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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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domingo, 26 de novembro de 2023

Alberto da Costa e Silva: um gigante da cultura e da historiografia africanista brasileira: homenagem


Faleceu Alberto da Costa e Silva, um grande intelectual, um grande embaixador, que tive o prazer de ter em minha banca de tese no Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, depois publicada como Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império, cujo prefácio foi assinado por ele. Isso foi antes que ele organizasse o fabuloso livro, para o qual tentei fazer uma segunda edição, como registro nesta ficha: 

3260. “O Itamaraty na Cultura Brasileira: projeto de nova edição, ampliada”, Brasília, 7 abril 2018. Proposta de terceira edição da obra, com adição de novos nomes; nota enviada aos responsáveis pela primeira edição e aos novos colaboradores; redação de carta aos antigos colaboradores; encaminhada ao embaixador Alberto da Costa e Silva. Obra original colocada à disposição neste link da plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/46849306/O_Itamaraty_na_Cultura_Brasileira_2001_).


O sumário da obra vai reproduzido abaixo: 


O Itamaraty na Cultura Brasileira - Celso Lafer, p. 15

Diplomacia e Cultura - Alberto da Costa e Silva, p. 26

Varnhagen, História e Diplomacia - Arno Wehling, p. 40

Ritmos de Uma Vida: Brazílio Itiberê da Cunha Músico e Diplomata - Celso de Tarso Pereira, p. 58

Joaquim Nabuco - Evaldo Cabral de Mello, p. 88

Pai e Filho - Sérgio Martagão Gesteira, p. 106

Aluízio Azevedo: A Literatura como Destino-  Massaud Moisés, p. 136

Domício da Gama - Alberto Venancio Filho, p. 158

Oliveira Lima e Nossa Formação - Carlos Guilherme Mota, p. 180

Gilberto Amado Além do Brilho - André Seffrin, p. 198

A Vida Breve de Ronald de Carvalho - Alexei Bueno, p. 214

Ribeiro Couto, o Poeta do Exílio - Afonso Arinos, filho, p.  232

Viagem a Beira de Bopp - Antonio Carlos Secchin, p. 252

Guimarães Rosa, Viajante - Felipe Fortuna, p. 270

Antônio Houaiss, A Cultura Brasileira e a Língua Portuguesa - Leodegário A. de Azevedo Filho, p. 288

Vinícius de Moraes O Poeta da Proximidade - Miguel Sanches Neto, p. 302

Poeta e Diplomata, na Música Popular - Ricardo Cravo Albin, p. 316

João Cabral, Um Mestre sem Herdeiros - Ivan Junqueira, p. 336

O Fenômeno Merquior - José Mario Pereira, p. 360

Os Autores, p. 380


Sua introdução, Diplomacia e cultura, é primorosa, e tomei agora o cuidado de colocá-la à disposição dos interessados neste link abaixo, embora já esteja incluída na obra completa, linkada acima: 


https://www.academia.edu/109893965/Diplomacia_e_Cultura_Alberto_da_Costa_e_Silva_2001_


Minhas homenagens a ele e a toda a sua família. Meu preito de gratidão por todo o trabalho intelectual que ele conduziu paralelamente a uma carreira brilhante.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 26 de novembro de 2023

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Diferenças entre a ‘velha’ e a ‘nova’ diplomacia de Lula - Paulo Roberto de Almeida (revista Crusoé)

 O mais recente trabalho publicado: 

4511. “Diferenças entre a ‘velha’ e a ‘nova’ diplomacia de Lula”, Brasília, 16 novembro 2023, 3 p. Artigo para a revista Crusoé; publicado em 24/11/2023 (link: https://crusoe.com.br/edicoes/291/diferencas-entre-a-velha-e-a-nova-diplomacia-de-lula/). Relação de Publicados n. 1533.


Diferenças entre a ‘velha’ e a ‘nova’ diplomacia de Lula

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

revista Crusoé (24/11/2023 (link: https://crusoe.com.br/edicoes/291/diferencas-entre-a-velha-e-a-nova-diplomacia-de-lula/).

  

Países evoluem, geralmente no caminho do desenvolvimento econômico e social, da democracia representativa e das liberdades individuais. Nem todos eles: alguns conhecem ditaduras e mesmo totalitarismo, como a Alemanha de Weimar, nos anos 1930-40, enquanto outros passam por involução econômica e retrocessos sociais, e temos exemplos disso aqui mesmo, bem pertinho. As pessoas geralmente também vão mudando ao longo dos anos, do voluntarismo e do radicalismo juvenil para posturas mais sensatas, talvez conservadoras, com a idade madura, a família, filhos e netos, a percepção da complexidade social, enfim.

Espera-se que essa seja, por exemplo, a típica transição dos políticos profissionais, desde as posições extremadas do começo de carreira para uma convergência com posturas mais conciliadoras com outras forças e movimentos partidários. Nem sempre, todavia, é assim. Alguns acentuam velhos hábitos, outros aprofundam comportamentos sectários e certo radicalismo tardio, muitas vezes anacrônico. Isso parece ter ocorrido com Lula, a despeito de uma notável continuidade nas características básicas: o populismo, a modulação do discurso para cada plateia, as alianças preferenciais dentro do mesmo, velho, espectro partidário. Tais características são especialmente válidas no campo da diplomacia e da política externa. 

Cabe aqui uma constatação inicial, visível desde o início do seu terceiro mandato: a diplomacia basicamente pessoal de Lula vem convertendo-se no principal problema para a diplomacia profissional do Itamaraty, que se esforça para manter um razoável equilíbrio nas relações com os principais parceiros externos. O personalismo do chefe da diplomacia tendeu a se reforçar no período recente, comparativamente aos dois primeiros mandatos. Na verdade, a diplomacia lulopetista foi exacerbadamente pessoal, em todos eles, mas ela acentuou o personalismo desde a campanha presidencial de 2022, levando ao exagero a própria noção de diplomacia presidencial. Vamos às evidências da mudança.

(...)

Lula carece de preparação adequada para manejar a complexidade de uma diplomacia atuando em múltiplas frentes como é a do Brasil. Entre intromissões indevidas e omissões não justificadas, ele está destruindo sua reputação de estadista, assim como a credibilidade conquistada pela diplomacia ao longo de muitas décadas de construção de uma autonomia reconhecida por todos. A bizarra expansão do Brics conduzida por duas grandes autocracias e endossadas pela diplomacia personalíssima de Lula ameaça fissurar o edifício desenhado por Rio Branco e Rui Barbosa, defendido em anos sombrios pela coragem de um Oswaldo Aranha e confirmado no plano dos conceitos jurídicos por um intelectual da estatura de San Tiago Dantas. Lula 3 escolheu uma trajetória política que afasta a diplomacia nacional das concepções centrais dos grandes nomes de sua política externa. Até quando?

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4511, 16 novembro 2023, 3 p.

 

Ler a íntegra no site da revista Crusoé (24/11/2023

link: https://crusoe.com.br/edicoes/291/diferencas-entre-a-velha-e-a-nova-diplomacia-de-lula/

Guerra Israel e Hamas tem bem mais de dois lados Thomas Friedman (OESP)

 Guerra Israel e Hamas tem bem mais de dois lados 

Thomas Friedman 

O Estado de S. Paulo, 24/11/2023

Relações de palestinos e israelenses é complexa e vai além de extremismos de ambos os lados; veja histórias de coexistência após o 7 de outubro 


 THE NEW YORK TIMES – Confesso que, enquanto observador de longa data do conflito árabe-israelense, eu evito agressivamente tanto os ativistas “Do rio até o mar” da esquerda pró-palestinos quanto os similarmente fanáticos partidários da extrema direita sionista que defendem a “Grande Israel” — e não apenas porque considero abomináveis suas visões exclusivistas para o futuro, mas também porque o repórter dentro de mim percebe sua cegueira para as complexidades do presente. Eles não pensam na mãe judia que me contou em Jerusalém de um único fôlego que havia acabado de conseguir uma licença para portar armas de fogo para proteger seus filhos do Hamas; e então como ela confiava no professor palestino-árabe de seus filhos, que levou as crianças para o abrigo antibombas da escola durante um ataque aéreo recente do Hamas.

