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domingo, 29 de janeiro de 2023

Pós-bicentenário verde-digital: uma política externa 3.0 para o Brasil - Eugênio V. Garcia (Revista do Cebri)

Pós-bicentenário verde-digital: uma política externa 3.0 para o Brasil

Adaptada aos imperativos da sustentabilidade e da digitalização

Revista do CEBRI, 

ANO 1 /  4 / OUT-DEZ 2022  

https://cebri.org/revista/br/artigo/59/pos-bicentenario-verde-digital-uma-politica-externa-30-para-o-brasil

Resumo

Da perspectiva da diplomacia de longa duração, a política externa não está dissociada de sua base socioeconômica. A partir de uma leitura histórica centenária, este artigo identifica três grandes períodos para a política externa brasileira: PEB 1.0, ligada desde 1822 a uma economia primário-exportadora; PEB 2.0, coincidindo aproximadamente com a industrialização nacional no século XX; e PEB 3.0, ainda em construção, do futuro verde-digital, adaptada aos imperativos da sustentabilidade
e da digitalização da sociedade contemporânea.

Palavras-chave:

política externa brasileira; bicentenário; diplomacia de longa duração; economia verde-digital.
Imagem: Shutterstock.

As comemorações do bicentenário da independência este ano constituem excelente oportunidade para refletir sobre os movimentos históricos de longa duração e sua relação com a trajetória internacional do Brasil[1]. Este artigo pretende fazer uma breve leitura da política externa brasileira (PEB) a partir de suas bases socioeconômicas, em períodos aproximados de 100 anos, a fim de identificar algumas lições e fatores que a influenciam no longo prazo. O foco não será, portanto, discutir as diferenças de orientação de governo a governo ou os marcos políticos cronológicos, mas sim compreender melhor algumas tendências macroestruturais, observáveis graças a um distanciamento proposital da conjuntura como método de análise.

Nesse sentido, os primeiros 100 anos de Brasil independente (PEB 1.0), a partir de 1822, podem ser vistos como uma fase de construção da nação, entendida como a nacionalização da diplomacia, conformação da unidade territorial e definição das fronteiras, obra que o Barão do Rio Branco, um homem do século XIX, concluiu. Na maior parte desse período, predominou um sistema econômico escravagista e “essencialmente agrícola”, no qual território, extrativismo, agricultura e vida no campo estiveram integrados à paisagem social. 

A fase centenária seguinte (PEB 2.0), que alcança de 1922 a 2022, corresponde a quase todo o século XX e além, de diplomacia voltada para o desenvolvimento econômico clássico, marcada pelo esforço brasileiro em ingressar na era industrial e daí alavancar seu crescimento. Foi a tônica nos dois governos de Getúlio Vargas, no regime militar (1964-1985) e nas múltiplas expressões do pragmatismo na busca por autonomia, tendo como pano de fundo um país transformado pela industrialização e pela disseminação do setor de serviços na vida urbana. Esses traços permaneceram vigentes até pouco tempo, mas não são estanques e vêm adquirindo novas conotações, indicativas de uma fase mais instável e incerta.

…o pós-bicentenário que entrará século XXI adentro, [será pautado] por desafios globais associados em particular (mas não apenas) à mudança do clima e às tecnologias emergentes, tendo presentes os dilemas do desenvolvimento sustentável, da economia do conhecimento e da vida no ciberespaço. Uma política externa compatível com esse cenário que se avizinha, dominado pelo binômio “tecnológico e sustentável”, terá de saber responder às premências de nossa época e estar adaptada a uma economia verde-digital.

Finalmente, os próximos 100 anos (PEB 3.0), o pós-bicentenário que entrará século XXI adentro, serão pautados por desafios globais associados em particular (mas não apenas) à mudança do clima e às tecnologias emergentes, tendo presentes os dilemas do desenvolvimento sustentável, da economia do conhecimento e da vida no ciberespaço. Uma política externa compatível com esse cenário que se avizinha, dominado pelo binômio “tecnológico e sustentável”, terá de saber responder às premências de nossa época e estar adaptada a uma economia verde-digital. A década de 2020 poderá ser o momento para acelerar essa transformação, cujo êxito dependerá de decisões a serem tomadas no presente, sob pena de adiar ainda mais a passagem do Brasil ao segmento de vanguarda da era digital.

ANTES DO BICENTENÁRIO: REFLEXÕES E ENSINAMENTOS

O historiador francês Fernand Braudel (1992) cunhou o termo longue durée para se referir aos fenômenos que ultrapassam o meramente factual e conjuntural no estudo da História. O conceito teve muitas interpretações e aparece de formas diferentes em outros autores, incluindo no campo das Relações Internacionais (Dark 1998). Para os fins deste artigo, importa reter que uma grande estratégia de política externa deve considerar o tipo de nação que se deseja construir, quais seus valores básicos e princípios orientadores, assim como os interesses em jogo ao se projetar determinada ação em cenários futuros.

Quando observamos os fenômenos socioeconômicos pelo prisma da longa duração, alguns aspectos saltam aos olhos. A escravidão, por exemplo. Desde a chegada ao Brasil Colônia da primeira leva de escravos oriundos da África, em 1538, até a abolição da escravatura em 1888, foram 350 anos de um sistema desumano que determinou o modo de produzir na economia e plantou raízes profundas no tecido social brasileiro. Em 1830, o Brasil era a maior economia escravista no mundo. De 1811 a 1870, 60% dos escravos trazidos para as Américas tinham o Brasil como destino. Não é difícil constatar que a escravidão influenciou tanto o substrato econômico da consciência nacional nascente quanto a inserção internacional do país durante o século XIX. Havia no Império quem achasse que um Brasil sem escravos seria inviável, assim como industrializar-se seria demasiado ambicioso ou desnecessário, pois bastaria importar os produtos e tecnologias desejados no mercado internacional, segundo a teoria econômica das vantagens comparativas.

Historicamente, o desenvolvimento econômico brasileiro se verificou de forma descompassada em relação às revoluções industriais que ocorriam no mundo. Antes da independência, na vigência do exclusivo colonial, sequer vimos chegar por aqui as inovações trazidas pela Primeira Revolução Industrial na segunda metade do século XVIII: substituição do trabalho artesanal pela produção em larga escala com o uso de máquinas movidas a vapor e combustíveis fósseis (carvão mineral). Esse processo não alcançou as possessões coloniais lusas, dada a posição subalterna ocupada por Portugal em relação à Grã-Bretanha, desde pelo menos o Tratado de Methuen de 1703. Sintomático disso foi o sempre citado Alvará Régio de D. Maria I, de 1785, que mandava proibir a produção de todas as fábricas e manufaturas no Brasil. Naquela época, enquanto a colônia brasileira exportava para a metrópole ouro, diamantes, açúcar, tabaco e pau-brasil, importava de Portugal as manufaturas rudimentares de que precisava. 

