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quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Roberto Campos: O violinista do campo de concentracao (1993)

Comentário inicial de quem me enviou este artigo: 


Da  série: “parada obrigatória para pensar”


Este artigo foi escrito  10 anos antes de o PT chegar ao Poder,  O experimento custou caríssimo ao país. Será que, finalmente, aprendemos alguma coisa?
Ricardo Bergamini


Violinista do campo de concentração


Deputado Roberto Campos
O Globo, 18 de abril de 1993



Lembro-me vagamente de um filme de Claude Lelouch em que músicos judeus se enfileiravam para tocar na orquestra do campo de concentração. Com um pouco -de Mozart e Beethoven e -oh! suprema humilhação! - umas árias do antissemita Wagner, escapavam temporariamente à câmara de gás. E talvez conseguissem uma sopa reforçada.

Essa imagem me veio à mente ao saber dos jantares oferecidos a Lula por empresários paulistas. Certamente fantasiam que o sindicalista selvagem possa se transformar no capitalista domesticado. Não se trata, obviamente, de uma conversão na estrada de Damasco, mas talvez de um desvio eleitoral na estrada de Garanhuns. Esperam não apenas ser poupados, mas até arranjar um pequeno cartório. Afinal de contas, o PT apoiou os cartórios de informática e agora parece inclinado a proteger a pirataria das patentes.

Hoje acredito que os únicos esquerdistas que entendem a economia de mercado são aqueles que experimentaram, na carne, a cruel ineficiência do "socialismo real". Não os nossos socialistas de bar, de púlpito ou de palanque.

O sonho presidencial de Lula é um pesadelo para os que sonham com a modernização do Brasil. Seu partido é excludente, pois prega o conflito de classes, coisa obsoleta nas modernas sociedades integrativas. De seu nome, "Partido dos Trabalhadores", infere-se que os outros são partidos de vagabundos...

A modernização brasileira passa pela renúncia dos "ismos": nacionalismo, populismo, estruturalismo e estatismo doenças que no PT têm a irreversibilidade da Aids. As curas são conhecidas: desinflação, privatização, desregulamentação, destributação, liberalização comercial e reinserção no sistema financeiro internacional.

A ideologia petista está seguramente desequipada para todas essas tarefas. Em matéria de inflação, sua propensão é atribuí-la não aos desmandos do Governo e sim à ganância dos empresários. Dificilmente resistiriam à tentação de controlar preços, pelo menos os dos oligopólios e da cesta básica. A privatização é relutantemente aceita como um modismo liberal a ser estudado. "Estamos interessados", diz Lula, "em discutir os setores estratégicos que deverão continuar subordinados ao Estado". Lula, aparentemente, ignora que o que se chama no Brasil de “setores estratégicos” como petróleo, eletricidade e telecomunicações; sempre foram privados (ou estão sendo privatizados) nas sete economias mais poderosas do mundo...

Não é de admirar, aliás, que Lula não-entenda a essencialidade da privatização, quer para a cura da inflação, quer para a retomada do crescimento. O PT é cada vez menos um partido de operários e cada vez mais um partido de funcionários. E estes estão incrustados nas estatais, como carrapatos burocráticos. Para a CUT, a privatização não significa-melhoria da eficiência e redução da corrupção. Veem-na apenas como um ''harakiri" do corporativismo! Também não se pode esperar de Lula o apostolado da desregulamentação. Basta lembrar o apoio do PT à máfia portuária, no caso da extinção do monopólio dos sindicatos.

Pouco se pode esperar, outrossim, em matéria de destributação. Isso pressuporia a redução do tamanho e funções do Estado e o reconhecimento realista de que "não se consegue enriquecer os pobres empobrecendo os ricos" (para lembrar a expressão do líder trabalhista inglês, Hugh Dalton, que aprendeu na década de 50 o que os nossos trabalhistas ainda não aprenderam).

Pouco se poderia esperar também em termos de abertura comercial. É um caso em que empresários e trabalhadores se irmanam na proteção de empregos nas indústrias ineficientes, esquecendo-se da alternativa melhor de geração de empregos por exportadores eficientes. Quanto à reinserção no mercado financeiro internacional, nem é bom falar! O PT sempre foi favorável à moratória e tem muito menos entendimento das funções do FMI do que russos e chineses, os quais deixaram de considerá-lo apenas como o “comitê executivo do capitalismo”, para nele ver uma fonte de recursos e de assistência técnica para a estabilização dos preços.

Não há sinais, outrossim, de que o PT se tenha convencido de que a decretação, como o fizemos na Constituição de 1988, de amplas "conquistas sociais", não elimina a lei da oferta e da procura no mercado. Para trágico desapontamento-da população brasileira, depois das "conquistas sociais", nunca o salário mínimo real foi tão baixo, nunca o nível de desemprego foi tão alto, nunca pior a distribuição de renda. 

À parte Brizola, cujo relógio mental parou há 30 anos, não parece haver, não galeria de presidenciáveis, ninguém mais despreparado que Lula para a responsabilidade presidencial. Brizola dá-lhe um conselho prudente: administrar  primeiro pelo menos uma prefeiturazinha. Talvez no ABC paulista hoje ameaçadas de  desindustrialização, pela fuga" de empresas intimidadas por experiências recentes de sindicalismo selvagem.

Com sua conhecida delicadeza de sentimentos, Brizola mimoseou seu contendor com o apelido de "sapo barbudo''. Isso cria incertezas para os investidores, sobretudo os estrangeiros, que desconhecem as sutilezas de nossa linguagem política. É que não se sabe se se trata de um sapo útil, dos que comem insetos (Bufo terrestris americanus), ou daqueles sapos amazônicos que emitem borrifos venenosos (dendrobotidae). Enquanto isso os investidores suspenderão suas decisões de investimento, prolongando nossa estagflação.

Consta que os empresários paulistas, que tomaram a iniciativa de banquetear Lula, são da indústria de brinquedos. Talvez a esperança deles seja que Lula aprenda a brincar de capitalismo. O mais provável é que estejam desempenhando o papel dos violinistas do campo de concentração.



O conselho de Deng Xiaoping aos chineses é: “Enriquecei-vos”. O conselho de Lula aos brasileiros é: "Sindicalizai-vos e contribuais para a CUT". É o fim da picada ... 

Entrevistas com dois historiadores: Noel Malcolm e


“Hay que corregir y detener el mal uso de la historia”

El autor, gran experto en los Balcanes y defensor del ‘Brexit’, rompe los mitos sobre las relaciones entre Occidente y el Imperio Otomano


Noel Malcolm, historiador británico. Ione Saizar
Hubo algo más que enfrentamientos entre el Imperio Otomano y las potencias cristianas en el siglo XVI. Ambos mundos tejieron un rico tapiz en el que además de conflictos hubo también colaboración, comercio e intercambio de información. En estas tradiciones comunes y “formas transmediterráneas” de hacer las cosas se detiene el historiador británico Noel Malcolm en su libro Agentes del Imperio. Caballeros, corsarios, jesuitas y espías en el Mediterráneo del siglo XVI (Galaxia Gutenberg). Fue en un antiguo estudio sobre la potencia musulmana, publicado en la Europa renacentista por Lazaro Soranzo, donde Malcolm encontró una clave para reconstruir aquel mundo mediterráneo: la mención a Antonio Bruni, un comerciante de grano, cabeza de una influyente saga albanesa. Y ahí comenzó la “búsqueda detectivesca” que a lo largo de 20 años le ha llevado a consultar miles de documentos en archivos de media Europa.
Doctor por la Universidad de Cambridge, el historiador especializado en los Balcanes y autor de un libro fundamental sobre la historia de Kosovo (Kosovo: A Short History, 1998) aparcó el mundo académico durante una década y trabajó como editor en la revista The Spectator. Hoy, sir Noel Malcolm, de 59 años, ocupa una cátedra de investigación en el All Souls College de la Universidad de Oxford, donde se celebra la entrevista en un amplio salón con chimenea donde tiene desperdigados sus papeles.

