EUA tendem a privilegiar Índia e não Brasil ao doar vacinas, diz Ricupero
Embaixador e conselheiro emérito do Cebri diz na Live do Valor que Brasil tem chances, mas "governo não ajuda", enquanto Índia é considerada estratégica pelos americanos
Por Gabriel Vasconcelos, Valor — Rio
27/04/2021 12h57 Atualizado há 59 minutos
O embaixador e conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Rubens Ricupero, afirma que o Brasil tem chances, mas está muito mal posicionado para receber excedente de vacinas contra covid-19 a ser doado pelos Estados Unidos. "O governo não ajuda", resume o diplomata, que já atuou em Washington. Ricupero analisou o cenário na Live do Valor desta terça-feira.
Ricupero afirma que há muito pouco excedente de vacinas no mundo, a maior parte restrita aos Estados Unidos, além de volumes pouco significativos em países menores, como Israel e Emirados Árabes Unidos.
"O que há de excedente de vacinas no mundo é muito pouco. Mesmo nos Estados Unidos, o que há de concreto são 10 milhões de doses da AstraZeneca. O resto [outras 50 milhões de doses] são estimativas de produção futura, de maio e junho", diz. Na visão do embaixador, no entanto, a doação de imunizantes pelos EUA é movimento em "franca evolução".
"Os americanos resistiram muito à ideia de exportar vacina enquanto toda a sua população não fosse vacinada. Mas agora isso mudou, embora ainda não esteja muito claro como vai acontecer. No início deram a impressão de que privilegiariam o consórcio Covax Facility, da OMS. Agora devem usar isso como instrumento de influência diplomática direta", diz Ricupero. Para ele, os EUA devem aderir à noção de diplomacia da vacina, praticada desde o início da crise por nações como China e Índia.
A Índia, que permitiu exportação de vacinas prontas e insumos no início, teria se arrependido com o agravamento da crise e registros diários de 350 mil novos casos de covid-19. O país, na visão de Ricupero, será o principal beneficiário das doações norte-americanas.
"Os Estados Unidos devem privilegiar a Índia na doação de vacinas. Essa preferência tem componente de geoestratégia", diz o diplomata ao citar a aliança dos EUA com Índia, Japão e Austrália, com quem formam o Grupo Quad (quadrilátero) na região do indo-pacífico a fim de fazer frente à China. "Já o Brasil não tem tanta importância estratégica e isso pesa", afirma Ricupero.
Mesmo assim, ele acredita que o Brasil tem chances por razões estruturais, embora tenha dinamitado o "componente de simpatia". "O Brasil é um país do hemisfério ocidental, tem relações fortes e históricas com os EUA e se qualifica pela dimensão do desastre sanitário. Mas o governo não ajuda."
Ricupero menciona, ainda, que o Brasil pode comprar ou permutar vacinas com os EUA diferentemente de países mais pobres, como os africanos. A estratégia já teria sido vocalizada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que mantém contato com autoridades americanas e já teria dado como opção o pagamento ou adiantamento de doses a serem repostas posteriormente com o avanço da produção brasileira para uso diplomático dos EUA.
A entrevista, conduzida pelas repórteres Marsílea Gombata, da editoria Internacional, Daniela Chiaretti, especial de meio ambiente, do Valor em São Paulo, pode ser assistida na íntegra pelo site e pelas páginas do Valor no YouTube e no LinkedIn.
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