 Eles não pensam em Alaa Amara, o comerciante árabe-israelense de Taibe que doou 50 bicicletas de sua loja para crianças judias que sobreviveram ao ataque do Hamas contra suas comunidades fronteiriças, em 7 de outubro, teve seu comércio incendiado dias depois aparentemente por jovens árabes-israelenses nacionalistas linha-dura e viu uma campanha de crowdfunding organizada em hebraico e inglês levantar mais de US$ 200 mil para ajudá-lo a reconstruir aquela mesma loja dias depois. Ao longo dos últimos 50 anos, eu vi palestinos e israelenses fazerem coisas terríveis uns aos outros. Mas este episódio que começou com o ataque selvagem do Hamas contra israelenses, incluindo mulheres, crianças pequenas e soldados, em comunidades na região vizinha à fronteira de Gaza e a retaliação israelense contra os combatentes do Hamas com base em Gaza que também matou, feriu e deslocou tantos milhares de civis palestinos — de recém-nascidos a idosos — é certamente o pior desde os tempos do Plano de Partilha da Palestina proposto pela ONU em 1947. Mas defensores de todos os lados que leem esta coluna sabem que eu não estou aqui para anotar o placar. Meu foco sempre foi encontrar uma saída para que esse show de horror olho por olho, dente por dente acabe antes que todos fiquem cegos e desdentados. 

 Com esse objetivo, eu gastei bastante tempo da minha viagem an Israel e Cisjordânia este mês observando e investigando as verdadeiras interações cotidianas entre árabes e judeus israelenses. Essas experiências são sempre complexas, certas vezes surpreendentes, ocasionalmente deprimentes e, com mais frequência do que alguém possa pensar, inspiradoras. Porque revelam sementes de coexistência espalhadas por todo lado e suficientes para que ainda possamos sonhar o sonho impossível: que algum dia possa haver uma solução de dois Estados para os israelenses e os palestinos que vivem entre o Mar Mediterrâneo e o Rio Jordão. 

 Portanto, nesta semana da Ação de Graças, eu lhes peço para reservar alguns instantes aqui comigo, para refletirmos sobre essas pessoas e alguns atos extraordinários de resgate que elas praticaram em 7 de outubro — que lhes darão mais fé na humanidade que as manchetes em torno desta história jamais sugeririam. Para colocar de outra maneira, um amigo certa vez descreveu minha visão de mundo como um cruzamento entre Thomas Hobbes e Walter Mondale. Por vários dias durante a minha viagem, eu permiti ao Mondale dentro de mim perseguir lampejos de esperança irradiando na escuridão. Esse processo começou assim que cheguei em Tel-Aviv, quando me sentei para conversar com Mansour Abbas, provavelmente o líder político israelense mais corajoso da atualidade. Abbas é um árabe-palestino e cidadão de Israel que calha de ser muçulmano e membro do Parlamento israelense, onde ele lidera o importante partido Lista Árabe Unida. 

A voz de Abbas é ainda mais vital neste momento porque ele não respondeu ao terrorismo do Hamas com silêncio. Abbas entende que, mesmo que seja correto ultrajar-se com a dor que Israel inflige nos civis de Gaza, reservar toda a nossa indignação para a dor de Gaza cria suspeições entre judeus de Israel e de todo o mundo, que notam quando nenhuma palavra é pronunciada a respeito das atrocidades do Hamas que desencadearam esta guerra. A primeira coisa que Abbas me disse a respeito do massacre do Hamas foi: “Ninguém pode aceitar o que aconteceu naquele dia. E nós não podemos condenar este ato e dizer ‘mas’ — esta palavra, ‘mas’, tornou-se imoral.” (Pesquisas recentes mostram uma condenação esmagadora da comunidade árabe-israelense ao ataque do Hamas.) 

 Abbas percebe as complexidades experimentadas por aquela mãe judia de Jerusalém que nunca perdeu a confiança no professor árabe-israelense de seus filhos e aquele dono de loja de bicicletas que imediatamente estendeu a mão para aliviar a dor de crianças judias que não conhecia. Ao mesmo tempo, contudo, Abbas falou a respeito da dor excruciante que árabes-palestinos e beduínos israelenses sentem ao ver parentes seus castigados e mortos em Gaza. “Uma das coisas mais difíceis hoje é ser árabe-israelense”, disse-me Abbas. “O árabe-israelense sente a dor duas vezes — uma como árabe, outra como israelense.” Há uma peculiaridade nessa vizinhança: se a gente olha somente para um ou outro grupo através de um microscópio, dá vontade de chorar — o massacre brutal de judeus, a maneira terrível que os colonos supremacistas judeus tratam os palestinos; a lista é infinita. Mas se olhamos para essas histórias através de um caleidoscópio, observando a complexidade de suas interações, é possível ver a esperança. 

Se você quiser noticiar de maneira correta a realidade de israelenses e palestinos, sempre leve um caleidoscópio no bolso. O que me traz às histórias dos árabes beduínos israelenses e o 7 de Outubro. Cerca de uma semana após o início da minha viagem, eu recebi um telefonema do meu amigo Avrum Burg, ex-presidente da Knesset israelense, cujo avô era rabino-chefe de Hebron em 1929. Ele me contou que seu amigo Talab el-Sana — um árabe beduíno israelense que serviu com ele na Knesset e deu o voto de Minerva que formou a maioria que permitiu a Yitzhak Rabin fazer o acordo de paz de Oslo — queria me levar para conhecer alguns “beduínos virtuosos”; cidadãos de Israel de língua árabe, muçulmanos, mas fluentes em hebraico, que tinham desempenhado papéis heróicos salvando judeus do ataque do Hamas. Se você quiser noticiar de maneira correta a realidade de israelenses e palestinos, sempre leve um caleidoscópio no bolso.

Os beduínos israelenses são uma comunidade nômade que reside principalmente no Deserto do Negev e formam parte da minoria árabe-israelense — 21% da população do país — que se espalham por cidades e vilarejos de Israel. Atualmente aproximadamente 320 mil beduínos vivem em Israel, cerca de 200 mil em comunidades reorganizadas pelo governo e outros 120 mil em favelas improvisadas e não reconhecidas. Muitos beduínos serviram ao Exército israelense, com frequência como rastreadores, em razão de seu profundo conhecimento da geografia decorrente de gerações vagueando pelo deserto. Bem, acontece que alguns beduínos israelenses que viviam próximo da fronteira ou trabalhavam em comunidades da região atacada pelo Hamas ajudaram a resgatar judeus; alguns beduínos foram sequestrados pelo Hamas junto com judeus e outros foram assassinados pelo Hamas porque o grupo terrorista optou por tratar todos que vivessem ou trabalhassem nos kibutzim israelenses e falassem hebraico como “judeus” — merecendo ser mortos.

 E depois de 7 de outubro, alguns desses beduínos que salvaram judeus israelenses passaram a notar olhares hostis e insultos em voz baixa de judeus israelenses assumindo automaticamente que eles seriam simpatizantes do Hamas. E todo esse tempo vítimas judias e beduínas do Hamas foram tratadas juntas em hospitais israelenses, onde quase a metade dos novos médicos é hoje árabe-israelense ou drusa, assim como 24% dos enfermeiros e aproximadamente 50% dos farmacêuticos. Sim, um árabe beduíno israelense pode salvar um judeu israelense na fronteira de Gaza de manhã, ser discriminado por judeus nas ruas de Beersheba de tarde e gabar-se por sua filha — médica formada numa faculdade israelense — ter passado a noite em claro cuidando de pacientes judeus e árabes no Hospital Hadassah. É complicado. 

 Conserto de abrigos El-Sana e Burg levaram-me a dois vilarejos beduínos para me apresentar rapazes que tinham salvado judeus. Acompanhou-nos o urbanista israelense Ran Wolf, especialista na construção de espaços compartilhados — centros de inovação, centros culturais e mercados — para uso de judeus e árabes palestinos israelenses. Nós paramos na residência de Wolf em Tel-Aviv, no caminho, para pegar umas garrafas de água, onde ele me contou a seguinte história: Após os foguetes do Hamas começarem a cair em Tel-Aviv em 7 de outubro, Wolf telefonou para o empreiteiro com que trabalha regularmente, Emad, um árabe-israelense de Jaffa, para lhe dizer que a porta do abrigo antibombas no porão de sua casa não fechava. 