A década de 1820 foi sem dúvida crucial para a definição da identidade nacional, não só pela independência em si, com o Brasil se constituindo como um Estado soberano, mas igualmente pelo processo de consolidação de uma política externa própria, que não foi imediato. No Primeiro Reinado, depois de uma fase heroica, liderada por José Bonifácio, de rompimento com as cortes de Lisboa e ensaios de aproximação regional com os Estados Unidos e vizinhos no Rio da Prata, a PEB foi adquirindo uma feição neolusitana, resultado da condução pessoal de D. Pedro I sobre os negócios diplomáticos. Exemplos disso foram o europeísmo pró-Santa Aliança, o retorno de uma relação de clientela em relação à Grã-Bretanha (renovação em 1827 de compromissos assumidos pelos tratados de 1810), a Guerra Cisplatina e o virtual isolamento do Império no contexto regional, culminando com a fracassada Missão Santo Amaro de 1830, enviada sob instruções diretas do imperador para obter apoios na sucessão portuguesa e na política sul-americana. Não à toa, a abdicação de 1831 fechou um ciclo que significou a “nacionalização do trono” e uma afirmação mais clara de brasilidade, às vezes referida na historiografia como uma “segunda independência”.[2] 

A evolução da PEB naquela década operou sem alteração fundamental de circunstância no tocante à estrutura socioeconômica predominante (setor primário sustentado pelo sistema escravista). Durante o Império, a literatura econômica demonstra que, a despeito de tentativas pioneiras, como os empreendimentos do Barão de Mauá, a industrialização não vingou no país. A diplomacia imperial lidou com questões comerciais, financeiras e migratórias da ordem escravocrata que se estenderam por anos a fio, como o contencioso com a Grã-Bretanha sobre o tráfico transatlântico, uma “luta diplomática do mais triste caráter”, no dizer de Joaquim Nabuco (Almeida 2001, 337). Na segunda metade do século XIX, embora mundialmente estivéssemos em plena Segunda Revolunotasção Industrial, com progressos acelerados nos meios de transporte e comunicação e nas indústrias química, siderúrgica e elétrica, entre outras, tardaria muito para que esses avanços fossem de fato incorporados ao sistema produtivo nacional. Reconfirmando mais uma vez o relativo distanciamento dos centros dinâmicos de crescimento, a economia imperial, assentada na produção de commodities, adentrou a República no século XX, privilegiando o modelo agroexportador. 

Com efeito, o café era a base de sustentação econômica da República Velha, e por décadas a economia brasileira ainda continuava “essencialmente agrícola”. O censo econômico de 1920 mostrou que, em comparação com a produção da indústria, o valor líquido da produção agrícola representava quase 80% do produto físico total da economia. A atividade agrícola, por sua vez, estava baseada em culturas para exportação, que em seu conjunto correspondiam a quase 60% da produção da agricultura e ocupavam 50% da área cultivada (Villela & Suzigan 1975, 141-142). O melhor desempenho da agroexportação se deu depois da crise do pós-guerra (1920-1923) e antes do crash de 1929.[3] Sendo o setor dinâmico da economia, os interesses da agroexportação se viam refletidos na diplomacia das oligarquias (Garcia 2006).

O impulso à industrialização no Brasil começou com a Primeira Guerra Mundial, quando a redução na oferta de produtos manufaturados dos fornecedores tradicionais representou um estímulo indireto à produção nacional. De 1915 a 1920, a produção industrial cresceu 44% no país, beneficiando sobretudo os setores de bens de consumo não duráveis e de exportação voltada para suprir a demanda internacional. O número de estabelecimentos fabris no Brasil passou de 6.946, em 1914, para 13.569, em 1919 (Magalhães 1979, 390). No entanto, esse processo não pode ser visto apenas de um ângulo estritamente favorável à industrialização via substituição de importações. Se, por um lado, a guerra provocou a paralisação momentânea dos suprimentos de além-mar, abrindo uma janela de oportunidade para alguns setores industriais no Brasil, de outro, a interrupção abrupta na importação de bens de capital e de determinadas matérias-primas essenciais desestabilizou a estrutura produtiva nacional e impediu que outras indústrias prosperassem. Sem a maquinaria e os combustíveis necessários, a capacidade produtiva da indústria como um todo ficava irremediavelmente comprometida. Somente nos anos 1920-1930 a industrialização brasileira adquiriu um perfil que pôde refletir-se em políticas de Estado mais estruturadas, mas não caberia aqui repisar esse tema, de resto objeto de importantes obras econômicas.[4] 

A década de 1920, fechando esses primeiros 100 anos, foi um momento de passagem da PEB 1.0 para a PEB 2.0, com as contradições inerentes a esse tipo de movimento largo, complexo e dialético, em que o novo já se anuncia, mas o velho ainda subsiste. Veja-se o caso da Exposição Internacional do Centenário da Independência realizada no Rio de Janeiro em 1922, a maior desse tipo organizada no Brasil até hoje. O governo brasileiro investiu na organização de um megaevento, nos moldes das Exposições Universais típicas da belle époque, quando prevalecia a crença nos poderes ilimitados da razão e da ciência e no progresso infalível da civilização liberal-burguesa de fins do século XIX. Foram iniciadas reformas para dar uma face mais “moderna” à capital federal. A ideia era fazer do Rio uma espécie de “Paris tropical”, símbolo de modernidade e beleza ao Sul do Equador. A Exposição do Centenário serviria em tese para celebrar a reconciliação nacional no plano interno e mostrar o lado progressista do país no plano externo.

O ano de 1922, porém, será lembrado mais pelo início da contestação política ao imobilismo conservador da República oligárquica, paralelamente ao aumento da efervescência sociocultural. A Exposição deveria mostrar ao mundo que o Brasil estava em condições de se igualar às grandes nações do Ocidente em termos de cultura e desenvolvimento, integrando-se ao mundo “civilizado”, cosmopolita, abastado e culto (Motta 1992). Mas a prosperidade ilusória que se tentou passar aos visitantes estrangeiros contrastava enormemente com uma sociedade no fundo pobre, malnutrida e iletrada, e uma infraestrutura econômica baseada na monocultura agroexportadora. 

Um exemplo marcante de mudança histórica de longa duração foi a transição de poder da Grã-Bretanha para os Estados Unidos no período entreguerras. Quando o Brasil se tornou independente em 1822, a Grã-Bretanha desfrutava de forte posição no país, graças ao legado dos portugueses. Por volta de 1900, a Grã-Bretanha era ainda a potência estrangeira líder na economia brasileira, como o maior fornecedor das importações brasileiras, a principal fonte de capital financeiro para o Brasil e, de longe, o maior investidor estrangeiro. Nos anos seguintes, a posição britânica no Brasil seria desafiada pela influência crescente da Alemanha e apenas ligeiramente pelos Estados Unidos, cuja expansão econômica não havia ainda alcançado a América do Sul. Durante a Primeira Guerra Mundial, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos uniram forças contra a Alemanha e ambos tiveram sucesso em expulsar interesses alemães do Brasil. Em 1916, os Estados Unidos se tornam o maior parceiro comercial do Brasil, superando pela primeira vez a Grã-Bretanha como principal fornecedor das importações brasileiras. Com o passar dos anos, a recuperação decidida da Alemanha nos anos 1930 renovou o desafio anterior, e, na Segunda Guerra Mundial, os interesses de britânicos e norte-americanos estiveram uma vez mais unidos contra os alemães. Em 1945, contudo, os Estados Unidos eram indisputavelmente a potência hegemônica no Brasil, e a Grã-Bretanha havia perdido sua posição outrora dominante no país (Garcia 2006, cap. 4).

