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quinta-feira, 11 de março de 2021

O Brasil virou um pária internacional?: crônicas de Ereto da Brocha sobre o Itamaraty bolsolavista - brochura por Paulo Roberto de Almeida

 Alguém aí estava com saudades do cronista misterioso do Itamaraty? Acabo de consolidar mais de quatro dezenas de crônicas recebidas até o momento numa nova brochura com novo título: 

3866. O Brasil virou um pária internacional?, Brasília, 11 março 2021, 73 p. Coletânea de todas as crônicas recebidas indiretamente do cronista misterioso do Itamaraty, assinando Ereto da Brocha. Divulgação online na plataforma Academia.edu, link: https://www.academia.edu/45478771/O_Brasil_virou_um_paria_internacional_Ereto_da_Brocha_o_cronista_misterioso_do_Itamaraty_2021_

Índice


Nota liminar à 3ª. edição dos petardos do cronista misterioso do Itamaraty, 4

Um imagem talvez exagerada, mas talvez significativa, 8

Capa da 2ª. edição das Crônicas do Itamaraty bolsolavista, 9

Nota liminar à 2ª. edição das Crônicas do Itamaraty bolsolavista, 10

Introdução pessoal às crônicas do diplomata anônimo,  12

Paulo Roberto de Almeida

 

Crônicas recebidas até 11/03/2021

 

1. O papel do asno na sociedade brasileira (semana 01) ,  15

2. Gusmão rendido  (semana 02),  16

3. Pela restauração! (semana 03),  17

4. Franjas lunáticas (semana 4) ,  18

5. O Anti-Barão (semana 05) , 19

6. Alienáveis alienígenas (semana 06) , 20

7. Nobel (semana 07) ,  21

8. Sussurram os Corredores (semana 08) ,  22

8bis. Bolo de Laranja Lima (semana 08-bis) , 23

9. Meu caro amigo (semana 09) ,  24

10. Aos fatos (semana 10) ,  25

11. Kejserens nye Klæder (semana 11) [As Roupas Novas do Rei], 26

12. A Era do Rádio (semana 12) , 27

13. Era uma vez na Arábia um homem chamado Abu (semana 13 - Parte 01), 28

14. ABU V, o heterônimo (semana 14 - Parte 02), 29

15. O estranho caso de Abu (semana 15), 30

16. A jornada do herói (semana 16), 31

17. Rumo à Idade Média (semana 17) , 33

18. Patriotas (semana 18) , 34

19. Os leitões de Niemöeller (semana 19),  35

20. Receita contra o globalismo (semana 20) ,  37

21. O Ig Nobel (semana 21) , 38

22. O Discurso [na ONU] (semana 22) , 39

22bis. Neologismos (semana 22-bis) ,  40

23. As cinzas de Pompeia (semana 23) , 41

24. Réquiem para um povo (semana 24) , 42

25. A Estagnação Freudiana do Bolsonarismo (semana 25) ,   43

26. É bom ser pária (semana 26) , 45

27. O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (semana 27) , 47

28. E agora, José? (semana 28) , 48

29. Sozinho (semana 29) ,  49

30. Xarab Fica? (semana 30) , 50

31. Banana Split (semana 31) ,  51

32. Tecito de Moringa (semana 32) ,  53

33. A família Bean (semana 33) ,  55

34. Retorno a Asa Branca (semana 34) ,  56

35. Presente de Natal (semana 35),  58

36. Feliz Ano Velho (semana 36)  ,  60

37. Volume II, Capítulo 01 (semana 37) ,  62

38. Os Destruidores de Mundos (semana 38) ,  64

39. Ministro em Fuga (semana 39) ,  65

40. Batendo palma para maluco dançar (semana 40) , 67

41. Sobre lobos e progressistas (semana 41) ,  68

42. Façam as Contas (semana 42) ,  69

43. O Estandarte do Sanatório Geral (semana 43),  71

 

Um cronista misterioso anima a RESISTÊNCIA no Itamaraty , 73

Paulo Roberto de Almeida

 

Do prefácio à 3a edição: 


(...)


A primeira edição deste caderno, intitulada apenas “Crônicas do Itamaraty bolsolavista”, foi preparada em meados de agosto de 2020, e continha apenas uma dúzia de saborosos petardos; ela pode ser acessada na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43909791/Cronicas_do_Itamaraty_bolsolavista_Cronista_misterioso_2020_). A segunda, já intitulada “Um ornitorrinco no Itamaraty” – que era o título de um dos capítulos de meu segundo livro do ciclo: O Itamaraty num labirinto de sombras – foi concluída no início de novembro, já com o dobro de crônicas, ao mesmo tempo em que eu publicava o meu terceiro livro da série: Uma certa ideia do Itamaraty, e já estava colocando um ponto final num quarto: Apogeu e demolição da política externa brasileira (ainda não publicado, justamente em função da mudança e para aguardar novos eventuais desenvolvimentos da mudança de orientação na política do império, que afastou o líder e modelo dos ignorantes imitadores bolsonaristas); como a primeira, ela também foi postada na plataforma Academia.edu (acesso neste link: https://www.academia.edu/44437505/Um_Ornitorrinco_no_Itamaraty_cronicas_do_Itamaraty_bolsolavista_Ereto_da_Brocha_2020_). 

Esta terceira edição, recolhe todas as crônicas anteriores, e suas respectivas introduções setoriais e prefácios gerais, num total de 43 petardos para todos os gostos e inclinações. O título foi dado pelo próprio protagonista desta “página infeliz de nossa história” e parece se encaixar inteiramente na imagem que o Brasil projeta no mundo. Tenho uma reclamação a fazer ao Cronista Misterioso, que não sei se me lerá ou não: ele costuma apenas indicar a série numérica dos seus textos, sem datar cada uma delas específica e precisamente. Como existe uma decalagem temporal entre a sua escritura e meu recebimento e publicação, ficamos sem saber quando exatamente foi escrita uma determinada crônica, a menos de uma indicação qualquer (semana de Natal, por exemplo, ou primeira crônica de 2021). Vou pedir ao nosso Batman que coloque a data precisa de sua redação, mas não sei se ele me lerá, ou se acatará a sugestão. A situação que estamos vivendo no Itamaraty é tão absurda, tão maluca, que só a derrisão, o escárnio, a gozação podem trazer um pouco de alento aos desalentados diplomatas, que desprezam o seu falso chefe, mas precisam aparentar disciplina e obediência, pois o desequilibrado é dado a retaliações raivosas (por exemplo, ele gostaria de me esganar, estou certo disso, justo eu que só me disputo com as palavras).

