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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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domingo, 11 de outubro de 2020

Trump Tax Investigations: revelações de negócios obscuros, com milhões de dólares envolvidos - Dean Baquet (NYT)

 Os Estados Unidos NUNCA tiveram um presidente como esse...

Trump já estava falido quando uma boia de salvação lhe foi oferecida por um programa de televisão, no qual ele pode exercer suas habilidades de mentiroso, falastrão e vaidoso, o que lhe valeu um refúgio temporário da falência. Nesse intervalo ele se aproximou da política e de sócios estrangeiros (daquele submundo das finanças, onde também estiveram o KGB e o Banco do Vaticano), o que lhe permitiu continuar com seus negócios mal administrados (e maquiados) nos EUA. Com a ajuda de um jornalista, publicou um livro The Art of the Deal, que deveria ser rebatizado como The Art of the Steal, o que agora vem à tona com estas reportagens do NYTimes.

Paulo Roberto de Almeida

An Editor’s Note on the Trump Tax Investigation

The New York Times has examined decades of President Trump’s financial records, assembling the most comprehensive picture yet of his business dealings.

Dean BaquetDean Baquet

The New York Times, Sept. 27, 2020Updated Oct. 10, 2020


Over the past two weeks, The New York Times has been publishing the results of an examination of decades of personal and corporate tax records for President Trump and his businesses in the United States and abroad. The records stretch from his days as a high-profile New York real estate investor through the beginning of his time in the White House.

A team of Times reporters has pored over this information to assemble the most comprehensive picture of the president’s finances and business dealings to date, and we will continue our reporting and publish additional articles about our findings. We are not making the records themselves public because we do not want to jeopardize our sources, who have taken enormous personal risks to help inform the public.

We are publishing this series of reports because we believe citizens should understand as much as possible about their leaders and representatives — their priorities, their experiences and also their finances. Every president since the mid-1970s has made his tax information public. The tradition ensures that an official with the power to shake markets and change policy does not seek to benefit financially from his actions.

Mr. Trump, one of the wealthiest presidents in the nation’s history, has broken with that practice. As a candidate and as president, Mr. Trump has said he wanted to make his tax returns public, but he has never done so. In fact, he has fought relentlessly to hide them from public view and has falsely asserted that he could not release them because he was being audited by the Internal Revenue Service. More recently, Mr. Trump and the Justice Department have fought subpoenas from congressional and New York State investigators seeking his taxes and other financial records.

Our latest findings build on our previous reporting about the president’s finances. The records show a significant gap between what Mr. Trump has said to the public and what he has disclosed to federal tax authorities over many years. They also underscore why citizens would want to know about their president’s finances: Mr. Trump’s businesses appear to have benefited from his position, and his far-flung holdings have created potential conflicts between his own financial interests and the nation’s diplomatic interests.

The reporters who examined these records have been covering the president’s finances and taxes for almost four years. Their work on this and other projects was guided by Paul Fishleder, a senior investigative editor, and Matthew Purdy, a deputy managing editor who oversees investigations and special projects at The Times.

Some will raise questions about publishing the president’s personal tax information. But the Supreme Court has repeatedly ruled that the First Amendment allows the press to publish newsworthy information that was legally obtained by reporters even when those in power fight to keep it hidden. That powerful principle of the First Amendment applies here.


https://www.nytimes.com/2020/09/27/us/trump-taxes-editors-note.html?action=click&campaign_id=9&emc=edit_nn_20201011&instance_id=23037&module=Top+Stories&nl=the-morning&pgtype=Homepage&regi_id=129640804&section_index=1&section_name=big_story&segment_id=40585&te=1&user_id=676d16c6f1a28a7f34b7c4f25763b73e

Dean Baquet became the executive editor of The Times in May 2014 after serving as managing editor and Washington bureau chief. He was previously the editor of the Los Angeles Times. 

A version of this article appears in print on Sept. 28, 2020, Section A, Page 11 of the New York edition with the headline: An Editor’s Note

sábado, 10 de outubro de 2020

Política Energética no Brasil: debate sobre a situação brasileira e internacional: 19/10, 14:00hs

Na próxima terça-feira, dia 19/10, às 14:00hs, participarei de um debate sobre o livro Política Energética no Brasil, com o qual também colaborei, com um capítulo sobre a energia no mundo. Mas o livro tem muito mais do que isso, abrangendo todas as formas de energia, no Brasil e no mundo.

O encontro está sendo organizado pela professora Vanessa Braga Matijascic, em pós-doutorado na USP, junto ao pessoal da Ciência Política e Relações Internacionais. 


Transcrevo a sopa de letras do final, para inscrição ao debate: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSfNvLGumGVpPQZha19C8bSF0pgoyRmTFVXHHUBDGSQytd6Wpw/viewform?usp=sf_link 

Os dados completos do livro são os seguintes: 

José Alexandre Altahyde Hage (org.): Política energética no Brasil: sua participação no desenvolvimento e no relacionamento internacional (Curitiba: Editora Appris, 2020, 370 p.; ISBN: 978-85-473-4201-2; disponível no site da Editora: https://www.editoraappris.com.br/produto/3756-poltica-energtica-no-brasil-sua-participao-no-desenvolvimento-e-no-relacionamento-internacional).

