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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 23 de novembro de 2024

Bolsonaro e o bolsonarismo - Augusto de Franco (Revista Identidade Democrática)

Bolsonaro e o bolsonarismo

E o perigo que atualmente representam para a democracia

Bolsonaro e o bolsonarismo são expressões do populismo-autoritário ou nacional-populismo - dito de extrema-direita - que floresceu mais amplamente na segunda década do século 21. 

Na Itália, inicialmente, com Bepe Grillo e Gianroberto Casaleggio do movimento 5 Stelle, Matteo Salvini com a Lega Nord (e, depois, Lega per Salvini Premier) até chegar à forma, hoje mais moderada, de Giorgia Meloni, do Fratelli d'Italia. 

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Na Polônia com os irmãos Lech e Jaroslaw Kaczynski e, depois, com Andrzej Duda, do partido Lei e Justiça. Na Hungria com Viktor Orbán, do Fidesz. Na Turquia, com Recep Erdogan, do partido Justiça e Desenvolvimento. Na França, com Marine Le Pen, da Rassemblement National. No Reino Unido, com Nigel Farage, do Reform UK e o movimento do Brexit. Nos Estados Unidos, com Donald Trump e o movimento MAGA, que colonizou o partido Republicano. Na Alemanha, com Tino Chrupalla e Alice Weidel, com a AFD - Alternativa para a Alemanha. Na Holanda, com Geert Wilders, do Partido para a Liberdade. Na Finlândia, com Riika Purra, do partido Verdadeiros Finlandeses. Em El Salvador com Nayib Bukele, do Nuevas Ideas. Em Israel, com Benjamin Netanyahu, do Likud, em aliança com supremacistas como Bezalel Smotrich do Partido Sionista Religioso e Itamar Ben-Gvir do partido Poder Judaico. Em Portugal, com André Ventura, do Chega. Na Espanha, com Santiago Abascal, do Vox. No Brasil, com Jair Bolsonaro e o movimento olavista-bolsonarista. 

Ocupam posições especiais (com alguns casos ainda em exame): na Índia, Narendra Modi, do Partido do Povo Indiano, com seu projeto autocrático, de fundo mítico-religioso, chamado Bharat; na Argentina, Javier Milei, do Partido Libertário; na Eslováquia, Roberto Fico, do Smer, que embora seja dito de esquerda, virou quase um fantoche de Putin.

Desses todos, estão atualmente no governo apenas nove atores: Orbán, Erdogan, Meloni, Netanyahu, Bukele, Modi, Fico, Milei e Trump (a partir de 2025). 

Quase todos esses foram apoiados ou estimulados por Vladimir Putin, do partido Rússia Unida - que não se enquadra bem como direita ou esquerda.

Pois Putin também apoia ou estimula: a) ditadores de esquerda, ditos socialistas, como Xi Jinping da China, Kim Jong-un da Coreia do Norte, Minh Chính do Vietnam, Díaz-Canel de Cuba, Nicolás Maduro da Venezuela, Daniel Ortega da Nicarágua, Sonexay Siphandone do Laos; b) ditadores islâmicos, como Ali Khamenei do Irã, Bashar al-Assad da Síria; c) ditadores seculares, como Alexander Lukashenko da Bielorrussia, Paetongtarn Shinawatra da Tailândia; e d) neopopulistas ditos de esquerda - não autoritários, mas também não-liberais - como Obrador e Sheinbaum do México, Xiomara e Manuel Zelaya de Honduras, Gustavo Petro da Colômbia, Lula da Silva do Brasil, Cyril Ramaphosa da África do Sul e, talvez, Prabowo Subianto da Indonésia.

Pode-se dizer que Bolsonaro surfou na onda do populismo-autoritário, mas que ele - em si - é apenas um oportunista eleitoreiro reacionário, um passadista saudoso da ditadura militar e de seus métodos truculentos e anacrônicos. Não fosse o olavismo, o bolsonarismo não teria nenhuma substância ideológica considerável (o que era a opinião do próprio Olavo de Carvalho).