Alguém já me indagou sobre copyright, algo impossível de determinar neste momento. Haverá um dia em que o Batman virá à luz, mas no momento cabe apenas atribuir-lhe direitos morais, o que faço com grande prazer. Fico aguardando com certa ansiedade as novas crônicas, que me chegam aos pingadinhos, e imagino que elas só cessarão quando o alucinado e alucinante chanceler acidental deixar os diplomatas (e o Brasil), em paz, recolhendo-se à sua mediocridade, ou desaparecendo em algum buraco negro da política brasileira.

Por que faço a cuidadosa transcrição de cada uma das crônicas individualmente e ainda tenho a pachorra de compor um livreto a cada nova safra recebida? Confesso que é por puro divertissement, um traço distintivo do meu blog Diplomatizzando. Como lembra o poeta Mário Quintana, retomado em parte pelo nosso cronista, eles passarão, nós passarinho... Amanhã vai ser outro dia...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 11 de março de 2021

  


Resenha de Carlo Maria Cipolla: As Leis Fundamentais da Estupidez Humana (2006) - Paulo Roberto de Almeida

 Minha resenha preliminar de 2006, que antecedeu à resenha mais extensa de 2012: 

 

As Leis Fundamentais da Estupidez Humana

 

 Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 12 abril 2006


Com esse título, o famoso historiador econômico e medievista italiano Carlo Maria Cipolla compôs, em algum momento dos anos 1980, um pequeno ensaio, humorístico-irônico, que foi transformado em peça de teatro alguns anos depois. Em 1995, eu assisti a essa peça em Paris e, absolutamente fascinado pelo espírito irreverente do texto “ceboliano”, comprei imediatamente, no próprio teatro, o livro no qual ela tinha sido baseada, nesta edição: Allegro ma non troppo: Les lois fondamentales de la stupidité humaine (Paris: Balland 1992). O livrinho continha outros ensaios da mesma verve, como este outro: “Do papel dos condimentos (e da pimenta em particular) no desenvolvimento econômico da Idade Média”, menos brilhante que aquele sobre a estupidez, mas também divertido.

Pois bem, onze anos depois, encontrando-me agora absolutamente fascinado pela quantidade de erros, equívocos e outros “desvios” (palavra neutra, de cunho humorístico-irônico) de comportamento deste nosso “governo” – que só posso atribuir, por um lado, à sua fenomenal estupidez e, por outro lado, a uma igualmente fenomenal capacidade de mentir, de cometer perjúrio, enfim, de afundar na hipocrisia e na desfaçatez –, lembrei-me desse livrinho e fui buscá-lo em minhas estantes. Para minha frustração – e que isso me sirva de lição por não arrumar a biblioteca como deveria – não o encontrei, o que me deixou bastante ressabiado. Não seja por isso, saquei do computador – inatacável para esse gênero de recuperação – as poucas notas de leitura, que transcrevo abaixo, de trechos selecionados do ensaio de Cipolla, às quais acrescento agora comentários que acredito serem o mais à propos possíveis para estes tempos impagáveis que estamos vivendo.

Caberia, em primeiro lugar, definir o que é uma pessoa estúpida. Segundo Carlo Maria Cipolla, “os seres humanos incluem-se numa das quatro categorias fundamentais: os crédulos, os inteligentes, os bandidos e os estúpidos”. Não me lembro agora se Carlo Cipolla considera estas quatro categorias exclusivas e excludentes, mas eu tenho a nítida impressão de que alguns dos nossos atuais governantes são, ao mesmo tempo, estúpidos e bandidos, ao passo que alguns dos seus eleitores são, ao mesmo tempo (ou talvez de forma subseqüente), ingênuos, isto é, crédulos, e estúpidos. Isso acontece. Tem também aquela categoria de militante que é, se ouso dizer, um “crédulo profissional”, ou seja, um ser profundamente religioso, imbuído de uma verdade que transcende a razão.

Cipolla define a pessoa estúpida da seguinte maneira: “uma pessoa estúpida é alguém que causa um dano a outra pessoa ou a um grupo de pessoas, sem que disso resulte alguma vantagem para si, ou podendo até vir a sofrer um prejuízo”. Considerando a enorme capacidade que parecem ostentar certos dirigentes de causarem problemas para si mesmos, ao tentarem atacar seus adversários, eu considero que a definição se encaixa perfeitamente no figurino. Nunca, ninguém, em 500 anos de história do Brasil, abusou tanto da faculdade de se ridicularizar a si próprio como certos comediantes profissionais que pensam que estão num picadeiro quando na verdade ocupam altos cargos políticos. Se reconhecermos, então, a extrema habilidade que eles exibem de atirarem no próprio pé, ao pretenderem fazer alguma “armação” contra um adversário político, seria preciso considerar, nesse caso, a introdução de alguma categoria de prêmio do gênero: “Prêmio (ig)nobel de autoflagelação política”.

O historiador italiano nos alerta contra o perigo de confundir uma pessoa estúpida com uma pessoa crédula ou ingênua (isto é, pessoa que causa dano a si mesma, causando benefícios a outras) ou com um bandido (pessoa que cuida dos seus interesses e causa danos aos outros). Acho que o leitor deste espaço não corre esse risco, mas isso não elimina a possibilidade de que essas duas ou três categorias se encontrem ocasionalmente (ou de forma regular) confundidas numa única e mesma pessoa. Mas não é, longe disso, a “santíssima trindade”. No Brasil, corre-se esse risco, concretamente: existem bandidos que são estúpidos, assim como existem estúpidos que são ingênuos, embora, a julgar pela maior parte dos políticos que se encaixam no molde, seja mais difícil encontrar bandidos políticos que sejam ingênuos (mas alguns são, sobretudo de certo partido).

Ele também acha que é nitidamente impossível confundir a pessoa estúpida com a inteligente (aquela que busca benefícios para si mesma e para os demais), embora eu não tenho certeza de que esse princípio se aplique igualmente ao Brasil. Aqui, como reza um velho ditado, a esperteza pode ser “tanta que cresce e engole o dono”. Pois é isso que parece ter ocorrido nesses momentosos meses que precederam o escândalo do mensalão. Os “espertos” de certos meios políticos se julgavam expertos em patifarias, inteligentes em mil maneiras de burlar a lei e de enganar os incautos e ingênuos – que seríamos todos nós – mas eles parecem ter ido longe demais. Se achavam tão inteligentes como ninguém que foram estúpidos ao ponto de chegarem a fazer acordos de “cavalheiros” (com perdão da expressão) com gente ainda mais bandida do que eles. Deu no que deu: o bandidão se julgou lesado pelos “inteligentes” e botou a boca no trombone. Santa ingenuidade...

Das cinco leis fundamentais da estupidez humana de Carlos Maria Cipolla (só cinco?), transcrevo agora apenas duas, a primeira e a última: “Sempre, e inevitavelmente, cada um de nós subestima a quantidade de indivíduos estúpidos em circulação” – o que pode ser, digo eu, um perigo para a segurança do tráfego – e “os indivíduos estúpidos são as pessoas mais perigosas que possam existir” (eu não dizia?). Sim, elas são perigosas, para si mesmas e para todos os demais, sobretudo quando imbuídas de alguma missão salvadora e transcendental, do tipo querer tudo transformar, para dizer depois que “nunca antes, na história deste país, patati-patatá...”

