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sábado, 11 de maio de 2013

A luta armada no Brasil: depoimento de um quase combatente (5) - Paulo Roberto de Almeida

Continuação do post anterior

A luta armada no Brasil: depoimento de um quase combatente (5)
 Paulo Roberto de Almeida

(...)

Nessa altura do meu itinerário europeu, eu já havia deixado de ser um candidato a “revolucionário profissional” – se é que o fui – para me tornar apenas um socialista reformista, desses que podiam debater o ridículo que era a posição dos eurocomunistas – ainda defendendo o que restava de socialismo real – e proclamar, por outro lado, as virtudes do socialismo moderado, à la francesa (ou seja, ainda com muita estatização, vários controles sociais e todas as bobagens que os socialistas são capazes de cometer).
O importante, na verdade, não era tanto a crença do momento, mas o sentido da busca, constante, incessante, regular e intensa, nos livros, nas discussões acadêmicas de qualidade, a pesquisa sobre as melhores formas de organizar a economia e a sociedade, sem sacrificar a liberdade e a democracia. Mas, cabe registrar que estas mesmas palavras ainda revelam o viés indisfarçável do autoritarismo em semente, ou residual: “organizar a economia”, como se ela não pudesse existir sem as “correções estatais” aos “mercados anárquicos”, “melhorar a sociedade”, enfim, todo um resquício de engenharia social, típicas de todos os socialistas e estatizantes, concepções das quais eu só iria me libertar quando engajei uma pesquisa séria para o doutorado.
Dei início a um doutorado no final de 1976, depois de uma graduação e de um mestrado feitos sem muitos cuidados propriamente acadêmicos, mas com extremo autodidatismo e um grande sentido de responsabilidade, na elaboração do “Mémoire de Licence” (sobre a ideologia e a política do desenvolvimento brasileiro, de 1945 a 1964) e da dissertação de mestrado (sobre o comércio exterior brasileiro sob o impacto das políticas dos anos 1960 e do primeiro choque do petróleo, em 1973). O projeto de tese, centrado na noção de “revolução burguesa”, ainda era razoavelmente poulantziano e intensamente florestânico, já que a intenção era “provar”, com Florestan ou sem ele, que o capitalismo no Brasil tendia para o autoritarismo e para as desigualdades estruturais (ainda que eu não acreditasse muito nessa história de dependência, que sempre achei uma espécie de revisionismo mal feito do marxismo). Mas a tese de doutorado ficaria temporariamente interrompida, pois, depois de quase sete anos de exterior, planejei voltar ao Brasil, num momento em que as promessas de abertura feitas pelo general Geisel pareciam reais e sinceras.
Logo depois de minha volta, em fevereiro ou março de 1977, sobreveio o “golpe de abril”, com novo fechamento do Congresso, novas cassações e mais um curto ciclo repressivo – inclusive com a tentativa de golpe do general Frota – antes da gradual abertura preparada por Geisel e aplicada, erraticamente, por Figueiredo. Eu já estava no Brasil, e mesmo que pretendesse, ainda, “derrubar a ditadura”, já não se tratava mais de decretar a ditadura do proletariado e construir o socialismo, e sim administrar um reformismo avançado nos quadros de um capitalismo possível, ou seja, com todas as contradições que a economia de mercado possui num país altamente estatizado como era o Brasil. Sim, a despeito de ser ainda um socialista moderado, minhas inclinações anarquistas e libertárias me faziam ser contra um papel muito preeminente para o Estado, justamente por ter assistido às misérias do Estado todo poderoso nos tristes e lamentáveis experimentos da Europa oriental e da União Soviética (eu tinha poucas informações sobre a China, nessa época, pois ela se tinha fechado para a Revolução Cultural durante quase toda a década, mas conhecia os livros de Alain Peyrefitte e de Simon Leis, sobre as realidades detrás da “cortina de bambu”).
Não é o caso de refazer aqui, esta parte de meu itinerário acadêmico e profissional, dominado pelo ingresso na carreira diplomática e pela retomada do doutoramento, já num sentido completamente diferente daquele traçado no projeto original, inclusive porque isso seria um tanto enfadonho e nos desviaria do debate sobre o tema selecionado para este ensaio: uma reflexão sobre a luta armada e seu peso, ainda hoje, na política brasileira contemporânea. Interrompo, portanto, a descrição de minha jornada intelectual em direção a uma modesta racionalidade instrumental e retomo a discussão sobre um dos mais importantes elementos de anomia na atual situação política brasileira: a tentativa que fazem os derrotados de 1964, de 1968 e do início dos anos 1970 – entre os quais eu poderia facilmente me incluir, se não tivesse esse sentido de autocrítica que parece faltar a certos personagens da política atual – de retornar ao passado para se vingar de quem os impediu de perpetrar seus projetos de engenharia social (e de miséria moral, nos campos político e social).

Continua... 

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