O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

O Rock do Impeachment: "todo mundo ja' sabe que a anta sabia / que o molusco mandava e ela obedecia" -

Está na Constituição, dizem os roqueiros: ritmo legal, versos mais ou menos, em todo caso, pode pegar. Só acho que esse nome, Os Reaças, não é o mais apropriado: afinal de contas ele só podem ser reformistas e progressistas. Reaças são os petralhas que querem conservar tudo isso que está aí. 

  Impeachment

Luiz Trevisani & Eder Borges

(Os Reaças)

https://www.youtube.com/watch?v=WTGUCIyDhNk

 

Brasil-Indonesia: "estupidez arquitetada no Planalto"- Marcelo Rech

Um tiro no pé da Política Externa Brasileira
 Marcelo Rech, 26/02/2015

 As relações entre Brasil e Indonésia atingiram o seu nível mais baixo após a presidente Dilma Rousseff negar-se, na última sexta-feira, 21, a receber as cartas credenciais do novo embaixador do país em Brasília, em retaliação à decisão do governo indonésio de manter a execução do traficante brasileiro Marco Archer, em janeiro.
 Ainda em janeiro, a presidente chamou à Brasília o embaixador do Brasil em Jacarta, Paulo Soares, após o governo indonésio negar o seu pedido de clemência ao brasileiro.
 Nesta semana, o governo da Indonésia chamou o embaixador Toto Riyanto de volta. O país está sem embaixador no Brasil e o presidente indonésio considerou o gesto da colega brasileira “hostil” e “abrupto”. Riyanto deve permanecer na Indonésia até que o Brasil sinalize disposição em receber
 suas credenciais. Ainda na sexta-feira, 20, o embaixador do Brasil em Jacarta, Paulo Soares, foi chamado à chancelaria indonésia para consultas – gesto que no meio diplomático é entendido como de desagrado pela contraparte.
 A decisão da presidente da República revela-se verdadeiro tiro no pé da já combalida Política Externa Brasileira. Não ajuda em nada e deve piorar ainda mais a situação de Rodrigo Gularte, outro traficante brasileiro preso naquele país e condenado à morte.
 A humilhação a que foi submetido o embaixador indonésio ocorre no momento em que aquele país decide submetê-lo a uma perícia médica para constatar se de fato, ele sofre de esquizofrenia. Com isso, Gularte poderia cumprir a pena numa instituição penal médica e com o tempo, até ser autorizado a voltar para o Brasil.
 Nesta terça-feira, 24, o presidente da Indonésia afirmou que nenhum dos condenados à morte por tráfico de drogas será poupado. Também deixou claro que as datas das execuções serão mantidas. Ele criticou duramente as tentativas de interferência nos assuntos internos do seu país e afirmou que vai ordenar a que a lei seja cumprida, apenas isso. Para a chancelaria indonésia, o gesto da presidente Dilma Rousseff é “inaceitável”.
 Consequências
 Como se não bastasse, o vice-presidente indonésio também reconheceu que o seu governo poderá rever a decisão de comprar aviões civis e militares da EMBRAER e um sistema de mísseis – ASTROS 2020 – fabricado pela brasileira AVIBRAS. Em 2010 e em 2012, foram assinados dois contratos de venda de 16 Super Tucanos.
 Além disso, outro contrato para a aquisição de 20 jatos EMBRAER 190 está pronto para ser assinado com opção de compra pela Indonésia de mais dez aviões do mesmo modelo.
 O contrato com a AVIBRAS para a entrega de 36 unidades do Sistema Astros, no valor de US$ 500 milhões, foi assinado em 2012, mas ainda não entrou em vigor. Inclusive, a AVIBRAS está montando um escritório em Jacarta apenas para executar o contrato.
 Caso a Indonésia decida rever estes contratos, o prejuízo econômico para as respectivas empresas será irreversível. Para a AVIBRAS poderá representar o próprio futuro.
 A Indonésia também vinha trabalhando para derrubar uma norma interna que obriga o país a comprar carnes apenas do mercado regional asiático. Com isso, o Brasil poderia entrar no mercado de exportação de frango, pato e peru.
 A brasileira VALE também é a maior mineradora de níquel da Indonésia desde 2006. A empresa investiu cerca de US$ 3,5 bilhões na exploração e refino de níquel. Ali estão empregados quase seis mil pessoas.
 Dependendo da evolução dos fatos, a empresa também poderá sofrer as consequências das decisões tomadas no Planalto.
 Outro impacto negativo diz respeito aos investimentos indonésios no Brasil. A empresa Riau Pulp por meio da Bahia Pulp, em Camaçari (BA), tem investimentos de US$ 500 milhões para a produção de celulose para a exportação.
 Tudo isso poderá ser revisto graças à decisão da presidente de retaliar um país soberano por conta de dois traficantes internacionais de cocaína.
 Cenários
 A presidente da República telefonar ou escrever a um colega Chefe de Estado para pedir clemência a um cidadão brasileiro, é algo aceitável e admitido inclusive do ponto de vista diplomático;
 A presidente negar o recebimento de credenciais diplomáticas de um representante estrangeiro configura interferência em assuntos internos de um país soberano;
 A presidente queimou um importante ativo – a credibilidade da política externa brasileira – na defesa de dois nacionais presos por tráfico internacional de drogas;
 Do ponto de vista dos direitos humanos, a dor das famílias é compreendida, mas a presidente buscou neste episódio, criar uma comoção nacional em torno dos traficantes brasileiros presos na Indonésia – como forma de criar um fato político capaz de retirar dos meios de comunicação, a prioridade às denúncias que todos os dias salpicam o seu governo;
 A sociedade brasileira não tragou o engodo: os dois brasileiros sempre foram vistos como traficantes internacionais de drogas, presos em um país cujas leis são rigorosas e cumpridas;
 A humilhação a que submeteu o diplomata indonésio implicará em custos altíssimos para o país, inclusive com a possibilidade de vários contratos de exportação, incluindo aviões e mísseis, serem cancelados.

 Resta saber agora o que farão as empresas envolvidas indiretamente na crise, pois poderão ser elas as que pagarão pela estupidez arquitetada no Planalto

Brasil politica: Impeachment, uma palavra que volta - Almir Pazzianotto

Impeachment - da utopia à realidade 
Almir Pazzianotto Pinto
O Estado de S. Paulo, 26/02/2015

Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho

"O utópico é voluntarista, crê ser possível afastar a realidade e substituí-la pela sua utopia"
Edward Hallet Carr