Como diria um desses brokers ingleses (que não me levem a mal): “nunca antes na história deste país alguém deixou de ganhar dinheiro ao apostar na estupidez humana”. Ou seja, sempre haverá, em algum lugar incerto e não sabido, alguma pessoa estúpida o suficiente para lhe permitir ganhar tranquilamente a sua aposta. Pena que essa instituição do “brokerage” – tão comum nas terras britânicas, onde se aposta até sobre a sexualidade da família real – não seja mais disseminada neste nosso país tropical, pois poderíamos ter inúmeras oportunidades para novos ganhos (que poderiam inclusive ser taxados com uma nova contribuição ou taxa para a resolução de um enorme problema social). Ou seja, seria uma grande contribuição para o aumento do PIB (não confundir com o outro PIB, este aqui é o da Produção Interna de Bobagens...).

Com sua abordagem científico-humorística, Carlo Cipolla demonstra que a distribuição da estupidez se dá ao acaso e é independente da religião, do gênero, da cor da pele, da ideologia política, enfim, ela não tem nada de cultural. Se existisse um gene da estupidez, ele seria certamente distribuído completamente por acaso, e talvez de maneira uniforme na população, com algumas particularidades. Nossos políticos, por exemplo, não são, na média, mais estúpidos que os cidadãos comuns, mas em contrapartida, eles podem ser muitomais bandidos, e de fato o são. OK, não vamos generalizar, existem muitos políticos que não são bandidos, mas acho que para ser político é preciso ter, de toda forma, uma dose de hipocrisia acima do normal...

Finalmente, termino com esta duas considerações de Carlo Maria Cipolla sobre a manutenção do nível geral de estupidez, em condições normais de pressão atmosférica e de temperatura democrática: “Num sistema democrático, as eleições gerais são um instrumento de grande eficácia para assegurar a estabilidade de estúpidos entre os poderosos”. E, aos estúpidos, “as eleições oferecem-lhes uma magnífica ocasião para prejudicar todos os outros, sem obter qualquer ganho com as suas ações”. Acho que ele tem razão, mas poderemos fazer um teste prático de suas teorias, normalmente ambientadas num cenário italiano – que tampouco pode ser classificado como ao abrigo da estupidez –, em nossa própria terra, dentro de mais alguns meses.

Sim, antes que me esqueça, prometo procurar o livrinho nas minhas estantes para aqui transcrever, num próximo ensaio, a totalidade das cinco leis fundamentais de Carlo Maria Cipolla sobre a estupidez humana, quem sabe até introduzindo mais algumas de contrabando?


Publicado no site do Instituto Millenium (17/04/2006)

Publicado em Via Política (6.12.2009).

Relação de Publicados n. 941.

 

As leis fundamentais da estupidez humana, em edição brasileira - Carlo Maria Cipolla; resenha de Paulo Roberto de Almeida

 Descubro agora, comprando livros na Amazon, que uma de minhas leituras preferidas – já li em francês, em italiano e em inglês – está agora disponível ao público brasileiro: 


O que eu já escrevi sobre esse livro? Basicamente dois textos em dois momentos diferentes. O primeiro, de número 1576, foi feito em caráter anônimo, uma vez que eu ainda estava trabalhando para o governo, por isso publicado com outro nome em blogs de terceiros (dois), nos quais os links originais já não funcionam mais. Mas em 2019 eu o publiquei neste blog, onde ele ainda pode ser encontrado...

O segundo texto, uma verdadeira resenha, foi feito em 2012, a partir de uma confrontação de três edições, e também está disponível no link referido. Vou transcrever mais abaixo.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 11 de março de 2021


1576. “As Leis Fundamentais da Estupidez Humana”, Brasília, 12 abril 2006, 4 p. Considerações sobre as leis do historiador econômico italiano Carlo Maria Cipolla, sobre a estupidez humana, aplicadas ao Brasil; publicadas no blog do Instituto Millenium em 17 de abril de 2006. [Registro original na lista de trabalhos sob outros nomes suprimido] Publicado no blog Diplomatizzando (26/01/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/01/as-leis-fundamentais-da-estupidez.html).


2397. “As Leis Fundamentais da Estupidez Humana”, Paris, 20 maio 2012, 5 p. Digressões em torno do livro: Carlo M. Cipolla: Les Lois Fondamentales de la Stupidité Humaine (Traduit de l’Anglais par Laurent Bury; Paris: Presses Universitaires de France, 2012, 72 p.; ISBN: 978-2-13-060701-4; 7 euros). Postado no blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.fr/2012/05/as-lei-fundamentais-da-estupidez-humana.html).


As Leis Fundamentais da Estupidez Humana

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orgpralmeida@me.com)

 

Finalmente, consigo colocar as mãos, ou os olhos mais exatamente, numa tradução mais conforme da famosa obra do historiador econômico Carlo Maria Cipolla. O texto tinha sido publicado em inglês, em edição de autor, de forma limitada, portanto, em 1976, por uma improvável editora chamada Mad Millers (os “moleiros loucos”, o que só pode ter sido uma brincadeira do medievista italiano). Poucos exemplares circularam, e eu só tinha conseguido aceder a uma versão em francês, a partir da primeira edição italiana de 1988, da Il Mulino (o que parece sugerir um complô entre moleiros malucos).

A edição que eu possuía tinha alguns outros textos, e apareceu sob o título de “Allegro Ma Non Troppo” (aliás, transformado em peça de teatro, a que assisti em Paris no século passado (eh oui!). Aparentemente era uma tradução improvisada, tanto que a categoria dos “cretinos”, agora oficializada, aparecia nessa versão como sendo apenas “crédulo”, o que é, digamos, muito generoso, mas não traz a força do atual cretino (nem aliás, o conceito original em inglês de “helpless”). Em todo caso, o livro era este: Allegro ma non troppo: Les lois fondamentales de la stupidité humaine (Paris: Balland 1992); confesso que ainda não consegui reencontrar esse livro em minha biblioteca caótica, para confrontar as duas versões do texto principal, mas prometo fazê-lo, assim que retornar ao Brasil. 

Agora, a versão francesa que já vou citar foi feita a partir do original em inglês, The Basic Laws of Human Stupidity, mas o copyright pertence à Società editrice Il Mulino, de Bolonha (aha!, os moleiros malucos sempre aparecem), e o ano indicado é o de 1988. Estranho, ma, cosi è, si vi pare. O copyright da tradução francesa, agora oficial, é de maio de 2012, da grande editora universitária, este que tenho em mãos: 

 

Carlo M. Cipolla: 

Les Lois Fondamentales de la Stupidité Humaine

(Traduit de l’Anglais par Laurent Bury; Paris: Presses Universitaires de France, 2012, 72 p.; ISBN: 978-2-13-060701-4; 7 euros). 