“Esse problema estava acontecendo em muitos abrigos, e depois de 7 de outubro todos quiseram consertar”, afirmou Wolf. E quando perceberam que um pedreiro estava na vizinhança, seus vizinhos também lhe pediram para consertar suas portas. Emad é um bom amigo e se recusou a aceitar qualquer dinheiro por dois dias de trabalho”, afirmou Wolf. Tenha em mente, acrescentou ele, que Emad vive em Jaffa, ao sul de Tel-Aviv. Na guerra de 1948, o pai de Emad ficou em Jaffa e seu tio fugiu para Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza. “Então ele foi criado em Israel, mas metade da sua família vive hoje em Gaza”, afirmou Wolf. “E viu um míssil do Hamas cair a 200 metros da sua casa em Jaffa outro dia”, acrescentou. 

 Usem o caleidoscópio: hoje, refugiados palestinos de Jaffa que vivem sob o governo do Hamas em Gaza disparam foguetes contra palestinos de Jaffa que são cidadãos israelenses; e um deles consertou os abrigos antifoguetes de seus amigos em Tel-Aviv — de graça. Quando nós chegamos a Rahat, a maior cidade beduína em Israel, no Deserto do Negev, El-Sana, sentado no banco de trás do carro, conseguiu contar uma história ainda mais marcante. El-Sana contou que algumas das primeiras vítimas israelenses dos ataques de foguete do Hamas em 7 de outubro foram beduínos, muitos deles moradores de povoados não reconhecidos no Negev que não aparecem em mapas digitais. (O governo israelense não acompanhou seu crescimento populacional da mesma forma que na maioria das cidades judaicas.) 

 Essas localidades não têm abrigos antibombas públicos nem sirenes de alerta para proteger seus moradores quando os foguetes do Hamas começam a cair, mas — e é impossível inventar isso — El-Sana explicou que, quando o Hamas lança um foguete, o sistema antimísseis israelense Domo de Ferro traça imediatamente sua trajetória para determinar se o projétil de Gaza aterrissará num espaço povoado em Israel e matará pessoas ou em um lugar vazio ou no mar. Se o foguete rumar para algum ponto despovoado ou para o mar, o Domo de Ferro não desperdiça seus foguetes caros para interceptar projéteis baratos do Hamas. Seis beduínos foram mortos por um foguete do Hamas que caiu no vilarejo de Al Bat — entre eles, dois irmãos, de 11 e 12 anos — porque o povoado beduíno não figura em nenhum mapa oficial de Israel presente na base de dados do Domo de Ferro, explicou El-Sana. 

 Enquanto isso, outros oito beduínos que trabalhavam em comunidades judaicas próximas a Gaza foram assassinados pelo Hamas e pelo menos sete beduínos, todos cidadãos israelenses, foram, acredita-se, sequestrados e levados para Gaza. E dias depois alguns desses mesmos beduínos não hesitaram em ajudar a resgatar judeus israelenses juntamente com seus primos. Resgate de judeus El-Sana tinha me marcado uma entrevista no vilarejo de Al Zayada, um assentamento beduíno não reconhecido no Deserto do Negev, no lar não reconhecido de Youssef Ziadna, de 47 anos, um motorista de ônibus beduíno reconhecido por resgatar judeus em 7 de outubro.

 Ziadna contou que na sexta-feira, 6 de outubro, foi contratado para levar um grupo de jovens judeus para o festival ao ar livre de música trance Supernova Sukkot Gathering, em celebração ao feriado de Sucot, adjacente ao Kibutz Re’im, que é adjacente à fronteira com Gaza. “Quando os deixei, nós combinamos que eu voltaria no sábado às 18h para pegá-los”, disse-me Ziadna. Mas no início da manhã do sábado, “eu recebi um telefonema de um deles, Amit”, que lhe pedia para ir buscá-los imediatamente, afirmou. “Eles estavam sendo atacados, ouvia-se tiros por todo lado.” Ziadna disse que rumou imediatamente para a cena e, conforme se aproximou, viu “uma barragem de foguetes e muitos carros na direção contrária — escapando — piscando os faróis para que eu fizesse a volta. Algumas pessoas que tinham parado e saído do carro disseram que havia terroristas em Be’eri, então ‘vá embora daqui’. Eu saí do meu carro e me escondi na beira da estrada. 

Toda vez que eu levantava a cabeça atiravam em mim. Mas eu tinha prometido buscar essas pessoas, e estava a um quilômetro de distância”. Ziadna afirmou que quando o ritmo dos disparos diminuiu um pouco, ele conseguiu voltar para seu miniônibus e usar o celular para se encontrar Amit e seus amigos — e qualquer outra pessoa que ele pudesse resgatar. Em vez de voltar pela estrada, onde “eu sabia que eles nos matariam”, afirmou Ziadna, “eu fui pelos campos”. Como beduíno, Ziadna conhece intimamente o terreno que acabou salvando a todos.

 Ele conseguiu encontrar um atalho em meio aos campos e evitou a estrada principal, onde os terroristas do Hamas emboscavam quem fugia do festival musical. Muitos outros carros em fuga também deixaram a estrada principal e seguiram o miniônibus de Ziadna pelos campos, afirmou ele. O motorista contou para o Times of Israel, que publicou seu perfil, que levou cerca de 30 pessoas em seu veículo, cuja lotação máxima é de 14 passageiros. Ziadna disse que, alguns dias depois, recebeu um telefonema de um número que não reconheceu, mas que acreditou ser de Gaza, e uma voz lhe disse em árabe: “Você é Youssef Ziadna? Você salvou vidas de judeus? Nós vamos matar você”. Ele relatou a ligação para a polícia israelense. 

Esta é apenas uma das razões, afirmou o motorista, para ele ainda precisar de telefonemas diários com um psicólogo para tentar superar o trauma de 7 de outubro. Outro familiar em nosso encontro, Daham Ziadna, de 35 anos, afirmou que teve quatro parentes sequestrados pelo Hamas; um certamente foi morto e outros três ainda estão desaparecidos. Dois foram vistos pela última vez deitados no chão, num vídeo publicado pelo Hamas no TikTok, com dois combatentes armados ao lado. Para o Hamas, disse Daham, “todos que vivem em Israel são judeus”. Daham disse-me que alguns dias antes tinha ido ao banco sacar dinheiro no caixa eletrônico e cruzou dois judeus israelenses na calçada. “Um tinha sotaque russo. 

Quando eles se aproximaram, o russo falou, ‘Eis aqui outro árabe’. Eu lhe disse: ‘Esses “árabes” de que você fala estavam na fronteira de Gaza em 7 de outubro lutando pelo o Estado israelense — defendendo judeus e árabes. E são pessoas como você que destroem o país, destilando veneno’.” Árabes-israelenses vivem um cotidiano difícil, acrescentou ele: “Muitos judeus olham para nós como se todos fôssemos do Hamas, e quem apoia o Hamas olha para nós como se fôssemos judeus”. A alguns quilômetros de lá, em Rahat, El-Sana me apresentou para a família Al-Qrinawi, cujos integrantes tinham sua própria história marcante para contar. O porta-voz da família, Ismail, relatou-me o drama sentado com seus primos diante de um prato gigante de arroz, frango e grão de bico. Na manhã de 7 de outubro, conforme a notícia do ataque do Hamas se espalhou, eles souberam pelo grupo de WhatsApp da família que três primos que trabalhavam no refeitório do Kibutz Be’eri tinham sido sequestrados. 

Por volta das 10h, um familiar recebeu uma ligação de um número desconhecido, do telefone de uma mulher israelense chamada Aya Medan. Ela tinha encontrado um de seus primos desaparecidos, Hisham, e ambos estavam se escondendo juntos dos terroristas do Hamas no mesmo campo desértico próximo a Be’eri. Hisham usou o celular dela para pedir ajudar ao seu clã beduíno. Os outros dois primos tinham fugido em outra direção. Seu tio, o patriarca do clã, ordenou que quatro sobrinhos fossem resgatar os parentes no Land Cruiser da família, já que normalmente leva 30 minutos para chegar à região onde eles estavam — mas não naquele dia. 