A palavra impeachment, originária da língua inglesa, corresponde ao processo político-criminal instaurado na Câmara dos Deputados contra o presidente da República com o objetivo de destituí-lo do cargo por violação de deveres funcionais que provoquem graves prejuízos à Nação. Dele cuidam os artigos 85 e 86 da Constituição e 81 artigos da velha e boa Lei n.º 1.079, de 10/4/1950, sancionada pelo presidente Dutra.
Incide em crime de responsabilidade o presidente que atentar contra a existência da União, o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e demais poderes constitucionais do Estado; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurança interna; a probidade na administração da lei orçamentária; a guarda e o emprego do dinheiro público; o cumprimento das decisões judiciais.
Desde 1891 o impeachment se fez presente em todas as Constituições. Durante mais de cem anos, porém, a medida radical somente viria a ser utilizada no governo Collor de Mello, em 1992. Circulam notícias de que se pretende voltar a recorrer a ela para afastar a presidente Dilma Rousseff.
No Estado democrático existem duas formas normais de substituição do chefe do governo: mediante eleições diretas, na conclusão do mandado, ou com o emprego do processo previsto na Constituição e disciplinado em lei.
A instauração de regular processo político iniciar-se-á mediante denúncia dirigida à Câmara dos Deputados. Prescreve a Lei que qualquer cidadão poderá fazê-lo.
Depois de assinada, a petição documentada, com firma reconhecida e rol mínimo de cinco testemunhas, será protocolada na Câmara dos Deputados e lida no expediente da sessão seguinte. Ato contínuo, remetida à comissão especial integrada por membros de todos os partidos, para lavratura de parecer a seguir distribuído entre os parlamentares. Imediatamente incluída na ordem do dia, tornar-se-á objeto de discussão. Cinco representantes de cada partido terão direito à palavra durante uma hora, ressalvada ao relator a prerrogativa de responder a cada um.
Concluída a discussão sobre procedência ou improcedência da denúncia, passar-se-á à votação. Acolhida a acusação, o presidente da República será suspenso do exercício das funções até o julgamento pelo Senado em caso de crime de responsabilidade, ou pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na hipótese de crime comum.
A esta altura o leitor terá notado que, observados o devido processo legal e o amplo direito de defesa, o caso é mais complicado do que imaginam os arautos do impeachment. A tramitação na Câmara enfrentará aguerrida obstrução da numerosa bancada do PT e de partidos da base governista. Durante todo o tempo, militantes petistas, sindicalistas da CUT e das demais centrais, brigadistas do MST e semelhantes não se conservarão indiferentes. Usufruindo as garantias constitucionais de ir e vir e de livre manifestação, camisetas vermelhas invadirão praças e avenidas com a violência fácil de imaginar.
Mesmo inimigos da presidente Dilma Rousseff não podem, todavia, recusar-lhe a legitimidade obtida com milhões de votos, dados por eleitores cientes do mensalão e da Operação Lava Jato.
Impedi-la de prosseguir no exercício do mandato é remédio previsto pela Constituição e em lei. Para que a deposição seja insuspeita, ambas devem ser rigorosamente observadas. Registre-se que, conquanto o processo tramite pela Câmara, a decisão caberá ao Senado sob a direção do presidente do Supremo Tribunal Federal, e que eventual decreto condenatório exigirá dois terços dos votos.
Equivoca-se o PSDB se acredita no impeachment como instrumento apto a resolver-lhe antigos problemas de divisão e escassez de popularidade. Derrotado em quatro eleições presidenciais sucessivas, os tucanos aparentemente nada aprenderam, e se recusam a investigar, no interior do partido, as determinantes de repetidos insucessos. Algumas delas residem na ausência de coesão, carência de lideranças fortes e falta de combatividade.
Abalado por graves casos de corrupção em que se encontram envolvidos alguns dos seus principais dirigentes, o PT, por sua vez, dá nítida impressão de estar em queda livre. Permanece, contudo, no poder e ali continuará se a oposição continuar sem líder, sem rumo, sem popularidade.
A cidade de São Paulo é a vitrine da administração petista. Jamais os paulistanos haviam padecido tanto nas mãos de prefeito autoritário, arrogante e senhor da verdade como o atual alcaide. Pergunto, entretanto: de quem o PSDB dispõe para derrotá-lo?
Há mais de 20 anos à frente do governo estadual, o PSDB encontra-se alijado da administração paulistana e de importantes cidades como Campinas, São Bernardo do Campo, Santo André, São Caetano, Osasco, Guarulhos e Ribeirão Preto. Temos entre deputados federais e estaduais, ou secretários de Estado, nomes convincentes para disputar a administração desses e de outros importantes municípios, com seguras possibilidades de vitória?
A crise, a bem da verdade, não se restringe às hostes tucanas. O PT, conforme insistentes notícias, cogita de recorrer a Luiz Inácio Lula da Silva em 2018, pois candidatos em potencial cumprem pena, estão na mira da Justiça Federal ou se acham desacreditados.
Antes de pensar em impeachment, ou de se dividir entre Aécio e Alckmin, o PSDB deveria empenhar-se em algo que até hoje não fez: ascender à condição de partido nacional forte e abrir espaço para renovadas e dinâmicas lideranças.

Petrobras: doze anos de desmantelamento - Editorial Estadao

A Petrobrás rebaixada
Editorial O Estado de S. Paulo, 26/02/2015

Saqueada, processada e desvalorizada nos mercados, a Petrobrás foi humilhada mais uma vez ao ser rebaixada ao grau especulativo, reservado aos pagadores duvidosos, pela agência Moody's de classificação de risco. Pouco antes do anúncio do rebaixamento, baderneiros do PT se exibiram em arruaça no Rio de Janeiro num ato "em defesa" da estatal, com pancadaria e discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foi um prelúdio perfeito para a notícia divulgada logo depois do fechamento da Bolsa de Valores. Defesa contra quem? A manifestação ocorreu como se nenhuma relação existisse entre a longa gestão petista, o loteamento de cargos, a indicação de malandros para altas posições na empresa e a pilhagem revelada pela Operação Lava Jato. No dia seguinte, as ações da companhia caíram de novo, mas a esse espetáculo os investidores do mercado de capitais já estão acostumados. Novidade, mesmo, foi a extensão do rebaixamento informado na véspera: num único movimento, a empresa caiu duas posições na escala da avaliação de riscos.
O tamanho dos danos causados pelo saque prolongado e pela interferência política na gestão da empresa - hoje uma das mais endividadas do mundo - só será divulgado oficialmente quando estiver pronto o balanço do terceiro trimestre do ano passado. Uma primeira estimativa indicou uma diferença de R$ 88 bilhões, para mais, na avaliação dos ativos. Mas essa avaliação, considerada insegura, nem sequer foi incluída no arremedo de balanço apresentado em janeiro e nunca publicado oficialmente.
A dimensão do estrago pode ser desconhecida, neste momento, mas nenhuma dúvida existe quanto a alguns pontos: as perdas são enormes, a capacidade de investimento foi muito reduzida nos últimos anos e as condições financeiras da empresa são precárias. Por isso mesmo, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ofereceu à Moody's uma "carta de conforto", isto é, uma garantia de ajuda à Petrobrás, se necessária. A agência recusou o acordo.
As explicações para o rebaixamento da empresa vieram sem nenhuma surpresa. A agência mencionou a preocupação com os resultados da Operação Lava Jato, as dificuldades de caixa da Petrobrás e as prováveis consequências de um novo atraso na publicação de um balanço auditado. Se o atraso ocorrer, credores poderão antecipar cobranças de bilhões e até sujeitar a empresa a uma declaração de calote técnico, a impossibilidade de cumprir uma obrigação num prazo determinado.
Duas das maiores agências de classificação, a Standard & Poor's e a Fitch, ainda atribuem à Petrobrás o grau de investimento, conferido aos pagadores considerados seguros. Mas é difícil de dizer por quanto tempo manterão essa avaliação. O rebaixamento por uma das três maiores agências classificadoras já é um sinal ruim para o mercado. A empresa rebaixada já é muito endividada, sua situação é sabidamente difícil e a extensão real de seus problemas ainda é desconhecida.
Mas os problemas da Petrobrás são muito especiais, porque vão muito além da empresa, ainda classificada como a maior do Brasil. Suas dificuldades para investir e até para operar normalmente já afetam muitas outras companhias. Economistas do setor financeiro têm procurado estimar o impacto desses problemas no crescimento econômico do País.
Qualquer socorro à Petrobrás com recursos do Tesouro afetará a saúde das contas públicas e tornará mais difícil o ajuste programado pela equipe econômica. Mesmo sem esse fator, o resultado fiscal prometido para o ano já é qualificado como duvidoso por vários especialistas. A promessa é obter um superávit primário - dinheiro para pagamento de juros - equivalente a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Se o Tesouro socorrer a Petrobrás, o governo assumirá o risco de um rebaixamento da nota de crédito soberano, advertiu na semana passada o analista Mauro Leos, vice-presidente da Moody's.
O rebaixamento da Petrobrás é só mais uma consequência dos desmandos e malfeitos cometidos durante a longa gestão petista. A extensão dessas consequências ainda será verificada nos próximos meses.