Pregunta. En Agentes del Imperio desmonta la construcción de mitos nacionales: escribe acerca de las revueltas que en el siglo XVI tuvieron lugar en los Balcanes y desmiente que todas fueran contra el Imperio Otomano como poder opresor.
Respuesta. Es que esto es algo que debe ser subrayado, el nacionalismo romántico que caló en la historiografía siempre presenta una lucha heroica que se remonta muchos siglos atrás. En el relato romántico todo se interpreta desde un mismo ángulo, peinan la historia para reforzar sus argumentos.
P. ¿Qué efecto tiene esa lectura de la historia en la actual relación de Occidente con el islam?
R. Hay una larga historia de simplificación por motivos políticos. Lo que podríamos llamar publicistas occidentales enfatizan de forma estratégica y claramente deliberada ese “ellos contra nosotros” para que más países participen en ello. Es muy fácil pensar en el modelo de la Guerra Fría y extrapolarlo a las relaciones entre el islam y Occidente en la edad moderna, pero no tiene nada que ver: en el siglo XVI había una muy notable interacción debido en gran medida a la naturaleza misma del Imperio Otomano, sacerdotes cristianos cruzaban la frontera para atender a sus feligreses, había constantes intercambios comerciales, lazos familiares entre personas que estaban a uno y otro lado de la frontera.
P. Incluso miembros de una misma familia profesaban distinta fe, y esto podía llegar a ser una ventaja.
“Respecto del mundo musulmán, los publicistas occidentales enfatizan de forma deliberada ese ‘ellos contra nosotros”
R. Sí, porque en ese mundo las conexiones personales y los contactos familiares tenían un valor fundamental, eran la principal manera de establecer redes de información o de comercio. Por encima de la religión había una serie de tradiciones comunes, unas formas de hacer las cosas transmediterráneas. La historia se ha ocupado poco de esto. Por ejemplo, los Caballeros de la Orden de Malta han sido presentados como una especie de guardianes o policía marítima, y lo cierto es que actuaban como corsarios, es decir, como caballeros piratas, igual que los que se establecían en la costa de África.
P. La obra de Fernand Braudel El Mediterráneo abordó la relación transmediterránea. ¿Se quedó corta?
R. Es un gran trabajo. Braudel tiene un profundo conocimiento de los lazos económicos y políticos que unieron el Mediterráneo, pero no ahonda en ese código común que caracterizó la forma de hacer las cosas al que me refería. También difiero de su opinión en algunas cosas, por ejemplo en la importancia que tuvo la victoria de Lepanto. Él sostiene que fue simplemente simbólica porque realmente no tuvo muchas consecuencias. Yo creo que fue mucho más trascendental, porque, si el Imperio Otomano hubiera ganado, podría haber extendido sus dominios hasta el sur de Italia y establecido un control mayor del mar.
P. ¿La historia del Mediterráneo en la edad moderna ayuda a entender lo que ocurre hoy en ese mar?
R. Las migraciones de hoy proceden básicamente de Siria, del norte de África y de la región subsahariana. En el siglo XVI, la más grande que se produjo fue la de los moriscos cuando fueron expulsados de España.
P. ¿Qué lecciones se desprenden de la historia del Imperio Otomano que puedan ayudar a entender la situación actual?
R. No soy partidario de explicar el presente a través del pasado, pero la forma en que se desarrolló el ideal nacional en determinados territorios del Imperio Otomano como Líbano o Bosnia puede ayudar a entender la mezcla pacífica y la convivencia durante 50 años. El islam moderno es una reinvención con su propio código. En el panorama político actual es patente la necesidad de corregir y detener el mal uso de la historia. Cuando el Gobierno húngaro dice que no acepta a refugiados musulmanes porque la historia demostró lo que ocurre con ellos, queda claro que esto es una manera irresponsable de actuar políticamente. La historia debe marcar los límites y hacer las matizaciones y correcciones necesarias, para describir un paisaje más rico del que se obtiene colocando las cosas en casillas crudas e inadecuadas.
“Mis motivos para abogar por la salida de la UE se fundamentan en la defensa de la democracia, de la representatividad y del poder soberano”
P. En mayo publicó un artículo a favor del Brexit. En la campaña de ese referéndum, ¿hubo una manipulación nacionalista de la historia?
R. Mis motivos para abogar por la salida de la UE están fundamentados en una defensa de la democracia, de la representatividad y del poder soberano de Reino Unido. Estoy satisfecho con el resultado, pero sí, efectivamente, tanto los partidarios de la salida —que apelaron a una “histórica diferencia”— como los que hicieron campaña a favor de seguir en la Unión —y se remontaban a “las históricas conexiones” con el continente— apelaron a argumentos fundamentados en la historia.
P. Ha publicado dos volúmenes con la correspondencia de Thomas Hobbes y estudiado a fondo su obra. ¿Qué comentario o postura cree que tomaría el filósofo sobre las elecciones estadounidenses?
R. La postura fundamental de Hob­bes es que no se puede cambiar la Constitución y que la soberanía reside en la gente. La victoria de uno u otro candidato no altera la Constitución, se han seguido las reglas.
P. ¿Y sobre el auge del populismo?
R. Hobbes escribió sobre los predicadores protestantes cuya retórica populista simplificaba los problemas políticos y presentaba un mundo engañoso, en blanco y negro. Pero el populismo es un fenómeno político moderno vinculado a las comunicaciones. Hay algo de verdad en que la clase política comparte una serie de intereses y valores. La insatisfacción económica y un establishment político autocomplaciente hacen que surjan engañosas soluciones políticas instantáneas que explotan los problemas y demonizan a un grupo u otro.
“La insatisfacción económica y un establishment político autocomplaciente hacen que surjan engañosas soluciones políticas”
P. La corriente historiográfica dominante en los setenta, cuando empezó a estudiar, era el marxismo; luego, el posmodernismo. ¿Y ahora?
R. Ahora el panorama es muy diverso. Efectivamente, se superó el marxismo y el posmodernismo, y hasta cierto punto el enfoque de género que enfatiza el papel de las mujeres, aunque se tarda más de una década en incorporar la historia de la mitad de la población, que ha sido ignorada durante siglos. Creo que la corriente más fuerte ahora es la denominada historia global, que a pesar de las limitaciones trata la historia como una sola entidad conectada. Resulta complicado, sin embargo, hacer una historia global de la Edad Media y conectar uno y otro continente antes del descubrimiento de América. Este intento de presentar un relato global, que hoy goza de gran popularidad en Estados Unidos, se supone que trata de superar una visión eurocéntrica u occidental, pero al final prácticamente solo emplea bibliografía escrita en inglés, no fuentes directas. Los historiadores no pueden leer chino, árabe y otras tantas lenguas directamente, así que su acceso a la información es muy limitado. Lo mismo ocurre con la historia del medio ambiente, otra subcorriente de la historia global que tiene este mismo problema.
P. Su libro se centra particularmente en el Imperio Otomano. ¿Ha sido esta historia mayormente ignorada?
R. Es el área de la historia europea donde se han hecho los mayores descubrimientos y donde se producen las aportaciones más interesantes. Los archivos empezaron a abrirse tras la II Guerra Mundial y el trabajo que los historiadores turcos han realizado es realmente original.