O excesso de oferta e a fraca demanda, causada pelos impactos da pandemia de covid-19, ainda desafiam a indústria global de petróleo. Mesmo com a retomada das atividades em vários países, o consumo de combustíveis, para fins rodoviários e aeroviários, por exemplo, ainda está abaixo dos patamares normais.

No Brasil, a produção de petróleo alcança a casa de 3 milhões de barris diários, impulsionada pela produção no campo de Tupi, responsável por cerca de um terço de todo o volume de óleo extraído no país, e pelo promissor campo de Búzios, principal aposta da Petrobras.

A energia é uma promissora forma de o Brasil obter ganhos na economia internacional. Petróleo, gás natural e etanol podem trazer ao país recursos tão necessários ao necessário desenvolvimento, à criação de empregos de qualidade, pesquisa e industrialização em base avançada tecnológica. Além disso, a dimensão da energia não é apenas nacional, que interessa apenas ao Brasil; é também questão internacional, pois depende de acordos diplomáticos que o país integra.


Sumário

 

PREFÁCIO, 7

Paulo Cesar Manduca, Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético, Unicamp

 

INTRODUÇÃO, 11

José Alexandre Altahyde Hage

  

1. O QUADRO GLOBAL DAS QUESTÕES ENERGÉTICAS: O BRASIL E O MUNDO, 13

Paulo Roberto de Almeida

2. BALANÇO SUL-AMERICANO: O GÁS NATURAL COMO VETOR DE INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA DO CONE SUL, 41

Edmilson Moutinho dos Santos

Bruna Eloy de Amorim

Drielli Peyerl

Hirdan Katarina de Medeiros Costa

3. A CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA ENERGÉTICA NO BRASIL: AVANÇOS E IMPASSES EM UM ESTADO EM DESENVOLVIMENTO, 77

José Alexandre Altahyde Hage

Paulo Cesar Manduca

Ronaldo Montesano Canesin

4. SEGURANÇA ENERGÉTICA E REGIMES JURÍDICOS REGULATÓRIOS NO SEGMENTO DE E&P DO SETOR DE HIDROCARBONETOS, 99

Carolina Leister

José Raymundo N. Chiappin

5. CONTROVÉRSIAS ACERCA DOS SIGNIFICADOS E DAS PRÁTICAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA ENERGÉTICA, 145

Iure Paiva

 

6. CONTEÚDO LOCAL NO SETOR DE PETRÓLEO E GÁS: DEBATE E PRÁTICA NO BRASIL DE 2000 A 2017, 173

Giorgio Romano Schutte

7. POLÍTICA DE DUTOS NO BRASIL, 209

Alencar Chaves Braga

Carolina Leister

8. POLÍTICAS PARA BIOCOMBUSTÍVEIS NO BRASIL, 235

Glória Pinho

Arnaldo Cesar da Silva Walter

9. O ETANOL NO MUNDO: POTENCIAIS DESAFIOS, 263

Eduardo L. Leão de Sousa

Geraldine Kutas

Leticia Phillips

10. A CONSTRUÇÃO DO BRASIL ATÔMICO: DE 1950 ATÉ 1971, 285

Helen Miranda Nunes

11. O PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO A PARTIR DE 1975: CONCEPÇÃO ESTRATÉGICA E DESTINO ENERGÉTICO, 307

Vanessa Braga Matijascic

 

SOBRE OS AUTORES, 331


Dr Fauci: um gigante da maior pandemia do século XXI (até aqui), enfrentando um governo negacionista - La Repubblica

 Entrevista com o virologista estadunidense:" Uma vacina eficaz já poderia estar disponível em novembro ou dezembro, mas será distribuída apenas em 2021".

A entrevista com Anthony Fauci é de Anna Lombardi, publicada por La Repubblica, 08-10-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.

"O presidente está certamente melhor: mas deve ter cuidado, não está fora de perigo. Infelizmente, sabemos bem que as recaídas são frequentes entre os doentes de coronavírus. Não participei no seu tratamento e por isso estou apenas me baseando no que vi como todo mundo na TV. A maneira como ele fala, caminha e, sim, até a maneira como respira, me pareceu de uma pessoa que está razoavelmente bem".

Ao telefone de seu consultório em Washington, o médico mais famoso dos EUA, o virologista Anthony Fauci, 79, chefe do Instituto Nacional para a Prevenção de Doenças Infecciosas, não se pronuncia sobre a intenção de Donald Trump de participar a todo custo pessoalmente do segundo debate presidencial agendado para 15 de outubro em Miami, que agora o comitê organizador gostaria de realizar virtualmente. “Se eu tivesse que lhe dar um conselho, diria para ele descansar. E seguir as orientações dos médicos”.