As condições econômicas da Grã-Bretanha e a sua perda de competitividade internacional dificultavam qualquer tentativa de adaptação às mudanças nos padrões da economia brasileira. O modelo agroexportador, ao qual permanecia atado o capital britânico, entraria em crise após a depressão mundial de 1929-1933. A industrialização no Brasil tomava corpo, abrangendo tanto a substituição de importações em setores tradicionais (vestuário), quanto investimentos diretos de capital estrangeiro em segmentos não tradicionais (carros), em detrimento dos interesses econômicos e da capacidade produtiva da Grã-Bretanha. Havia caído a demanda brasileira por exportações britânicas de têxteis, carvão e material ferroviário, que compunham os três pilares de seu comércio desde o século XIX. Os Estados Unidos estavam mais bem aparelhados para fornecer os bens e serviços de que o Brasil necessitava para ingressar na economia industrial do século XX: máquinas, derivados do petróleo e automóveis (Rosenberg 1978, 151).

Note-se que essa transição de poder foi sobretudo uma mudança de caráter econômico. Politicamente, não houve transição alguma, na medida em que a PEB não estava direcionada para a Grã-Bretanha antes de 1914. Pode-se identificar uma aparente desconformidade entre presença econômica e influência política, visto que o Brasil não via em Londres um dos eixos de sua diplomacia. A supremacia política britânica havia evaporado há muito tempo na década de 1840. Mesmo durante a maior parte do Segundo Reinado, na segunda metade do século XIX, a influência política da Grã-Bretanha sobre o Brasil era ínfima se comparada a seus interesses econômicos espalhados por todo o país. Em contraste, desde a proclamação da República, em 1889, o novo regime no Brasil buscou aproximar-se de Washington, animado pelo ideário do pan-americanismo, que se traduziu inter alia na americanização de suas relações exteriores. 

Desse exemplo não devemos tirar conclusões precipitadas a respeito de outras transições de poder que possam ocorrer (ou não) futuramente, como dos Estados Unidos para a China. Para os contemporâneos, a transição anglo-norte-americana era mais uma possibilidade do que uma certeza. Sabe-se hoje que os Estados Unidos lograram consolidar sua hegemonia no entreguerras, primeiro deslocando a Grã-Bretanha (sobretudo nos anos 1920) e depois suplantando a Alemanha (nos anos 1930). A Pax Americana pós-1945 foi muito breve e por certo não deve ser superestimada, mas é inegável o fato de que essa transição global afetou profundamente as relações internacionais do Brasil.

Isso posto, convém recordar que um enfoque centrado no curto prazo pode resultar em frustração. O primeiro governo Vargas costuma ser associado a uma política de barganhas exitosa em meio à polarização internacional, que teria proporcionado a entrada do Brasil na era do aço por meio dos acordos de 1940 com os Estados Unidos para a instalação da indústria siderúrgica em Volta Redonda-RJ. Com o privilégio da visão retrospectiva, constatamos que essa “barganha nacionalista” havia sido um recurso tático utilizado em uma situação muito peculiar de guerra global. Pretendia um apoio ativo norte-americano ao desenvolvimento do país. A conjuntura atípica da Segunda Guerra Mundial alimentou a ilusão de que isso também seria possível sob a hegemonia norte-americana no pós-guerra, o que sabemos não se verificou (o “alinhamento sem recompensa” de que falava o historiador Gerson Moura). Barganhar benefícios para tirar proveito da competição entre as grandes potências pode trazer algum ganho ocasional, mas não é capaz de sustentar uma estratégia global de inserção internacional, que idealmente não deve basear-se em circunstâncias excepcionais sobre as quais não temos controle algum.

Vimos acima que a industrialização brasileira decolou de fato nos anos 1920-1930, mas isso não significou uma mudança imediata nos padrões econômicos constituídos de longa data. O café seguiu sendo o principal produto da economia brasileira até a década de 1960. Em 1961, os produtos primários ainda representavam 96% do valor total das vendas ao estrangeiro. Apesar da industrialização, a estrutura tradicional das exportações brasileiras, liderada pelo setor primário-exportador, ainda não havia mudado. Apenas na década de 1970 o Brasil se transforma em exportador de manufaturados. As exportações industriais brasileiras representavam 3% do total exportado em 1960, 40% em 1974 e 56% em 1979. De 1920 a 1980, a taxa média de crescimento do PIB brasileiro foi de 6,19% (a indústria cresceu no mesmo período a uma taxa de 7,64%). Em 1980, 45% das exportações brasileiras eram de manufaturas, encerrando por fim o predomínio do café no comércio exterior (Abreu 1992). 

É de interesse notar também que, no censo de 1970, pela primeira vez a população urbana (52 milhões) superou a rural (41 milhões), chegando à taxa de 56%. Tal fato ilustra como é recente essa modificação demográfica fundamental na distribuição espacial da população, do campo para a cidade. A ela devemos acrescentar outra dimensão, esta sim recentíssima, da vida no ciberespaço, que trataremos no item seguinte ao analisar as alterações advindas da Terceira Revolução Industrial e suas implicações para a PEB 3.0.

Por razões de espaço, não serão recapituladas aqui as transformações políticas, sociais e econômicas dos últimos 40 anos e as mudanças no papel da diplomacia motivadas pela redemocratização ou pela globalização econômica, como a necessidade de maior integração entre o interesse nacional e os interesses societários, plurais e difusos, traduzidos na ideia de diplomacia pública. Deve-se ter em mente que a política externa de certo não se resume a um instrumento exclusivo da industrialização, mas é fruto de uma inserção competitiva cada vez mais complexa. Afinal, os paradigmas no nível macro se interconectam por algum tempo, e a PEB 2.0, na virada do século, já indica tendências da próxima etapa no campo da simbiose homem-natureza, da comunicação digital e do diálogo com a sociedade. 

DEPOIS DO BICENTENÁRIO: O FUTURO VERDE-DIGITAL

Voltando o olhar para a política contemporânea, a guerra na Ucrânia, que tem ensejado mudanças significativas na configuração geopolítica do mundo, provavelmente será vista pelos historiadores como um episódio relativamente curto do ponto de vista da longa duração. Tais eventos não têm impacto estruturante comparável às macrotendências, como os resultados da atividade humana sobre a vida no planeta ou os avanços tecnológicos que mudam a forma de interação entre os seres humanos e entre eles e a natureza. Servem, não obstante, para relativizar avaliações apressadas, como a crença errônea, muitas vezes repetida, de que uma guerra entre as grandes potências seria algo relegado ao passado. A invasão da Ucrânia pela Rússia não apenas reacendeu a hipótese de um confronto militar ampliado na Europa. Trouxe de volta também o fantasma das armas nucleares e seu possível emprego para atingir fins políticos e militares (ironicamente uma tecnologia da década de 1940, mas com efeitos desestabilizadores duradouros enquanto não for completamente eliminada). Em outras palavras, existem ameaças persistentes, entre elas riscos existenciais para a humanidade, que continuam a nos assombrar e que perseguirão nossos filhos e netos por incapacidade da presente geração em resolver esses problemas (Ord 2021). 

Há em essência dois grandes desafios de nossa época (...): a mudança do clima, com suas repercussões planetárias indiscriminadas, e os riscos associados à tecnologia, desde o desemprego econômico em massa até a militarização da inteligência artificial. (...) Há mesmo quem veja a chegada da humanidade ao Antropoceno e a progressiva virtualização da sociedade como duas transformações sociais que compõem o “Antropoceno digital”.