“Los clásicos nos enseñaron a hacernos preguntas”

Paul Veyne, traductor de Virgilio y autor de numerosos ensayos, reflexiona a los 86 años sobre su vida dedicada a los clásicos y la vigencia de sus textos



 Hulton Archive Getty Images
Indignado por la destrucción de templos y tumbas de Palmira por parte de las huestes yihadistas del Ejército Islámico, espeluznado por el asesinato del arqueólogo Jaled Asaad en el verano de 2015 en el teatro de la ciudad romana, el veterano historiador Paul Veyne (Aix-en-Provence, 1930) decidió escribir un libro sobre una urbe que en la Antigüedad unió Occidente y Oriente como ninguna otra del imperio. En realidad, era una adaptación de un capítulo de una de sus obras más conocidas, El Imperio greco-latino, pero liberado de todo el aparato crítico y aligerado para dirigirse a un público más general. En unos pocos meses, Palmira (que ahora sale en España en Ariel en traducción de Carme Castells) vendió 150.000 ejemplares, una cifra inédita para un libro de historia clásica, incluso para un autor tan respetado y conocido como Veyne.
Profesor del Collège de France donde fue compañero e íntimo amigo de Michel Foucault, autor del capítulo dedicado a Roma de la Historia de la vida privada con la que George Duby revolucionó la forma de mirar al pasado, traductor de la Eneida, Veyne ha publicado a lo largo de su dilatada carrera numerosos ensayos, como¿Creían los griegos en sus dioses? o El sueño de Constantino. Cuándo el mundo se hizo cristiano. El año pasado, sus memorias, Et dans l’éternité je ne m’ennuierai pas (y en la eternidad no me aburriré), un recorrido por el siglo XX desde sus recuerdos de la II Guerra Mundial hasta su jubilación o su amistad con Foucault y René Char, dieron mucho que hablar y ganaron el premio Femina de ensayo, uno de los más prestigiosos de Francia. Ahora vive retirado, en una casa situada en las afueras del pueblo de Bédoin, en su Provenza natal, pero el peso de sus 86 años no ha disminuido su energía. Acaba de publicar en Gallimard un ensayo sobre la Villa de los Misterios de Pompeya y sigue tratando de mantener viva la idea que ha impulsado toda su vida profesional: lo que los clásicos nos aportan como sociedad y la forma de mantener viva su herencia.
Pregunta. Emmanuel Carrère le cita varias veces en su libro sobre San Pablo, El reino, y siempre con enorme respeto. Dice que usted explica que el gran invento del cristiano es el centralismo religioso, que en la Antigüedad los templos eran pequeñas iglesias privadas. ¿Fue eso lo que hizo tan potente al cristianismo?
Respuesta. Es la única religión del mundo, que yo sepa, que está organizada como un Ejército. Tiene un general, el Pontífice, los obispos, los arzobispos, los sacerdotes. Es una religión en la que se obedece. El islam suní no es así, todo el mundo es soldado. No hay jefes. Por eso, el cristianismo dio un marco muy claro a la población. Desgraciadamente tengo 86 años, pero me hubiera gustado escribir un libro, que habría sido el último, sobre por qué esta religión se organizó como un Ejército y que el principio de autoridad fuera tan fuerte. No lo sé, y que yo sepa nadie se ha planteado la pregunta, pero creo que es una cuestión muy importante.
P. Una frase suya que cita también Carrère es: “El oficio de historiador consiste en darle a la sociedad en la que vive el sentimiento de la relatividad de sus valores”. ¿Podría explicarla?
R. Si se describe correctamente el pasado, si se analiza bien, siempre se demuestra que la gente, incluso en las conductas más banales, expresaba ideas, reglas, principios, que no son los actuales.
P. Pese a ese relativismo, ¿hay alguna lección que podamos tomar del mundo clásico?
“La intolerancia y el totalitarismo vienen del cristianismo. Eso no existía en la Antigüedad”
R. Roma y Grecia eran civilizaciones perfectamente refinadas y civilizadas, pero que no tienen nada que ver con nosotros. Bueno, tal vez sí hay una cosa: la costumbre que tienen los griegos y los romanos, que es la misma civilización porque los romanos se convirtieron en griegos, de plantearse preguntas, de reflexionar sobre sí mismos. Ahora mismo nos estamos haciendo preguntas sobre nosotros mismos. Eso prepara al nivel individual la relatividad de la que hablábamos. Nos preguntamos lo que somos, lo que debemos hacer. El mundo no es evidente, preguntarse sobre nosotros y no dar nada por sentado: eso lo hemos aprendido de los clásicos. Incluso los cristianos se preguntaban sobre sí mismos. Eso viene de la Antigüedad, del mundo grecorromano. Séneca se pasa la vida preguntándose lo que hay que ser, lo que hay que hacer.
P. Escribió el libro sobre Palmira por la indignación que le causó la destrucción de varios monumentos. ¿Cree que los destruyeron por todo lo que significan para nosotros?
R. Tenían dos objetivos: el primero, destruir los templos de los viejos dioses y, al mismo tiempo, también era una forma de mostrarnos que desprecian la gran religión que nos caracteriza desde hace un siglo: el culto de los monumentos históricos.
P. ¿Era Palmira especial en el Imperio Romano?

 

  

