internacional (o que aliás ela já tinha).
Conhecedor da natureza criminosa, intrinsecamente mafiosa, como eu sabia, detectei ali, desde o começo, muito antes que as primeiras denúncias fossem feitas, o traçado de um crime quase perfeito, um excelente negócio, feito para gerar aquilo mesmo, centenas de milhares de dólares no exterior, para serem apropriados pelo partido totalitário e seus dirigentes.
Madame Pasadena pode não ter concebido a operação, mas foi totalmente conivente com ela, obediente como sempre foi ao chefão mafioso, que deu ordens para que fosse feito.
Paulo Roberto de Almeida 
 
O Estado de S.Paulo, exta-feira, 21 de outubro de 2016

Apuração sobre refinaria de Pasadena se aproxima de Dilma 

Coluna do Estadão
 
As investigações da Operação Lava Jato apontam que a presidente cassada Dilma Rousseff tinha conhecimento de irregularidades envolvendo a compra da Refinaria de Pasadena pela Petrobrás. Dilma participou da autorização do negócio na época em que presidia o Conselho de Administração da Petrobrás. Um dos investigadores mergulhados no caso garante que as alegações apresentadas pela petista “não param de pé”. Dilma diz que votou a favor da compra da refinaria porque recebeu “informações incompletas” sobre o contrato.
 
Três delatores já admitiram que a compra de Pasadena pela Petrobrás envolvia propina. E que receberam até US$ 1,5 milhão pelo negócio. São eles: o senador cassado Delcídio Amaral e os ex-diretores da petroleira Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró.
 
O negócio é considerado o pior da história da Petrobrás e gerou prejuízo de US$ 792,3 milhões aos cofres públicos.