Mercosul, doze anos de desmantelamento - Celso Ming (Estadao)

MERCOSUL
Pobre Mercosul 
Celso Ming
O Estado de S. Paulo, 26/02/2015

No dia 4 de fevereiro, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, fechou com a China um pacote de acordos que envolvem negócios de mais de US$ 20 bilhões, a maioria na área de investimentos.
A China se comprometeu a construir hidrelétricas, projetos de infraestrutura, telecomunicações e tecnologia aeroespacial. Além de financiamentos de longo prazo, está previsto fornecimento de equipamento produzido na China com isenção alfandegária e emprego de mão de obra chinesa.
São acordos que contrariam frontalmente os tratados do Mercosul na medida em que dão prioridade aos produtos chineses sobre os provenientes dos sócios do Mercosul.
Há uma semana, o diário El Clarim, de Buenos Aires, citou uma anônima autoridade do governo que justificou mais esse atropelamento dos tratados e a crescente prioridade dada a produtos chineses com a alegação de que a Argentina não está obrigada a pagar bem mais caro por produtos brasileiros.
O problema, obviamente, não está no preço, que a China põe onde quer, desde que obtenha as contrapartidas de seu interesse. O problema está em que os produtos brasileiros seguem sujeitos a travas e a licenças prévias de importação, não importando seu preço, enquanto os da China vêm tendo porteira aberta.
A justificativa é a de que a crise cambial não deixa outra saída à Argentina. Enquanto isso, o governo Dilma vem tolerando passivamente os desaforos comerciais, sob o argumento de que não pode abandonar os hermanos numa hora difícil. A principal vítima é o Mercosul, que se apresenta como uma união aduaneira, o segundo estágio de integração entre Estados nacionais. (O primeiro é a definição de uma área de livre-comércio, em que mercadorias e serviços podem circular livremente, sem restrições e impostos alfandegários.) Além de intercâmbio comercial livre entre membros do grupo, uma união aduaneira exige unificação das políticas de comércio e tratamento comum a produtos provenientes de países de fora do bloco. Daí a existência de uma TEC, a Tarifa Externa Comum, que unifica as alíquotas do Imposto de Importação.
O Mercosul não conseguiu completar nem o primeiro estágio, o de área de livre-comércio. Por imposição da Argentina, o comércio bilateral está repleto de restrições, embargos e licenças prévias. Mesmo antes de atravessar a atual penúria de dólares, a Argentina já vinha perfurando sistematicamente a TEC.
A Argentina também não aguenta a concorrência externa. Por isso vem sabotando as negociações de um acordo comercial com a União Europeia. Porque entende que a união aduaneira está em vigor e, com ela, o tratamento comum do comércio exterior, o Brasil vem tolerando o desmanche do Mercosul pela Argentina. Não está nem um pouco claro o tratamento que o governo Dilma pretende dar agora a este cada vez mais desmoralizado bloco.
O gráfico mostra como evoluem as importações da Argentina tanto do Brasil quanto da China. A fonte é a própria Argentina. Mostra o crescimento da importância do produto chinês e a forte redução de importância do produto.

Brasil "vs" Indonesia: duas medidas e nenhum peso - Editorial Estadao

Diplomacia da picuinha
Editorial O Estado de S. Paulo, 26/02/2015

A presidente Dilma Rousseff parece mesmo ter tomado como ofensa pessoal a soberana decisão do Judiciário da Indonésia de executar brasileiros condenados por tráfico de drogas. Sem conseguir entender seu papel como chefe de Estado nem o efeito de suas atitudes destrambelhadas para a imagem do Brasil no exterior, Dilma preferiu o caminho da picuinha para lidar com o governo indonésio. Somente isso explica o constrangimento público a que a presidente submeteu o novo embaixador da Indonésia, ao despachá-lo do Palácio do Planalto sem receber suas credenciais. Gestos como esse mostram que a diplomacia brasileira não atingiu o atual estado lamentável por acidente ou em razão de contingências econômicas, mas por ação deliberada de Dilma.
Na sexta-feira passada, a presidente da República deveria receber as credenciais do embaixador Toto Riyanto, entre outros embaixadores. Essa cerimônia oficializa o início do trabalho do representante diplomático no País. Não é, portanto, um ato qualquer, pois, enquanto o embaixador não entrega as credenciais, ele exerce suas funções em caráter provisório e não pode firmar acordos. Por essa razão, a entrega das credenciais é solene, manifestando a aceitação de boas relações entre os países.
Riyanto seria o primeiro embaixador a entregar as credenciais a Dilma naquele dia. Ele já estava na cerimônia quando foi informado de que a presidente não o receberia. Foi retirado pela entrada lateral do palácio, enquanto os demais embaixadores cumpriram a formalidade normalmente.
Riyanto poderia ter sido avisado com antecedência sobre a decisão de Dilma de não receber as credenciais. Essa providência não teria diminuído a descortesia da presidente, mas ao menos tiraria do episódio a sensação de molecagem, que não se coaduna com as tradições da diplomacia brasileira. A resposta da Indonésia foi à altura da ofensa: chamou de volta seu embaixador, entregou ao embaixador brasileiro em Jacarta uma nota de protesto e qualificou a atitude de Dilma como “hostil” e “inaceitável”.
Dilma está levando longe demais seu engajamento no caso dos dois brasileiros condenados à morte na Indonésia. Nunca é demais lembrar que ambos foram sentenciados porque eram traficantes de drogas. Um deles, Marcos Archer, foi executado no mês passado. Ele havia entrado no país, em 2003, com nada menos que 13 quilos de cocaína. Não é algo trivial - e as leis indonésias são claríssimas a respeito. Mesmo assim, logo depois que Archer foi fuzilado, Dilma, que pedira clemência, chamou o embaixador brasileiro em Jacarta para consultas - uma reação muito dura no mundo da diplomacia - e disse que a relação com a Indonésia estava “gravemente” afetada.
A presidente perdeu a noção de que seu papel nesse caso era o de apenas pedir clemência e respeitar a decisão soberana dos indonésios. O exagero se repete agora, com o caso de outro brasileiro que está no corredor da morte na Indonésia pelo mesmo crime, Rodrigo Gularte. Dilma mobilizou o Itamaraty para interferir no processo e adotou a patética decisão de não receber as credenciais do novo embaixador.
A presidente tentou se explicar: “Nós achamos importante que haja uma evolução na situação para que a gente tenha clareza em que condições estão as relações da Indonésia com o Brasil”. Traduzindo: se a Indonésia resolver cumprir suas leis e executar o outro brasileiro, há grande chance de que as relações entre os dois países caminhem para a ruptura.
Tudo indica que Dilma resolveu usar a Indonésia - um país distante, com participação pífia na balança comercial do Brasil - para exibir o que supõe ser a firmeza na defesa dos interesses brasileiros no exterior. Enquanto isso, e em meio ao brutal sucateamento do Itamaraty, assuntos mais urgentes que o destino de um traficante de drogas - como a violação sistemática de direitos humanos e a ruptura da normalidade democrática na Venezuela, que deveriam resultar em punição no âmbito do Mercosul, do qual o Brasil é o atual presidente - recebem de Dilma apenas seu mais profundo silêncio.