 

Mas a edição do Kindle, que acabo de carregar da Amazon (me custou US$ 5,83 e foi recebido em menos de 10 segundos), traz como edição impressa em inglês, da Il Mulino, o ano de 2011 (vá lá entender moleiros malucos), o mesmo para a edição Kindle (cujo ISBN é este: 978-88-15-30700-2). Vou conferir as versões, para poder confrontar linguajar e conceitos, em francês e em inglês, embora os argumentos sejam bem mais importantes do que as palavras usadas.

Creio já ter resumido, em trabalhos anteriores, o essencial do pensamento de Cipolla sobre quão perigosa é nossa existência num planeta que tem uma quantidade fixa, talvez relevante, de pessoas perfeitamente estúpidas. Não vamos nos enganar, os estúpidos não são os incultos – como eu sempre alerto a propósito dos “meus” idiotas – já que pessoas que não tiveram oportunidade de estudar são simplesmente ignorantes, mas podem ser pessoas perfeitamente normais, afáveis e até sensatas (embora sempre propensas a cair no risco de resvalar na idiotice ou na estupidez). Carlo Maria Cipolla é absolutamente categórico: estúpidos podem ser encontrados nos meios universitários, e até mesmo entre os prêmios Nobel (do que não duvido, pois de vez em quando eu ouço besteiras das grossas de um ou outro literato que se mete a falar de economia ou de política). 

Talvez eu deva agora simplesmente resumir o “pensamento” – eu até diria o “divertimento” – de Cipolla em torno dessa questão relevante para o futuro da humanidade, e selecionar alguns trechos que mais me impactaram nesta nova versão agora lida e apreciada (como desde o primeiro contato). Somos primos filosóficos, eu e Cipolla, ele bem mais famoso do que eu, obviamente, mas creio que dividimos concepções quase idênticas sobre os perigos que nos rondam, com tantos estúpidos soltos por aí. Em todo caso, já adianto que concordo inteiramente com sua quinta (e derradeira) lei fundamental, que sintetiza o conjunto da análise extremamente rigorosa que ele conduz em seu opúsculo, que alguns chamariam de textículo: 

O indivíduo estúpido é o tipo de indivíduo mais perigoso que existe.”

 

Retomemos, porém, do início, com as cinco leis fundamentais em sua sequência lógica. Cipolla começa dizendo que a humanidade está em estado lamentável, o que, aliás, sempre foi o caso: desde Darwin sabemos que temos origens comuns com seres inferiores do reino animal. Mas os humanos têm de suportar uma dose ainda maior de problemas, cuja fonte é uma categoria especial de sua raça: “Esse grupo é muito mais poderoso do que a Máfia, o complexo militar-industrial ou a internacional comunista; se trata de um grupo desprovido de estatuto, sem estrutura nem constituição, sem chefe nem presidente, que consegue, no entanto, funcionar de maneira perfeitamente coordenada, de tal maneira que a atividade de cada membro contribui para ampliar e tornar mais forte e mais eficaz a de todos os outros.” (p. 13-14). 

A primeira lei já é de uma brutalidade desconcertante: 

Todos nós subestimamos sempre inevitavelmente o número de indivíduos estúpidos existentes no mundo.

Essa lei parece muito vaga e simplista, mas o fato é que pessoas que julgávamos racionais e inteligentes se revelam espantosamente estúpidas; e, todos os dias, sem esperar, somos assediados, nos lugares e circunstâncias mais imprevistos, por pessoas estúpidas. Vamos fazer alguns testes para saber se é verdade?

A segunda lei, parece incrível, recusa a igualdade fundamental do ser humano:

A probabilidade de que um indivíduo seja estúpido é independente de quaisquer outras características desse mesmo indivíduo.

Cipolla chegou à conclusão, depois de muita pesquisa e estudo, de que existe um número constante e regular de indivíduos estúpidos em toda e qualquer categoria de grupos humanos, ou seja, o mesmo percentual, independentemente de ser grande ou pequeno esse grupo; os estúpidos existem entre trabalhadores manuais e entre universitários, da mesma forma e inapelavelmente. 

Como ele diz: “Mais impressionante ainda é o resultado entre os professores. Que a universidade seja grande ou pequena, de prestígio ou obscura, eu constatei que uma mesma fração, constante, era constituída de seres estúpidos. Isto me surpreendeu tanto que eu procurei estender a pesquisa a um grupo especialmente escolhido, uma autêntica elite: os laureados do Prêmio Nobel. O resultado confirmou esse poderio supremo da Natureza: uma mesma proporção de prêmios Nobel era formada de estúpidos.” (p. 23-24). A ideia foi difícil de digerir, reconhece ele, mas os resultados empíricos ofereciam a prova dessa verdade incontornável. “A Segunda Lei é uma lei de ferro, que não admite exceções”. 

Cipolla faz então um intervalo técnico para apresentar em forma gráfica suas descobertas, distribuindo a raça humana em quatro grandes categorias em eixos vertical e horizontal, como se faz habitualmente com a pesquisa científica. Na direita superior dos eixos Y e X, com sinais positivos, estão os seres inteligentes; à esquerda deles figuram os cretinos, aqueles que podem fazer o bem aos demais, sem no entanto beneficiar-se disso (mas a situação pode variar, como veremos); abaixo dos inteligentes, situam-se os bandidos, os que buscam seu próprio benefício causando prejuízo aos demais, mas também existem bandidos estúpidos. Finalmente, no canto inferior esquerdo, com dois sinais amplamente negativos, estão os estúpidos, aqueles que causam danos aos demais, sem jamais retirar qualquer benefício para si próprios. Os ganhos e perdas podem, portanto, ser expressos graficamente, e o pesquisador poderá conduzir uma análise de custo-benefício dessas categorias (e como!).

Passemos, portanto, à Terceira Lei Fundamental (que é também, segundo Cipolla, uma regra de ouro): 

É estupido aquele que causa danos a um outro indivíduo ou um grupo de indivíduos, ao mesmo tempo em que não retira de sua ação nenhum benefício para si mesmo, podendo inclusive incorrer em prejuízos.

Seres racionais, como eu e você, podemos ficar céticos ante essa lei, mas ela parece confirmada por todas as pesquisas de Cipolla. 

O capítulo V do pequeno livro de Cipolla é dedicado a uma questão técnica: a distribuição de frequências, o que dá um triste resultado para os estúpidos. Passons...