O fato de Bolsonaro e seus seguidores, civis e, sobretudo, militares, tramarem um golpe de Estado à moda antiga, com fechamento de instituições pela força bruta e, ao que se diz, planejamento de assassinato de representantes eleitos, não se coaduna com o comportamento da imensa maioria dos populistas-autoritários atuais, listados acima. Seus métodos para chegar ao poder e nele se manter são outros, por erosão democrática, com o desmonte dos sistemas de freios e contrapesos das democracias que parasitam.

O golpe bolsonarista, embora tenha sido planejado e intentado, tinha pouquíssimas chances de se concretizar e perdurar (caso tivesse sucesso). Em primeiro lugar porque não havia força político-militar para tanto (como ficou demonstrado). Em segundo lugar porque a maioria do sistema político - mesmo a sua parcela governista - não o apoiava (porque seria um suicídio para quem vive do jogo eleitoral). Em terceiro lugar porque não haveria apoio internacional para a aventura esdrúxula.

Evidentemente, os golpistas bolsonaristas devem responder pelos seus crimes. Mas essa é uma tarefa da polícia, do ministério público e da justiça e não da política, na medida em que a ameaça de golpe de Estado não existe mais na atualidade. Tratar o assunto como se a ameaça fosse atual e esticar os processos judiciais com o fito de colher vantagens eleitorais em 2026 é a pior coisa que se pode fazer agora. Significa investir, por mais dois anos, na polarização tóxica que está dilacerando a sociedade brasileira.

O "perigo" que o bolsonarismo representa, no curto prazo, é apenas o de seus próceres, antigos ou novos, vencerem as próximas eleições. Mas tirar o PT do poder pelo voto, em eleições limpas, não é golpe de Estado: faz parte do jogo democrático. Tentar impedir isso com artimanhas político-judiciais, restringindo direitos políticos e liberdades civis (como a liberdade de expressão: aparelhando os meios de comunicação profissionais e praticando censura prévia nas mídias sociais), terá como efeito inevitável acelerar um processo de autocratização do nosso regime político.

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Bestializado: os brasileiros e o G20 - Simon Schwartzman (Estadão)

 Bestializado

By Simon Schwartzman on Nov 22, 2024 07:19 am

(Versão modificada de artigo publicado em O Estado de São Paulo, 22 de novembro de 2024)

José Murilo de Carvalho, em “Os bestializados”, lembra como como o povo do Rio de Janeiro, sem saber do que se tratava,  assistiu à mobilização dos militares que implantaram a República em 1889. Foi assim que me senti ao acompanhar de perto, na Zona Sul do Rio de Janeiro, as grandes movimentações da reunião G20, só comparáveis às da Olimpíada e da Copa do Mundo em 2014 e 2016. Mais uma vez o Brasil, e especialmente o Rio de Janeiro,  se colocavam no centro do mundo, e eu, tão pertinho, não havia sido convidado…

Não é que o povo, desta vez, tivesse ficado totalmente de fora. A Cúpula Social do G20, alguns dias antes, contou com a presença de milhares de participantes de 271 entidades da sociedade civil, que em três dias aprovaram um documento que foi encaminhado ao Presidente Lula para ser incluído na pauta da reunião. Além disso, inúmeros grupos de trabalho e de engajamento foram mobilizados, e a declaração final foi um documento com 85 recomendações e compromissos assinados pelos chefes de estado das maiores economias do mundo, sob a coordenação do governo brasileiro. A proposta de taxação das grandes fortunas não foi aprovada, mas em compensação ficou registrada a criação da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza. Fala-se em mais de 40 bilhões de dólares a serem mobilizados até 2030, com recursos já existentes em agências como o Banco Interamericano de Desenvolvimento e outros a serem levantados. Para gerenciar a aliança, o Brasil desde já vai financiar a instalação de um escritório em Brasília e outro em Roma. Um grande sucesso, e mais uma vez não só a Europa, como o mundo, se curvam diante do Brasil

