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domingo, 25 de junho de 2017

Brasil na armadilha da renda media - Antony Mueller (Mises Brasil)

Excelente artigo do Antony Mueller​, que explica exatamente o que seja a "armadilha da renda média", na qual o Brasil está desde muito tempo "encurralado" (e este é o termo exato). O autor discute na verdade não fenômenos microeconômicos -- ou seja, estritamente situados no campo da economia -- mas processos de tipo macro, nos quais políticas públicas equivocadas (intervencionismo, protecionismo, cartorialismo) deixam o país encerrado numa situação de renda média (de fato, com deterioração de diversos serviços coletivos estatais). Nada impediria, a rigor, um empresário de inovar individualmente, mas num ambiente de negócios deletério isso se torna muito custoso, por vezes impossível. Se formos agregar a isso uma classe política rentista e crescentemente extratora, como temos no Brasil, a armadilha se converte em maldição, ou em buraco sem fundo e sem saída. Seria esse o destino do Brasil? Talvez. Mudar mentalidades é sempre difícil.
Paulo Roberto de Almeida

O Brasil na armadilha da renda média
Antony Mueller 
 

Mises Brasil, 2013
Introdução
A armadilha da renda média ocorre quando um país emergente entra em um período de estagnação após ele ter completado a sua "decolagem" e ter superado a armadilha da pobreza e a armadilha malthusiana.  Tendo chegado ao nível da renda média, a trajetória do crescimento econômico efetuada durante a decolagem deixa de ser sustentável.  
Durante a fase da decolagem, a mão-de-obra barata alimenta uma rápida expansão econômica em decorrência da migração que ocorre das áreas rurais para as cidades industriais. Nesta fase, a economia cresce pela migração, pela aglomeração e pela acumulação de capital.  As taxas de crescimento econômico são altas porque a mão-de-obra é abundante e barata, e a acumulação de capital ainda gera altos retornos.
As taxas de crescimento começam cair quando a mão-de-obra se torna menos abundante e o retorno marginal do capital se torna marginalmente menor.
O Brasil representa um caso em que a entrada na armadilha da renda média resultou em políticas erradas que pioraram a situação.
O conceito da armadilha da renda média
Como dito, o termo "armadilha da renda média" denota a situação de uma economia emergente quando ela entra em um nível de renda média e não mais sai dele.  Atualmente, o Banco Mundial define a faixa entre US$1.036 e US$4.085 per capita como "baixa renda média" e entre US$4.086 e US$12.615 como "alta renda média".
De acordo com o tipo do cálculo do Banco Mundial, o Brasil chega bem perto do limite da categoria dos países de alta renda, mas ainda está na faixa da renda média alta.
Classificação
Renda nacional per capita em US$
Países representativos selecionados
Alta renda
> 12.616
Suíça    (82.730)
Renda média alta
4.086-12.615
Brasil   (11.630)
Renda média baixa
1.036-4.085
Paraguai (3.290)
Renda baixa
< 1.035
Congo       (200)
Tabela 1: Faixas da renda segundo classificação do Banco Mundial — Fonte: Banco Mundial
Estar preso na faixa da renda média significa que o país é incapaz de prosseguir o seu caminho de crescimento, aquele que ele vinha mantendo durante a fase da decolagem. Em vez de manter um crescimento moderado, o país cai em uma fase de crescimento fraco, como mostra a figura abaixo.
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Figura 1 - A linha verde mostra a trajetória de um crescimento sustentado; a linha vermelha sólida mostra a entrada na armadilha da renda média; e a linha vermelhada tracejada mostra uma trajetória de crescimento insustentável.
A armadilha da renda média significa que o país não consegue alterar sua estratégia de crescimento, saindo de um modelo acumulativo e imitativo e indo para um modelo de economia competitiva, empresarial e inovadora.
Imitar as economias pioneiras gera altos retornos somente quando a distância entre a economia emergente e os países avançados é grande.  Quando a distância diminui, a imitação torna-se mais difícil e mais arriscada. O futuro é desconhecido e exige experimentação para se descobrir qual tecnologia irá funcionar.  Esta trajetória envolve um constante processo de tentativa e erro, o qual requer habilidades muito mais sofisticadas do que a mera imitação de tecnologias maduras.