Há em essência dois grandes desafios de nossa época, conforme se exprimiu o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres (2018), perante a Assembleia Geral: a mudança do clima, com suas repercussões planetárias indiscriminadas, e os riscos associados à tecnologia, desde o desemprego econômico em massa até a militarização da inteligência artificial. O que será das outras questões centrais para o mundo de hoje (crescimento econômico, desigualdade, saúde global, tensões geopolíticas etc.) passará por esses dois desafios e suas consequências na condição de vida das pessoas e no meio ambiente. Há mesmo quem veja a chegada da humanidade ao Antropoceno e a progressiva virtualização da sociedade como duas transformações sociais que compõem o “Antropoceno digital”.[5]

Desnecessário salientar que, para enfrentar o aquecimento global de forma resoluta, garantir a sustentabilidade requer abolir métodos arcaicos de produção predatória que não consideram seus impactos sociais e ambientais. Os humanos usaram mais energia no século XX do que nos 10 mil anos entre a revolução agrícola e a Revolução Industrial (Marks 2015, 203). O fim há tempos anunciado da era do petróleo ainda cobra o seu preço. Em estudo sobre a economia mundial desde o Paleolítico, Jeffrey Sachs (2020) situa a Era Industrial entre 1800-2000, seguida da Era Digital no século XXI, que terá de lidar com o legado nefando de degradação ambiental e desigualdade herdado da era anterior. 

E do mesmo modo que a existência humana não pode ser separada de seu meio natural, a biosfera, não há como bem compreender a vida moderna sem abranger nossa imersão no mundo digital, que Luciano Floridi chama de “infosfera”, e que não deixa de ser uma releitura do conceito mais antigo de “tecnosfera”, que inclui toda a produção tecnológica desenvolvida pelo Homo Sapiens (Gorichanaz 2019). Desconectar-se da Internet e renegar a digitalização da economia e da sociedade vai-se tornando mais difícil a cada dia. A conectividade é um dos elementos constitutivos da realidade internacional no século XXI.[6]

Muito do que se convencionou chamar de “Quarta Revolução Industrial” significa na verdade uma extensão e um aprofundamento da Terceira Revolução Industrial, que teve início com a expansão do setor de serviços e da indústria eletrônica, o advento da Internet, da sociedade da informação e das inovações tecnológicas da segunda metade do século XX.[7] A digitalização quase onipresente em muitos países, viabilizada pelos progressos da Engenharia da Computação e setores correlatos, impulsiona a automação industrial, as redes de 5G, a Internet das Coisas, o software integrado e os sistemas ciberfísicos que começam a revolucionar as linhas de produção nos centros mais avançados. Para a geração Z, dos nativos digitais, o ciberespaço é parte do cotidiano. As fronteiras tradicionais entre o físico, o biológico e o digital estão mais embaralhadas, e as Big Techs têm planos de investir pesadamente em plataformas de realidade aumentada e virtual, apostando no metaverso como o próximo capítulo da Internet.

A inteligência artificial (IA), tecnologia de propósito geral que habilita outras e multiplica fatores, está no centro dessa nova economia, liderando a mudança de paradigma. Associada à abundância exponencial de dados e a um poder computacional crescente, a IA é mais do que apenas “a nova eletricidade”, pois ao contrário daquela é capaz de produzir conhecimento e desempenhar tarefas cognitivas antes consideradas exclusivas do cérebro humano. Ainda não é possível discernir até onde suas promessas serão realmente cumpridas, mas alguns de seus efeitos concretos são visíveis e suas implicações de longo prazo são tão formidáveis quanto espantosas. Estamos apenas começando a conviver com expressões criativas de texto, imagem e vídeo produzidas por inteligência de máquina, como é o caso dos modelos fundacionais que utilizam redes neurais de aprendizagem profunda para processar quantidades gigantescas de dados em escala (centenas de bilhões de parâmetros) e assim gerar produtos de forma totalmente autônoma, como GPT-3, BERT, DALL-E 2 e outros. No limite, se os sistemas de IA podem gerar conhecimento que os humanos nunca conceberam ou imaginaram possível, poderia haver no futuro uma revolução copernicana com potencial para desafiar o antropocentrismo intelectual tal qual o conhecemos.

Essas reflexões sobre a atual revolução tecnológica não são novas. Da mesma forma, já existe clareza a respeito da urgência em valorizar a agenda ambiental e promover a transição energética em direção à descarbonização da economia, ampliando o uso dos recursos renováveis e combatendo o desmatamento, entre outras medidas, com o auxílio da tecnologia e da ciência (Almeida & Gaetani 2021). Neste novo cenário dominado pelo binômio “tecnológico e sustentável”, o que se deseja ressaltar é a necessidade de agregar o digital à política externa como elemento vital e indissociável da prática diplomática em um mundo hiperconectado, no qual a tecnologia influencia formas de interação e convívio muito além dos Estados. 

Até o momento, a adesão à economia do conhecimento no Brasil apenas tangenciou o exercício da diplomacia. A PEB 1.0 foi aquela que conviveu com uma economia “essencialmente agrícola”, que marcou o país durante longo período de sua vida independente. A PEB 2.0 correspondeu ao período da industrialização clássica nacional, característico do século XX. A PEB 3.0 estará ligada à sustentabilidade e à digitalização, a uma economia verde-digital, ambientalmente equilibrada, adaptada ao mercado de baixo carbono, tecnológica e inclusiva, liberta de fardos e anacronismos do passado e voltada para construir uma nação com menos desigualdade, maior distribuição da riqueza e ampliação dos canais de acesso ao desenvolvimento em benefício de toda a sociedade. 

A terceira fase centenária da PEB precisa estar alinhada ao ecossistema brasileiro de inovação para criar as condições de produtividade que permitam o soerguimento da indústria nacional, conectando-a às práticas inovadoras que estão alterando o funcionamento do mercado…

A terceira fase centenária da PEB precisa estar alinhada ao ecossistema brasileiro de inovação para criar as condições de produtividade que permitam o soerguimento da indústria nacional, conectando-a às práticas inovadoras que estão alterando o funcionamento do mercado, a exemplo daquelas introduzidas por startups e empreendedores de impacto. O Brasil hoje apresenta índices de retração industrial que têm impacto negativo direto sobre sua capacidade de produzir bens de alto valor agregado, treinar mão de obra qualificada e desenvolver capacidades para fazer avançar a indústria 4.0. A participação da indústria brasileira no PIB atingiu seu pico em 1986, com 27,3%. A partir daí, sofreu forte queda e chegou a 2018 em seu pior patamar histórico, caindo para 11,3%, não se recuperando desde então (Morceiro 2018). Trata-se de uma combinação trágica de industrialização tardia e desindustrialização precoce, agravada pela falta de investimentos consistentes. E se o Brasil não desenvolve suas próprias competências em tecnologias convergentes e habilitadoras, continuará dependente de fornecedores externos e, por mais forte razão, vulnerável às intempéries do mercado global e às pressões políticas vindas de fora, como a disputa pela supremacia entre Estados Unidos e China, que alguns descrevem como “a nova Guerra Fria tecnológica”.

Existem, ainda, graus variados de exclusão digital, conforme a classe social ou região, que restringem o acesso de boa parte da população brasileira a serviços públicos e privados oferecidos online. São pessoas que não têm ou sofrem para usufruir de recursos nas áreas de educação, saúde, trabalho remoto, negócios, convívio social e cidadania. Não estão aparelhadas para de fato exercerem seus direitos e dominar as ferramentas digitais que gradualmente se tornam mais essenciais no dia a dia de todos.