Eis a entrevista.

O presidente Trump parece ter se recuperado muito rapidamente. Ele foi afetado por uma forma leve de Covid 19?

Com base no pouco que sei, diria que não. Suas condições são muito sérias. No entanto, foi tratado bem e rapidamente. Ele tem razão quando diz que os remédios o ajudaram. Mas o problema com esse vírus é que ainda não sabemos o suficiente sobre ele. Especialmente quando se trata de efeitos de longo prazo. Nesse ínterim, eu seria cauteloso por pelo menos mais 5-8 dias. Além disso, alguns sintomas persistem mesmo quando você não está mais infectado e ainda não sabemos como eles interferem nas funções normais.

Os medicamentos usados no seu tratamento são acessíveis a todos?

Os dois principais, certamente: a dexametasona, um derivado da cortisona. E o antiviral Remdesivir. O anticorpo monoclonal Regeneron, por outro lado, foi especificamente solicitado à empresa que o produz, para uso "compassivo". E eu suspeito que isso o ajudou muito. É um medicamento sobre o qual somos cautelosamente otimistas: os testes clínicos ainda não foram concluídos. Mas, in vitro, vimos sua poderosa capacidade de suprimir o vírus. Acho que ele desempenhou um papel determinante para que o presidente se sentisse melhor imediatamente.

Na quarta-feira à noite, durante o debate dos números dois entre o vice-presidente Mike Pence e a senadora democrata Kamala Harris, seu nome foi mencionado várias vezes...

Quando no meio de uma pandemia você tem um papel como o meu, é normal. Isso não me surpreendeu. Mas o meu papel é totalmente bipartidário, trabalho com todos no interesse do país.

Mesmo assim, Kamala Harris deixou claro que a única vacina que ela se sentiria pronta a indicar seria uma vacina aprovada pelo senhor. Não uma eventual "vacina eleitoral" revelada por Trump antes da votação, portanto.

Vou aprovar e recomendar apenas uma vacina segura, aprovada de acordo com os padrões da Food and Drug Administration, a agência governamental que regulamenta os produtos farmacêuticos. Não estamos distantes, uma vacina eficaz já poderia estar disponível em novembro ou dezembro. Mas só será distribuída em 2021. Espero visitar a Itália no próximo Natal. Mas ninguém pode garantir isso.

Será o suficiente para todos?

Penso que sim, também porque não poderemos nos considerar imunes enquanto houver focos no mundo. Há planos de produzir milhões de doses para que não só a parte mais rica do mundo se beneficie dela. Organizações como a Gavi Alliance, a Fundação Bill e Melinda Gates e a própria Organização Mundial da Saúde estão trabalhando em programas que vão nessa direção.

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sexta-feira, 9 de outubro de 2020

A oportunidade de conhecer o pensamento de Luiz Gama - Ligia Fonseca Ferreira, Leila Kiyomura (Jornal da USP)

A oportunidade de conhecer o pensamento de Luiz Gama

Coletânea recém-lançada reúne textos essenciais do negro ex-escravizado que rompeu barreiras, liderou luta abolicionisa e teve enorme influência no debate intelectual do fim do século XIX. Visão do racismo institucional tem enorme atualidade

Por Leila Kiyomura, no Jornal da USP

“Qual é verdadeiramente e onde encontrar a obra de Luiz Gama? O que ela nos diz sobre seu espantoso letramento e sólida cultura, sobre as estratégias mobilizadas por um negro e ex-escravizado que se torna uma liderança num mundo de brancos?” Foi esse questionamento que levou Ligia Fonseca Ferreira a fazer uma pesquisa de doutorado, iniciada no final dos anos 1990 na Biblioteca Brasiliana que, na época, ficava na residência do bibliófilo José Mindlin. Também foi esse questionamento que, duas décadas depois, a professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) lembrou em seu discurso, no início desta primavera, ao ser homenageada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A pesquisadora, doutora pela Universidade de Paris 3, na França, foi condecorada com a medalha Luiz Gama, na primeira vez que uma não jurista a recebe.

A professora Ligia Fonseca Ferreira – Foto: acervo pessoal

“Difícil dizer da minha honra, alegria e emoção de receber esta medalha, plena de simbolismos, resumidos no magnífico desenho de Oscar Niemeyer, especialmente neste ano de 2020 em que se celebram os 190 anos de Luiz Gama, cujo pensamento, exemplo e valores ainda mantêm seu frescor”, continuou Ligia para os integrantes da OAB. Emocionada, ressaltou: “Confesso, igualmente, ter ficado surpresa com a notícia desta recompensa inimaginável, sendo eu professora da área de letras”.