China e America Latina: reprisando a historia do imperialismo de cem anos atras? - InterAmerican Dialogue

O IAD tem um programa de estudos e pesquisas sobre as relações da China com a América Latina, do qual sairam as informações abaixo sobre o investimento direto chinês e empréstimos financeiros na e para a AL, desde 2005. Os países que mais se beneficiaram foram certos bolivarianos (por causa do petróleo) e o Brasil, por causa de várias coisas...
Parece que a China está seguindo o caminho já seguido por europeus e americanos um século atrás.
E tem gente que ainda acha que "this time is different"...
Paulo Roberto de Almeida

CHINA AND LATIN AMERICA FINANCE DATABASE: CHINESE FINANCE TO LAC STILL SURGING, DESPITE ECONOMIC SLOWDOWN
 InterAmerican Dialogue - China & Latin America Program
Washington, DC, February 24, 2015

Just updated to include data from 2014, the Inter-American Dialogue’s China-Latin America Finance Database is the only publicly available source of empirical data on Chinese finance in Latin America and the Caribbean (LAC). The database features upwards of $119 billion in Chinese loan commitments to LAC nations since 2005.

Key findings on China’s 2014 lending to the region include the following:

-          2014 was the second highest year on record for Chinese finance in Latin America, with loans to the region topping $22 billion. Many of these loans were announced during President Xi Jinping’s July 2014 trip to Latin America.

-          Chinese finance to Latin America in 2014 was more than that of the World Bank and the Inter-American Development Bank combined.

-          Chinese loans in 2014 were given exclusively to Venezuela, Ecuador, Brazil, and Argentina. China continues to be an increasing source of finance for those countries in the region with weaker access to global capital markets.

-          Countries in the region with higher levels of perceived risk receive finance from China far in excess of their share of the region’s total GDP. Venezuela received $56.3 billion since 2007, or approximately 47 percent of China’s total finance in the region. Another 43 percent of Chinese finance to Latin America goes to Argentina, Brazil, and Ecuador.

-          Chinese banks continue to focus on LAC’s extractive and infrastructure sectors. From 2005 to the present, Chinese policy banks financed $49.9 billion in infrastructure projects. Energy projects accounted for $32.9 billion of overall Chinese finance in LAC.

-          Most of China’s overseas lending is issued by the China Development Bank ($83 billion since 2005) and China Export-Import Bank ($20.9 billion). Both were created as “policy banks” to support the Chinese government’s policy objectives. CDB generally offers higher rates than its international counterparts. China Ex-Im Bank rates are slightly lower than those of the US Ex-Im Bank.

The China-Latin America Finance Database is a product of collaboration between the Inter-American Dialogue and the Global Economic Governance Initiative (GEGI) at Boston University. The leading US center for policy analysis and debate on Western Hemisphere affairs, the Inter-American Dialogue is supported by private foundations, international organizations, governments, corporations and individual donors.

A ideia do interesse nacional: onde estamos? - Paulo Roberto de Almeida (Mundorama)

Artigo recente, hoje publicado no boletim Mundorama:

A ideia do interesse nacional: onde estamos?