É possível mudar esse quadro. Observando a evolução histórica das revoluções industriais no plano mundial e os momentos críticos em que elas reverberaram no sistema produtivo nacional, nota-se que a passagem de uma à outra costuma-se dar no Brasil com um atraso de décadas, a exemplo do que ocorreu na transição do predomínio da agricultura para a economia da indústria e dos serviços. Evidentemente, este não é um processo linear nem teleológico: há altos e baixos, idas e vindas, e retrocessos podem ocorrer. Como visto e é bem sabido, a industrialização ganhou tração na década de 1920 e plantou raízes no período entreguerras, mas amadureceu muito depois e atualmente sofre reveses preocupantes.

Estamos ainda transitando tanto para a economia verde quanto para a economia do conhecimento, embora não na velocidade desejada (Kaufman 2021). Seria prematuro falar, com o perdão do neologismo, em “inteligentização tardia” no Brasil, porque essa mudança sistêmica está em curso, inclusive nas potências líderes. Sem priorizar a inovação no debate público e nos planos de governo, todavia, será mais árdua a adoção de políticas transversais de longo alcance, respaldadas por investimentos compatíveis para proporcionar uma educação de qualidade e fomentar uma infraestrutura digital de dados, redes e sistemas integrados de IA.

ethos necessário para tornar a PEB 3.0 viável também deverá incluir os mapas mentais que utilizamos para observar, julgar e atuar. Diversos conceitos estão obsoletos e carecem de uma atualização coerente à luz das realidades do século XXI. Em um mundo que não é mais westfaliano em sentido estrito, as relações internacionais se desenvolvem em muitos níveis e tabuleiros: um sistema estruturalmente heterogêneo, policêntrico, em larga medida imprevisível, afetado por fissuras e assimetrias de toda ordem, com esferas de autoridade sobrepostas que competem entre si e convivem com redes complexas de forças transnacionais e subnacionais, públicas e privadas, governamentais e não governamentais. Diante disso, o pensamento binário, analógico e unidimensional, motivado por convicções arraigadas, é ineficaz para apreender um quadro intrinsecamente fluido e multifacetado, muitas vezes ambíguo, no qual predomina a incerteza. Se a compreensão desses fenômenos é deficiente, as políticas daí resultantes serão desastrosas em todos os sentidos.

O digital deve ser incorporado ao discurso e à prática da política externa. Se dirigentes, legisladores e formadores de opinião não integram essa dimensão às suas prioridades, faltarão recursos financeiros e vontade política para o que precisa ser feito. Durante a campanha eleitoral este ano, poucos candidatos mencionaram explicitamente a questão nos debates ou em seus programas de governo. Aprofundar a diplomacia pública, aliás, permitirá alcançar maior número de atores, aproximar a sociedade civil e aprimorar os canais de diálogo, o que inclui os meios digitais.

Vivemos um momento de divergências políticas e fragmentação dos esforços de governança global em diversos setores. Construir áreas de convergência negociadora dependerá da ação coletiva de países interessados, antes de tudo, em promover os usos da tecnologia para o desenvolvimento. Uma participação ativa nos foros internacionais, com propósitos bem definidos, implica incluir pntos de conversação na agenda de reuniões bilaterais, coordenar políticas comuns no plano regional, exercer uma liderança normativa multilateral e engajar-se no diálogo e nas negociações sobre a política digital global entre Estados, setor privado e sociedade civil (Garcia 2022).

Cresce em importância o papel da diplomacia tecnológica. Um grupo informal de diplomatas baseados em São Francisco e no Vale do Silício (Tech Diplomacy Playground) se reúne mensalmente para discutir temas digitais globais, aproveitando a experiência de vários países representados na Área da Baía. Desde o envio do primeiro Tech Ambassador pela Dinamarca, em 2017, tem aumentado o interesse dos Estados por um diálogo mais direto com as grandes companhias sediadas na região. Em setembro último, foi a vez da União Europeia abrir um escritório em São Francisco para reforçar sua atuação junto a esses interlocutores.

Incorporar boas práticas no trabalho diário será indispensável para modernizar o setor público. Mesmo após o fim da pandemia, a transformação digital tem sido vista como algo inelutável, marcando o advento da “diplomacia híbrida”, na qual interações físicas e virtuais deverão conviver entre si, complementar e reforçar uma à outra. A maior parte das Chancelarias se encontra na fase de adaptação às novas tecnologias. A próxima será efetivamente de “adoção digital” (Bjola & Manor 2022)[8]. Esse processo vai muito além das redes sociais. Envolve ganhos de eficiência administrativa, a exemplo do que fazem corporações privadas, aperfeiçoamento dos serviços consulares e recursos para tomada de decisão, predição, análise política e outras atividades eminentemente diplomáticas. 

Nesse ponto, ainda são poucos os casos de sucesso que podem servir de inspiração, como monitorar a mídia em tempo real para detectar notícias falsas, combater a desinformação e identificar ameaças para fins de alerta antecipado e prevenção de riscos. Um passo indispensável para tanto será a digitalização de informações para a coleta de dados. Como os diplomatas usam a escrita todos os dias (em telegramas e relatórios enviados e recebidos entre a capital e os postos no exterior), modelos de processamento de linguagem natural (PLN) podem ser uma primeira opção para emprego imediato. Aplicações mais ambiciosas podem incluir algoritmos para tentar prever o comportamento de países durante negociações e/ou reconhecimento de padrões de votação em organizações multilaterais.

Neste mundo de informações instantâneas, 24 horas por dia, big data e máquinas inteligentes, a agilidade é um antídoto contra a obsolescência. O letramento digital dos funcionários governamentais deve começar cedo, desde o ingresso na instituição, para que possam assimilar o instrumental básico da linguagem dos tecnólogos, desenvolvedores, engenheiros de computação e cientistas. No caso do Brasil, capacitar diplomatas e membros do serviço exterior nas novas tecnologias, arejar uma cultura burocrática rígida e pensar de forma inovadora podem abrir portas desde já. 

Uma iniciativa promissora foi a decisão de criar, em setembro de 2021, uma rede de conhecimento interna no Ministério das Relações Exteriores para acompanhar temas de tecnologia da informação e da comunicação e tópicos conexos de diplomacia digital. Sob a designação genérica de “Governança Digital”, a rede reúne mais de 60 diplomatas de diferentes níveis hierárquicos, lotados em Brasília e no exterior, com conhecimento, interesse ou experiência na área. Trata-se de uma plataforma colaborativa, flexível e informal, para troca de ideias e informações, dividida tematicamente em quatro subgrupos: segurança cibernética, inteligência artificial, Internet e e-governo, que inclui novas ferramentas tecnológicas e gestão estratégica no Itamaraty. Concebida como um projeto-piloto, se bem-sucedida a rede poderá inspirar outras similares em setores distintos, com o intuito de gerar massa crítica e estimular a participação, além de reunir conhecimento útil como subsídio à atuação diplomática.