Ligia trava o desafio de “trazer a história e a obra de Luiz Gama para o campo da literatura, da história do abolicionismo, da república, das ideias jurídicas e do jornalismo”. Um trabalho que resultou em livros, artigos, no pós-doutorado no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, nos grupos de pesquisa do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e no recém-lançado Lições de Resistência: Artigos de Luiz Gama na Imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro, publicado pelas Edições Sesc São Paulo, obra que reúne textos de um dos principais ativistas do movimento abolicionista e republicano.

O livro enfoca, segundo Ligia, o poeta e advogado autodidata Luiz Gama, mas destaca seu principal legado, que são seus escritos, que ainda permanecem pouco conhecidos. “São 61 artigos integrais, dos quais 42 inéditos, publicados em nove jornais paulistas e cariocas entre 1864 e 1882, data em que falece, no auge de seu prestígio, um dos mais notáveis pensadores negros do século 19”, explica. “Os leitores de hoje podem acompanhar a carreira de um jornalista negro que rompeu barreiras, conquistou o saber e se tornou figura de destaque no meio letrado, em sua época exclusivo de brancos. Luiz Gama fazia questão de demonstrar, através de seu exemplo, a falácia das crenças pseudocientíficas em voga numa sociedade escravocrata convencida da incapacidade intelectual e inferioridade moral dos africanos e seus descendentes, base da ideologia racista que ainda persiste entre nós.”

Baiano de Salvador, Luiz Gonzaga Pinto da Gama nasceu no dia 21 de junho de 1830. “Filho de uma africana livre, Luiza Mahin, foi vendido como escravo aos 10 anos de idade pelo pai branco, aparentemente arruinado pelo jogo, e permaneceu assim até os 17, quando conquistou a sua própria liberdade”, conta Ligia.

Busto de Luiz Gama instalado no Largo do Arouche, em São Paulo – Foto: Mube Virtual

Na introdução de Lições de Resistência, a pesquisadora narra detalhes da vida de Luiz Gama e apresenta trechos de seus artigos, oferecendo ao leitor reflexões para compor fatos ignorados da história do Brasil. “É preciso lembrar que, no contexto em que viveu, um negro que pensa, escreve e através da escrita questiona e desafia o status quo escravista representa uma façanha histórica, um gesto político, uma mensagem para a posteridade, um exemplo que todos os brasileiros deveriam conhecer”, comenta Ligia. “Luiz Gama dissecou igualmente, em narrativas destinadas a comover o público, como funcionava a justiça para negros e a justiça para brancos. Enquanto nos jornais se anunciavam fugas e ‘crimes’ cometidos pelos escravizados, o jornalista que conheceu o cativeiro mostrava o outro lado da moeda, ou seja, o crime dos senhores que dispunham do corpo, da alma e da vida de seus escravos a seu bel-prazer.”

A leitura de seus escritos, segundo a professora, é de surpreendente atualidade. “Há 150 anos, denunciou o racismo institucional, pregando valores antirracistas pelos quais hoje boa parte do mundo inteiro se mobiliza”, afirma. Ligia acredita que, aos poucos, Luiz Gama começa a encontrar um lugar na historiografia literária e nas ideias jurídicas no Brasil. “Agora parece-me fundamental dar visibilidade à sua atuação num campo ao qual se dedicou com ardor e paixão, e estruturador de uma identidade profunda, e preencher, assim, uma lacuna na história da imprensa brasileira. É a contribuição que espera dar este novo livro, dedicado a Luiz Gama que, pouco depois de sua morte, foi saudado por seus pares como um trabalhador incansável do jornalismo.”

Lições de Resistência: Artigos de Luiz Gama na Imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro é uma referência para a reflexão dos movimentos contra o racismo que estão acontecendo em diversos países. Mas a sua publicação não previu estar no contexto da realidade atual.

“Foi uma coincidência o livro sair exatamente neste momento”, diz Ligia Ferreira. “Acredito que, se estivesse vivo hoje, o jornalista e ativista Luiz Gama estaria na linha de frente de movimentos como Vidas Negras Importam e Vidas Importam, da defesa dos direitos humanos e, como filho de uma ‘estrangeira’ que foi deportada, sua atenção se voltaria igualmente para a situação de imigrantes e refugiados no Brasil.”

Importante também destacar que o jornalista dedicou um cuidado especial ao trabalho e à honra das mulheres negras. “Certamente tocado pela lembrança da figura materna, o filho da quitandeira africana Luiza Mahin defendeu quitandeiras libertas que, expulsas do centro da cidade onde exerciam tradicionalmente seu ofício, reivindicavam o direito de para lá retornar e poder trabalhar.” Ligia conta que o advogado moveu processos para obter alforria de mulheres escravas que os senhores obrigavam a se prostituir.

Luiz Gama viveu em São Paulo por 42 anos, onde morreu no dia 24 de agosto de 1882. “Nenhuma situação irregular relativa à vida dos negros parece ter escapado a Luiz Gama. Membro da maçonaria, na qual teve posições de liderança, ele contou com a aliança de muitos companheiros brancos que, ao seu lado, abraçavam suas lutas e, juntos, pregavam os valores antirracistas.”