Será? Criado 25 anos atrás como um fórum para lidar com as crises financeiras internacionais, reunindo ministros de finanças e presidentes de bancos centrais das grandes potências e países emergentes, o G20 evoluiu para uma reunião anual de chefes de Estado e de Governo, tendo como prioridade o fortalecimento da governança internacional da economia, mas ampliando a agenda para temas como crescimento sustentável, redução da pobreza e desigualdade e clima.  Na reunião do Rio de Janeiro predominou a ideia de que ela deveria contribuir para a instalação de uma nova ordem internacional, baseada no consenso e na participação ampla de países do “sul global” e da sociedade civil, que substituiria a ordem criada depois da Segunda Guerra, com as Nações Unidas, o FMI e o Banco Mundial. Nesta nova ordem países de porte médio, ou “emergentes”, como o Brasil, Índia, México, África do Sul e Indonésia, assumiriam posições de liderança em um sistema multipolar no qual os Estados Unidos e a Rússia teriam menos importância do que até agora. Com a Rússia isolada pela guerra da Ucrânia e a eleição de Trump apontando para um novo isolacionismo americano, esta nova ordem seria claramente liderada pela China. Não é à toa que a figura em destaque da reunião foi Xi Jinping, que vem liderando os esforços de criação de uma um novo sistema internacional multipolar e globalizado liderada por Pequim.

Sem Vladimir Putin e com John Biden em final de mandato, nada de novo surgiu em relação às guerras da Ucrânia e de Gaza, e as propostas de reformular as Nações Unidas, reforçando o peso da Assembléia Geral e a composição do Conselho de Segurança, simplesmente reiteram o que representantes do Brasil e de outros países vêm dizendo há anos, e não há nenhuma indicação de que elas serão implementadas desta vez. Neste como nos temas de mudança climática e as questões emergentes das novas tecnologias de informação e da inteligência artificial, a maioria das decisões e compromissos do documento final são recomendações gerais,  inexequíveis  ou já em andamento de alguma outra forma.

A pergunta que fica é se grandes mobilizações de pessoas e recursos como esta, que culminou com dois dias de caos na Zona Sul do Rio de Janeiro – com tropas e caminhões do exército nas esquinas, aeroporto fechado, motocicletas e sirenes abrindo caminho para as autoridades, sem falar no dinheiro gasto – produz resultados que justificam o esforço, ou não são simplesmente um grande exemplo de turismo diplomático. A resposta está em algum lugar entre os extemos do entusiasmo e do ceticismo total, e eu tendo a ficar mais próximo do segundo. Não há dúvida que juntar pessoas para discutir e elaborar propostas sobre temas importantes é sempre útil, e contatos entre representantes de governos e outras entidades públicas e privadas podem gerar novas modalidades de cooperação. As reuniões servem também para colocar em evidência alguns temas relevantes que algum dia podem gerar políticas e mecanismos específicos de cooperação.

O velho sistema bipolar do pós-guerra já não existe, mas a construção desta nova ordem é uma tarefa difícil, que passa entre outras coisas pela capacidade de a comunidade internacional administrar conflitos locais como as guerras da Ucrânia e Gaza e cooperar efetivamente em grandes temas de comércio, meio ambiente, pobreza e valores democráticos.  É uma construção complexa e incerta, que depende mais de negociações técnicas bi e multilaterais do que por conferências de grande visibilidade como as do G20.

Tomara que as recomendações da reunião do Rio de Janeiro se cumpram. Enquanto isto, se houver lugar, me candidato para trabalhar no novo escritório em Roma que o governo brasileiro vai abrir.


Os novos acordos fechados entre Brasil e China - Mauro Ramos (Brasil de Fato)

 O que apontam alguns dos novos acordos fechados entre Brasil e China

Analistas coincidem na importância da elevação do patamar da relação, mas consideram que há espaço para mais cooperação

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
 

Relações Brasil-China ganham nova dimensão com visita de Xi Jinping - Paulo Pinto (Linkedin)

 BRASIL-CHINA: “SOB VELAS CHEIAS, POR MARES NUNCA DANTES NAVEGADOS EM DIREÇÃO A UMA TRILHA BRASILEIRA”. “TAMO JUNTO”.

Paulo Pinto
Embaixador do Brasil aposentado. Percursos diplomáticos diferenciados.

É sabido que os chineses são chegados a elaborar metáforas para descrever, tanto iniciativas de política interna (vide meu artigo, em 17 de novembro corrente) quanto para anunciar propostas de inserção internacional. Daí, antes de sua chegada ao Brasil, o Presidente Xi Jinping publicou artigo, na imprensa brasileira, no qual antecipa, com o emprego de “imagens folclóricas”, as parcerias que gostaria de ver implementadas, durante sua visita oficial realizada a nosso País, durante o mês em curso.