Paul Veyne, en febrero pasado.  Joel Saget (AFP)
Fundado por Francisco I en el Renacimiento, el Collège de France (Colegio de Francia) es una institución única. Depende del presidente de la República, aunque sus 50 miembros se eligen entre ellos. Una vez que son seleccionados, deberán pasarse el resto de su carrera investigando y publicando, con la única obligación de dar una serie de conferencias al año. La entrada es totalmente libre. En su novela recién editada, La séptima función del lenguaje, que transcurre entre profesores del Collège y que gira en torno a la muerte de Roland Barthes, Laurent Binet describe las conferencias de Michel Foucault a las que asistía tanta gente que ocupaban dos aulas: una con gente sentada en todos lados y otra en la que se transmitía por radio. Una medievalista que estudió en París recordaba también las conferencias de George Duby en las que se congregaba toda la alta burguesía parisiense sin dejar casi sitio para los alumnos.
Veyne fue durante dos décadas profesor en esta misma institución, sobre la que cuenta jugosas anécdotas en sus memorias, como cuando la gran helenista Jacqueline de Romilly protestó tras la elección de Barthes asegurando: “¿Quién será el siguiente, Eddy Merckx?”, un ciclista entonces muy famoso. Sin embargo, esa larga experiencia de investigación y divulgación le ha llevado a reflexionar sobre la forma de que los clásicos griegos y latinos sigan vivos en la sociedad y a proponer algunas ideas que pueden parecer extrañas para un latinista como sacar el latín del bachillerato.
P. ¿Por qué a pesar de haber dedicado al latín toda su vida considera que es mejor que los alumnos estudien inglés en vez de latín o griego?
R. Nos obstinamos en enseñar el latín a los niños. Cuando terminan son incapaces de articular una frase y, entre nosotros, la profesora tampoco. Lo que tendríamos que hacer es darles dos horas a la semana, o tres, durante las que les explicaríamos el mundo clásico y les haríamos leer a autores como Virgilio en traducciones. Eso les mostraría un mundo totalmente diferente del nuestro, una literatura a la que no están acostumbrados. Les enseñaríamos no tanto el latín como la civilización grecorromana.
P. ¿Pero no correríamos el riesgo de que al final nadie sepa traducir el latín?
R.  Mi segundo proyecto era crear en Francia un instituto de estudios de la Antigüedad. Existe una escuela de lenguas orientales en la que se aprende el ruso, el árabe o el persa. Se trataría de una escuela de lenguas antiguas, como una carrera, para aquellos que hayan sentido la pasión por los clásicos. Aprenderían el latín o el griego. Cada generación contaría con 50 especialistas de la Antigüedad, que escribirían libros y serían capaces de traducir a Virgilio y Homero.
P. ¿Qué libros de la Antigüedad recomendaría a un lector no especializado?
R.  Los clásicos pueden resultar difíciles. El Satiricón puede leerlo todo el mundo porque habla de la vida cotidiana. Juvenal, al ser una sátira, mostraba cómo funcionaba esa sociedad. Para mí los dos grandes escritores romanos son Virgilio y Tácito. Tal vez Horacio, pero es muy difícil.
P. ¿Cree que las traducciones de clásicos hay que rehacerlas?
R. Sin duda, cada generación o como máximo cada dos generaciones hay que volverlas a hacer, como en las novelas rusas, porque se quedan viejas.
P. ¿Por qué eligió traducir la Eneida en prosa en vez de en verso?
R. Al traducir la Eneida, lo más importante no creo que sea respetar el verso, sino la velocidad de la lectura. No puedo leer novelas contemporáneas, tienen demasiados detalles. La Eneida o la Ilíada van muy rápido.
R. Era un puerto en el desierto como Venecia era un puerto en el Mediterráneo. Era el lazo entre Oriente, de un lado, y el inmenso Imperio Romano, del otro, para las caravanas que viajaban desde China por tierra. Traían muchos productos pero sobre todo seda: todo noble romano, incluso si se trataba de un hombre, se vestía de seda. Un puñado de seda costaba tanto como un puñado de oro. Y otra cosa que no encontramos más que en Oriente: el incienso para todos los templos paganos del imperio.
P. Hace poco encontraron dos esqueletos enterrados en el Londres romano que han sido identificados como chinos. ¿Es posible que hubiesen pasado por Palmira?
R. Existe un relato de un embajador chino en Palmira que quería descubrir por qué la seda era tan valorada en el Imperio Romano, más que en Persia. Y, por otro lado, los romanos conocieron la existencia de la Gran Muralla. La seda hasta el siglo III era algo extraordinario que venía de regiones misteriosas y lejanas.
P. Otra cosa que explica es que el mundo romano estaba formado por ciudades.
R. La clase alta posee la tierra. Vive de los beneficios de la agricultura, de sus granjeros. También existe una clase media, por ejemplo los padres del poeta Virgilio. Son ricos propietarios y también algunos mercaderes. Todos ellos viven en la ciudad de lo que les proporciona la tierra. En las ciudades, habitan los ricos, su enorme servicio y los comerciantes que les proporcionan todo lo que necesitan. Esa oligarquía es la que ostenta el poder político, reunida en una especie de Senado, que mandan y dirigen. Palmira funciona así salvo que los ricos, en vez de explotar la tierra, tienen caravanas.
P. En Palmira escribe: “Nuestra época habla mucho de imperialismo cultural y de la identidad, pero olvidamos que la modernización por adopción de costumbres extranjeras juega un papel en la historia más importante que el nacionalismo”. ¿Qué explica eso de nuestro presente?
R. La civilización que llamamos romana es griega, adoptaron todo de los griegos, incluido el ritmo de la poesía. La poesía romana abandonó los viejos ritmos itálicos y adoptó los ritmos de la gran poesía de la época griega.
P. En su libro El sueño de Constantino. Cuándo el mundo se convirtió en romano, insinúa que tal vez hubiese podido ser de otra forma, que el mundo podría no haber sido cristiano. ¿Cuándo?
R. Tal vez si Juliano el apóstata hubiese tenido un sucesor pagano las cosas habrían sido diferentes. Lo que ocurrió es que Constantino se convirtió personalmente, no obligó a la población a ser cristiana, sino que fue pagana hasta mucho más adelante. Pero dio a la Iglesia sumas enormes, dilapidó el tesoro imperial y concedió sumas gigantescas a la curia. Se construyeron por todas partes edificios, y las poblaciones rurales comenzaron a entender quiénes eran los nuevos amos. En Túnez, en la época de san Agustín, les ven ocupar un palacio episcopal. Sabían que la autoridad estaba ahí. Ocuparon el terreno materialmente.
P. ¿Por qué en la Antigüedad no se producen guerras de religión?
R. Porque se pueden elegir los dioses sin problemas. No hay disputas. Cuando se descubre que un pueblo lejano tiene un dios peculiar, se estudia y, al igual que se trajeron plantas útiles como la patata de América, se importa esa divinidad. La intolerancia, el totalitarismo vienen del cristianismo. Eso no existe en la Antigüedad. Se construyen templos a los dioses que les gustan sin importar de dónde vengan. En el año 200 antes de Jesucristo, los romanos están siendo derrotados por Aníbal y un senador dice que ha viajado a Oriente y ha encontrado una diosa que les puede ayudar, Cibeles. Propuso traerla. Fueron a buscar una estatua y sacerdotes y la introdujeron de forma solemne en Roma sin ningún problema.
P. ¿Qué es lo que más le choca de la civilización romana?
R. Creo que los gladiadores. Puedo llegar a comprender la violencia, pero ¿cómo se puede asistir a eso? Ser gladiador se consideraba un deporte noble y era voluntario, para intentar garantizar un buen espectáculo. La danmatio ad bestias, las condenas a muerte, eran otra cosa. Por la mañana se podían ver carreras, gladiadores y, luego, lo que llamaban espectáculos de mediodía. Se evacuaba el anfiteatro y comenzaban los suplicios más horrendos que se pueda imaginar para condenar a los criminales. Ahí se quedaba mucha menos gente, un público que no era totalmente normal. Séneca, por ejemplo, admiraba a los gladiadores, pero no los suplicios. La inventiva en la atrocidad era extraordinaria, pero el propio Séneca decía que sólo asistían los tarados. Entonces también había gente que no podía soportar la violencia.
P. ¿Por qué Roma conquistó el mundo?
R. Por el mismo motivo que los nazis: por el fenómeno de la colaboración. Los nobles galos, que poseen muchas tierras, ven que los romanos les adoptan y dejan en el mismo lugar a las clases que tienen bienes. Una ciudad conquistada sigue siendo gobernada por la oligarquía gala. Y si la gente se rebelaba, vendrán los romanos y arrasarán con todo.