Finalmente, cabe registrar um paradoxo. Se o agir diplomático reflete o contexto nacional no qual está inserido, incluindo seu substrato socioeconômico, como foi apontado neste artigo, a política externa de um país vai além de sua circunstância. Em política internacional, a posição relativa de um país varia conforme outros Estados lhe reconhecem maior ou menor status e/ou influência. A percepção dos outros atores é um fator que gera poder político e que se reflete na condição diplomática do país. Como o poder político também é formado por elementos variáveis de difícil mensuração, à parte os elementos concretos (como poder econômico e militar), o peso internacional de um país pode extrapolar sua mera circunstância. Do contrário, a diplomacia estaria dada desde o início pela geografia, como postulavam os partidários do determinismo geopolítico, uma abordagem teórica no mínimo discutível. Assim, uma política externa bem conduzida pode alterar percepções e se valer de situações favoráveis para otimizar variáveis positivas, incluindo ativos de valor intangível. 

Tanto melhor se a PEB 3.0 fizer jus ao patrimônio imaterial da diplomacia brasileira em termos de poder aglutinador, credibilidade como interlocutor aberto ao diálogo com todos os países e legitimidade para reunir consensos em torno de pautas comuns. O Brasil já é referência em alguns setores de digitalização consolidada, tais como processo eleitoral (urnas eletrônicas), sistema bancário e governo eletrônico. Se inserido em um projeto de resgate da liderança brasileira em temas de meio ambiente, direitos humanos e outros, o pós-bicentenário verde-digital, integrando a tecnologia ao desenvolvimento sustentável, poderá colaborar para uma ampla renovação da imagem internacional do país. 

CONCLUSÃO: O DESAFIO DA DÉCADA DE 2020 

Um século depois do centenário da independência, poderemos testemunhar na presente década o alvorecer de uma mudança estrutural semelhante àquela que fez do Brasil uma nação industrial, mas desta vez uma verdadeira economia verde-digital alicerçada nas tecnologias emergentes e reconciliada com o meio natural? No pós-bicentenário, darão os próximos governos a prioridade exigida para que políticas públicas em escala reflitam essas demandas e acelerem as transformações que se vislumbram no porvir? 

Se entre os objetivos da diplomacia no passado estiveram consolidar o território brasileiro e suas fronteiras ou ser um vetor para o desenvolvimento econômico nacional, os novos desafios da PEB 3.0 urgem igual comprometimento e determinação. Para tanto, serão necessárias ações estruturantes para reconfigurar as prioridades e estabelecer parcerias robustas e qualificadas. Não se trata de escolher entre um país “sem excedentes de poder” ou “condenado à grandeza”. A boa política externa será aquela que souber navegar entre as limitações existentes, que possam ser transpostas, e uma visão prospectiva que não se entregue à resignação. 

Entender para onde caminham as tendências de longo prazo, tendo presentes as bases socioeconômicas da política externa, é salutar para fazer o diagnóstico correto e realizar os ajustes necessários, a fim de não repetir erros pregressos. Resgatar o sentido original de uma diplomacia profissional como instrumento para encorajar uma convivência mais harmônica, dentro e fora do país, buscando resultados ganha-ganha sempre que possível, é a senha para o Brasil se reconectar ao mundo e relançar os fundamentos de sua interação com o exterior. 

Notas

[1]  As opiniões aqui expressas são de responsabilidade exclusiva do autor.

[2] Pode-se mesmo dizer que D. João VI executou uma política externa mais brasileira que lusitana (americanização da monarquia), enquanto D. Pedro I, uma política externa mais lusitana que brasileira, retomando alguns dos pilares da diplomacia lusa tradicional (Garcia 2018, 55-88).

[3] Com base nesses e outros indicadores, Villela & Suzigan (1975, 133-134) argumentaram que a década de 1920 marcou o auge da economia agroexportadora, que se expandiu a uma taxa anual muito mais elevada (9%) do que os demais setores da produção agrícola (4,5%).

[4] O tema dos efeitos da Primeira Guerra Mundial sobre a industrialização brasileira deu margem a controvérsias na história econômica (Versiani 1987; Cano 1977; Dean 1971).

[5] V.  The Digital Anthropocene Project, https://www.researchgate.net/project/The-Digital-Anthropocene.  

[6] Maior conectividade, porém, também representa um dilema: ao aproximar Estados, indivíduos e sociedades, cada vez mais integrados entre si, pode gerar ao mesmo tempo mais áreas de atrito e, por isso mesmo, competição e conflito (Leonard 2021).

[7] Aliás, como hoje já se fala até em “Quinta Revolução Industrial”, fica a dúvida se estaria havendo uma banalização do próprio conceito de revolução, alargado até o limite para acomodar ações de marketing autopromocional.

[8] Cf. também o trabalho do Oxford Digital Diplomacy Research Group: https://www.qeh.ox.ac.uk/content/oxford-digital-diplomacy-research-group

Referências Bibliográficas

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Recebido: 23 de maio de 2022

Aceito para publicação: 6 de outubro de 2022

Copyright © 2022 CEBRI-Revista. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença de Atribuição Creative Commons, que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que o artigo original seja devidamente citado.


sábado, 28 de janeiro de 2023

Expansão da OTAN, 2004: quando a Rússia só rosnava - Steven Lee Myers (NYT)

 As NATO Finally Arrives on Its Border,

Russia Grumbles

Yola Monakhov/Panos Pictures for The New York Times

Four Belgian F-16's have been stationed at a former Soviet base in Lithuania to

police skies over new Baltic members of NATO, prompting Russia to contend that

the alliance still sees it as a potential enemy, not a partner.

By STEVEN LEE MYERS

NYTimes, Published: April 3, 2004

Yola Monakhov/Panos Pictures, for The New York Times

Meeting at Lithuania's First Air Base, from left: Col. Edvardas Mazeikis, the air

force commander; Maj. Devis Martusevicius, the base commander; and Maj.

Harry Van Pee of Belgium, the chief of a NATO unit.


VILNIUS, Lithuania, April 2 — The fighter jets that landed this

week at the airfield northwest of here do not pose much of a threat,

but their arrival at what was once one of the Soviet Union's largest

bases underlined in bold the new borders being drawn between

Europe and Russia.

The jets — four Belgian F-16's supported by 100 Belgian, Danish

and Norwegian troops — have come to police the skies over the

Baltic states of Lithuania, Latvia and Estonia, former Soviet

republics that officially joined NATO on Monday along with

Bulgaria, Romania, Slovakia and Slovenia.

The operation is purely defensive, NATO officials and military

commanders here say, but the territory being patrolled abuts some

500 miles of Russia's western frontier, including the isolated

enclave of Kaliningrad.


To Russia, at least, the meaning is clear: the alliance still views it

as a potential enemy rather than a partner.

While Russia has resigned itself to NATO's expansion, albeit

grudgingly, the reality of NATO forces being deployed in the

Baltics — on short notice — has deeply unsettled and angered its

politicians and commanders, prompting some of the sharpest

criticism of the alliance since its war against Serbia in 1999.

Russia's lower house of Parliament overwhelmingly adopted a

resolution on Wednesday denouncing NATO's expansion generally

and the deployment of the F-16's specifically.

Echoing warnings in Russia's new military doctrine set forth last

fall, the resolution called on President Vladimir V. Putin to

reconsider Russia's international agreements with NATO and its

own defense strategies, including its nuclear posture.

Few expect a new cold war to erupt in Europe, but NATO's

expansion has further chilled a not very warm peace, especially

between Russia and the Baltic states.

Lithuania and Estonia have recently expelled Russian diplomats

accused of spying on, among other things, NATO activities,

prompting tit-for-tat expulsions by Russia.