Eles pegaram duas pistolas e saíram a toda. Quando nos aproximamos, descobrimos que todas as estradas estavam fechadas”, disse-me Ismail. “Então nós fomos pelos campos e atravessamos um vale profundo para conseguir desviar. Nosso carro quase virou.” Primeiro, “encontramos pessoas fugindo da festa”, afirmou ele. “Nós emprestamos nossos telefones para elas ligarem para os pais e garantimos que entrassem em outros carros, conduzidos por israelenses. Nós conseguimos resgatar 30 ou 40 pessoas da festa. Mas eu fiquei o tempo todo conversando com Aya, tentando localizar onde ela se escondia com Hisham”. 

 Estava demorando demais. Depois de duas horas e meia desviando de tiros e foguetes do Hamas, afirmou Ismail, eles conseguiram encontrar Aya e Hisham escondidos atrás de arbustos, bem próximo do Kibutz Be’eri. Eles tinham mandado uma foto de celular da área em que estavam se escondendo para facilitar sua localização. Minutos depois, relatou Aya ao Times of Israel, Hisham a tocou e disse, “Aya, eles estão aqui, eles estão aqui sim”. Os primos abriram as portas do carro, Aya e Hisham entraram, e o clã beduíno valeu-se novamente de suas habilidades off-road para levá-los à segurança. Ou quase. 

 O momento mais assustador do dia, disse-me Ismail, ocorreu quando eles voltaram para a estrada principal. Eles foram parados em um posto de controle improvisado pelo Exército israelense, por soldados assustados, incapazes de distinguir à distância entre amigo e algoz. “Os soldados israelenses cercaram nosso carro, todos apontando armas contra nós. Eu gritei: ‘Nós somos cidadãos de Israel! Não atirem!’.” Aya disse ao Times of Israel que um soldado israelense lhe perguntou se ela estava sendo sequestrada. “Não, eu sou de Be’eri, e eles vieram de Rahat nos resgatar”, disse ela. 

 Beduínos salvando judeus israelenses do Hamas sendo salvos por uma mulher judia de serem baleados pelo Exército israelense depois de resgatá-la… caleidoscópico. Enquanto eu entrevistava o clã Al-Qrinawi, a família me apresentou Shir Nosatzki, uma das cofundadoras do grupo israelense Você Tem Olhado para o Horizonte Ultimamente?, que promove parcerias entre judeus e árabes. Imediatamente após saber de seu resgate, seu marido, Regev Contes, gravou um vídeo de 7 minutos em hebraico para contar a história da equipe beduína de resgate para os israelenses. Segundo o relado, o vídeo teve centenas de milhares de visualizações em Israel. Eu perguntei a Nosatzki por que eles gravaram o vídeo.

 “Para mostrar que o 7 de Outubro não foi uma guerra entre judeus e árabes, mas entre a luz e a escuridão”, afirmou ela. Antes de voltarmos para Tel-Aviv, El-Sana insistiu que fôssemos ao seu restaurante de kebab favorito em Rahat. Sentados à mesa: um beduíno israelense que tinha servido na Knesset, o neto do ex-rabino-chefe de Hebron e um colunista judeu do New York Times, de Minnesota, que trabalhou como correspondente em Beirute e Jerusalém nos anos 70 e 80 — compartilhando reflexões em uma mistura maluca de hebraico, árabe e inglês. Entre os espetinhos de cordeiro e os pratos de hummus, nós chegamos à mesma conclusão: mesmo neste momento sombrio, nós tínhamos acabado de testemunhar algo enormemente importante — “sementes de coexistência na morte e na vida”, conforme colocou Burg, sementes que o Hamas se dedica a destruir. Essas sementes, acrescentou El-Sana, “deveriam nos dar esperança de que conseguiremos construir um futuro em comum com base em valores comuns que atravessam as fronteiras da etnicidade entre judeus e árabes”. Eles estão certos. 

Essas sementes, por menores que possam ser, nunca foram mais importantes do que neste momento. Por quê? Porque esta guerra Israel-Hamas, acabe quando acabar, já foi tão traumática para todos que desencadeará o maior debate desde o plano de partilha da ONU, de 1947, a respeito da forma que as relações e as fronteiras entre israelenses e palestinos devem se constituir. Eu tenho certeza disso — porque menos que isso significará guerra permanente. Eu já posso lhes dizer que haverá muitas vozes destrutivas nessa discussão: apologistas do Hamas, palestinos e árabes, que têm negado ou minimizado as atrocidades do grupo; colonos judeus supremacistas, ávidos para expandir sua presença não apenas na Cisjordânia, mas também, loucamente, até Gaza, e que não mostram nenhuma preocupação com o sofrimento devastador dos civis palestinos mortos na retaliação israelense; Binyamin Netanyahu, que sacrificará o futuro de Israel para permanecer no cargo e ficar fora da cadeia; e os idiotas úteis do Hamas no Ocidente, principalmente nas universidades, onde estudantes denunciam Israel e todo seu território como um empreendimento colonial enquanto entoam, “Do rio até o mar, a Palestina será livre”.

 (Poupem-me da explicação segundo a qual esta frase seria um apelo à coexistência: eu estava em Beirute nos anos 70 quando ela se tornou popular e posso lhes assegurar que não se tratava de um chamado por dois Estados para dois povos. E se você tem um mantra que requer 15 minutos de explicação, você precisa de outro mantra.) Com todas essas equipes de demolição esperando para trabalhar, nós precisaremos mais que nunca elevar as vozes autênticas da coexistência — líderes com a integridade desses beduínos israelenses prontos para fazer e dizer o que é certo não apenas quando a coisa não está fácil, mas também diante do perigo. O que me traz de volta à Lista Árabe Unida, de Mansour Abbas. 

 Vozes de coexistência Seu partido, falando amplamente, vem do mesmo braço da Irmandade Muçulmana na política palestina que o Hamas — mas em vez da violência e exclusão pregadas pelo Hamas, Abbas defende não violência e inclusão. Abbas foi um intermediador de poder importante para ajudar o ex-primeiro-ministro Naftali Bennett e o ex-ministro das Relações Exteriores Yair Lapid a forjar o governo israelense de unidade nacional em 2021. Netanyahu, sempre desagregador, derrubou aquele governo em parte com retóricas antiárabes e anti-islâmicas direcionadas a Abbas. Abbas entende que coexistir significa dizer o que é certo — não apenas quando é difícil politicamente, mas também quando é perigoso. Depois de ver os vídeos do ataque do Hamas, na Knesset, ele declarou à emissora de rádio árabe Al-Nas: “Eu vi um pai com dois filhos entrar no abrigo antibombas ao lado de sua casa, e jogaram uma granada dentro. 

O pai saltou sobre a granada e foi morto, e as duas crianças se feriram, mas sobreviveram. O massacre contraria tudo que acreditamos, nossa religião, nosso Islã, nossa nacionalidade, nossa humanidade”. As ações do Hamas “não representam nossa sociedade árabe, nem nosso povo palestino, nem nossa nação palestina”. Durante nossa entrevista, Abbas disse-me que nós precisamos de “uma nova retórica política” e não podemos ser atraídos para as jogadas do passado. “Essa narrativa ‘do rio ao mar’ não ajuda”, afirmou ele. “Isso é um erro. Se querem ajudar os palestinos, discutam uma solução de dois Estados e paz e segurança para todas as pessoas.” É por este motivo, acrescentou Abbas, que “eu estou trabalhando em um plano que começa com o fim da guerra atual e termina com a criação de um Estado palestino contíguo an Israel”. Abbas conhece bem as dificuldades do caminho adiante. Eu também não tenho ilusões. 

E concluo minha recente jornada com duas lições. A primeira é que esta guerra em Gaza está longe de terminar. Israel acredita que não haverá paz em Gaza enquanto o Hamas estiver no poder por lá. Mas a segunda é que, da mesma forma que a Guerra do Yom Kippur produziu o alvorecer do tratado de Camp David e da mesma forma que a desumanidade da Primeira Intifada e da reação israelense levou aos Acordos de Oslo, dos horrores do 7 de Outubro algum dia surgirá outra tentativa de construir dois Estados para estes dois povos autóctones. De outra forma, esse canto do mundo se tornará inabitável para qualquer pessoa em sã consciência. Hoje há gente demais com armas poderosas demais. E quando esse dia chegar, será necessário um construtor de pontes como Mansour Abbas — que entende a verdadeira natureza caleidoscópica dessa terra e a conexão autêntica de ambas as comunidades a ela — para germinar as sementes da coexistência que ainda estão por lá, apesar de enterradas mais profundamente que jamais estiveram. Abbas, Youssef Ziadna, a família Al-Qrinawi, Aya Medan, meus amigos Avrum, Talab e Wolf serão os resgatistas. 

TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO 

A China não é um bom exemplo para divulgação de estatísticas pelo IBGE - Simon Schwartzman

Marcio Pochman, o atual presidente maoísta do IBGE, acha que a China, que já foi muito grande e desenvolvida no passado, e que volta a sê-lo agora, e considera que o gigante asiático é um bom exemplo para as estatísticas do IBGE.

O cidadão em questão, que gostaria de voltar para antes de 1500, não passaria por um simples exame de qualificação no Comitê de Estatísticas da ONU. Vai destruir o IBGE? Talvez...

Paulo Roberto de Almeida

“A China não é um bom exemplo para o IBGE”

By Simon on Nov 23, 2023 04:30 pm

O jornal O Estado de São Paulo publicou hoje, 23/11/2023, uma entrevista minha sobre as questões de confiabilidade e divulgação dos dados do IBGE. O texto espelha razoavelmente bem a conversa telefônica que tive com o jornalista, com duas pequenas correções. Primeiro, não sou filho do jornalista Salomão Schwartzman, que era xará de meu pai. Segundo, que eu saiba, a ex-presidente do IBGE Suzana Cordeiro Guerra não foi indicada por Jair Bolsonaro, mas pelo Ministro da Economia Paulo Guedes, que no entanto não lhe deu o apoio que deveria.

Um estudo detalhado sobre a qualidade dos sistemas nacionais de estatística, publicado pelo Banco Mundial em 2019, mostra que os países mais desenvolvidos em relação a isto são a Noruega, Italia, Polônia, Austria, Eslovênia e Estados Unidos, todos com perto de 90 pontos em uma escala de 100. Nesta escala, o Brasil tem 76,8 pontos, a Índia 70,4 e a China 58,2, o que significa que nem China nem India são modelos para nós. O que a Índia tem de notável foi o grande avanço na implantação do governo digital. A China seguramente não está atrás no uso de informações digitais pelo governo, mas não é o melhor exemplo de transparência. 

Transcrevo abaixo o texto da entrevista, tal como publicado:

“A China não é um bom exemplo para o IBGE, diz o ex-presidente do instituto. Simon Schwartzman considera um equívoco o atual gestor, Marcio Pochmann, buscar no país asiático ideias para aplicar no Brasil, quando a Índia seria a melhor referência em digitalização.

O Estado de São PauloPor Carlos Eduardo Valim23/11/2023 | 14h30

O sociólogo Simon Schwartzman, filho do jornalista Salomão Schwartzman, presidiu o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre 1994 e 1998, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Na época, já defendia uma modernização da estrutura da instituição para proteger o corpo técnico da interferência política, algo que voltou a preocupar economistas e quem trabalha com dados populacionais.

A gestão do instituto está sob os holofotes desde o apagão de dados no meio do governo de Jair Bolsonaro, com o adiamento do último Censo, e agora com a escolha do economista Marcio Pochmann, filiado ao PT, para liderar o órgão.

Este último chamou atenção após, em uma palestra para funcionários do IBGE realizada no fim de outubro, defender “modernizar” a forma de divulgação dos dados da instituição e comentou que buscou exemplos de como trabalhar com pesquisas na China. Schwartzman contesta que a possibilidade de país asiático ser uma referência para o Brasil, e que o exemplo precisaria ser buscado na Índia, que digitalizou a coleta de dados de forma inovadora.

Em entrevista ao Estadão, ele também defende que o IBGE deveria receber uma autonomia operacional e administrativa similar à do Banco Central, além ter um conselho técnico que aferisse e cobrasse da instituição a adoção de padrões internacionais.

As declarações e os posicionamentos políticos de Pochmann trazem preocupação sobre a credibilidade do IBGE?

Eu não vi o texto da conferência dele, mas estou acompanhando as notícias de jornais. Claro que existe uma preocupação de algum tempo de que o IBGE precisa garantir que produz dados confiáveis. Uma coisa muito importante da estatística é que ela precisa ser reconhecida como um dado válido. E isso acontece ao se adotar padrões internacionais, como os usados pela ONU (Organização das Nações Unidas), com a mesma qualidade dos principais centros de estatística do mundo. Também é preciso ter gente com reputação técnica adequada coordenando esse processo. Isso tudo é necessário porque a sociedade não tem como aferir o detalhe técnico e se o trabalho foi feito corretamente. Então, é preciso um mecanismo que traga a garantia de aplicação das melhores práticas internacionais, o que traz confiança para investidores e para a população, e dá segurança para que se possa utilizar os dados para fazer políticas públicas.

Historicamente, os dados do IBGE não costumam ser contestados. Ele não tem este arcabouço confiável?

O IBGE sempre buscou fazer um esforço neste sentido, mas não tem uma estrutura suficientemente sólida para garantir isso. Não tem conselho técnico e um mecanismo para garantir que as melhores práticas estão sendo aplicadas. Então, ele depende muito de quem está na presidência, que é um cargo demissível. Não é uma posição protegida. Deveria ser um cargo mais técnico. O problema da credibilidade é que, quando uma pessoa vem com uma marca ideológica muito forte, já se cria um clima de desconfiança que causa muito impacto. A credibilidade é muito fundamental.

Durante sua gestão nos anos 1990, houve esforços para se adotar uma governança modernizada e a falta de apoio para isso teria sido o motivo de sua saída?

Na minha presidência, eu insisti para evoluir nisso e não consegui. Eu tentei, mas não consegui na época implementar as modificações necessárias. Continuo insistindo que é necessária essa estrutura. Nenhum governo posterior levou isso para frente.

Sem isso, a instituição ficou muito exposta a pressões políticas?

Houve situações em que o instituto ficou à mercê de pessoas com posições de ideologias muito marcadas, sem compromisso com a precisão.

O Pochmann disse que se espelhava na coleta de dados digitalizada feita pela China. Esse é um bom exemplo?

O país notável do terceiro mundo é a Índia. E todos os países da Europa Ocidental também fazem isso. A China não é um bom exemplo para o IBGE. Ela é muito fechada. A Índia é mais interessante na digitalização, e tem hoje uma população maior até do que a China. É um desafio altíssimo coletar dados lá na Índia, mas todo mundo tem identidade digital, todo mundo usa comunicação digital. Eles avançaram muitíssimo nisso.

O IBGE está muito atrás? O Pochmann também causou polêmica ao defender que a divulgação pela imprensa não seria mais tão importante se é possível divulgar mais as pesquisas pela internet. Isso faz sentido?

O IBGE já avançou muito na informação disponível na internet. Todos os sistemas são digitais, todos podem acessar. Mas a divulgação pela imprensa é importantíssima, para traduzir os dados mais importantes para a população. Não entendo qual seria a novidade que ele gostaria de trazer em relação a isso.

De todos os presidentes entre 2003 e 2019, só em 10 meses entre 2016 e 2017 não teve alguém que não era funcionário de carreira. Seria importante voltar a isso?

Eu não sei se é fundamental. Eu como presidente vim de fora. Chegar à direção vindo do corpo técnico não é essencial. A questão é que as pessoas escolhidas sejam reconhecidas na área, que entendam do tema, de estatísticas. É até bom vir alguém de fora, com uma perspectiva diferente. O problema atual não é esse. Precisaria haver um mandato e a autonomia do presidente do IBGE, como é no Banco Central. Ou, então, o gestor fica sob influência do ministro ou dependente da indicação do presidente.

Quando a gestão do IBGE perdeu a confiabilidade? A primeira indicada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, a Susana Cordeiro Guerra, vinha de fora da instituição, mas tinha boas credenciais. Por que isso não teve sequência?

Ela foi indicada pelo Bolsonaro e não recebeu apoio do Ministério da Economia quando se resolveu cortar a verba do Censo. Ela ficou entre dois fogos e não conseguiu permanecer. Ela tinha uma agenda importante de se passar a usar mais informações administrativas, geradas por outras áreas do governo, como a área fiscal e a de dados econômicos. Assim, o Brasil poderia depender menos da pesquisa de opinião e usar mais os dados administrativos de qualidade gerados. Até por causa da pandemia isso ficou mais agudo ainda. Ela queria adotar critérios para os integrar os dados administrativos aos produzidos pelo IBGE, e fez um trabalho neste sentido.