Globalizacao e Integracao Regional - Renato Marques (Interesse Nacional)

Globalização e Integração Regional

Renato Marques
Revista Interesse Nacional (ano 9, n. 35, outubro-dezembro 2016, p. 27-35)

     As mudanças anunciadas pelo novo Governo – com seus inevitáveis desdobramentos na condução da política externa – constituem um momento oportuno para rever os critérios que orientaram a condução da diplomacia nacional, marcada nos últimos anos pela excessiva ênfase no relacionamento Sul-Sul, pela busca de um acordo na malograda Rodada Doha da OMC, pelo estímulo à improvável concertação de posições no âmbito dos BRICS e por iniciativas em favor da multipolaridade, entendida como uma forma de enfraquecer o poder dos EUA em escala mundial. A reinserção internacional do Brasil tem assim que ser repensada, da mesma forma que a agenda econômica deve criar condições para superar constrangimentos de longa data, que limitam e condicionam nossas opções externas, como os impostos pelo oneroso “custo Brasil”, pelas ineficiências resultantes de nossa histórica adesão a políticas industriais e comerciais de viés protecionista, agravadas por um quadro de decisões macroeconômicas recentes, equivocadas ou mal executadas. Por razões alheias à nossa vontade, esse aggiornamento terá que ser feito em um cenário internacional que, embora em recuperação, é certamente menos favorável do que o anterior à crise financeira de 2008, quando se multiplicavam as grandes cadeias transnacionais em âmbito global.

     O fato é que o Brasil se manteve à margem dessa extraordinária reestruturação produtiva, que envolveu todo tipo de bens e serviços, valendo-se de sofisticados recursos logísticos, das facilidades oferecidas pela Internet e do intenso fluxo de capitais propiciado pelos mercados financeiros globais. Apesar dessa conjugação favorável de fatores e de o comércio internacional ter crescido a taxas sempre superiores às do PIB (exceto em 2009), o dogmatismo míope do grupo no poder e a falta de competitividade de nossa indústria agiram como um freio à concertação de acordos para abertura de novos mercados. Na contramão das tendências mundiais, nos mantivemos aferrados a velhas fórmulas, que asseguraram sobrevida a uma política industrial calcada em subsídios e exonerações e que revigoraram o protecionismo arraigado na cultura nacional. Não por acaso, essas medidas foram contraproducentes e incapazes de “compensar” os efeitos da sobrevalorização do Real e da concorrência avassaladora da China. Nesse contexto, o setor industrial sofreu uma forte retração e boa parte da demanda interna gerada pela política expansionista dos últimos anos terminou sendo aproveitada por fornecedores externos. Ao mesmo tempo, a emergência da Ásia (e da China, em particular) como grande mercado importador de alimentos e polo de investimentos em infraestrutura,  tornou nossa pauta de exportações excessivamente concentrada em commodities agrícolas e minerais, de baixo valor agregado.

Novo cenário mundial
     O novo cenário mundial,  a partir de 2009, ressente-se não apenas de uma lenta retomada do comércio internacional (em torno de 3% nos últimos anos), mas também dos efeitos negativos dos ressentimentos dos que se consideram prejudicados pela “má distribuição dos ganhos” acumulados durante as últimas décadas do processo de globalização. O inusitado, desta feita, é que – ao contrário dos tempos em que as teorias cepalinas da “dependência” centravam seu fogo contra as propaladas “perdas internacionais” ou criticavam a “condenação” das economias dos países subdesenvolvidos à condição de “periferia dos grandes centros industriais” – são os EUA e a Europa ocidental que abrem suas baterias contra a perda de empregos e de capital para as economias ditas “emergentes” (sobretudo para a China). As acusações abrangem diversas “práticas que afetam a concorrência”, como baixos salários, câmbio deprimido, frouxo ambiente regulatório, escassas exigências ambientais, reduzida proteção trabalhista e de seguridade social. Seu pecado capital seria proporcionar alta rentabilidade  para os investidores (ao contrário do que ocorre nos ambientes muito mais regulados e taxados, típicos das economias maduras).

Como resultado, as empresas reveem suas estratégias de internacionalização das cadeias produtivas e surgem nos países desenvolvidos focos de resistência ao livre comércio, à celebração de novos acordos preferenciais e até àqueles tidos como o estado da arte. O NAFTA, por exemplo, foi  acusado por Trump de causar graves prejuízos à economia norte-americana. Antecipa assim, se eleito, medidas para a repatriação de empresas, capitais e empregos perdidos para o México e para a China, entre outros, aos que se propõe deslanchar uma guerra comercial sem tréguas. A Parceria Trans-Pacífico (TPP, na sigla em inglês), apesar de suas 5.500 páginas de normas e regulamentos - que abrangem disposições sobre a proteção de investimentos, patentes, recursos naturais e direitos trabalhistas - foi atacada publicamente pelas lideranças republicana e democrata, receosas de uma possível “concorrência desleal”, de manipulações de câmbio e, em última instância, de seu impacto negativo sobre o emprego nos EUA. A Parceria Transatlântica para o Comércio e Investimentos (TTIP, relativa aos entendimentos EUA/Europa), perdeu o apoio da candidata democrata, o que deixa a iniciativa sem defensores aparentes, tendo em conta que já era alvo dos conhecidos humores protecionistas do outro lado do Atlântico.

     Essas posições refletem uma nova cartilha, marcada por um discurso defensivo  tanto da parte da “direita populista” (em contraste com a apologia do liberalismo econômico, tradicionalmente identificado com o ideário da facção majoritária do Partido Republicano)  como das correntes “liberais” (empenhadas em uma difícil costura política entre o establishment democrata e sua ala mais à esquerda, mobilizada pela oratória anti-Wall Street do socialista Bernie Sanders). Ambos os candidatos disputam o voto das fileiras de jovens excluídos do mercado de trabalho, dos que sofreram com a migração de empregos para redutos mais atrativos e do contingente de blue collars deslocados por inovações tecnológicas  que reduzem a necessidade de mão-de-obra, ao mesmo tempo que aumentam a produtividade.

     Não surpreende assim que o argumento reducionista prevalecente atribua aos acordos globais e inter-regionais favorecer sobretudo as grandes corporações transnacionais, em detrimento da robustez econômica dos países desenvolvidos participantes e da qualidade de vida de seus trabalhadores. Um efeito perceptível desse fenômeno seria a “convergência salarial” em curso, refletida nos aumentos espetaculares da remuneração na China, em contraste com os níveis praticados nos EUA (onde se mantiveram basicamente estáveis, mas declinantes em termos relativos). O que explicaria porque o tema da “desigualdade” - talvez pela primeira vez - domine o discurso dos dois principais contendores. No caso de Trump - que se propõe a resgatar o padrão de vida e os valores da classe média branca americana - por oportunismo ou clarividência; no caso de Hillary – à caça dos votos afro-americanos e hispânicos -  por coerência com o histórico apoio dos democratas às causas das minorias e para atender os reclamos dos contingentes de desempregados de indústrias tornadas fantasmas .