O capítulo VI, extremamente curto, trata de uma questão relevante: “Estupidez e Poder”. Estamos falando aqui da condição de todos nós, que podemos ser afetados profundamente pelos estúpidos que ascendem a posições de mando na sociedade. No mundo moderno, os conceitos de casta e classe foram eliminados, a religião tem pouco poder, e assim, no sistema democrático, aquela fração constante e regular de estúpidos pode se encontrar entre aqueles que foram chamados a exercer o poder.

O Capítulo VII, também reduzido, trata da potência da estupidez, o que, mais uma vez, comprova que esse tipo de relação pode contribuir para reforçar os vínculos entre esses indivíduos e as perdas que eles ocasionam; eles geralmente nos surpreendem, ao surgir inopinadamente e cometer seus atos estúpidos; mesmo que tomemos consciência do ataque, não podemos fazer nada, argumenta Cipolla, pois ele é feito de maneira não racional.

Agora chegamos à Quarta Lei Fundamental, que estipula que: 

Os não-estúpidos sempre subestimam a potência destruidora dos estúpidos. Em especial os não-estúpidos esquecem sempre que em todos os tempos, em todos os lugares, em quaisquer circunstâncias, tratar ou se associar com pessoas estúpidas se revela ser, inapelavelmente, um erro custoso.

Finalmente, o último capítulo, de macroanálise, chega à Quinta Lei Fundamental:

O indivíduo estúpido é o tipo de indivíduo o mais perigoso.

E o corolário dessa lei é esta aqui:

O  indivíduo estúpido é mais perigoso que o bandido.

Após algumas análises de distribuição, Cipolla reconhece que cretinos inteligentes e bandidos inteligentes podem, eventualmente, causar algum benefício para si mesmos ou até o bem-estar numa dada sociedade, mas jamais isso pode ocorrer com os verdadeiramente estúpidos. Como eles causam perdas para todos, a sociedade se empobrece e é conduzida à ruína.

Resumindo, os países dinâmicos conseguem controlar os seus estúpidos, mantê-los isolados, evitando, assim, males maiores. Mas, nos países menos dinâmicos, a fração de cretinos e bandidos se aproxima do canto inferior esquerdo, o que se revela fatal para a sociedade: “Essa mudança na composição da população não-estúpida reforça inevitavelmente a potência destruidora da fração estúpida e o declínio torna-se inelutável. É o desastre”. (p. 63)

O livro se termina por algumas páginas com gráficos em branco, para que cada leitor possa anotar e classificar os seres humanos com os quais ele tem de tratar.

Eu, sinceramente, me vi tentado a, imediatamente, preencher as seções em branco com alguns nomes daqueles que ascenderam, por assim dizer, a posições de mando e prestígio, mas me contive. Não tanto por falta de tempo, mas por falta de espaço. Eu tenho antes de fazer várias cópias dessas últimas páginas...

 

 

Paris, 2396: 20 maio 2012.

Postado no blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.fr/2012/05/as-lei-fundamentais-da-estupidez-humana.html).

 


Bolsonaro atropela projetos do próprio governo em sua obsessiva sanha eleitoreira: desastre para o país - Ricardo Bergamini, OESP

Copio do Ricardo Bergamini: 

Prezados Senhores

 

Sob a liderança do líder sindicalista  Bolsonaro a votação em 1º turno da PEC Emergencial, isentou trabalhadores de 1ª classe (servidores públicos) de qualquer sacrifício.

 

A matéria abaixo é por si só explicativa da magnitude do estrago econômico que Bolsonaro, líder sindical da (CUT da segurança), vai implodir esse país.

 

Roberto Campos Neto perdeu a luta contra o líder sindical Bolsonaro, mas honrou o seu avô, além de ser mais um aliado confesso na defesa do Brasil, não de governantes.

 

O efeito cascata dessas liberações populistas é monstruoso para a economia.

 

O ex- ministro da economia Paulo Guedes, nem participa mais desses debates, tendo em vista que atualmente está se dedicando apenas ao cargo de tesoureiro da campanha de Bolsonaro.

 

“Foi o próprio presidente Jair Bolsonaro que deu sinal verde para que a concessão fosse feita na Câmara, um aceno à sua principal base de apoio eleitoral. Vitor Hugo praticamente acampou no Palácio Planalto ao lado de parlamentares da bancada da bala e representantes sindicais das diversas categorias de policiais, na tentativa de executar o que vem sendo chamado de “quinto capítulo” da estratégia de manter as forças de segurança a salvo de medidas duras do ajuste fiscal. A estratégia bem-sucedida em angariar o apoio do presidente começou na reforma da Previdência e continuou na reforma administrativa e terminou na votação da lei 173, de socorro a Estados e municípios, que teve como contrapartida o congelamento do salário dos servidores”.

 

Aguardo o silêncio abissal e sepulcral dos liberais na defesa do Brasil.

 

 

Auxílio emergencial: Presidente do BC age junto a Lira contra posição de Bolsonaro

 

Estadão, 10/03/21

 

O anúncio feito no início da tarde desta terça, 9, pelo relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do auxílio emergencial, deputado Daniel Freitas (PSL-SC), de que manteria o texto aprovado pelo Senado, foi o primeiro resultado prático da intensa negociação nas últimas 24 horas para evitar uma desidratação maior das medidas de controle de despesas, os chamados “gatilhos”, previstas no texto.

 

E quem atuou como porta-voz da equipe econômica foi o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, escalado para tentar reverter o risco de mudanças na PEC – que deve ser votada nesta quarta, 10, na Câmara. Campos se reuniu com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e com líderes da base aliada do governo na residência oficial da presidência da Câmara, no Lago Sul, bairro nobre da capital federal.

 

Preocupado com a piora do humor no mercado financeiro, Campos Neto alertou para os riscos de mais perdas nas contrapartidas fiscais da PEC, consideradas essenciais pela equipe econômica para mostrar uma sinalização de compromisso do País com o equilíbrio das contas públicas e evitar a disparada da inflação e dos juros. O horário do encontro foi logo cedo, após a abertura do mercado, quando o dólar à vista batia em R$ 5,8593 – uma alta de 1,40%.

 

Depois da reunião, se seguiram as falas de Freitas e do próprio Lira em defesa da previsibilidade das ações e confirmando que o relator havia concordado com a posição dos líderes de não desidratar o texto. O encontro entre Campos Neto e Lira só entrou na agenda do presidente do BC depois.

 

Até a noite de segunda-feira, 8, o placar da PEC parecia ser favorável ao movimento liderado pelo deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), que desde o final de semana trabalhou intensamente para blindar as forças policiais da União e dos Estados do alcance dos gatilhos. Uma vez acionados, eles impedem aumento de gastos de pessoal e colocam em prática o congelamento de promoções, reajustes e novas contratações. 