Quem produz dados administrativos relevantes?

Os ministérios da Saúde, da Educação, do Desenvolvimento Social e a Receita Federal, por exemplo. É parte do trabalho de várias áreas produzir essas informações. É preciso, então, desenvolver um processo mais organizado, para usar o que eles produzem como dados oficiais para efeito estatístico. O IBGE ainda tem um formato muito antigo, com agências localizadas em cidades do País, uma coisa dos anos 1930 e 1940, para coletar declarações das pessoas. Hoje não faz mais muito sentido, com os equipamentos de última geração e software modernos.

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Ministros da defesa da América do Sul se reunem em Brasília e decidem que está tudo em paz - Nota do Itamaraty

 Os ministros e ministras de Defesa têm certaza de que está tudo bem? Vejam este parágrafo:

 Em um momento em que outras partes do mundo enfrentam conflitos armados, instabilidade política e crescentes tensões geopolíticas, as Ministras e Ministros recordaram a visão comum, registrada no Consenso de Brasília, de que a América do Sul constitui uma região de paz e cooperação, onde prevalecem o diálogo e o respeito à diversidade, comprometida com a democracia e os direitos humanos, o desenvolvimento sustentável e a justiça social, o Estado de Direito e a estabilidade institucional, a defesa da soberania e da integridade territorial, a não interferência em assuntos internos e a solução pacífica de controvérsias.”

Poxa vida: pensei que certas ameaças pairam no ar…


Ministério das Relações Exteriores

Assessoria Especial de Comunicação Social

 

Nota nº 542

22 de novembro de 2023

 

Primeira Reunião Sul-Americana de Diálogo entre Ministros da Defesa e das Relações Exteriores

 

Aconvite dos Ministros das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, teve lugar, no Palácio Itamaraty, em 22 de novembro, a Primeira Reunião Sul-Americana de Diálogo entre Ministros da Defesa e das Relações Exteriores, ao amparo do Consenso de Brasília, adotado na Reunião de Presidentes da América do Sul, celebrada no dia 30 de maio.

O evento integra o calendário de atividades realizadas no contexto de relançamento da integração sul-americana, conforme estabelecido no Mapa do Caminho para a Integração da América do Sul, aprovado no último dia 5 de outubro.

O encontro teve por objetivo propiciar reflexões a respeito da atual conjuntura de paz e segurança internacional e regional, bem como dos elementos que deverão nortear a retomada do diálogo e da cooperação sul-americana em matéria de defesa.

Na reunião, também foram exploradas possíveis linhas de ação para o estabelecimento de diálogo regular entre os doze países sul-americanos em áreas consideradas prioritárias pelos Ministros de Defesa e Relações Exteriores. Na agenda do evento, foram realizados debates sobre temas de ajuda humanitária, segurança de fronteiras, defesa cibernética e indústria de defesa.

Adotou-se, ao final do encontro, declaração com diretrizes para a retomada do diálogo e da cooperação sul-americana em matéria de defesa, além de declaração especial sobre a questão das ilhas Malvinas. Para dar seguimento às iniciativas, também se decidiu estabelecer Rede de Contato, que permitirá manter espaço de coordenação permanente sobre os temas tratados na ocasião.

 

**********

DECLARAÇÃO DA PRIMEIRA REUNIÃO SUL-AMERICANA DE DIÁLOGO ENTRE MINISTROS DA DEFESA E DAS RELAÇÕES EXTERIORES

1. As Ministras e Ministros da Defesa e das Relações Exteriores e os representantes dos países da América do Sul reuniram-se em Brasília, em 22 de novembro de 2023, com o objetivo de realizar a "Primeira Reunião Sul-Americana de Diálogo entre as Ministras e Ministros da Defesa e das Relações Exteriores", com base no mandato conferido pelos Presidentes da América do Sul no Consenso de Brasília, em 30 de maio, e no Mapa do Caminho para a Integração da América do Sul, adotado em 5 de outubro.

2. Em um momento em que outras partes do mundo enfrentam conflitos armados, instabilidade política e crescentes tensões geopolíticas, as Ministras e Ministros recordaram a visão comum, registrada no Consenso de Brasília, de que a América do Sul constitui uma região de paz e cooperação, onde prevalecem o diálogo e o respeito à diversidade, comprometida com a democracia e os direitos humanos, o desenvolvimento sustentável e a justiça social, o Estado de Direito e a estabilidade institucional, a defesa da soberania e da integridade territorial, a não interferência em assuntos internos e a solução pacífica de controvérsias.

3. Nesse contexto, reafirmaram seu compromisso de retomar o diálogo regular sobre temas de interesse estratégico para a região, com o objetivo de consolidar um espaço de concertação e diálogo que permita fortalecer a confiança mútua e aperfeiçoar a coordenação e a cooperação diante de eventuais desafios e ameaças à segurança enfrentados pela região, baseados no respeito à soberania de cada país e nos princípios de autodeterminação, integridade territorial e não intervenção.

4. Reconhecendo a importância de uma abordagem abrangente para a segurança que leve em conta a natureza multidimensional dos desafios de segurança na região, as Ministras e Ministros mencionaram, como foco inicial de atenção, as seguintes áreas prioritárias: avaliação da conjuntura de paz e segurança internacional e regional; intercâmbio de melhores práticas em defesa cibernética; intercâmbio de experiências em ajuda humanitária, bem como prevenção e resposta a desastres; cooperação em indústrias de defesa; diálogo regular entre as Ministras e Ministros da Defesa e das Relações Exteriores, entre outras.

5. Levando em conta os pontos 8 e 9 do Mapa do Caminho para a Integração da América do Sul, acordaram:

a) realizar edições das Reuniões Sul-Americanas de Diálogo entre Ministras e Ministros da Defesa e das Relações Exteriores pelo menos uma vez por ano;

b) estabelecer uma Rede de Contatos composta por representantes dos Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores de cada país para aprofundar a cooperação em áreas de interesse prioritário. Salvo decisão em contrário, a presidência rotativa do Consenso de Brasília atuará como facilitadora da Rede;

c) a Rede de Contatos manterá um diálogo regular e se reunirá, presencial ou virtualmente, quantas vezes sejam necessárias para avançar nas decisões adotadas no contexto das Reuniões Sul-Americanas de Diálogo entre Ministras e Ministros da Defesa e das Relações Exteriores. Grupos de trabalho ad hoc poderão ser criados para tratar temas específicos.


quinta-feira, 23 de novembro de 2023

ADB deve renovar sua diretoria, com a renúncia da presidente - Maria Celina de Azevedo Rodrigues

 Carta aos colegas [de Maria Celina de Azevedo Rodrigues, ex-presidente da ADB]

Representar os interesses de mais de 1.600 afiliados espalhados no território nacional e além-fronteiras foi um extraordinário desafio por mim enfrentado. Tive nessa empreitada a colaboração e a solidariedade de uma excepcional Diretoria, belo exemplo de diversidade, integrada por diplomatas capacitados e generosos que, assim como eu, dedicaram tempo e empreenderam incansáveis esforços para a valorização da carreira e, principalmente, para que melhores condições de trabalho fossem alcançadas para todos.

Por três mandatos consecutivos, busquei cumprir com a promessa lançada quando assumi a liderança da ADB: atuar não somente para solidificar e proteger a nossa carreira e os seus integrantes, mas também para resguardar e promover o Brasil no exterior – funções essenciais do diplomata.

Na minha carreira, superei diversos desafios. Conheci nações e seus povos, vivi e estudei novas culturas e aperfeiçoei meu trabalho como diplomata de forma a defender o nosso país e as necessidades de brasileiros e brasileiras lá fora. Em Bogotá, Cairo e Paris, servi ao Brasil com o mesmo entusiasmo. Foi também com energia e compromisso que, em 2018, encarei como uma nova missão a minha eleição à presidência da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB/Sindical), entidade que ajudei a criar e da qual fui a primeira presidente, no início dos anos 1990.

Passamos por intempéries nesse período, mas acumulamos muitas vitórias. Atenta a temas de interesse da categoria, a ADB conseguiu fincar um posicionamento coeso em pautas como a PEC 34/21, que prevê que parlamentares possam chefiar missões diplomáticas sem a perda do mandato no Legislativo. 