     No Velho Continente, a exígua vitória da decisão em favor da saída do Reino Unido da União Europeia (conhecida como Brexit) responde a um somatório de causas, embora sejam maliciosamente debitadas quase que exclusivamente a maquinações da direita eurocética. O que significa desconsiderar tanto a crença crescente nesses países de que a globalização é a culpada pela perda dos empregos das classes de baixa renda e de menor qualificação, quanto o desconforto com a integração regional. A UE e sua política social são responsabilizadas por estímulos à imigração (implícitos nos planos de reassentamento), e por sua incapacidade, reticência ou indisposição de conter as sucessivas levas de refugiados (oriundos de áreas conflagradas no Oriente Médio e na África), vistos como uma sobrecarga fiscal e como potencial massa de manobra para os organizadores de atentados terroristas na Europa. Além disso, os súditos de Sua Majestade – acostumados à menor interferência do Estado após as reformas introduzidas no período Thatcher - terão reagido também  ao discurso dos que estimam haver uma excessiva interferência dos eurocratas em Bruxelas na regulamentação da vida dos cidadãos e das empresas (de que os critérios para definir o ângulo da curvatura do pepino são a aberração mais eloquente). Reclamam ademais do custo abusivo de manutenção da máquina administrativa europeia e de seus programas assistenciais, de duvidosos resultados.

Europa e Mercosul
     Na prática, a saída do Reino Unido enfraquece as correntes liberais dentro da UE, sem alterar substancialmente a postura negociadora do bloco, marcada pela resistência de 13 de seus membros (sob a liderança da França), contrários à abertura de seu mercado aos transgênicos americanos, à inclusão de carne e açúcar na pauta em exame com o Mercosul e a qualquer revisão dos mecanismos de apoio da Política Agrícola Comum. Do lado positivo, o resultado do referendo abre uma janela de oportunidades para a celebração de futuros entendimentos comerciais com Londres, desvencilhada das manobras obstrucionistas da guarda pretoriana agrícola. Do ponto de vista filosófico, o Brexit reflete também uma fermentação política contrária ao estatismo, ao protecionismo  e ao intervencionismo, próprios da concepção francesa da Europa (em contraponto à “perspectiva liberal-clássica”, tradicionalmente associada aos países nórdicos, anglo-saxões e à Alemanha). Desde o Tratado de Roma, de 1957, essas duas visões desfrutam de um equilíbrio teórico: por um lado, o acordo fundacional consagrou as quatro liberdades (livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas); por outro, outorgou à Comissão, em Bruxelas, o poder legislativo e a gerência da Política Agrícola Comum, com sua cornucópia de subsídios. E esse é o grande tema subjacente, mais do que saber se o voto inglês foi mais uma manifestação da Pérfida Álbion ou uma afirmação regressiva do Estado-nação.
     Guardadas as devidas proporções, pode-se afirmar que alguns dos fatores em jogo na Europa estiveram presentes no surgimento do projeto, inicialmente bilateral e depois mais amplo, que veio a ser o Mercosul. Lá, tratava-se de criar as condições para que novas guerras fratricidas não mais ocorressem na região. Para tanto, era fundamental a aliança entre a Alemanha e a  França, dois dos principais protagonistas e rivais do tabuleiro europeu. A preocupação com a política e com a segurança regionais, no contexto da Guerra Fria, foram assim o pano de fundo para o fomento de sinergias econômicas capazes de cimentar a nova parceria. Da mesma forma aqui, na nossa região, buscava-se - no day after dos regimes militares que batiam em retirada no Brasil e na Argentina -, promover interesses econômicos conjuntos, como forma de viabilizar o aproveitamento de uma latente complementaridade nos campos industrial (de que resultaram os acordos sobre bens de capital e automobilístico) e agrícola (com a imposição de quotas crescentes de importação de trigo argentino, em substituição a outros fornecedores tradicionais). No campo político, as iniciativas estavam basicamente voltadas para desarticular as divergências (Itaipu e Corpus) e as desconfianças (desenvolvimento dos programas nucleares nacionais)  e assim criar condições para que o processo de  redemocratização em curso nos dois países avançasse sem transtornos. A pedra-de-toque dessa reaproximação foram as visitas que os Presidentes Sarney (em 1987) e Alfonsin (em 1988) fizeram às centrais nucleares de Pilcaniyeú e Aramar,  atos que tiveram o efeito de promover uma importante distensão no campo militar. De quebra, os entendimentos alcançados bilateralmente esvaziaram a lógica da supérflua disputa por influência política e econômica na região.

Sinais invertidos
Às similitudes na origem se contrapõem as diferenças atuais. Mercosul e União Europeia vivem, de alguma forma, turbulências com sinais invertidos. A UE enfrenta o desafio da inédita saída de um de seus membros; o Mercosul está às voltas com o ingresso irregular de um novo sócio, que não compartilha o regime de livre iniciativa que caracterizou o espírito do momento fundacional do bloco, que não colocou em vigor a normativa básica de seus tratados constitutivos e que não atende adequadamente aos imperativos da “cláusula democrática” (voltada para o desestímulo do ressurgimento de regimes ditatoriais). Além disso, a Zona do Euro teve um crescimento médio de 1,6% no ano passado (índice modesto, mas que começa a causar inveja); no mesmo período, os integrantes do  Mercosul penaram um crescimento negativo, à exceção do Paraguai que alcançou 1,5% positivo. O Reino Unido desfruta de um bom cenário econômico interno (apesar das previsões catastrofistas veiculadas pela ótica hegemônica); o Brasil está às voltas com uma transição política tumultuada pelos simpatizantes do ancien régime e empenhado na difícil tarefa de reverter os elevados déficits nos gastos públicos e em promover uma drástica redução da expressiva taxa de desemprego, herdados do governo anterior. Nessas condições, é natural que fiquem em segundo plano as polêmicas em torno ao Mercosul, cujas regras de resto nunca tiveram a força de suas congêneres europeias no sistema jurídico de seus sócios (que sempre recusaram delegar poderes decisórios a órgãos supranacionais).  

     O abandono da postura terceiro-mundista, típica da era petista, torna possível uma reflexão no tocante ao Mercosul e uma avaliação de sua funcionalidade para o país. Exercício que deveria começar por tentar entender a verdadeira personalidade do Mercosul, sobretudo agora que tanto se fala em resgatar seu sentido original. O primeiro passo poderia ser o exame de uma questão central, relativa ao alcance da expressão “mercado comum”, adotada nos sucessivos instrumentos integracionistas, como forma de enfrentar uma questão ontológica importante: de que Mercosul estamos falando? Daquele que emerge da letra ou do espírito dos tratados ditos “fundacionais”? (Desses, posso dar testemunho, na medida em que tive a oportunidade de participar ativamente de todos os negociados entre 1989 e 1999). Daquele Mercosul difuso que prevalece no imaginário popular? Daquele que foi contaminado progressivamente pela doutrina elaborada pela academia, pelos comentários dos analistas políticos engajados e por ações de nítido viés ideológico-partidário ao longo dos últimos 13 anos? Para tanto, será necessário distinguir entre o que foi a mens legislatoris e o que foi sendo enxertado ao longo de sua existência pelos formadores de opinião e pela ação dos sucessivos governos.