More alarmingly, Estonia last month accused a Russian fighter jet

of venturing into its airspace — exactly the kind of intrusion the

squadron of F-16's based here is meant to answer.

Meeting with NATO ministers in Brussels on Friday after a

ceremonial raising of the new members' flags, Russia's foreign

minister, Sergei V. Lavrov, called NATO's expansion a mistake.

"The presence of American soldiers on our border has created a

kind of paranoia in Russia," he said, according to Agence-France


Press, even though no American troops are taking part in the

operation in the Baltics.

In Moscow on Friday, Mr. Putin, meeting with Chancellor Gerhard

Schröder of Germany, played down NATO's expansion, though he

warned that Russia would closely monitor the deployment of

NATO forces and "build our defense and security policy

correspondingly."

Here in Lithuania the rising tensions have only underscored the

comfort and pride of joining NATO's warm embrace. More than

one official contrasted the welcome roar of the F-16's — heard on

Wednesday over this capital's richly preserved Old Town — to the

rumble of Soviet tanks that suppressed Lithuania's nascent

independence movement in January 1990.

The symbolism runs deep in a country forcibly occupied by the

Soviet Union in 1940, fought over in World War II and freed from

the Soviet stranglehold less than 13 years ago.

"For us, history is close," Col. Edvardas Mazeikas, commander of

Lithuania's air force, said in an interview at the base where the jets

are stationed, outside Siauliai. "We are in a very dangerous place.

All through our history war has passed through here, from

Napoleon to the Nazis to the Soviets. Lithuania is a very good

place for tanks. That's why collective security is so important to

us."

The ceremonies in Washington and Brussels marking the largest

expansion in the alliance's history officially culminated a military

integration that began years ago. Lithuania, Latvia and Estonia

have all trained with NATO forces, restructured their own forces to

NATO standards and contributed soldiers to NATO operations,

including those in Bosnia and Afghanistan.


None possess significant military forces — Lithuania's entire

armed forces total 13,000 troops, smaller than some United States

Army divisions. NATO in fact urged them not to invest heavily to

bolster their navies and air forces but to rely instead on collective

defense, particularly for air cover. Instead, the three countries have

invested in modernizing their ground forces and focusing on niche

fields like special operations.

Lithuania, whose air force has only a handful of trainer jets and

helicopters, has welcomed the offer, since neither it nor the other

Baltic states had sufficient forces to patrol their skies.

The current deployment, led by the Belgians, is scheduled to last

three months, but other NATO countries will continue to provide

around-the-clock air coverage, Lithuania's defense minister, Linas

Linkevicius, said in an interview on Friday.

Maj. Harry Van Pee, the Belgium commander of the force here,

described the operations as routine, even boring. The jets, armed

with cannons and air-to-air missiles, will be on standby to respond

not only to any intrusion, but also to commercial airliners in

distress or hijackings like those involved in the Sept. 11 attacks.

"It makes no sense to patrol 90, 95 percent of your borders and

leave the other 5 percent uncovered," Major Van Pee said when

asked about Russia's objections to the deployment.

He, like Lithuanian officials, emphasized that the patrols were not

directed against the Russians, but such assurances have done little

to ease Russia's strong displeasure with what it views as a

provocation.

When NATO sent an AWACS reconnaissance aircraft to Rumbula

Airfield in Latvia on Feb. 23 and then to Siauliai two days later on


what NATO called a demonstration flight, Russian officials angrily

protested that the plane's sophisticated radar equipment could peer

deep into European Russia.

NATO's expansion may not amount to a new containment of

Russia, as many in Russia fear, but it has nonetheless created an

armed divide from the Baltic Sea to the Black Sea that has left

Russia on the other side.

Although Russia has a seat at NATO's headquarters in Brussels,

allowing it to discuss areas of cooperation and concern, it remains

outside the alliance's decision-making process.

While NATO has significantly reduced its forces in Europe and

shifted its focus to new threats like terrorism and weapons

proliferation, Russian officials have said deployments like the one

here betray a sense of mistrust.

"In admitting the Baltic states and arranging guarantees for their

security, many in NATO apparently proceeded from previous

perceptions that a war is possible in Europe," the spokesman for

Russia's Foreign Ministry, Aleksandr V. Yakovenko, said on

Monday.

He and other officials have complained in particular that Lithuania,

Latvia, Estonia and Slovenia are not covered by the Conventional

Forces in Europe Treaty, a cold-war-era agreement that imposed

limits on tanks, aircraft and other military equipment.

They did not exist as independent states when the treaty was

negotiated, but in Russia's view the failure to include them leaves

open the possibility of a significant military buildup on its borders.

Russian politicians and commanders have vowed to increase their

forces in Kaliningrad and northwestern Russian in response.


Mr. Linkevicius, the Lithuanian defense minister, brushed aside

Russia's complaints as "political rhetoric," some of which he

ascribed to those in Russia who "are sad to lose territory of the old

empire."

"We have no list of enemies," Mr. Linkevicius said, seeking to

reassure the Russians. "We're talking about instability,

unpredictability. We're talking about that kind of stuff, and it has

always surrounded Lithuania. We need some guarantees."

Please feel free to send the Stratfor Weekly to a friend

or colleague.

THE STRATFOR WEEKLY

02 April 2004

NATO Expansion: More Muscle for U.S. To Flex

Summary

On March 29, NATO took in seven new member states. The

enlargement ensures that the NATO of the future will work as a

reliable arm of U.S. policy.

Analysis

At a 1999 summit in Washington, D.C., the North Atlantic Treaty

Organization welcomed its first new members of the post-Cold War

era: the Czech Republic, Hungary and Poland. The expansion was

broadly hailed in Europe and the United States as a bridge-

building effort to seal the Cold War rift. Moscow did not agree,

and the expansion condemned Russian-Western relations to the deep

freeze for three years.

Once the brouhaha of the summit died away, however, there were

some uncomfortable questions that NATO's supporters had to deal

with. The alliance was formed to defend Europe from the Soviet

Union; what would it do, now that the Soviet threat no longer

existed? The answer from the new members was simple: Soviet =

Russian. The answer from the Russians was equally simple: Disband

NATO. Others felt that NATO should evolve into a political talk-

shop, a peacekeeping force, a military adjunct to the European

Union or some other nebulous confidence-building organization.

Five years later -- 15 years after the Berlin Wall fell -- it is

a different world and a different NATO. On March 29, the alliance

admitted the three remaining former Soviet satellites (Bulgaria,

Romania and Slovakia) and three former Soviet republics (Estonia,

Latvia and Lithuania), as well as a piece of the former

Yugoslavia (Slovenia).

But the expansion did more than add 50 million people and

rationalize NATO's eastern border.

For the most part, the confusion of 1999 is gone; with the 2004

expansion, NATO knows exactly what it is -- even if some members


are not happy with the outcome. NATO is an instrument for Western

(read: U.S.) influence globally. The alliance now has troops

operating in long-term missions in Afghanistan, and soon will

have troops in Iraq. Because the United States remains the pre-

eminent power in the alliance -- and in the world -- it is

Washington that calls the shots.

Core NATO members such as France and Germany certainly disagree

with this turn of events, but have lacked the influence to stop

it. That has become -- and will continue to be -- the case

because of the admittance of NATO's newest members. All of the

fresh blood can be safely grouped into the "new Europe" that U.S.