Explicamos incansavelmente por que o teto salarial constitucional não deve ser aplicado de modo linear em Reais aos servidores em exercício no exterior. Realçamos as peculiaridades de nossa vida funcional nos países mais diversos. Procuramos mostrar as repercussões da opção profissional que escolhemos e os seus impactos para as nossas famílias, filhos e sua educação ao longo dos anos e das mudanças de cultura e de costumes. As adaptações não se restringem ao exterior: são exigidas aqui mesmo, em Brasília. A partir dessa constatação e do imperativo de buscar mitigar esses impactos, temos um Memorandum de Entendimento com a Creche do Ministério da Saúde, que tantos benefícios traz para os nossos servidores.

Lutamos pela concessão de auxílio-educação para servidores com filhos em idade escolar no exterior, em linha com a prática de outras chancelarias e do sistema da ONU, bem como por melhor assistência médica e maior segurança no exercício de nossa missão em defesa dos interesses do Brasil em solo estrangeiro. 

Entre as inúmeras gestões junto à administração, destaca-se a recente e ousada proposta encaminhada à Administração de revisão do nível salarial do diplomata, tanto no Brasil quanto no exterior, que visa corrigir a defasagem salarial dos integrantes da carreira em comparação com outras carreiras típicas de Estado.

Além dos aspectos funcionais, temos procurado também trazer benefícios no dia a dia de todos, como o convênio celebrado com escolas para filhos dos diplomatas no Brasil e com a Fundação Visconde de Cabo Frio que, entre outros serviços, oferece extenso apoio para colegas removidos, tanto na chegada quanto na partida.

Conseguimos avançar igualmente em outras frentes importantíssimas, como o mapeamento do perfil dos diplomatas para o real entendimento da diversidade na carreira, estudo hoje concluído. Vamos entregá-lo à Chefia da Casa e dar acesso aos associados na próxima semana. 

Defendemos o diplomata e o seu papel como funcionário de Estado. Falamos incansavelmente com a imprensa, instituição essencial nas democracias. Procuramos, a diretoria da ADB e eu mesma, informar sobre o que fazemos e defender as posições de interesse da carreira.

Passamos por períodos nos quais valorizar os aspectos democráticos do País foi não só um posicionamento institucional, mas também um imperativo para assegurar à sociedade brasileira sobre os princípios maiores que regem a atuação diplomática.

Situações inesperadas, como guerras e pandemia, exigiram de nós coragem e grandes iniciativas no sentido de dar à sociedade brasileira a confiança de contar inteiramente com nossos serviços. Divulgar nossa atuação de forma clara e desmistificada só nos aproximou da sociedade. Engajamo-nos na resposta ao clamor dos brasileiros mais necessitados mediante distribuição de cestas básicas nos locais mais pobres nos arredores de Brasília. Essa aproximação com a sociedade foi realizada graças ao excelente relacionamento que construímos com o respeitado universo do jornalismo brasileiro.

Resistimos à tormenta e, agora, deixamos uma ADB mais fortalecida e pronta para o que está por vir.  Eu, meus colegas da Diretoria e do Conselho Fiscal entendemos que é hora de dar espaço para o novo, para que novas ideias capazes de galvanizar a energia e inteligência dos que acreditam que o Itamaraty forte é elemento essencial para um Brasil mais justo e soberano.

A Casa, como carinhosamente muitos chamamos a instituição que nos acolhe, deve contar sempre com diplomatas que atuem com excelência e angariem o respeito da sociedade brasileira e da comunidade internacional.

Despeço-me da ADB com um sincero agradecimento a todos, particularmente aos meus colegas – e hoje amigos – das diversas Diretorias com as quais convivi pelo seu incansável apoio e dedicação.

Despeço-me também com a alegria e, sobretudo, a certeza de ter lutado por todos, com os recursos possíveis e sempre estimulando diretores, jovens ingressos na carreira, além dos mais experientes, durante todos os dias de minha atuação à frente da ADB/Sindical.

Levo comigo o bem maior que juntos construímos nesta gestão: 

#ORGULHO DE SER DIPLOMATA.


Maria Celina de Azevedo Rodrigues

Embaixadora

Presidente da ADB/Sindical

Não li, mas não gostei: a mentalidade censória das ditaduras: Izabella Tabarovsky sobre Pasternak e outros (WSJ)

 Vocês conhecem a origem da frase "Não li e não gostei"? Sabem de onde vem?

Pois é da campanha odiosa levada contra o escritor "soviético" Boris Pasternak, que acabava de ser contemplado com o Prêmio Nobel de Literatura, por seu famoso Doutor Jivago (publicado em italiano pela primeira vez em 1958, por ser considerado "anti-soviético" na "pátria do Socialismo") e objeto de recriminações "populares" feita pela União dos Escritores Soviéticos. 

A frase soviética era “ne chital, no osuzhdayu”— ou seja “não li, mas desaprovo”. 

Este meu blog também é cultura. Mas, leiam o artigo desta russa no Tablet, republicado no Wall Street Journal deste domingo, o jornal mais capitalista que existe.

Paulo Roberto de Almeida 

Uma postagem antiga no Diplomatizzando, relembrada por Daniel Pinto.

domingo, 21 de junho de 2020

A mentalidade soviética nos EUA, de Pasternak a George Floyd - Izabella Tabarovsky (Wilson Center, WSJ)