por Paulo Roberto de Almeida

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The Idea of National Interest é o título de um livro que o historiador americano Charles Beard publicou em 1934, em plena crise econômica dos Estados Unidos e no início do New Deal, programa de recuperação impulsionado pelo presidente Roosevelt. O livro, porém, não é conjuntural; ele não trata exclusivamente da realidade imediata do país, e sim faz uma reflexão histórica de longo prazo sobre a construção do projeto nacional pela vertente das relações exteriores. O subtítulo do livro é An Analytical Study in American Foreign Policy, e o primeiro capítulo trata dos “pivôs da diplomacia”, analisando, nos demais capítulos, a expansão territorial da nação, o seu crescimento econômico e comercial, ademais do impacto externo dos assuntos internos; o apêndice traz um balanço dos interesses americanos no exterior (capitais e investimentos diretos), embora a edição que consultei, publicada em 1966 por seu filho e por um assistente de pesquisa, procedeu a alguns cortes nas estatísticas da edição original e fez atualizações sobre os dados que Beard havia consolidado até o final dos anos 1920.
Beard foi o único acadêmico americano a ter exercido a presidência de duas associações profissionais diferentes: a American Historical Association e a American Political Science Association. Ele abre o seu livro citando um discurso do Secretário de Estado Charles Hughes, que trabalhou sob os presidentes Harding e Coolidge na primeira metade dos anos 1920, e que se pronunciou sobre o interesse nacional na política externa nestes termos: “As políticas externas não são elaboradas sobre a base de abstrações. Elas são o resultado de concepções práticas do interesse nacional que emergem a partir de alguns requerimentos imediatos ou de fundamentos essenciais, em perspectiva histórica. Quando mantidas por bastante tempo, essas concepções expressam as esperanças e os temores, os objetivos de segurança e de engrandecimento, que se tornaram dominantes na consciência nacional, transcendendo, assim, divisões partidárias e fazendo com que se atenuem as oposições que poderiam advir de certos grupos” (discurso na Filadélfia, em 30/11/1923). Beard analisa então todas as facetas do interesse nacional americano em sua expressão diplomática e nas relações com o ambiente doméstico, sobretudo em sua dimensão econômica.
É bem possível que seus argumentos, e o seu próprio livro, tenham inspirado o célebre cientista político germano-americano Hans Morgenthau – autor do clássico Politics Among Nations, publicado em 1948, o mesmo ano da morte de Charles Beard – a elaborar um outro livro, chamado justamente In Defense of the National Interest (1951), seguido, no ano seguinte, de um artigo sobre o mesmo tema: “What Is the National Interest of the United States?” (The Annals of the American Academy of Political and Social Science, vol. 282, julho de 1952, p. 1-7). Morgenthau também serviu como consultor do Departamento de Estado no começo da Guerra Fria, quando um diplomata, também célebre, George Kennan, dirigia ali a divisão de planejamento político, o Policy Planning Staff, que trabalhou no Plano Marshall e na formulação das principais medidas da então nascente doutrina da contenção. O próprio Kennan, aliás, não cessava de alertar seus chefes quanto às fragilidades que poderiam emergir do ponto de vista do interesse nacional americano a partir da erosão da posição competitiva dos Estados Unidos no mundo e do aprofundamento dos déficits no balanço de pagamentos; ele expressou suas preocupações, entre outros escritos, no livro Realities of American Foreign Policy, publicado em 1954.
O livro de Morgenthau sobre o interesse nacional americano foi republicado em 1982, e talvez tenha animado o já então famoso jornalista Irving Kristol a dar início, em 1985, à revista The National Interest, apoiada nos mesmos princípios da escola realista, que está identificada com a expressão política, econômica e militar do poder americano em escala global, mas cujos fundamentos devem sempre ser construídos internamente. Pode ser também que a mesma revista e sua ideia central tenham inspirado o embaixador Rubens Barbosa a lançar, em 2008, a revista Interesse Nacional, fundada em concepções similares sobre as bases internas da expressão internacional do Brasil. Qual seria, então, o interesse nacional brasileiro, e que tipo de políticas e orientações econômicas melhor serviriam à sua defesa e consolidação? Difícil dizer, já que existem concepções muito diversas do que seja o interesse nacional, como já dizia o próprio Beard em 1934.
O editor da revista brasileira se encarrega, aliás, de expressar tal dificuldade em nota de apresentação: “Sendo necessariamente genérica, a noção de interesse nacional não tem uma definição precisa. De um lado, porque, sobre o que seja concreta e especificamente o interesse nacional, haverá sempre visões não coincidentes, apoiadas em valores e/ou interesses diferentes. De outro, porque a definição do interesse nacional requer um juízo informado, mas sempre político e não estritamente técnico, sobre riscos e oportunidades que se apresentam à realização dos valores e interesses de um país em cenários estratégicos de longo prazo. E estes serão, sempre, objeto de incerteza e controvérsia”. Mas o editorial acrescenta logo em seguida: “O interesse nacional é, pois, uma construção política”, o que pode ser uma constatação óbvia, mas que não nos ajuda muito na busca por uma definição mais precisa sobre qual seria o interesse nacional brasileiro.
Conceda-se, pois, que diferentes grupos políticos, e diferentes agregações de poder, representados pelas forças políticas temporariamente predominantes no sistema de governança, manifestem concepções diversas do chamado interesse nacional, e que eles defendam, portanto, suas orientações particulares, ou setoriais, com base numa legitimidade supostamente construída nas urnas, a cada escrutínio eleitoral. Esta é uma suposição arriscada, e provavelmente falsa, pois os eleitores não possuem, geralmente, no momento do voto, um grau suficiente de informação sobre os programas, ou sobre as consequências de determinadas políticas do ponto de vista de seus interesses imediatos e os de mais longo prazo, e menos ainda do ponto de vista dos interesses da nação.
Na impossibilidade de se chegar a uma definição consensual de quais seriam as expressões efetivas do interesse nacional, talvez seja o caso de investigar numa outra direção, ou seja, identificar aquelas políticas e orientações que se opõem, ou que podem contrariar, o interesse nacional. Nesse caso, é melhor trabalhar com exemplos concretos do que com definições abstratas, como afirmava em 1923 o secretário de Estado Charles Hughes, em pronunciamento recuperado pelo historiador Charles Beard uma década depois. E quais seriam, no nosso caso, os exemplos contrários ao interesse nacional que podem ser identificados numa perspectiva mais imediata ou de mais longo prazo, que podem ser prejudiciais ao nosso desenvolvimento e ao “engrandecimento” do país? Mas mesmo para identificar essas ações contrárias, seja no plano interno, seja no âmbito internacional, é preciso ter balizas mínimas sobre o que o país pretende ser como nação e como sociedade. É preciso saber o que se quer, para rejeitar o que não serve a tal fim.
O editorial da revista Interesse Nacional nos fornece, mais uma vez, alguns dos parâmetros que podem ser aplicados ao caso: “A democracia e a inserção internacional são parte do interesse nacional brasileiro, aquela como valor, esta como objetivo. Se a democracia é um valor que queremos preservar, e se a inserção internacional é hoje, mais do que nunca, uma condição do desenvolvimento, resta perguntar como se inserir no mundo para fortalecer a democracia e promover o desenvolvimento” (nota editorial de Interesse Nacional, loc. cit.). A pergunta traz, portanto, um começo de resposta.
Se concordarmos com essa “plataforma”, democracia e inserção internacional passam a ser as palavras chave do interesse nacional brasileiro. Então, qualquer ação nacional que vise a diminuir as bases da democracia representativa, que constitui a forma atual da governança política no Brasil, seria contrária e prejudicial ao interesse nacional brasileiro; como, por exemplo, um famoso decreto “bolivariano” que pretende instituir a intermediação de “conselhos populares” na definição e aprovação de políticas públicas, quando sabemos que eles constituem uma emanação de tipo bolchevique – e por isso mesmo foram chamados de “sovietes” – do partido gramsciano que tem a clara intenção de se eternizar no poder. No plano externo, o apoio acintoso a regimes pouco democráticos, ou ditatoriais de fato (e de direito), diminui a credibilidade de nossa política externa, ao nos identificar com sistemas políticos já devidamente denunciados em protocolos instituindo “cláusulas democráticas” a que aderimos voluntariamente, e por força de nossa adesão (inclusive constitucional) aos valores da democracia.
Da mesma forma, qualquer política ou medida que obstaculize a integração da economia nacional aos circuitos internacionais da interdependência econômica pode ser considerada como contrária ao interesse nacional, na medida em que diminui nossa capacidade de absorção de know-how e de tecnologias de ponta que são essenciais ao processo de desenvolvimento do país. O protecionismo comercial não é apenas estúpido no plano estritamente econômico; ele é também profundamente reacionário, no sentido marxista da expressão, já que pretende “fazer rodar para trás a roda da História”, como dito no Manifesto de 1848. Com efeito, ele representaria uma volta a um regime de autarquia econômica que estava na base da economia hitlerista – bastante admirada por militares brasileiros, naquela época e depois – e seria uma espécie de “stalinismo para os ricos”, um projeto de “capitalismo num só país” que talvez ainda encante alguns arautos da burguesia industrial tupiniquim e seus representantes acadêmicos.
Mais ainda, e com especial impacto na imagem e na confiabilidade do país no plano internacional, ao aderir a essas medidas de duvidosa eficácia competitiva – ao contrário, elas diminuem nossa capacidade de competir internacionalmente – o país não apenas deixa de cumprir obrigações contraídas ao abrigo do sistema multilateral de comércio, como também se mostra conivente com sócios do mesmo esquema regional de integração, o Mercosul, que reincidem nas mesmas transgressões, e aqui não só contra os próprios interesses comerciais do Brasil e contra regras do bloco comercial, mas igualmente contrárias às normas do Gatt, de seus protocolos setoriais e de acordos emanados da Rodada Uruguai de negociações comerciais. É, sob todos os aspectos, uma péssima demonstração de inadimplência no tocante ao respeito a princípios do direito internacional e, mais uma vez, de ação contrária ao interesse nacional.
Democracia e inserção internacional vêm sendo, assim, afastados de nosso horizonte de realizações históricas, em nome de uma concepção de política interna e de política externa que rompem com consensos nacionais laboriosamente mantidos ao longo de um itinerário diplomático de quase dois séculos de existência efetiva. Esses desvios de conduta – que representam, na verdade, concepções que não transcendem, ao contrário, alimentam as “divisões partidárias”, como a elas se referia o secretário de Estado Charles Hughes – se revelam não apenas em relação à substância mesma das políticas seguidas, mas igualmente no tocante ao próprio instrumento diplomático, ou seja, a ferramenta da política externa, que é o seu serviço exterior.
Charles Beard, no capítulo de seu livro dedicado à “interpretation, advancement, and enforcement of national interest”, dizia que “By far the most important means used to advance and enforce national interest is the ‘system’, or institution, of diplomacy” (p. 341). Ele se referia, exatamente, à administração e ao funcionamento das atividades diplomáticas, bem como à “multitude of services performed by diplomatic agents in behalf of the citizens” (p. 347), ou seja, a cobertura que um país é capaz de dar aos seus cidadãos e às empresas nacionais presentes nos mais diversos cantos do mundo. Nesse particular, a ferramenta da política externa brasileira tem custado muito pouco à nação durante a maior parte de sua história: menos de 1% do orçamento da União (que parece ter passado a menos de 0,5% atualmente). Ver essa dotação ainda mais diminuída, em detrimento da boa qualidade, do funcionamento e, sobretudo, da respeitabilidade desse instrumento, é a pior forma de promover o dito interesse nacional.
Os bolcheviques costumavam repetir, em seus tempos de hegemonia absoluta, e para justificar os incontáveis crimes cometidos contra os direitos humanos, a conhecida frase que pretende que “não se faz omelete sem quebrar os ovos”, querendo significar que sacrifícios são necessários para obter resultados em algum objetivo qualquer. Pode ser que seja verdade, mas no caso que nos é próximo, nem ovos, nem omelete parecem ter resultado dos sacrifícios impostos ao instrumento diplomático nacional. Não se pode, com efeito, fazer diplomacia, sem um mínimo de gastos com representação: o interesse nacional, nesse caso, vem sendo atingido em sua dignidade pelos seguidos exemplos de inadimplência no cumprimento de suas obrigações, da mesma forma como, no passado, se decretava “moratórias soberanas” sobre os compromissos financeiros externos. A insolvência pode até ter deixado de ser financeira, mas ela passou a ser de ordem moral.
Paulo Roberto de Almeida é diplomata e professor do Centro Universitário de Brasília – Uniceub (@pauloalmeida53).