Seguindo a própria lógica metafórica chinesa cabe lembrar o pensamento de Deng Xiaoping de que “cabe procurar a verdade através dos fatos”.

Nessa perspectiva, caberia assinalar os fatos de que:

- O artigo do Presidente Xi em questão afirma que “ As relações diplomáticas China-Brasil, estabelecidas em 15 de agosto de 1974, têm resistido às mudanças e turbulências na situação internacional nesses 50 anos e são cada vez mais maduras e dinâmicas. Têm promovido efetivamente o desenvolvimento dos dois países, contribuído positivamente para a paz e a estabilidade do mundo e oferecido um exemplo de cooperação ganha-ganha e futuro compartilhado entre dois grandes países em desenvolvimento.”

Visão mais realista dos fatos revela que, desde o “estabelecimento de relações diplomáticas com a República Popular da China” houve, a partir de 1974, principalmente, concessões do Brasil, em favor da China.  Desconheço, além do fato de que aumentaram, desde então, as importações de minérios e produtos agrícolas brasileiros, vantagens que a RPC nos tenha concedido nesta citada “cooperação ganha-ganha”.

Nessa perspectiva, quando transferimos a Embaixada do Brasil de Taipé, para Pequim, em 1974, influenciamos vários países na América Latina e África a agirem da mesma forma. Contribuímos, assim, para o reconhecimento internacional da RPC, com a redução da presença da “província rebelde de Taiwan” neste espaço.

- Um segundo fato, sempre com vantagens para a China, no sentido de uma “estratégia de parceria” com Pequim, foi realizado em junho de 1984. Durante visita do Presidente João Batista Figueiredo à China, naquele período, foram assinados importantes acordos que, enquanto beneficiaram ambas as partes, favoreceram mais a RPC no contexto da disputa que Pequim mantinha, então, com a antiga União Soviética, por liderança no “bloco socialista”, em momento que vigorava a “Guerra Fria” entre os EUA e a antiga URSS.

Pude acompanhar, como Segundo Secretário da Embaixada naquela capital, sob a Chefia do Embaixador Ítalo Zappa, a negociação para a assinatura de acordos: na área cultural; para a criação de Adidâncias Militares nas duas capitais; e o estabelecimento de consulados em São Paulo e Xangai. Cabe enfatizar que não concedíamos – no período do governo militar no Brasil - estas prerrogativas a país socialista algum, do “bloco soviético”. Mais uma vez, o exemplo foi seguido por países latino-americanos e africanos e tais providências foram passos adiante na nossa “estratégia de parceria” com vantagens para a China.

Após a ida do último Presidente militar brasileiro à RPC, foi assinado o acordo CBERS que é, como se sabe, um programa de cooperação tecnológica entre China e Brasil para a produção de uma série de satélites de observação da terra. Tive a oportunidade de, ainda em 1984, acompanhar a primeira missão brasileira, chefiada pelo Ministro Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, responsável então pelo programa espacial brasileiro. Nos deslocamos à cidade de Xian, para conhecer o avanço chinês, no setor de “sensoriamento remoto” e foi verificado, a propósito, que, naquele momento, contávamos com tecnologia superior aos chineses.

Em seguida, fomos a Xangai, para visitar o setor de fabricação de foguetes de lançamento de satélites, no qual havia evidente superioridade chinesa. A parceria continuava a avançar, com a transferência de tecnologia brasileira, na área de sensoriamento remoto, e chinesa, na fabricação de foguetes e lançamento de satélites.

- Na área cultural, o referido artigo do Presidente Xi, na imprensa brasileira, antes de sua chegada aqui, houve, a meu ver, omissão ou retrocesso significativos. Isto porque, no texto publicado ele menciona “as fofinhas capivaras, a bossa-nova, o samba e a capoeira são populares na China, enquanto festivais tradicionais como o da primavera e outros elementos de cultura chinesa como a medicina tradicional são cada vez mais conhecidos pelos brasileiros”.