The American Soviet Mentality
Collective demonization invades our culture
BY

THE WALL STREET JOURNAL, JUNE 15, 2020
THE AMERICAN SOVIET MENTALITY

Russians are fond of quoting Sergei Dovlatov, a dissident Soviet writer who emigrated to the United States in 1979: “We continuously curse Comrade Stalin, and, naturally, with good reason. And yet I want to ask: who wrote four million denunciations?” It wasn’t the fearsome heads of Soviet secret police who did that, he said. It was ordinary people.
Collective demonizations of prominent cultural figures were an integral part of the Soviet culture of denunciation that pervaded every workplace and apartment building. Perhaps the most famous such episode began on Oct. 23, 1958, when the Nobel committee informed Soviet writer Boris Pasternak that he had been selected for the Nobel Prize in literature—and plunged the writer’s life into hell. Ever since Pasternak’s Doctor Zhivago had been first published the previous year (in Italy, since the writer could not publish it at home) the Communist Party and the Soviet literary establishment had their knives out for him. To the establishment, the Nobel Prize added insult to grave injury.
Within days, Pasternak was a target of a massive public vilification campaign. The country’s prestigious Literary Newspaper launched the assault with an article titled “Unanimous Condemnation” and an official statement by the Soviet Writers’ Union—a powerful organization whose primary function was to exercise control over its members, including by giving access to exclusive benefits and basic material necessities unavailable to ordinary citizens. The two articles expressed the union’s sense that in view of Pasternak’s hostility and slander of the Soviet people, socialism, world peace, and all progressive and revolutionary movements, he no longer deserved the proud title of Soviet Writer. The union therefore expelled him from its ranks.
A few days later, the paper dedicated an entire page to what it presented as the public outcry over Pasternak’s imputed treachery. Collected under the massive headline “Anger and Indignation: Soviet people condemn the actions of B. Pasternak” were a condemnatory editorial, a denunciation by a group of influential Moscow writers, and outraged letters that the paper claimed to have received from readers.
The campaign against Pasternak went on for months. Having played out in the central press, it moved to local outlets and jumped over into nonmedia institutions, with the writer now castigated at obligatory political meetings at factories, research institutes, universities, and collective farms. None of those who joined the chorus of condemnation, naturally, had read the novel—it would not be formally published in the USSR until 30 years later. But that did not stop them from mouthing the made-up charges leveled against the writer. It was during that campaign that the Soviet catchphrase “ne chital, no osuzhdayu”—“didn’t read, but disapprove”—was born: Pasternak’s accusers had coined it to protect themselves against suspicions of having come in contact with the seditious material. Days after accepting the Nobel Prize, Pasternak was forced to decline it. Yet demonization continued unabated.
Some of the greatest names in Soviet culture became targets of collective condemnations—composers Dmitry Shostakovich and Sergei Prokofiev; writers Anna Akhmatova and Iosif Brodsky; and many others. Bouts of hounding could go on for months and years, destroying people’s lives, health and, undoubtedly, ability to create. (The brutal onslaught undermined Pasternak’s health. He died from lung cancer a year and a half later.) But the practice wasn’t reserved for the greats alone. Factories, universities, schools, and research institutes were all suitable venues for collectively raking over the coals a hapless, ideologically ungrounded colleague who, say, failed to show up for the “voluntary-obligatory,” as a Soviet cliché went, Saturday cleanups at a local park, or a scientist who wanted to emigrate. The system also demanded expressions of collective condemnations with regards to various political matters: machinations of imperialism and reactionary forces, Israeli aggression against peaceful Arab states, the anti-Soviet international Zionist conspiracy. It was simply part of life.
Twitter has been used as a platform for exercises in unanimous condemnation for as long as it has existed. Countless careers and lives have been ruined as outraged mobs have descended on people whose social media gaffes or old teenage behavior were held up to public scorn and judged to be deplorable and unforgivable. But it wasn’t until the past couple of weeks that the similarity of our current culture with the Soviet practice of collective hounding presented itself to me with such stark clarity. Perhaps it was the specific professions and the cultural institutions involved—and the specific acts of writers banding together to abuse and cancel their colleagues—that brought that sordid history back.
On June 3, The New York Times published an opinion piece that much of its progressive staff found offensive and dangerous. (The author, Republican Sen. Tom Cotton, had called to send in the military to curb the violence and looting that accompanied the nationwide protests against the killing of George Floyd.) The targets of their unanimous condemnation, which was gleefully joined by the Twitter proletariat, which took pleasure in helping the once-august newspaper shred itself to pieces in public, were New York Times’ opinion section editor James Bennet, who had ultimate authority for publishing the piece, though he hadn’t supervised its editing, and op-ed staff editor and writer Bari Weiss (a former Tablet staffer).
Weiss had nothing to do with editing or publishing the piece. On June 4, however, she posted a Twitter thread characterizing the internal turmoil at the Times as a “civil war” between the “(mostly young) wokes” who “call themselves liberals and progressives” and the “(mostly 40+) liberals” who adhere to “the principles of civil libertarianism.” She attributed the behavior of the “wokes” to their “safetyism” worldview, in which “the right of people to feel emotionally and psychologically safe trumps what were previously considered core liberal values, like free speech.”
It was just one journalist’s opinion, but to Weiss’ colleagues her semi-unflattering description of the split felt like an intolerable attack against the collective. Although Weiss did not name anyone in either the “woke” or the older “liberal” camp, her younger colleagues felt collectively attacked and slandered. They lashed out. Pretty soon, Weiss was trending on Twitter.
As the mob’s fury kicked into high gear, the language of collective outrage grew increasingly strident, even violent. Goldie Taylor, writer and editor-at-large at The Daily Beast, queried in a since-deleted tweet why Weiss “still got her teeth.” With heads rolling at the Times—James Bennet resigned, and deputy editorial page editor James Dao was reassigned to the newsroom—one member of the staff asked for Weiss to be fired for having bad-mouthed “her younger newsroom colleagues” and insulted “all of our foreign correspondents who have actually reported from civil wars.” (It was unclear how she did that, other than having used the phrase “civil war” as a metaphor.)
Mehdi Hasan, a columnist with the Intercept, opined to his 880,000 Twitter followers that it would be strange if Weiss retained her job now that Bennet had been removed. He suggested that her thread had “mocked” her nonwhite colleagues. (It did not.) In a follow-up tweet Hasan went further, suggesting that to defend Weiss would make one a bad anti-racist—a threat based on a deeply manipulated interpretation of Weiss’ post, yet powerful enough to stop his followers from making the mistake.
All of us who came out of the Soviet system bear scars of the practice of unanimous condemnation, whether we ourselves had been targets or participants in it or not. It is partly why Soviet immigrants are often so averse to any expressions of collectivism: We have seen its ugliest expressions in our own lives and our friends’ and families’ lives. It is impossible to read the chastising remarks of Soviet writers, for whom Pasternak had been a friend and a mentor, without a sense of deep shame. Shame over the perfidy and lack of decency on display. Shame at the misrepresentations and perversions of truth. Shame at the virtue signaling and the closing of rank. Shame over the momentary and, we now know, fleeting triumph of mediocrity over talent.
It is also impossible to read them without the nagging question: How would I have behaved in their shoes? Would I, too, have succumbed to the pressure? Would I, too, have betrayed, condemned, cast a stone? I used to feel grateful that we had left the USSR before Soviet life had put me to that test. How strange and devastating to realize that these moral tests are now before us again in America.
In a collectivist culture, one hoped-for result of group condemnations is control—both over the target of abuse and the broader society. When sufficiently broad levels of society realize that the price of nonconformity is being publicly humiliated, expelled from the community of “people of goodwill” (another Soviet cliché) and cut off from sources of income, the powers that be need to work less hard to enforce the rules.
But while the policy in the USSR was by and large set by the authorities, it would be too simplistic to imagine that those below had no choices, and didn’t often join in these rituals gladly, whether to obtain some real or imagined benefit for themselves, or to salve internal psychic wounds, or to take pleasure in the exercise of cruelty toward a person who had been declared to be a legitimate target of the collective.
According to Olga Ivinskaya, who was Pasternak’s lover and companion during those years, the party brass, headed by Nikita Khrushchev, was only partly to blame for the nonpublication of Doctor Zhivago. The literary establishment played an important role as well. Reading over her recollections of the meetings at the Writers’ Union, it is hard not to suspect that some of its members were motivated not so much by fear of reprisals or ideological fervor but by simple conformity and professional jealousy. Some, I imagine, would have only been too happy to put spokes in the wheels of a writer whose novel—banned at home, but published abroad—was being translated into dozens of languages and who had been awarded the world’s most prestigious literary prize.
For the regular people—those outside prestigious cultural institutions—participation in local versions of collective hounding was not without its benefits, either. It could be an opportunity to eliminate a personal enemy or someone who was more successful and, perhaps, occupied a position you craved. You could join in condemning a neighbor at your cramped communal flat, calculating that once she was gone, you could add some precious extra square meters to your living space.
And yet even among this dismal landscape, there were those who refused to join in this ugly rite. A few writers, for example, refused to participate in demonizing Pasternak. And is it karma or just a coincidence that most of these people—many of them dissidents, who were outside the literary establishment—remain beloved among Russian readers today, while the writings of the insiders, ones who betrayed and condemned, have been forgotten?
The mobs that perform the unanimous condemnation rituals of today do not follow orders from above. But that does not diminish their power to exert pressure on those under their influence. Those of us who came out of the collectivist Soviet culture understand these dynamics instinctively. You invoked the “didn’t read, but disapprove” mantra not only to protect yourself from suspicions about your reading choices but also to communicate an eagerness to be part of the kollektiv—no matter what destructive action was next on the kollektiv’s agenda. You preemptively surrendered your personal agency in order to be in unison with the group. And this is understandable in a way: Merging with the crowd feels much better than standing alone.
Those who remember the Soviet system understand the danger of letting the practice of collective denunciation run amok. But you don’t have to imagine an American Stalin in the White House to see where first the toleration, then the normalization, and now the legitimization and rewarding of this ugly practice is taking us.
Americans have discovered the way in which fear of collective disapproval breeds self-censorship and silence, which impoverish public life and creative work. The double life one ends up leading—one where there is a growing gap between one’s public and private selves—eventually begins to feel oppressive. For a significant portion of Soviet intelligentsia (artists, doctors, scientists), the burden of leading this double life played an important role in their deciding to emigrate.
Those who join in the hounding face their own hazards. The more loyalty you pledge to a group that expects you to participate in rituals of collective demonization, the more it will ask of you and the more you, too, will feel controlled. How much of your own autonomy as a thinking, feeling person are you willing to sacrifice to the collective? What inner compromises are you willing to make for the sake of being part of the group? Which personal relationships are you willing to give up?
From my vantage point, this cultural moment in these United States feels incredibly precarious. The practice of collective condemnation feels like an assertion of a culture that ultimately tramples on the individual and creates an oppressive society. Whether that society looks like Soviet Russia, or Orwell’s Nineteen Eighty-Four, or Castro’s Cuba, or today’s China, or something uniquely 21st-century American, the failure of institutions and individuals to stand up to mob rule is no longer an option we can afford.

Izabella Tabarovsky is a researcher with the Kennan Institute at the Wilson Center focusing on the politics of historical memory in the former Soviet Union.