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Adolf Hitler e o seu Mein Kampf: o que George Orwell disse a respeito? - Ishaan Tharoor (WP)

What George Orwell said about Hitler’s ‘Mein Kampf’

The Washington Post, February 25 at 12:20 PM
As my colleague Anthony Faiola reported this week, Adolf Hitler's "Mein Kampf" is expected to be reissued in Germany for the first time since the end of World War II. Although widely available elsewhere in the world, the book — Hitler's testament and what's considered the founding text of Nazism — was never reprinted in postwar Germany.
Its planned reissue in Germany, The Post notes, will come in the form of a 2,000-page academic tome that supplements Hitler's own text with sharp commentary and criticism. The new version offers "a useful way of communicating historical education and enlightenment," says one of the scholars behind the project. "A publication with the appropriate comments, exactly to prevent these traumatic events from ever happening again."
[Read: ‘Mein Kampf’: A historical tool, or Hitler’s voice from beyond the grave?]
There was a time, though, when "Mein Kampf" was not just the repugnant treatise of the 20th century's greatest villain. More than seven decades ago, Hitler and the message of Nazism had great traction, and it required clear-eyed thinkers to cut through its seductions.
George Orwell's 1940 review of an English edition of the book is as important now as it would have been then. (You can read a digitized version of the piece, which appeared in the New English Weeklyhere.) That's not because he's uniquely right about the threat of Hitler — at this point, World War II was already in full swing. But the celebrated British man of letters has a special lens into the dangers and allure of fascism.
Orwell offers this withering assessment of Hitler's ambitions:
What [Hitler] envisages, a hundred years hence, is a continuous state of 250 million Germans with plenty of “living room” (i.e. stretching to Afghanistan or thereabouts), a horrible brainless empire in which, essentially, nothing ever happens except the training of young men for war and the endless breeding of fresh cannon-fodder. How was it that he was able to put this monstrous vision across?
It's not sufficient to answer that last question just by looking at the political and economic forces that buoyed Hitler's rise, Orwell contends. Rather, one has to grapple with the inescapable fact that "there is something deeply appealing about him."
Hitler, Orwell writes, "knows that human beings don’t only want comfort, safety, short working-hours, hygiene... they also, at least intermittently, want struggle and self-sacrifice, not to mention drums, flags and loyalty-parades."
For good reason, the Atlantic's Graeme Wood quoted this same piece in his lengthy meditation on the worldview of the militants of the Islamic State. The militarist pageantry of fascism, and the sense of purpose it gives its adherents, echoes in the messianic call of the jihadists.
Wood cites this passage in Orwell's review: "Whereas Socialism, and even capitalism in a more grudging way, have said to people 'I offer you a good time,' Hitler has said to them, 'I offer you struggle, danger, and death,' and as a result a whole nation flings itself at his feet."
But, in my view, the most poignant section of Orwell's article dwells less on the underpinnings of Nazism and more on Hitler's dictatorial style. Orwell gazes at the portrait of Hitler published in the edition he's reviewing:
It is a pathetic, dog-like face, the face of a man suffering under intolerable wrongs. In a rather more manly way it reproduces the expression of innumerable pictures of Christ crucified, and there is little doubt that that is how Hitler sees himself. The initial, personal cause of his grievance against the universe can only be guessed at; but at any rate the grievance is here. He is the martyr, the victim, Prometheus chained to the rock, the self-sacrificing hero who fights single-handed against impossible odds. If he were killing a mouse he would know how to make it seem like a dragon. One feels, as with Napoleon, that he is fighting against destiny, that he can’t win, and yet that he somehow deserves to.
Hitler projected this image — of a self-sacrificing hero, wounded by the universe — and went on to unleash horrors on the world. But the narcissism of a "martyr" and the penchant to make dragons out of mice, as Orwell puts it, can be found in demagogues of all political stripes. It's worth keeping these words in mind when watching the spectacle of our contemporary politics.
Related links
Ishaan Tharoor writes about foreign affairs for The Washington Post. He previously was a senior editor at TIME, based first in Hong Kong and later in New York.

Educacao brasileira: 12 mitos desmontados por Gustavo Ioschpe

Material do ano passado, mas ainda plenamente válido.
Acesse a postagem interativa, neste link: http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/gustavo-ioschpe-derruba-12-mitos-da-educacao-brasileira
Paulo Roberto de Almeida

Veja.com, 26/07/2014 - 09:22

Entrevista: Gustavo Ioschpe

Gustavo Ioschpe derruba 12 mitos da educação brasileira

Professor ganha pouco, universidade pública deve ser gratuita... O economista desconstrói versões predominantes sobre a realidade e os desafios do ensino nacional. Leia também: trecho inédito do novo livro do colunista de VEJA

Bianca Bibiano
Gustavo Ioschpe: "No dia em que a má qualidade do ensino tirar votos, teremos uma mudança verdadeira no país."
Gustavo Ioschpe: "No dia em que a má qualidade do ensino tirar votos, teremos uma mudança verdadeira no país." (Heitor Feitosa/VEJA.com/VEJA.com)
No início de 2013, Israel Lelis (PP), prefeito de Ibipeba, cidade de 17.000 habitantes no interior da Bahia, teve uma atitude bastante incomum: deu a todos os 200 professores da rede municipal de ensino local um exemplar do livro O Que o Brasil Quer Ser Quando Crescer?", de Gustavo Ioschpe, economista e colunista de VEJA. "Pensamos que era uma piada de mau gosto", conta Cleide Lelis, secretária de Educação da cidade. "Os professores que não conheciam o autor acharam que se tratava de um pseudônimo criado pelo prefeito para criticar nosso trabalho." Esclarecida a situação, os docentes organizaram um evento para discutir os artigos do livro, publicados originalmente em VEJA. "Os textos falam do que ninguém quer ouvir e fazem questionamentos que enriqueceram o debate sobre o que fazer para melhorar a qualidade da educação", diz a secretária.
Divulgação/ Ed. Objetiva
O que o Brasil quer ser quando crescer?
O Que o Brasil Quer Ser Quando Crescer? (Editora Objetiva; 254 páginas; 36,90 reais)
Sim, falar de temas espinhosos, questionar versões consagradas e derrubar mitos sobre a educação brasileira (leia na lista abaixo) é uma especialidade de Ioschpe, de 37 anos. Apoiado em rigor metodológico e na análise minuciosa de pesquisas nacionais e internacionais, o economista desconstrói discursos que se tornaram predominantes entre professores, pais, políticos e quase toda a sociedade para explicar a funesta situação do ensino nacional e seus desafios. Ioschpe volta à carga em novo livro, uma edição ampliada de "O Que o Brasil Quer Ser Quando Crescer?", que chega às livrarias no dia 1º de agosto e reúne 40 artigos publicados em VEJA entre 2006 e 2013. Os textos tratam de questões como financiamento da educação, participação dos pais e propostas de melhoria do ensino. O volume traz ainda um extenso material produzido após uma viagem do autor à China, em 2011, para investigar as causas do recente e acelerado avanço da educação no país asiático. Parte da apuração foi publicada à época em VEJA, mas parte permanecia inédita até agora (leia capítulo na íntegra).