 

Foi o próprio presidente Jair Bolsonaro que deu sinal verde para que a concessão fosse feita na Câmara, um aceno à sua principal base de apoio eleitoral. Vitor Hugo praticamente acampou no Palácio Planalto ao lado de parlamentares da bancada da bala e representantes sindicais das diversas categorias de policiais, na tentativa de executar o que vem sendo chamado de “quinto capítulo” da estratégia de manter as forças de segurança a salvo de medidas duras do ajuste fiscal. A estratégia bem-sucedida em angariar o apoio do presidente começou na reforma da Previdência e continuou na reforma administrativa e terminou na votação da lei 173, de socorro a Estados e municípios, que teve como contrapartida o congelamento do salário dos servidores.

 

Reação

 

Lideranças governistas ficaram irritadas com o movimento do ex-líder do governo e da sua tropa de parlamentares, passando por cima do acordo fechado com o Senado para que a proposta fosse aprovada com urgência e sem maiores ruídos por causa do cenário de alta volatilidade e incerteza que os indicadores do mercado financeiro têm retratado nos preços. O assunto comentado é que essa blindagem poderia descredenciar o acordo político, que marcou uma articulação mais azeitada entre as presidências da Câmara e do Senado.

 

O tema é delicado por conta do envolvimento direto de Bolsonaro, passando por cima da proposta da equipe econômica. E ninguém quer bater de frente com Bolsonaro. Na véspera, o presidente já tinha anunciado a intenção de blindar os militares e retirar mais dois itens do texto, motivo de abertura em queda da Bolsa ontem.

 

Como mostrou o Estadão, também foi o presidente que deu aval para negociação no Congresso para retirar o orçamento do Bolsa Família do teto de gastos, a regra que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação, com o objetivo de ter mais recursos para gastar em ano pré-eleitoral. Depois da repercussão negativa dos investidores, parlamentares do Centrão desistiram de levar adiante a ideia, já que cairia neles o carimbo de fura-teto.

Coube a Lira dar um recado, por vias indiretas, ao comentar como o presidente reagiu à decisão do relator de manter as contrapartidas como foram aprovadas no Senado. “Recebeu muito bem, tranquilo e sereno, porque sabe que a PEC tem e teve origem no Legislativo, é de autoria de um senador, foi votada no Senado, será votada na Câmara e promulgada pelo Congresso.”

 

A avaliação no momento entre lideranças governistas e integrantes da área econômica, que defendem a PEC sem desidratação, é que o placar do jogo ainda não está definido, mas a situação não está mais como na segunda-feira à noite, tranquila para Vitor Hugo e sua tropa. “O jogo está virando”, resumiu uma dessas fontes com esperança de uma vitória final. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

 

Ricardo Bergamini


Sobre projetos para mudar o Brasil: muitas prioridades podem ser sinal de nenhuma - Paulo Roberto de Almeida (2004 e 2021)

Um exercício "rememorativo" de um texto de 2004, redescoberto em 2021

Paulo Roberto de Almeida

Brasília,  11 de março de 2021

Ao início do governo Lula, ainda em 2003, vetado para trabalhar na Secretaria de Estado (por razões que não convêm explicar agora), fui convidado por um dos membros da "troika" do governo petista para integrar um novo órgão de "planejamento" da "flamante" nova administração, o Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, funcionando junto ao CGEE, criado na segunda Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, no segundo mandato do governo FHC. 

Eu mesmo sugeri que o Brasil se antecipasse nas metas que haviam sido fixadas em conferência diplomática da ONU para 2015 (um primeiro exercício dessas grandes ambições, antes consolidadas nas Metas do Milênio, agora nas metas do Desenvolvimento Sustentável para 2030). Sempre desconfiei das grandes ambições e das dezenas de prioridades, mas propus que o Brasil tentasse cumprir até 2008 (200 anos de administração do país no próprio país, até então uma colônia, mas que passou a abrigar a corte e a sede do vasto Império ultramarino português) as metas fixadas para 2015, para que em 2022, data do bicentenário ele se apresentasse como país finalmente desenvolvido. 

Nesse entrechoque de muitas datas, 2006, 2007, 2008, 2015 e 2022, acabou saindo o projeto "Brasil Três Tempos", que depois cresceu além da minha conta, pois pensava concentrar tudo em pouquíssimas metas, menos de cinco, todas elas concentradas na educação das crianças e jovens. Fui derrotado e acabou saindo um projeto "monstro", com mais de cinquenta "prioridades", ou seja, de fato nenhuma.

Descubro agora, sem que tivesse jamais retornado ao texto (e ainda não o reli, agora), que naquele momento, já descontente com o projeto gigantesco que militares e mandarins do Estado pensavam empreender, eu fiz um "registro preventivo", para ser conferido ao final do governo Lula (que eu, equivocadamente como todo acadêmico, imaginava que não passaria de um mandato). Vou reler agora, e postar aqui, para ver o que de inteligente eu possa ter escrito sobre um projeto do qual participei meio a contragosto, pois a despeito de ser um estudioso do planejamento estatal no Brasil, sempre desconfiei de "projetos para reformar o Brasil". 

1325. “Registro Preventivo: Sobre projetos para mudar o Brasil”, Brasília, 5 de setembro de 2004, 6 p. Nota consignando formalmente minha interpretação e sentimento em relação ao projeto “Brasil 3 Tempos”, como forma de deixar registro antecipado do que penso poderá ocorrer em relação ao projeto e, de modo geral, em relação às políticas públicas e setoriais do governo atual (2003-2006). A conferir em 2007. [O que nunca fiz.]

Pois bem, vejamos o que escrevi em setembro de 2004, menos de um ano depois de voltar ao Brasil em outubro de 2003. Ao que eu saiba, esse registro preventivo NUNCA foi publicado, inclusive porque este blog Diplomatizzando só passou a existir em meados de 2006, já no final do primeiro mandato de Lula, portanto.

Registro Preventivo

Sobre projetos para mudar o Brasil

 

Paulo Roberto de Almeida

Feito em Brasília, 2-5 de setembro de 2004

 

Participo, no presente momento (isto é, meados de 2004), da concepção, elaboração e montagem de um projeto tentativo de planejamento estratégico governamental, “Brasil 3 Tempos: 2007, 2015, 2022”, organizado em torno de um processo de gestão articulado para o desenvolvimento futuro, de médio e longo prazo, do Brasil, trabalho feito no âmbito do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Secom-PR, órgão no qual estou lotado desde novembro de 2003. Esse projeto, cuja exposição sintética pode ser conferida mediante texto de apresentação compilado no número inicial do Cadernos NAE (01, 2004; http://www.planalto.gov.br/secom/nae/index.htm) [Nota em 11/03.2021: link desabilitado], deveria ter como objetivo estratégico a construção de uma trajetória de desenvolvimento sustentável no Brasil, com redução significativa das desigualdades sociais, por meio da sociedade do conhecimento, segundo uma definição que eu mesmo formulei para esse projeto (existem outras definições alternativas, formuladas por outros colegas envolvidos no projeto, nomeadamente o Coronel Oswaldo Oliva, coordenador do projeto, Marcio de Miranda Santos, diretor do CGEE, e Lélio Fellows, diretor técnico no mesmo centro).