Mercado comum
     Para começar, nossa intelligentsia oficial (também conhecida pelo binômio “artistas e intelectuais”), animada por uma visão utópica e igualitária das relações internacionais, propôs, desde o início, mimetizar a experiência europeia e transplantar, de forma quase automática, as instituições e os mecanismos comunitários para a região. Dentre os juristas, alguns expoentes se inclinaram pela supranacionalidade, por apego filosófico a uma visão internacionalista, que submeteria o Brasil aos ditames de uma burocracia regional, que presumiam capaz de atuar como fator de equilíbrio e defesa do interesse comum, em um mundo panglossiano perfeito. Os integracionistas históricos e os políticos à esquerda, por seu turno, repudiaram o abandono das “medidas compensatórias” do passado, em uma antevisão do surgimento posterior de programas assistencialistas, perdulários e ineficazes, do tipo Fundo de Convergência Estrutural (FOCEM), e da guinada conceitual e ideológica que contaminou todo o espectro da política externa da região, sob a inspiração e, em muitos casos, o estímulo do bolivarianismo chavista venezuelano.

     Os documentos firmados desde os primórdios do Mercosul refletem a influência desses pontos de vista, embora nem sempre os tenham acolhido. O Programa de Integração e Cooperação Econômica (PICE, de 1986), por exemplo, era de inspiração nitidamente dirigista e se propunha a integrar os territórios do Brasil e da Argentina em um “espaço econômico comum”. Seu funcionamento exigia uma intensa intervenção governamental (para fixar quotas de comércio administrado, compensar déficits comerciais, via desgravação de novos produtos ou do aumento de suas margens de preferência e, até mesmo, para viabilizar investimentos no Brasil, em condições preferenciais). Essa visão foi radicalmente alterada com a assinatura, em julho de 1990, durante a visita do Presidente Collor à Argentina, da Ata de Buenos Aires, que introduziu uma nova metodologia para a liberalização do comércio (através de “reduções tarifárias generalizadas, lineares e automáticas”), com vistas a um novo (e ambicioso) “objetivo final”: o estabelecimento de um “mercado comum” até 31/12/94 (dentro ainda, portanto, dos mandatos de Collor e Menen, embora o cronograma adotado se limitasse a assegurar a implantação de uma zona de livre comércio bilateral naquele prazo). Essa linha programática era coerente com a abertura comercial em curso nos dois países e com o desejo de criar condições para enfrentar os desafios impostos pela “formação de grandes espaços econômicos e a globalização do cenário econômico internacional” (temas que se mantiveram na ordem do dia, embora tenham sido menosprezados pela “diplomacia ativa e altiva” em favor de uma aliança Sul-Sul, que nos tornou primus inter pares, mas na Segunda Divisão).
         Os entendimentos acordados na Ata foram posteriormente transpostos para o Acordo de Complementação Econômica nº 14, no âmbito da ALADI, que os “legalizou” para efeitos do GATT. Mais comedido, o ACE-14 registrou que o cronograma adotado visava a “facilitar a criação das condições necessárias para o estabelecimento do mercado comum”. A redação manteve o lip service à grande causa do “mercado comum”, mas em tom menor, uma vez que foi acertada em um ambiente desprovido da pompa e circunstância da “diplomacia presidencial” (prática decantada em prosa e verso que, quando posta ao serviço do “culto da personalidade”, como nos anos- Lula, acarreta enormes riscos, ante a tentação, quase irresistível, de “fazer história” ou, em uma versão mais pedestre, ganhar as manchetes do noticiário das oito, na tevê).

Tratado de Assunção
     O Tratado de Assunção, assinado a 26/3/91 - formulado com a participação dos novos sócios, Paraguai e Uruguai - foi o resultado do trabalho de negociadores imbuídos da indisfarçada pretensão de quebrar a cadeia de reiterados fracassos integracionistas ensaiados na região, caracterizados por acordos dotados de altos propósitos irrealizáveis e amparados por uma retórica latino-americanista de grande ressonância, mas escassos resultados. O que não evitou que o TA registrasse excessos (ou “liberdades poéticas”, como os qualifiquei em meu livro “Duas Décadas de Mercosul”, de 2011), no estilo do que se buscava evitar. Tanto nos seus consideranda, como em seu artigo 1º, que estipula que o “mercado comum” estaria concluído até 31 de dezembro de 1994, e que, nesse prazo, seriam implantadas a “livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos”, “a tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum”, “a coordenação de posições em foros econômico-comerciais”, bem como a “coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes – de comércio, exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações...” – objetivos demasiado ambiciosos mesmo hoje, passados 25 anos!

     Na prática, o TA resgatou os critérios automáticos de abertura de mercados, adaptou-os à nova dimensão quadrilateral e consagrou mecanismos adequados ao livre-cambismo apregoados por todos seus integrantes. Natural assim que adotasse conceitos novos e superadores dos cacoetes típicos dos convênios da ALALC/ALADI, como os “tratamentos diferenciados” em favor de “países de menor desenvolvimento econômico relativo”. Paraguai e Uruguai desfrutaram, excepcionalmente, de “diferenças pontuais de ritmo” para a desgravação de seus produtos, mas não mais como regra ou como seu direito natural. Além disso, o TA estabeleceu, como princípio, a “reciprocidade de direitos e obrigações”, o que gerou amplas críticas dos fundamentalistas da integração, para quem o acordo estava calcado em um “conceito equivocado de uma igualdade inexistente”. As negociações para a definição da Tarifa Externa Comum (TEC), concluídas durante o Conselho de Ouro Preto, em 1994, foram complexas, dada a disparidade de estruturas produtivas entre os Quatro e os interesses daí resultantes. Não surpreende assim que a TEC ainda sofra inúmeras “perfurações”, como decorrência de “listas de exceções” e outras formas de descumprir sua aplicação. É de se destacar, entretanto, que a definição da TEC, em Ouro Preto, era ansiosamente esperada pelo setor produtivo nacional, dado seu receio de que o Mercosul se restringisse a uma zona de livre comércio, o que permitiria a importação de bens de capital, matérias primas e outros insumos de extra-zona, com tarifa zero, e a internação posterior do produto final no mercado brasileiro, valendo-se de baixos custos de produção.
          O descrito acima reflete basicamente a agenda do Mercosul que prevaleceu até pelo menos 2003, apesar  dos altos e baixos em sua implementação e do persistente contencioso comercial, sobretudo entre Brasil e Argentina. Com a mudança de paradigma introduzida pelo Governo Lula, o Mercosul progressivamente abandonou sua vocação econômica e comercial (nunca plenamente realizada) e se transformou em um (também incompleto) experimento político e social. Nessa nova roupagem, o Mercosul suspendeu o Paraguai, invocando a “cláusula democrática” (em desrespeito à normativa constitucional vigente naquele país), e facilitou o ingresso da Venezuela bolivariana, sem o cumprimento de todos os critérios requeridos para sua adesão. A polêmica em torno à presidência pro-tempore rotativa venezuelana neste segundo semestre é, assim, um subcapítulo inevitável dos vícios legais perpetrados no primeiro episódio.