Ilustração publicada no livro Lições de Resistência – Foto: Reprodução

Lições de Resistência é prefaciado pelo historiador Luiz Felipe Alencastro. “É uma grande honra para mim, pois o professor Alencastro ocupava a cadeira de História do Brasil na Universidade de Paris 4, e nessa qualidade foi membro da banca de defesa de meu doutorado.”

Luiz Gama, como ele costumava comentar, deixa uma esperança no horizonte. “Cem anos antes de Martin Luther King, ele dizia ter um sonho sublime: as terras do Cruzeiro, sem reis e sem escravos”, afirma Ligia Fonseca Ferreira.

   

Documentos americanos sobre a repressão violenta da ditadura militar - Mariana Sanches (BBC-Brasil)

 Os 'documentos secretos' levados por Joe Biden ao Brasil que desafiam versão de Bolsonaro sobre ditadura

Em 2014, o então vice-presidente veio ao Brasil e entregou pessoalmente os documentos que contava sobre o período militar. Sua posição sobre a história brasileira diverge da de Bolsonaro.

Se havia alguma dúvida de que o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e o presidenciável democrata Joe Biden estão em lados políticos opostos, o debate entre Biden e o presidente Trump na última semana tratou de dissipá-las. Na ocasião, Biden, favorito para vencer o pleito de 3 de novembro pelas atuais pesquisas, criticou a devastação da Amazônia e aventou até sanções econômicas ao país.

O meio ambiente, no entanto, está longe de ser o único tema de discordância entre Biden e Bolsonaro. O ex-vice-presidente americano está no centro de uma das empreitadas pelas quais o atual presidente brasileiro mais demonstrou desprezo e resistência: a apuração, pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), de crimes e violações cometidos por agentes públicos durante a ditadura militar, entre 1964 e 1985.

Em 17 de junho de 2014, Biden, o então vice-presidente na gestão Barack Obama, desembarcou em Brasília com um objeto especial na bagagem: um HD com 43 documentos produzidos por autoridades americanas entre os anos de 1967 e 1977. A partir de informações passadas não só por vítimas, mas por informantes dentro das Forças Armadas e dos serviços de repressão, os relatórios americanos detalhavam informações sobre censura, tortura e assassinatos cometidos pelo regime militar do Brasil.

Até aquele momento, a maior parte dos documentos era considerada secreta pelo governo dos Estados Unidos, que apoiou e colaborou com a ditadura durante boa parte do período em que os militares estiveram no poder.

Biden sabia bem do que se tratava. E sabia também que produziria impacto real ao passar a mídia para as mãos da então presidente brasileira Dilma Rousseff, ela mesma uma das oposicionistas torturadas nos porões da ditadura.

É certo que o governo americano poderia ter enviado o material por internet, pela embaixada nos Estados Unidos.

Mas a gestão Obama-Biden queria gravar seu nome no ato de abertura dos documentos, como um manifesto pela transparência e pelos direitos humanos.

Mais do que isso, queria melhorar relações diplomáticas com base na troca de informações altamente relevantes para a história de países como Brasil, Argentina e Chile.

No caso do Brasil, isso era ainda mais estratégico já que a revelação, meses antes, de que a Agência Nacional de Segurança americana (NSA, na sigla em inglês) havia espionado conversas da mandatária brasileira abalou o alicerce das relações entre os dois países.

"Estou feliz de anunciar que os Estados Unidos iniciaram um projeto especial para desclassificar e compartilhar com a Comissão Nacional da Verdade documentos que podem lançar luz sobre essa ditadura de 21 anos, o que é, obviamente, de grande interesse da presidente", afirmou Biden, sorridente, ao lado de Dilma.

Sem ditadura

A própria definição dada por Biden do regime militar é hoje refutada por Bolsonaro, que nega ter havido ditadura no país.

"Espero que olhando documentos do nosso passado possamos focar na imensa promessa do futuro", concluiu Biden.

Cinco anos após esse encontro entre Dilma e Biden, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro desqualificou por completo as revelações feitas pela CNV, das quais os documentos trazidos por Biden são peça fundamental.

"A questão de 64 não existem documentos se matou ou não matou, isso aí é balela, está certo?", disse Bolsonaro.

O presidente respondia à imprensa, que questionava uma declaração sua dada no dia anterior para atingir o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz. Bolsonaro disse pra Santa Cruz que poderia esclarecer a ele como seu pai havia desaparecido.

De acordo com a Comissão Nacional da Verdade, Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, pai do presidente da OAB, foi visto pela última vez em fevereiro de 1974, quando foi preso no Rio de Janeiro por agentes do DOI-Codi. Oliveira jamais voltou a ser visto. Ele morreu nas mãos dos agentes.

"Comissão da Verdade? Você acredita em Comissão da Verdade?Você quer documento para isso, meu Deus do céu? Documento é quando você casa, quando você se divorcia. Eles têm documento dizendo o contrário?, acrescentou Bolsonaro.