Esquecido parece que ficou o fato de que, no início de 1985, no auge da popularidade de novelas brasileiras na televisão chinesa, se deu a visita de Lucélia Santos, com sucesso que divulgou enormemente o conhecimento do Brasil junto ao público chinês, que apenas recentemente era permitido acessar o que se passava pelo mundo, após o turbulento período da “Revolução Cultural”.

Na ausência do embaixador, eu exercia as funções de encarregado de negócios da embaixada em Pequim — com o pomposo título em chinês de “Taipan” [expressão que significa “poderoso estrangeiro”]. Cabia a mim, portanto, colaborar na elaboração do programa da atriz brasileira durante o período de sua permanência na China.

O evento inicial foi a organização de conferência de imprensa na sede de nossa representação diplomática. Cabe ressaltar que, naquela ocasião, havia mais jornalistas chineses presentes do que os que compareceram à embaixada dos EUA por ocasião da visita do Presidente Ronald Reagan, havia apenas algumas semanas.

Entre as curiosidades quando da ida de Lucélia à Grande Muralha, foi a multidão de fãs que quase desabavam da imensa construção, com enorme destaque na imprensa, enquanto, quase coincidindo com a mesma data, lá havia estado a atriz norte-americana Elizabeth Taylor, que só mereceu uma modesta foto em jornal.

O principal objetivo da ida de Lucélia à China era para receber o troféu “Águia de Ouro”, concedido a artista estrangeiro, na cidade de Hangzhou – conhecida por seu lindo lago e prato típico: A Galinha do Mendigo, cercado de uma história longa para contar. Fomos de trem, com passagens por Wuxi – antiga capital chinesa – Sujhou – minha cidade preferida, famosa por seus jardins e rios, que muito me lembra minha terra natal, Recife, – Shangai – maior centro industrial do país – até chegarmos ao local da premiação. Durante todo o percurso Lucélia era cercada por centenas de fãs, gritando “Isola”, tendo em vista sua personagem “Escrava Isaura” e o idioma chinês dificultar a pronúncia de palavras estrangeiras com a letra “R”.

A propósito, a referência a “capivaras fofinhas” no artigo em questão, me deixou a impressão de “interesse culinário”, tendo em vista a diversidade de ingredientes constantes da cozinha chinesa. De minha parte, por exemplo, enquanto servi naquele país, desenvolvi o gosto por sopa de cobras e abelhas fritas.

Cabe lembrar que, após sua visita inicial à China, em 1985, Lucélia Santos foi incluída em sucessivas visitas presidenciais brasileiras àquele país, nos Governos dos Presidentes Sarney e Fernando Henrique. Sempre foi recebida com afeto por dirigentes e povo daquele país.

- Em 1994, foi estabelecida a “parceria estratégica” entre Brasil e China, proposta pelo então Primeiro-Ministro Zhu Rongji, em visita ao Brasil. Na preparação de sua vinda a Brasília, tive o privilégio de estar em missão transitória na Embaixada em Pequim - a convite do Embaixador Roberto Abdenur, cuja competência profissional muito contribuiu para o sucesso da missão do dirigente chinês a nosso país.

Lembro, a propósito – conforme me traduziu um diplomata chinês – que a China já cultivava “parcerias” com diferentes países. O conceito de “estratégica”, no idioma chinês, contudo, variaria de acordo com cada parceiro. No caso da parceria estratégica com a Rússia (herdeira da URSS) significaria “paz”. Quanto aos EUA, “competição”. No que diz respeito ao Brasil aquele conceito significaria “cooperação futura”.

Essa breve recapitulação da evolução política da estratégia da parceria Brasil China – que não pretende ser exaustiva e omite os detalhes econômicos e comerciais – almeja, pretensiosamente, contribuir para a reflexão sobre uma futura “parceria para a prosperidade”, entre os dois países – conforme expressa em linguagem cheia de metáforas o mencionado artigo do Presidente Xi - de forma a criar vantagens mútuas (“win-win situations”), inclusive em projetos conjuntos a serem desenvolvidos na África e América Latina.