Não existe, ainda, nenhum documento descritivo de cada uma das sete dimensões nas quais foi dividido o esforço de elaboração conceitual desse projeto – institucional, conhecimento, econômico, ambiental, sociocultural, territorial e global –, assim como não existe, na presente fase, nenhuma integração dessas várias dimensões em algum texto-síntese, dotado ou não dos princípios metodológicos que foram definidos para a montagem desse projeto em consonância com o instrumental analítico selecionado para tal fim (software Puma, de Raul Grumbach, adaptado especialmente para o projeto). Em outros termos, todas as possibilidades, de processo ou de substância, estão abertas neste processo de elaboração do “Brasil 3 Tempos”, com o que soam arriscadas e prematuras quaisquer previsões ou descrições antecipatórias quanto a seu formato final ou recomendações substantivas.

Não pretendo, nesta simples nota de registro factual e pessoal, arriscar-me em tal tipo de exercício especulativo, mas tão simplesmente deixar constância de minha posição de princípio quanto ao que deveria constar desse projeto, sem dúvida assaz complexo, bem como assinalar meu sentimento preventivo quanto ao que poderá resultar desse esforço governamental, sem dúvida meritório, de organização tentativa do processo de desenvolvimento no Brasil. Farei alguns comentários de ordem formal, isto é, quanto ao método mobilizado para conseguir tal finalidade, e tentarei alinhar, em seguida, alguns argumentos de natureza substantiva, ou seja, quanto ao objeto mesmo da presente iniciativa de planejamento estratégico governamental.

Não creio ser novidade para ninguém se afirmar, mais uma vez, o fato de que, no Brasil, o Estado constitui, hoje, o centro incontornável da vida nacional. Essa realidade, por vezes, não é sequer percebida, tal a sensação de uma permanente onipresença do Estado em nossa vida diária, desde muitas décadas aliás. Dai deriva o fato consequente de que as pessoas, em geral, e os funcionários públicos, em particular, não percebam esse fato – permito-me sublinhar e enfatizar esse conceito – como algo surpreendente, não desejável, evitável ou sequer anômalo, do ponto de vista das possibilidades alternativas de organização social e política. Trata-se de um fato, ponto. Não se vincula esse fato a qualquer elemento perverso, indesejável ou nocivo da organização social, em termos de organização política, de desempenho econômico ou de mecanismos de inclusão social. Não se chega tampouco a cogitar a possibilidade de que pudesse ser de outro modo, que o Estado não precisaria ocupar o centro da vida social, ou constituir-se na instância última (e suprema) de organização política, social e econômica. 

O que desejo ressaltar é que tudo, no Brasil, é feito no Estado, pelo Estado e para o Estado, e tem no Estado a referência incontornável dos modos possíveis de organização social. Vale dizer, em relação ao projeto “Brasil 3 Tempos”, que ele também não conseguirá subtrair-se a essa realidade avassaladora e propriamente totalizadora: o projeto acabará sendo mais uma forma de o Estado produzir ações que tenderão a reproduzir a capacidade que tem o Estado de trabalhar para si mesmo, girando em torno do seu próprio eixo e sugando as energias sociais em função de processos, iniciativas e programas que continuarão a ter no Estado o seu centro organizador e a sua referência básica de implementação e controle de desempenho.

Não tenho, portanto, ilusões de que, com o projeto “Brasil 3 Tempos”, isto seja diferente ou passível de se dar de outra maneira. O Estado continuará sendo o pivô central das formas de se pensar e de se fazer políticas públicas e políticas setoriais no Brasil, com muito pouco espaço, se algum, deixado para a própria sociedade ou para os grupos de interesse organizados em torno dos grandes eixos produtivos do país. A bem da verdade, o projeto até poderá prever ações a serem empreendidas pela própria sociedade, mas não creio que essas “concessões” pontuais sejam acompanhadas, em outras instâncias, de um verdadeiro processo de “recuo estratégico” do Estado das posições conquistadas nas últimas décadas de itinerário econômico e político nacional.

Hoje, no Brasil, o Estado controla os “centros de comando” da política e da economia, quando não das formas de organização social e de redistribuição de benefícios do processo econômico, e não mantenho nenhuma ilusão de que isso possa ser revertido a curto ou médio prazo, inclusive porque os atuais altos servidores do Estado e seus líderes políticos concordam – mesmo inconscientemente – em que tal situação perdure, por não ver nisso nenhuma deformação ou anomalia do processo social. Isto quanto à forma, ou método, pelo qual será conduzido o projeto “Brasil 3 Tempos”. Vejamos agora alguns aspectos substantivos do desenho e implementação desse projeto. 

Não creio, tampouco, ser novidade para ninguém o fato de que o Brasil apresenta-se hoje como um país totalmente industrializado, basicamente desenvolvido no que se refere ao acabamento de sua estrutura produtiva e razoavelmente avançado no que concerne a capacidade de seu sistema científico e tecnológico em responder às necessidades de seu sistema produtivo, seja produzindo localmente, seja importando e adaptando de forma inteligente todos os métodos e procedimentos utilizados pela indústria moderna (o que compreende também, obviamente, o chamado agronegócio, os serviços e toda a parafernália de tecnologia de comunicações e de informação). Se alguém ainda duvidar disso é porque não está suficientemente informada sobre os progressos alcançados pelo Brasil no plano da estrutura material, ainda que se possa contestar os avanços alegados ou argumentar quanto ao caráter ainda insuficiente da produção própria de ciência e tecnologia. Não importa: o essencial é que o Brasil já “chegou lá” e qualquer avanço adicional nessas áreas representa apenas um problema “técnico”, não estrutural, ou seja, não há impedimentos a progressos ulteriores e contínuos nas áreas ainda hoje insuficientemente desenvolvidas (e temporariamente em situação de atraso relativo). Um economista “otimista” poderia dizer que chegamos ao “fim do desenvolvimento”, mas este não é o caso, pois o processo não tem limites, contornos ou barreiras precisas que permitam definir um limiar a partir do qual um país deixa de estar na condição de subdesenvolvido, ou em desenvolvimento, e passa a ser classificado como “desenvolvido”. Não estamos num concurso e não nos interessa atribuir medalhas de bom desempenho econômico: nosso problema é social e é disso que pretendo falar. 