Mas, afinal, o que há nos documentos trazidos por Biden?

"O suspeito é deixado nu, sentado e sozinho em uma cela completamente escura ou refrigerada por várias horas. Na cela há alto-falantes, que emitem gritos, sirenes e apitos em altos decibéis. Então, o detido é interrogado por um ou mais agentes, que o informam qual crime acreditam que a pessoa tenha cometido e que medidas serão tomadas caso não coopere. Nesse ponto, se o indivíduo não confessa, e se os agentes consideram que ele possui informações valiosas, ele é submetido a um crescente sofrimento físico e mental até confessar."

"Ele é colocado nu, em uma pequena sala escura com um chão metálico, que conduz correntes elétricas. Os choques elétricos, embora alegadamente de baixa intensidade, são constantes e eventualmente se tornam insuportáveis. O suspeito é mantido nessa sala por muitas horas. O resultado é extrema exaustão mental e física, especialmente se a pessoa é mantida nesse tratamento por dois ou três dias. Em todo esse período, ele não recebe comida nem água."

O texto acima é um trecho de um documento de sete páginas enviado pelo consulado americano do Rio de Janeiro ao Departamento de Estado, em 1973, e trazido por Biden em sua visita.

A comunicação diplomática informa que 126 pessoas teriam passado por tratamento parecido ao relatado, além de outras formas de sevícias, como o "pau de arara". O informe é feito não só com base em depoimentos de vítimas, mas de informantes militares, cuja identidade aparece protegida por trechos apagados no documento.

Detalhes

"Esse é um dos relatórios mais detalhados sobre técnicas de tortura já desclassificados pelo governo dos Estados Unidos", afirmou à BBC News Brasil Peter Kornbluh, diretor do Projeto de Documentação Brasileiro do Arquivo de Segurança Nacional Americano, em Washington D.C.

Ainda de acordo com Kornbluh, "os documentos americanos ajudam a lançar luz sobre várias atrocidades e técnicas (de tortura do regime). Eles são evidências contemporâneas dos abusos dos direitos humanos cometidos pelos militares brasileiros. Quase todo o mundo acredita neles. As pessoas que preferem não reconhecer a verdade sobre o que foi feito são os Bolsonaros e aqueles que realmente cometeram esses crimes".

Mas nem sempre Bolsonaro nega que a ditadura tenha cometido violações aos direitos humanos. Em julho de 2016, em uma entrevista à rádio Joven Pan, ele afirmou: "O erro da ditadura foi torturar e não matar".

E dois anos mais tarde, em meados de 2018, quando já estava em pré-campanha presidencial, confrontado com a informação de um relatório da CIA, aberto em 2015 no escopo do mesmo projeto de desclassificação de Biden, que o presidente Ernesto Geisel teria aprovado a execução sumária de adversários do regime, o atual presidente disse à rádio Super Notícia: "Errar, até na sua casa, todo mundo erra. Quem nunca deu um tapa no bumbum do filho e depois se arrependeu? Acontece."

Tortura e morte

Um dos outros documentos trazidos por Biden evidencia que a máquina repressiva da ditadura brasileira não só torturou como matou. Nele, o cônsul-geral americano em São Paulo, Frederic Chapin, afirma que ouviu o relato de "um informante e interrogador profissional trabalhando para o Centro de Inteligência Militar de Osasco", em São Paulo.

Em um telegrama de maio de 1973, Chapin escreve o seguinte: "Ele (o informante) explicou como havia quebrado uma célula 'comunista' envolvendo um agente da polícia civil. O policial foi forçado a falar depois de ter tomado choques elétricos nos ouvidos e mencionou sua conexão com uma amiga, que foi imediatamente detida. Ela não foi cooperativa, no entanto, então foi deixada no pau-de-arara por 43 horas, sem alimentos ou água."

"Isso a quebrou, nossa fonte contou. Tortura, de uma forma ou de outra, é prática comum em interrogatórios em Osasco. Ele também nos deu um relato em primeira mão do assassinato de um subversivo suspeito, o que chamou de 'costurar' o suspeito, ou seja, dar tiros nele da cabeça aos pés com uma arma automática."

O termo "costurar" seria referência a um método para desfigurar o cadáver e evitar sua futura identificação.

Assassinatos cometidos pela repressão

O cônsul Chapin relata ainda que "vários agentes de segurança nos informaram que suspeitos de terrorismo são mortos como prática padrão. Estimamos que ao menos doze tenham sido mortos na região de São Paulo no ano passado (1972)".

Ao registrar as mortes em São Paulo, Chapin aponta para a atuação do coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, o chefe do DOI-Codi paulista, um dos principais órgãos de repressão do país, entre 1970 e 1974. Ustra foi o primeiro militar brasileiro a ser condenado civilmente pela Justiça pelos crimes de tortura. Ele é também considerado um herói e uma referência por Bolsonaro, que já afirmou ter como livro de cabeceira a obra de Ustra, A verdade sufocada.