Secretary of Defense Donald Rumsfeld so charmingly coined in the

lead-up to the Iraq war. These states all share historical

experience in betrayal by France and domination by Germany and

Russia. It is only natural that such states would search further

abroad for allies to help guarantee their security. In the 1999

Kosovo war, the United States was able to use NATO to generate a

veneer of international respectability for actions that it could

not get the United Nations to sanction. From Estonia to Bulgaria,

the United States now has 10 new -- or newish -- states within

NATO that Washington can count on for support when such a state

of affairs surfaces in the future. The 2003 Iraq war is a prime

example; Bulgaria practically led the charge at the United

Nations for Washington.

Russia might not be thrilled with this development, but it is

certainly glad NATO's eyes are casting about the planet and are

not riveted solely on the East. Further smoothing Russian-NATO

relations is the fact that -- although U.S. influence over the

alliance is stronger than ever -- NATO forces in Europe are

weaker than ever and are only expected to be further downsized.

Germany, long the European bugaboo, has cut its military forces

to the point that it has next-to-zero power projection capacity,

while the United States is openly discussing pulling troops out

of bases across Europe (much to the Berlin's chagrin, we might

add).

NATO's home front is not merely secure, it is not even a front

anymore. The only spot on the European continent that requires

forces is the Balkans, and even this is child's play compared to

the tasks of NATO's past. Places such as Kosovo will be a

headache for at least a generation, but such brushfires do not

threaten NATO's core -- or even new -- members. That has changed

the very nature of NATO from a defensive (or offensive, depending

on your politics) military alliance to a tool of global

influence.

NATO's Neighbors

On the surface, Russia's strategic situation is miserable. All

its former satellites -- plus three of its former republics --

are in an alliance with a nuclear first-strike policy that was

formed to counter the Red Army. Its only reliable allies are an

incompetently led Belarus and militarily insignificant Armenia.

Russian military spending is well up from its late 1990s lows,

but failed nuclear exercises earlier this year and the 2000 Kursk

submarine sinking are real reminders that even the once-feared

Soviet nuclear arsenal is only a shadow of its former self. The

question at the top levels of the Russian government is how to

manage the military decline; they are not yet to the point of

asking how they can reverse it.


In this regard, NATO's 2004 expansion is a symptom of a much

deeper issue: Russia's endemic decline. Putin spent the bulk of

his first term simply asserting control over the levers of power.

Now, with a tame Duma and a relatively loyal government at his

beck and call, Putin is focusing Russia's energies on halting

(and hopefully reversing) Russia's not-so-slow-motion collapse.

Attempting such a Herculean task will take nothing less than 200

percent of the Russian government's time and attention, assuming

everything goes perfectly -- and in Russia things rarely proceed

perfectly.

In the meantime, Moscow simply lacks the bandwidth to seriously

address anything going on in its neighborhood, much less farther

abroad. Attempts to counter what it considers unfriendly

developments will be flimsy and fleeting. Witness the recent

violence against Serbs in Kosovo: Russia sent a few harshly

worded press releases and some humanitarian aid, and that was the

end of it. The fact that the Baltics made it into NATO with so

little Russian snarling -- or that Georgia transitioned to such

an anti-Russian government so easily -- is testament to Moscow's

distraction.

It is also a harbinger of things to come as Russia's

introspection creates opportunities for power groups far more

aggressive than NATO:

* Uzbekistan hopes to become a regional hegemon, and will

capitalize on its indirect U.S. backing to extend its influence

throughout eastern Central Asia, particularly vis-a-vis Russian

allies Kyrgyzstan and Tajikistan.

* Militant Islamist groups will deepen their influence in the

southern former Soviet Union, particularly in the Caucasus.

* China will continue quietly encouraging its citizens to

populate eastern Siberia while working to lash Kazakhstan,

traditionally Russia's playground, to it economically.

* India is planting flags in the energy-rich Caspian basin,

particularly in Kazakhstan, while its intelligence services flow

anywhere Kashmiri militants might travel.

* Turkey is deepening its political, economic and military ties

with Georgia and particularly with Azerbaijan where Turkish

military forces often patrol the Azerbaijani skies.

* Japan is looking to carve out the resources of Siberia for

itself and is steadily expanding its economic interests in the

Russian Far East.

* The European Union is pressing its economic weight across the

breadth of Russia's western periphery. As it brings the former

Soviet satellites into its own membership, Russian interests will

find them cut off from their old partners and markets.

* The United States is making inroads whenever and wherever it

can.

The question is not whether Russian influence can be rolled back

in the years ahead, or even where -- it is by how much.

NATO's Future

Diplomatically, the second post-Cold War expansion was not as

loud an affair as the first. The 1999 expansion also occurred

during the run-up to the Kosovo war. Within a two-month period

Russia saw the three most militarily powerful of its former

satellites join an opposing alliance with a nuclear first-strike

policy, while its most loyal European ally suffered a bombing


campaign, courtesy of that same alliance. Russia fought tooth and

nail in diplomatic circles to prevent the expansion, and quite

rightly felt betrayed. One of the deals made by the

administration of former U.S. President George H.W. Bush in the

last days of the Cold War was that Moscow would allow Germany to

reunite and remain completely in NATO, so long as the alliance

did not expand eastward.

Stratfor does not expect NATO's next enlargement, likely within

the next five years, to be particularly troublesome. If Russia

had a red line, it drew it at the Baltics -- three of its own

former republics -- or Kaliningrad, a Russian Baltic enclave that

NATO's new borders seal off from direct resupply. The next

enlargement is likely to take in the Balkan states of Albania,

Croatia, Macedonia and perhaps Bosnia. All fall behind NATO's new

eastern "front line" and would not threaten Russia at all.

The only expansion in the near future that might elicit a rise

would be one that included Finland -- which considered submitting

an application in the late 1990s -- but even this would not be as

traumatic to the Russians as the now-official Baltic entries.

There is even the possibility that Austria, another of Europe's

traditional neutrals, might someday join NATO. Vienna is already

more active in NATO exercises than are several full members. Any

serious discussion of a second across-the-Russian-red-line

expansion will be put off until well after 2010, although by that

point Georgia, Moldova and Ukraine could shape up as

possibilities.

NATO certainly has challenges ahead of it. The strain and

political arm-twisting that are likely to precede the expected

Iraq deployment could well reopen wounds that only recently

closed, and competing visions of what NATO should be will

certainly hound it for years. Ironically, this divergence of

perception is part of what will keep NATO powerful, present and

relevant to U.S. policymakers.

While several Western states -- and Stratfor -- no longer view

NATO as a true military alliance, that view is not shared

uniformly. It is a simple fact that many European countries feel

threatened by the political or military strength of Germany or

Russia. The age-old adage of NATO that it existed "to keep the

Americans in, the Russians out and the Germans down" was always

far more than a clever turn of phrase. Many European states still

see this as a core NATO raison d'etre. Such belief is not an

issue of wealth -- Denmark, the Netherlands and Norway are just

as pro-NATO and pro-American as Latvia, Hungary and Bulgaria --

it is an issue of place. These countries, by virtue of their

proximity to large neighbors with a past predilection for

domination, want a counterbalance.

So long as that is the case, a majority of NATO's membership will

be enthusiastic about the alliance as an alliance. Even the

dullest of U.S. administrations will be able to translate that

energy into international influence in Europe -- and beyond.

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