Leia mais:
Capítulo inédito do novo livro: "A educação que constrói uma potência"

A viagem de Gustavo Ioschpe à China
A bagagem que permite ao economista fazer afirmações incisivas, que destoam da maioria — como a de que o Brasil não gasta pouco em educação e de que os professores não ganham mal —, foi acumulada ao longo de mais de 15 anos de pesquisas. "Eu não escrevo para mostrar minha opinião. Escrevo como pesquisador, apoiado em literatura empírica", diz Ioschpe. O gaúcho de Porto Alegre começou a escrever quando cursava o ensino médio e se preparava para o vestibular. "Sempre gostei de escrever e resolvi fazer um livro com dicas para vestibulandos que, assim como eu, precisavam aguentar a pressão dos exames." A repercussão do livro rendeu um convite para se tornar colunista do jornal Folha de S.Paulo, em 1996. No mesmo ano, foi aprovado na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, onde estudou administração, economia e ciências políticas.
O interesse pela educação brasileira nasceu com a repercussão de um artigo que defendia a cobrança de mensalidade nas universidades públicas. "Foi a primeira vez que recebi uma resposta agressiva dos leitores", diz. Para compreender o que causava tantas queixas, decidiu aprofundar a discussão em uma pesquisa científica. O resultado do trabalho ganhou forma em sua tese de graduação e foi aprofundado no curso de mestrado em desenvolvimento econômico na Universidade de Yale, onde ele mergulhou no estudo da economia da educação.
"Minha pesquisa me deixou chocado. Àquela altura, o Brasil ganhava visibilidade internacional com a promessa de um forte crescimento econômico, mas sofria com um problema seriíssimo de falta de capital humano, que atrapalhava o crescimento da nação e persiste até hoje. Para piorar, a discussão a respeito era irrelevante. O debate se resumia ao financiamento da educação e ao salário dos professores."
Com a "pretensão da juventude", como ele mesmo define, Ioschpe pensou que poderia mudar o eixo central do debate usando argumentos de sua tese de mestrado, publicada em 2002. "Eu queria mostrar que soluções comprovadamente eficazes para alavancar a aprendizagem, como cobrar diariamente o dever de casa, não envolviam recursos financeiros. Mas ninguém quer ouvir sobre soluções que deem mais trabalho aos professores. A educação nacional era e continua um desastre."
O receio de que o atraso educacional aniquilasse as chances de o Brasil se tornar um país desenvolvido motivou Ioschpe a seguir escrevendo — ele é colunista de VEJA desde 2006. "O maior elogio que posso receber é uma crítica pessoal. Se os comentários apontassem fraquezas nos dados que apresento, eu me importaria de verdade. Quando elas vem recheadas de xingamentos, vejo apenas que faltaram argumentos consistentes aos meus interlocutores." Com poucos interlocutores nessa seara dispostos a debater, o economista mirou outro alvo. "Antes, eu acreditava que poderia interferir no debate educacional mostrando que o problema é de má gestão e não de falta de recursos financeiros ou tecnológicos. Recentemente, concluí que discutir com esses grupos não adianta: a mudança só vai acontecer quando a população passar a cobrar melhorias."

Gustavo Ioschpe derruba 12 mitos da educação brasileira

Em entrevista, o economista comenta a situação e os desafios do ensino nacional

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"O Brasil investe pouco em educação"

“Se um médico prescreve um remédio para uma doença e ele não surte efeito, a primeira opção é aumentar a dosagem. Se o problema persistir, provavelmente o médico tentará outro medicamento. Quando o assunto é educação, a lógica segue o caminho oposto: a solução para todos os problemas é sempre aumentar a dosagem do que se considera o único remédio, ou seja, o dinheiro. Os defensores desse tratamento desconsideram o fato de que repasses de verba cada vez maiores já foram anunciados por programas como Fundef e Fundeb sem melhorar a qualidade da educação. Apesar disso, o Plano Nacional de Educação, recém-sancionado pela presidente Dilma Rousseff, prevê que, até 2024, 10% do PIB brasileiro deve ir para o setor. Segundo a Unesco, países como Finlândia, China, Irlanda e Coreia do Sul, que apresentam os melhores índices educacionais do mundo, gastam até 5,7% do PIB com educação. Em contraponto, nações como Quênia, Namíbia, Armênia e Mongólia despendem entre 7% e 12,9% do PIB no setor: mesmo assim, não conseguiram solucionar o problema da baixa qualidade do ensino.”

Quem sustenta os ditadores? Pessoas normais, como os funcionarios publicos, por exemplo - Adolfo Sachsida, Roberto Ellery, Rodrigo Saraiva Marinho

O Sustentáculo do Poder dos Ditadores

maduroComo um ditador se mantém no poder? Evidentemente, não é apenas devido ao uso da força bruta. Em qualquer ditadura do mundo, os ditadores são auxiliados por pessoas normais, daquelas que tomam cafezinho contigo e contam piadas. Contudo, muitos desses indivíduos, inofensivos em ambientes normais, assumem posturas agressivas e perigosas numa ditadura. O exemplo mais óbvio é representado por uma parcela dos burocratas a serviço do governo.
Foram os burocratas nazistas um importante sustentáculo de Hitler no passado. Atualmente, funcionários públicos ávidos por poder, ou se corrompendo em troca de uma simples gratificação salarial, ajudam Nicolas Maduro a incrementar ainda mais o regime bolivariano na Venezuela. Tudo isso sob o silêncio covarde e muitos observadores externos.
No Brasil, diversos burocratas justificam a ditadura bolivariana na Venezuela. Ou são cegos ou apenas querem o óbvio: sua gratificação. Protestar contra tal ditadura é perigoso mesmo no Brasil. Funcionários públicos que se posicionam publicamente contra essa afronta são marcados no serviço público. Outros burocratas chegam a escrever para jornais elogiando a “democracia” venezuelana.
Tal como apontou brilhantemente Edmund Burke “A única condição para o triunfo do mal é que os homens de bem não façam nada”. Neste texto nós cobramos dos burocratas brasileiros uma condenação firme e veemente da ditadura venezuelana. Como pesquisadores, como intelectuais, como cidadãos de bem exigimos que a ditadura bolivariana instalada na Venezuela seja denunciada.
O recente episódio da prisão arbitrária e imoral do prefeito da região metropolitana de Caracas é apenas mais um episódio desta triste história. Sabe como Hitler controlava os alemães? Ele os controlava por meio de conselhos (conselho de ética, conselho de cidadãos, etc.). Era assim que a máquina nazista enquadrava e perseguia os inimigos do regime. No Brasil estamos caminhando para situação idêntica.
Os cidadãos venezuelanos já são obrigados a combater uma tirania, não é necessário que sejam também obrigados a sofrerem com o apoio de burocratas brasileiros que apoiam esse regime. Você apoia Nicolas Maduro? Então saiba que apoias um ditador, um criminoso, um inimigo dos direitos humanos e da liberdade individual. E a história tem um nome para você: crápula.

*Texto conjunto de Adolfo Sachsida, Roberto Ellery Jr. e Rodrigo Saraiva Marinho.

Sobre o autor
Doutor (UnB) e Pós-Doutor (University of Alabama) em Economia. Pesquisador do IPEA.
Doutor em Economia (UnB) e Pós-Doutor (University of Alabama) orientado pelo Prof. Walter Enders. Lecionou economia na University of Texas - Pan American e foi consultor short-term do Banco Mundial para Angola. Atualmente é pesquisador do IPEA. Publicou vários artigos nacional e internacionalmente, sendo de acordo com Faria et al. (2007) um dos pesquisadores brasileiros mais produtivos na área de economia.
Matéria extraída do website do Instituto Liberal

A frase da semana, do mes, do ano: da crise 'a grande depressao - O Antagonista

Bem, não se trata propriamente de crise econômica, no sentido estrito.
Se trata de uma pessoa que é a crise, em pessoa, ou ainda pior: a grande depressão do Brasil:

O Antagonista já dizia que Dilma é a crise. Foi impreciso: Dilma é a nossa Grande Depressão.