"Sou capitão do Exército, conhecia e era amigo do coronel, sou amigo da viúva. (...) o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra recebeu a mais alta comenda do Exército, a Medalha do Pacificador, é um herói brasileiro", afirmou Bolsonaro em 2016.

Enquanto era deputado, no dia da votação da abertura de processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff, naquele mesmo ano, Bolsonaro citou o militar em seu voto: "Perderam em 1964, perderam em 2016. (...) Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, pelo Exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é sim".

"Só terroristas"

Outro documento da leva de Biden desafia um argumento central de Bolsonaro sobre o período: o de que o regime militar só prendeu, torturou e matou "terroristas".

Em dezembro de 2008, quando o Ato Institucional número 5, instrumento da ditadura que cassou liberdades individuais, completava 40 anos, o então deputado federal Bolsonaro ocupou o plenário da Câmara para dizer: "Eu louvo os militares que, em 1968, impuseram o AI-5 para conter o terror em nosso País, (...) Mas eu louvo o AI-5 porque, pela segunda vez, colocou um freio naqueles da esquerda que pegavam em armas, sequestravam, torturavam, assassinavam e praticavam atos de terror em nosso País".

Mas em outubro de 1970, o serviço diplomático americano no Brasil mandou uma comunicação ao Departamento de Estado registrando os relatos de um cidadão americano, Robert Horth, que havia sido confundido com um extremista e preso no DEOPS, a unidade de polícia política paulista.

Horth não era um comunista subversivo e afirmou aos diplomatas americanos que "cinco dos seis prisioneiros em suas celas eram absolutamente inocentes da acusação de subversão política".

Outro documento, de dezembro de 1969, dá força ao questionamento sobre os crimes reais dos alvos escolhidos pela repressão ao informar que freiras dominicanas foram presas, humilhadas e torturadas em Ribeirão Preto.

"Mais do que trazer novos fatos, os documentos americanos foram cruciais porque comprovaram muitos fatos a partir de uma fonte insuspeita. Estamos, afinal, falando de relatórios da diplomacia dos Estados Unidos, que não tinham qualquer simpatia pelos oposicionistas de esquerda e que apoiavam os militares", afirmou à BBC News Brasil Pedro Dallari, relator da CNV.

Prova de que o governo americano era, naquele período, abertamente a favor do regime está em uma comunicação do embaixador americano William Rountree de julho de 1972. Na carta, ele alerta ao Departamento de Estado que qualquer tentativa de fazer críticas públicas contra o que qualifica como "excessos" cometidos contra os direitos humanos poderia "prejudicar nossas relações gerais".

CNV

Os documentos americanos tornaram-se especialmente importantes para a CNV diante da negativa das Forças Armadas Brasileiras de oferecer evidências que corroborassem os depoimentos de vítimas de tortura em dependências militares.

"Ao mesmo tempo em que chegavam os documentos americanos, recebíamos retorno dos militares dizendo que suas sindicâncias não localizaram nada", afirma Dallari.

Kornbluh concorda que, enquanto muito da documentação brasileira do período pode já ter se perdido, os arquivos americanos são fonte importante para acessar a história brasileira.

"Parte dos militares brasileiros esconderam com sucesso a maioria de seus próprios documentos e mantiveram isso fora do escrutínio público. E conseguiram escapar de qualquer tipo de responsabilidade legal por seus crimes contra os direitos humanos. E então os documentos americanos fornecem um histórico fidedigno de pelo menos alguns casos. E se as coisas mudarem no Brasil, essas são evidências de crimes que ainda podem ser litigados", afirma o especialista, que menciona a lei da Anistia, de 1979, que impediu a responsabilização criminal de agentes e oposicionistas por crimes cometidos durante a ditadura.

Em 2014, durante os trabalhos da CNV, o Exército brasileiro afirmou que não opinaria sobre o reconhecimento do Estado Brasileiro em relação às torturas, enquanto a Força Aérea e a Marinha disseram não ter provas para reconhecer, tampouco refutar as acusações de violações de direitos humanos nas décadas de 60 e 70.

O que o histórico diz sobre relação Brasil-EUA em possível governo Biden?

Para Dallari, apesar de o golpe de 1964 ter recebido o apoio do governo americano, então sob a batuta do democrata Lyndon Johnson, nas últimas décadas, os democratas deixaram claro ter interesse em colaborar com processos de investigação sobre atrocidades cometidas pelos governos na região e o papel dos Estados Unidos nelas.

"Eu não tenho porque duvidar que Obama e Biden tivessem real interesse em abrir essas informações. E o primeiro presidente americano a se opor a violações dos direitos humanos na região foi outro democrata, o presidente Jimmy Carter", diz ele, em referência ao presidente americano entre 1977 e 1981.