Ajuste aos novos tempos
     Apesar desses desenvolvimentos, o Mercosul permanece, como toda construção humana, uma obra em aberto, passível de aperfeiçoamento e correções de rumo. Não creio que esteja na mente de seus críticos mais severos a hipótese de um Braxit, seja porque é um instrumento válido de coordenação de posições em nosso entorno imediato (o que lhe confere um importante peso diplomático); seja por suas inegáveis realizações em diversos campos, sobretudo o comercial; seja porque organismos regionais latino-americanos são como o diamante - para sempre (alguns sobrevivem em estado letárgico, outros beirando a catalepsia, mas não morrem jamais).
        Caberia assim um esforço de ajuste aos novos tempos. A propalada intenção de permitir a cada um dos sócios a celebração de acordos individuais de livre comércio, via emenda da Decisão 32, ocupa o primeiro lugar na pauta. Desde logo, visa a objetivos coerentes com o interesse nacional brasileiro (e, provavelmente, também com o dos demais, à exceção da Venezuela). Apesar disso, do ponto de vista estritamente formal, não há como escapar à conclusão de que uma emenda nesse sentido, se aprovada, tornará virtualmente letra morta o instituto da união aduaneira (qualquer que seja o eufemismo – ou ausência dele - que se venha a adotar para sua vendagem externa). Daí a precedência e a importância que adquire na agenda. Outras medidas mereceriam igualmente ser revistas. Uma delas é o FOCEM, de forma a não insistir em políticas onerosas, que não vingaram sequer na origem, como comprova o insucesso dos sucessivos planos de apoio da UE ao Mezzogiorno italiano. O alto custo político da iniciativa recairia sobre o Brasil, na condição de principal contribuinte para o Fundo.
       No mesmo diapasão, seria aconselhável rever os critérios de intervenção regional do BNDES, que vinha financiando projetos alheios ao interesse nacional (caso do porto de Mariel, em Cuba) e contrários ao interesse nacional (caso de um porto em águas profundas em Rocha, no Uruguai, que desviará cargas do porto de Rio Grande, sem que este ao menos seja objeto dos mesmos mimos pelo Banco). Em um plano mais abrangente, caberia descontinuar – sem jamais perder a ternura, é claro – o elevado quinhão de “generosidade” implícito na política externa do período petista, que – diga-se a bem da verdade - transcendeu as fronteiras do Mercosul e provavelmente esteve a serviço de uma causa perdida (a obtenção de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas). Essa medida depende apenas da vontade soberana nacional e não necessariamente configura incumprimento de pactos, pois não decorre de compromissos pré-acordados nem dispõe de um campo pré-definido de aplicação, tendo constituído mais bem um ethos político e ideológico do partido então no poder.

Reforma do Mercosul
     Outro ponto importante diz respeito à preservação da intergovernabilidade e do sistema de decisão por consenso, que constituem verdadeiras “cláusulas pétreas” no âmbito do Mercosul. Esses pilares do TA correm o risco de serem afetados pela proliferação de novas instituições e foros, que criam novos espaços decisórios, ampliam a forma e conteúdo do bloco e pressionam em favor da internalização coercitiva de normas, sob o manto da “legitimidade” e da “governança”. Ocorre assim uma nova institucionalização, de geração quase espontânea, que não se submete a uma estratégia de longo prazo, desenhada - como corresponderia – ao nível da política de Estado. O Mercosul assume, inadvertidamente, uma feição institucional cada vez mais próxima de um mercado comum em estágio avançado, nos moldes europeus, o que sobrecarrega seu orçamento e estimula a proliferação de cargos destituídos de materialidade, dada a natureza intergovernamental do bloco. Além disso, o inchaço institucional que acompanhou a expansão da pauta política e social está em descompasso com seu crescente insucesso comercial (só nos primeiros sete meses do corrente ano, registra-se uma contração de 14% nas nossas vendas, índice que inclui a redução de 63% nas exportações para a Venezuela). Iniciativas na área institucional tenderão, entretanto, a provocar reações adversas em todos os sócios do Mercosul (Brasil incluído), na medida em que contrariariam vários interesses corporativos e pessoais.
      Tudo somado, não será tarefa fácil a reforma do Mercosul. Sem perder esse objetivo de vista, seria sensato dar andamento simultâneo a iniciativas urgentes  e práticas, como a adaptação casuística de nosso regime em matéria de proteção de investimentos, de propriedade intelectual, serviços e compras governamentais a padrões aceitáveis em escala mundial, como forma de criar as pré-condições para uma inserção efetiva nas grandes cadeias globais de produção e de intercâmbio. Afinal, o clima para as negociações de novos acordos comerciais tenderá a retomar seu curso, passadas as turbulências típicas da campanha eleitoral nos EUA. Trump – se eleito -  deverá (como Reagan antes dele) aterrissar sua retórica no mundo real (onde atuam importantes contrapesos, no Capitólio e na Suprema Corte) e se adaptar aos imperativos impostos pela geopolítica e pelas relações internacionais. Hillary conhece bem os meandros da máquina administrativa de Washington e das forças atuantes no cenário externo, o que faz supor que seu programa refletirá mais de perto o pensamento estratégico da cúpula militar e os interesses dos círculos econômicos e financeiros, próximos do Partido Democrata. O que não significa dizer que a retórica antiliberal predominante não afetará a diplomacia comercial futura. Na UE, a tendência será que - uma vez consolidada a incipiente recuperação da zona do Euro - se restabeleça a busca de novos acordos, com uma equação custo-benefício não muito distante da prevalecente no período anterior (ou seja, com suas propostas de abertura no campo industrial e resistências no setor agrícola). As perspectivas de crescimento das exportações para a China - empenhada em aumentar o poder de compra de sua nova classe média – são uma boa notícia, apesar de acentuar a concentração de nossa pauta em bens primários.

Políticas internas
     Em suma, a recuperação da competitividade de nossos setores produtivos (e a consequente diversificação de nossa pauta de exportações) só será alcançada através da restauração dos fundamentos da economia brasileira. O  que implica recuperar nossas contas públicas e criar um ambiente propício à retomada dos investimentos. Resultados que dependem da aprovação das propostas de ajuste (vistas como impopulares por políticos cujo horizonte é, em geral, a próxima eleição) e outras reformas indispensáveis, mas que vão no sentido contrário do apego de parcela considerável dos brasileiros ao Estado assistencialista (sentimento que não parece fadado a desaparecer do nosso universo político). No cenário internacional, não é provável que sejam atendidos os apelos do último comunicado do G-20, do início de setembro, contra “toda forma de protecionismo no comércio exterior e nos investimentos”. Os países terão assim que concentrar suas iniciativas em políticas internas que coloquem em ordem suas economias e que confiram competitividade ao seu parque produtivo, sem o que as empresas não desfrutarão de condições realísticas de inserção nas grandes cadeias globais. A celebração de novos acordos comerciais, pelo Governo, pode coadjuvar esse esforço, mas estes, sozinhos, não serão capazes de assegurar os resultados que todos esperamos, tanto em âmbito regional como global.

  Renato Marques é embaixador aposentado. Durante sua carreira, serviu nas Representações do Brasil na Alalc, Aladi, Comunidades Europeias, e Embaixada em Washington. Secretário do Comércio Exterior (dez/1992-fev/1994). Chefe do Departamento de Integração do Itamaraty (1994-1999).