Sabe-se que, em países daqueles continentes, uma vez incluídos em projetos da RPC de “cinturão e rota das sedas”, ouvem-se críticas frequentes a formas autoritárias e métodos de produção restritivos a trabalhadores chineses, com a exclusão de nacionais onde empresas da RPC se instalam. É citada, ademais, a concentração de lucros para os investidores orientais, enquanto os receptores adquirem dívidas excessivas.

Nessa perspectiva, poderia haver esforço para alinhar a “eficiência e necessidades chinesas de acesso a insumos para seu continuado crescimento econômico”, com a nossa capacidade de “promover o diálogo entre diferentes culturas”[1], bem como procurar soluções comuns para problemas compartilhados entre países em desenvolvimento, enquanto se busca a geração de benefícios mútuos.

Nesse sentido, inicialmente, no que diz respeito às relações com a China, caberia definição clara de nossos objetivos de inserção internacional, que não poderiam se resumir a “reagir” a propostas chinesas de “cinturão e rota das sedas”. Para a continuação de uma “estratégia da parceria”, cabe pensar, por exemplo, em uma “trilha” brasileira.

No momento, a China está expandindo seus interesses, em busca de acesso a recursos naturais e novos mercados na África e América Latina, onde, conforme mencionado acima, tem encontrado incentivos e resistências.

Daí, na perspectiva sugerida, a “soft power” brasileira, no sentido da facilidade de “negociação cultural” e a identificação de interesses compartilhados, com vistas à prosperidade de todas as partes, poderiam, gradativamente, vir a configurar mais uma vertente da “estratégia da parceria” que se pretende estabelecer entre o Brasil e a China.

O objetivo seria manter um fluxo de livre comércio e intercâmbio de ideias, facilitando a integração de mercados e a convivência entre diferentes formas de governança. Assim, a parceria sino-brasileira almejaria novos “networks” de integração de cooperação (“conectividade” para empregar o termo preferido por Pequim) entre os países a serem “conectados pelo cinturão e rota chineses” e por eventual “trilha” brasileira.

Caberia, no entanto, introduzir conceito dinâmico, como o da “prosperidade compartilhada” para consolidar no Atlântico Sul uma região de paz, estabilidade, democracia e desenvolvimento. Esta parte do mundo se apresenta como uma imensa fonte de oportunidades, não apenas para o Brasil, mas para todos os países que o margeiam.

Nossa capacidade de transformar essas oportunidades em benefícios concretos depende da coordenação cada vez mais estreita com os demais países da região.

Nesse contexto, seria de grande importância para a “trilha” brasileira um “Corredor Bioceânico”, que ligasse áreas de produção agrícola no Brasil, por ferrovia, ao Porto de Chancay, no Peru. O investimento chinês, por exemplo, neste projeto teria especial valor, de forma a facilitar o escoamento de nossa produção de commodities, que é grande parte do comércio que temos com a China, bem como baratearia essa produção.

De retorno ao imaginário antecipado pelo dirigente chinês, seu artigo aqui publicado afirma, também, que “No mundo de hoje, transformações de escala nunca vista em um século estão ocorrendo em um ritmo acelerado, e novos desafios e mudanças continuam surgindo. Diz um ditado chinês: "Em corrida de barcos, vencem aqueles que remam com força; em regata de veleiros, ganham aqueles que ousam avançar sob vela cheia." China e Brasil, dois grandes países em desenvolvimento nos hemisférios leste e oeste e membros importantes do Brics, devem se unir mais estreitamente, ousar ser pioneiros e caçadores de ondas, e juntos abrir novas rotas de navegação que levam a um futuro mais belo que os povos dos dois países e a humanidade merecem.”

- Em conclusão, talvez fosse um fato mais realista – sempre na lógica de Deng Xiaoping - simplificar a proposta do Presidente Xi, que visaria a uma evolução da suposta “parceria estratégica” atual para uma “parceria estratégica global”, com capivaras fofas, caçadores de ondas, por apenas “velas cheias” que, no idioma codificado que empregamos no “beach-tennis” em Copacabana, signifique apenas rumo a um “tamo junto”.

[1] Vide “Manifesto Antropófago”, de Oswald de Andrade, em 1928, que nos indica o caminho brasileiro de aceitar o que nos é estranho sem deixar de transformá-lo em algo mais próximo de nossa personalidade nacional.