Assim como acredito que o Brasil já “terminou”, no essencial, seu processo de construção de uma estrutura econômica moderna no país, acredito igualmente que o país não chegou ainda a um patamar sequer razoável de desenvolvimento social, cultural e, sobretudo, educacional. Desse ponto de vista, acho que estamos ainda no século XIX, mas esse tipo de analogia histórica pode ser enganoso, além de anacrônico nos seus próprios termos. O Brasil dispõe, sim, de um bom nível cultural, de altos padrões de ensino e de um bom avanço social em diversas áreas de importância substantiva para a vida nacional. O único problema é que esses níveis e padrões estão desigualmente distribuídos e apresentam, de fato, uma estrutura distributiva iníqua, para não dizer inaceitável do ponto de vista moral e ético. 

De fato, acredito que o que distingue o Brasil de todos os demais países em situação similar (ou até inferior) de desenvolvimento material é o grau anormalmente elevado de miséria social, de exclusão cultural de embrutecimento educacional, atinge faixas expressivas de sua população. Não preciso aqui referir-me às estatísticas, pois a situação salta aos olhos em cada esquina, está presente no cotidiano das grandes cidades e perpassa, como sabemos, a situação escolar de milhões de indivíduos que entram todos os anos na rede pública de ensino para ser expurgada mais adiante na grande tragédia da evasão escolar e da não formação técnico-profissional em padrões compatíveis com as necessidades do mercado de trabalho e dos requerimentos de competitividade econômica.

Corrijo parcialmente este último argumento: o Brasil consegue ser competitivo em vários ramos industriais, do agronegócio e dos serviços, mas mobilizando apenas uma fração mínima de sua mão-de-obra, com um imenso desperdício de contingentes inteiros de trabalhadores não preparados sequer para integrar o exército industrial de reserva. Em outros termos, estamos utilizando apenas uma parte, e não a mais importante, de nossa mão-de-obra potencial (o que não tem nada a ver, a não ser parcialmente, com o fato de 60% da população economicamente ativa estar no setor informal). 

O que caracteriza o Brasil, portanto, é o seu número “excessivo” de pobres, um número não compatível, e até anômalo, em relação ao seu desenvolvimento econômico. O outro aspecto a ser ressaltado é o grau também anormalmente elevado da concentração de renda, o que tem a ver, obviamente, com o “excesso” de pobres. Ambas as situações são devidas, fundamentalmente, à não educação do povo brasileiro, fator que por outro lado dificulta o sistema econômico-produtivo alcançar patamares mais elevados de produtividade, o que se traduziria, de maneira correlata, em melhores condições de competitividade externa, integrando de forma mais intensa o sistema econômico nacional à economia mundial. Somos um país de muitos pobres, dispondo de uma renda inferior à de outros pobres em países de desenvolvimento similar (ou inferior), devido a um sistema educacional deficiente e excludente, o que nos exclui igualmente de uma maior participação nos circuitos econômicos internacionais. 

Estes são, a meu ver, os problemas básicos do Brasil, que um projeto como o “Brasil 3 Tempos” poderia equacionar de modo correto e depois se esforçar para corrigir no menos prazo de tempo possível. No que depender de mim, estes problemas, ao lado do crescimento exagerado do ente estatal, receberão atenção prioritária no processo de formulação do diagnóstico de base do projeto e, depois, na fase de elaboração de propostas de ação de médio e longo prazo para correção das gritantes desigualdades já assinaladas e das mais importantes deformações de nossa estrutura sócio educacional. Este seria meu empenho básico, como condição de fazer o Brasil eliminar, no mais breve prazo possível, os fatores negativos mais vergonhosamente iníquos de nossa estrutura social e cultural, que também concorrem para diminuir o potencial de desenvolvimento econômico e tecnológico.

Temo, porém, que esses problemas simples, meridianamente claros do meu ponto de vista, permaneçam não resolvidos, ou insuficientemente tratados nos meses e anos à frente, como resultado da implementação do projeto “Brasil 3 Tempos” ou de qualquer outro plano, esforço, iniciativa ou ação governamental, neste e nos próximos governos. Meu temor principal é que, ao fim e ao cabo de um governo supostamente identificado com a mudança social no Brasil e com a correção de suas mais gritantes desigualdades, essas deformações de nossa estrutura socioeconômica não sejam de fato resolvidas, ou sequer arranhadas pela política social ou educacional do governo (ou seja, estou falando da conjuntura de 2006-2007). Acredito que poderá até haver algum progresso na frente educacional, com a ampliação dos contingentes mobilizados nos diferentes níveis do sistema formal de ensino – público e privado –, mas que isso não seja suficiente para corrigir um décimo de centésimo sequer do coeficiente de Gini, o indicador que mede o grau de concentração de renda no Brasil. 

Gostaria, sinceramente, de estar errado, mas é o que sinto que pode ocorrer, não apenas em relação ao “Brasil 3 Tempos”, como no que se refere a diversos outros planos de ação governamentais nas áreas social, cultural, educacional, de emprego, de segurança e de distribuição de renda. Acredito que, nas condições atuais do Brasil, um governo seriamente comprometido com a correção das suas mais gritantes desigualdades – que são obviamente as de distribuição de renda e de oportunidades educacionais – deveria estar promovendo um conjunto de ações relativamente simples com foco principal nestas áreas: educação fundamental – isto é, primária, secundária e técnico-profissional –, inclusão digital dos estratos mais pobres da população, garantia de segurança aos cidadãos das grandes aglomerações urbana, redução do excessivo regulacionismo estatal e da carga tributária igualmente excessiva, promoção do empreendedorismo em direção das camadas de menor renda. 

Tenho consciência de que todo Estado, dada a complexidade atual da máquina estatal e o crescimento das responsabilidades governamentais em diversas áreas, teria de fazer muito mais em muitas outras frentes de trabalho, mas por uma simples razão de economia de meios, e de necessidade de se ter um foco preciso para a ação pública, eu concentraria meus meios e recursos disponíveis – que aliás não são muitos – naqueles pontos prioritários apontados acima. De resto, eu procuraria libertar as energias da sociedade, de modo a que ela mesma pudesse empreender nos mais diversos campos abertos ao engenho e arte de um povo operoso, maleável, inventivo e bastante esperto. 

Este é o meu registro preventivo, feito em toda honestidade intelectual, com a promessa de uma conferência honesta e objetiva no primeiro semestre de 2006. 

 

Paulo Roberto de Almeida (Brasília, 5 de setembro de 2004)



Retomo: Em conversas no NAE eu insistia que o projeto deveria se concentrar na educação dos mais jovens, mas o que saiu na questão educacional tampouco me satisfez, pois correspondia a tudo o que governo petista vinha fazendo em educação, e que eu considerava totalmente equivocado. Fui vencido, mas deixei minha opinião registrada em dezenas de textos que elaborei na sequência, tornando-me, por assim dizer, em um precoce opositor conceitual do governo lulopetista (que retaliou, deixando-me sem qualquer cargo na diplomacia ativa no decorrer dos 13,5 anos de sua duração, que terminou pior do que eu imagina, na Grande Destruição econômica de Madame Pasadena).

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 11/03/2021