Na verdade, desde a administração Clinton, nos anos 1990, documentos secretos sobre ditaduras latino-americanas têm se tornado públicos. Mas foi na gestão Obama que essa abertura dos arquivos ganhou tons de política de relações exteriores, em algo que Kornbluh batizou de "diplomacia da abertura".

Além do Brasil, Argentina e Chile também receberam acesso a documentos, em um esforço americano para melhorar sua imagem e seu relacionamento na região.

E com Biden e Dilma, o especialista afirma que esse tipo de diplomacia alcançou um de seus pontos mais altos, já que as relações foram reconectadas depois da visita de Biden em 2014.

"Tenho certeza de que ele foi informado sobre o teor dos documentos. E é uma tarefa importante a de carregar esses documentos que descrevem violações graves dos direitos humanos durante a era militar. Certamente foi uma experiência de aprendizado para o vice-presidente Biden e um lembrete pungente para ele dos horrores cometidos", diz Kornbluh.

Em conversas com a BBC News Brasil, conselheiros da campanha de Biden têm dito que o tema dos direitos humanos é central para o candidato, especialmente na América Latina.

Mas embora ainda exista um grande arquivo intocado sobre a história da ditadura do Brasil, especialmente de informações dos órgãos de inteligência como FBI e CIA, é improvável que Biden faça qualquer nova abertura se vencer as eleições.

Isso porque documentos secretos americanos sobre outros países só podem se tornar públicos se os governos dessas nações requisitarem acesso aos americanos. E hoje não há interesse no governo brasileiro por esse tipo de informação.

"Naquele momento, a abertura foi importante e ajudou os dois países a se reaproximarem. Agora, em um possível governo Biden, com Bolsonaro no Brasil, é um contexto completamente diferente. Mas se Bolsonaro cometer violações de direitos humanos, a administração Biden agiria de modo muito mais rápido e negativo do que Trump e pressionaria Bolsonaro a parar", diz Kornbluh.


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O presidente volta a declarar guerra à Argentina - G1

 Por enquanto é retórico, mas ele parece mesmo disposto a livrar o continente do comunismo. Vai começar pela esquerdalha do país vizinho...

Paulo Roberto de Almeida

'Povo argentino, lamento, é o que vocês merecem', diz Bolsonaro sobre governo de país vizinho

Bolsonaro se comparou ao ex-presidente argentino Macri, que perdeu disputa de reeleição em 2019. Depois, chamou Fernández de 'esquerdalha' e criticou apoio à legalização do aborto.

Mateus Rodrigues - G1, 8/10/2020

O presidente Jair Bolsonaro chamou de "esquerdalha" nesta quinta-feira (8), durante transmissão em rede social, o governo do presidente da Argentina, Alberto Fernández. Após criticar a gestão do país vizinho, disse que isso é o que o povo argentino "merece".

Bolsonaro se referiu à Argentina para rebater críticas que vem sofrendo dos próprios apoiadores, nas redes sociais, por decisões recentes do governo (veja abaixo). Segundo ele, o mesmo aconteceu com o ex-presidente da Argentina Mauricio Macri, de tendência liberal, que não se reelegeu em 2019.

"O Macri se elegeu na Argentina há cinco anos, discurso parecido com o meu. Um dos primeiros países que conseguiram se ver livres da turminha do Foro de São Paulo. Era a turminha da Cristina Kirchner, da Dilma. [Macri] Não conseguiu fazer tudo que queria, tinha problemas. Que que o pessoal fez com o Macri? Porrada nele o dia todo, inclusive chamando de abortista", disse Bolsonaro.

"O que aconteceu? Voltou a 'esquerdalha' da Cristina Kirchner. Tome conhecimento o que está acontecendo na Argentina. E detalhe: vi na imprensa hoje que o presidente vai legalizar o aborto na Argentina. Tá aí, povo argentino, lamento, é o que vocês merecem", prosseguiu.

As declarações de Bolsonaro sobre a situação política da Argentina foram usadas por ele para rebater críticas de apoiadores em redes sociais – por exemplo, à indicação do desembargador Kassio Marques para uma vaga no Supremo Tribunal Federal.

"A gente tinha dez nomes, bons nomes, mas eu tenho que compor. [...] 'Ah, o Kassio é abortista.' Baseado em que, cara pálida? Acha que eu ia colocar um abortista lá?", questionou Bolsonaro.

"Pessoal que me critica, vocês estão perdendo a chance de bater em mim. Vejam os reitores, eu estou indicando cara do PCdoB, do PSOL, tem universdade que é do PT. É só pegar o Diário Oficial. Chega lista tríplice pra mim e os três são do PSOL. Às vezes é do PT, PCdoB e PSOL, o menos pior é do PSOL", disse.

"Vai chegar pra mim lista tríplice do STJ [Superior Tribunal de Justiça]. A lista vai ser feita pela OAB [Ordem dos Advogados do Brasil]. Qualquer nome que eu escolha, vocês vão bater. Quer dar porrada em mim, dá por motivo justo", prosseguiu Bolsonaro.