Bem, pelo menos assim o Brasil já tem lugar garantido nos livros de história econômica.
Quem disse que só país desenvolvido entrava nos registros de grande depressão?
A Argentina aqui ao lado disputa ferozmente com o Brasil o galardão do retrocesso econômico.
A Venezuela nem entra no concurso, pois é hors concours.
Com ela estão Zimbabue e coisas do gênero.
Termino: vocês ainda vão ter saudades de 2015...
Desculpem o catastrofismo...
Paulo Roberto de Almeida

Venezuela: desmantelando as mentiras bolivarianas - Rafael Rincón-Urdaneta

Grato ao meu amigo Orlando Tambosi por esta seleção, que passo adiante por importante.
Paulo Roberto de Almeida

Artigo de Rafael Rincón-Urdaneta no site da Fundación para el Progreso analisa os mitos cultivados pela esquerda chilena em relação à Venezuela, sem dúvida compartilhados também pelos petistas. De fato, desmontar os três mitos que ele aponta serve para saber quem, aqui como lá, aprecia as liberdades ou as despreza. Não se trata da ultrapassada dicotomia esquerda/direita, mas de escolher entre uma sociedade livre e a opressão:


La violenta detención del Alcalde de Caracas, Antonio Ledezma, sacado a golpes la pasada semana de su despacho por agentes bolivarianos, y el aniversario de encierro del opositor Leopoldo López, entre varias personas privadas de libertad por las mismas razones, ameritan algunas aclaraciones. Explico aquí tres de los mitos más populares sobre la situación venezolana, extendidos en Chile por los partidarios locales del gobierno socialista.

1. En Venezuela hay en marcha un golpe de Estado opositor

No hay régimen autoritario que no denuncie semanalmente una tentativa de golpe o de magnicidio. Es algo que atemoriza a la ciudadanía, cohesiona a los partidarios, distrae y justifica persecuciones, especialmente ante la audiencia internacional, en general poco informada. En Venezuela, ya hasta se toma con cierta sorna. Que si la CIA, que si la extrema derecha fascista. Se salva el Mossad porque nadie lo conoce.

Para organizar y dar golpes de Estado se necesitan, al menos, oportunidad, recursos, militares y poder de fuego, algo que la desarticulada oposición venezolana no tiene. Para empezar, los militares son leales al gobierno y, sobre todo, al status social privilegiado que tienen. La única vez que Chávez cayó de la silla por unas horas, en 2002, lo devolvieron y hubo al interior una severa purga estalinista. Hasta hay banderas cubanas izadas en los cuarteles. “Patria, Socialismo o Muerte”, se corea entre los verde olivo.

A Ledezma lo acusan de golpista, terrorista y desestabilizador por haber firmado un acuerdo de transición público para un eventual gobierno postchavista. Esa es la “prueba”. Pero ya se las arreglará la creativa justicia revolucionaria, fiel al mandante, para encontrar algún arsenal o túnel secreto hacia la Casa Blanca.

También se acusa a la oposición de desestabilizar, algo que parece puede hacerse denunciando la escasez de papel de baño. Si Ud., amigo lector, con su teléfono toma fotos de las estanterías vacías de los supermercados puede ir detenido por algo así como “terrorismo”. Y a los pocos empresarios que sobreviven (los que no han podido liquidar para que no desaparezca la poquísima comida, cerveza y bienes que quedan) se les culpa de acaparamiento y conspiración. Es decir, la escasez no se debe a invasiones de tierras, expropiaciones, confiscaciones y ataques a la propiedad privada, además de restricciones para el acceso a divisas extranjeras necesarias para importar insumos, sino a un plan donde la CIA debe tener las narices metidas. Ilustro: hoy, los venezolanos residentes en Chile, Canadá o Australia compran harina para arepas de una marca venezolana, que ahora se fabrica en Colombia, y la llevan de regalo a sus familiares en Venezuela (con papel de baño y desodorante).

Mientras tanto, el presidente venezolano controla el Estado, los recursos económicos (los petrodólares), la justicia, el aparato represivo (incluidos los “colectivos”, civiles organizados en bandas y armados hasta los dientes para “defender la revolución”) y los medios, en especial los propios, los comprados a través de testaferros y los que se autocensuran por miedo o acuerdos. Así, hoy parece más peligrosa la división al interior del chavismo y el desastre económico que la propia oposición.

2. En Venezuela la oposición es de extrema derecha

En Venezuela no hay ni siquiera “derecha” a secas. Ha sido y es un país de tradición izquierdista, con suerte socialdemócrata. Durante la democracia representativa, luego de derrocado el General Marcos Pérez Jiménez en 1958, y hasta la elección de Chávez en 1998, el país se dividía entre socialdemócratas y socialcristianos. Si Ledezma fuera chileno militaría acaso en el PPD. Hasta en la izquierda chilena hay gente que parece tener eso claro, como Isabel Allende o Juan Pablo Letelier, por ejemplo.

La oposición venezolana es un cajón de sastre donde ha habido de todo, incluso Bandera Roja, autodefinida como “partido marxista-leninista que pugna por el establecimiento de la Democracia Popular en Venezuela y enfrenta actualmente al régimen chavista”. ¿Qué tal? También están, entre otros, Acción Democrática (socialdemócratas); Voluntad Popular y Alianza Bravo Pueblo (igual); COPEI (socialcristianos); Primero Justicia (hijos de los socialcristianos) y el MAS (Movimiento al Socialismo, que una vez se dividió entre chavistas y opositores). Y viejas figuras emblemáticas de la oposición son, nada más y nada menos, que ex guerrilleros de la izquierda de los años 60: Américo Martín, Pompeyo Márquez, Teodoro Petkoff. La ex Concertación en Chile fue más “de derecha” que lo que Maduro llama “extrema derecha fascista”.

Algo interesante: Los partidos y personas acusadas de ser “de extrema derecha fascista” son, precisamente, los que en Venezuela dieron auxilio, atención, apoyo y cobijo –visas, asilo, trabajo, hogar– a los exiliados chilenos en tiempos de Pinochet.

3. En Venezuela hay, al fin y al cabo, democracia

La pobreza de nuestra cultura democrática en Chile es perturbadora. Demasiada gente cree que donde hay elecciones –como quiera que se den– hay democracia. Decir eso responde a dos posibilidades: o se entiende la democracia como la imposición absoluta de las mayorías, incluso en forma de tiranía de masas (Lenin hablaba de “dictadura del proletariado”), o simplemente se ignora que la democracia de los países más libres y prósperos no tiene que ver con nada de eso y mucho con la libertad de expresión, el imperio de la ley, la alternancia en el poder, la separación de poderes, el gobierno limitado y la libertad económica, entre otras cosas.

Gracias al desprestigio y corrupción de la política tradicional de aquellos años, el chavismo llegó al poder de manera incuestionable, en elecciones libres y transparentes, en 1998… no sin antes intentar el golpe en 1992 que catapultó políticamente Chávez. Luego de eso hizo lo propio: desmanteló las instituciones democráticas luego de haberlas usado para llegar el gobierno. Primero, asamblea constituyente y redacción de una nueva constitución a su medida y antojo, con el apoyo de juristas e intelectuales de dudosas credenciales democráticas, más bien interesados en materializar sus utopías revolucionarias. Luego de eso, copó el aparato estatal con gente leal al proyecto y al partido y capturó todas las instituciones para ponerlas al servicio del mandamás, incluida la justicia y, por supuesto, los militares. Seguidamente, se aplastó a los privados y se le puso una soga bien corta a los medios de comunicación. A otros, como RCTV, fuera del aire desde 2007, los liquidó definitivamente. Al final, el gobierno legitimó el sistema usándolo y forzando a la oposición a ello. Siendo prácticamente la única “vía institucional”, no hacerlo sería considerado “golpismo”. Aunque en Venezuela no ser revolucionario y bolivariano es suficientemente golpista.
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En conclusión, observar la existencia de los tres mitos explicados –y comprobar lo expuesto con un poco de honestidad intelectual y sentido común– permite no solo comprender con capacidad crítica y propio juicio lo que ocurre en Venezuela, sino además identificar en Chile quiénes creen en la libertad y quiénes la desprecian y aborrecen. Porque, al fin y al cabo, este no es un problema de izquierdas y derechas. Es cuestión de elegir entre sociedad libre y opresión.