Quanto mais a economia emergente avança e se aproxima do grupo das economias pioneiras, mais este país em desenvolvimento deve se engajar em uma busca ativa pela próxima tecnologia.  No entanto, dado que os governos dos países emergentes sempre tendem a manter suas intervenções sobre a economia, a transição para uma economia competitiva e moderna encontra uma inflexível resistência da parte do poderoso aparelho de funcionários das empresas estatais e da classe política.  Muitas vezes, a decolagem de um país em desenvolvimento vem junto com uma ampliação da atividade estatal.  O típico efeito colateral deste crescimento é um agigantamento do setor público, o qual acaba funcionando como uma barreira quando o país alcança a faixa da renda média, impedindo-o de entrar na faixa da alta renda.
Preso na armadilha
Os países emergentes caem na armadilha de renda média porque, em vez de abraçar o capitalismo inovador, acabam ficando presos a um sistema econômico estatista e arcaico.  Não é raro que a velha elite passe a explorar o medo da população em relação à "tempestade perene da destruição criativa" (Schumpeter) do capitalismo dinâmico.
Porém, ao renunciar à destruição criativa, esta economia em desenvolvimento também acaba por rechaçar a prosperidade, e passa alimentar a ilusão de que é possível enriquecer dentro de um sistema estático.  Na realidade, os países em desenvolvimento que permanecem com um capitalismo de estado não apenas não ganham prosperidade, como também perdem a estabilidade quando inevitavelmente descambam no círculo vicioso do declínio econômico, o que faz com que o sistema político comece a oscilar entre o autoritarismo e o populismo.  Vide Argentina e Venezuela, por exemplo.
O desenvolvimento econômico é uma corrida de maratona com obstáculos.  O primeiro obstáculo consiste em saber superar a barreira que surge quando a baixa renda passa a limitar a poupança e os investimentos, e consequentemente a acumulação de capital.  O segundo grande obstáculo é a armadilha malthusiana, que ocorre quando a população aumenta, mas a renda per capita não sobe.  Foi a Revolução Industrial quem quebrou este padrão da estagnação.  Parte do mundo saiu da armadilha da pobreza.  Com o avanço da Revolução Industrial a taxa de reprodução diminuiu ao passo que a produtividade econômica aumentou.  A armadilha malthusiana desapareceu com a transição demográfica e pavimentou o caminho para um grande aumento dos níveis de renda.
Um pequeno grupo de países pioneiros liderou este permanente processo de inovação.  Sucessivas revoluções industriais durante os últimos dois séculos levaram a ganhos cada vez maiores de produtividade.
No entanto, enquanto um grupo de economias prosperou, muitas outras ficaram para trás.  Mesmo hoje, ainda há uma multidão de países presos na armadilha da pobreza e na armadilha malthusiana.  Um outro grupo de países que conseguiu obter a decolagem e superar a armadilha malthusiana — como o Brasil — se encontra preso na armadilha de renda média.  Apenas alguns países conseguiram realizar a façanha de alcançar os pioneiros e se tornar membros do clube dos países de alta renda.
O caso do Brasil
Quando o crescimento econômico baseado na acumulação de capital e na imitação tecnológica terminou, o Brasil ainda não havia adquirido a capacidade de competir com os países de alta renda em termos de tecnologia, produtividade e habilidades.  Nesta fase, o Brasil não mudou a sua estratégia de crescimento.  Em vez de promover uma economia empreendedorial de inovação, o Brasil implantou uma política de forte protecionismo. Como consequência, o país experimentou fases de crescimento artificial que se degeneraram em recessões e altas taxas de inflação.  Na maioria das vezes, o Brasil pagou o preço de seu crescimento artificial com longos períodos de estagflação.
Após um crescimento moderado na década de 1990 — consequência inevitável de seus fortes e necessários ajustes econômicos —, e um crescimento mais robusto na década de 2000, o Brasil pós-2010 adentrou uma nova fase de debilidade econômica.  Em vez de pular para frente, a economia brasileira recuou.  Desde o começo dos anos 1990, a média da taxa de crescimento econômico do Brasil é de apenas 3%, o que significa que o país já se encontra novamente, e há um bom tempo, em uma armadilha da renda média.  
Para conseguir alcançar as economias avançadas, o Brasil precisaria apresentar uma taxa média de crescimento do PIB per capita de 4,2% durante os próximos 50 anos.  Só assim será possível alcançar o nível médio dos países de alta renda da OCDE.  Igualmente, seria necessária uma taxa de crescimento econômico per capita de 4,7% para se chegar ao nível da renda dos Estados Unidos.
Entre as economias emergentes, apenas a China consegue apresentar uma taxa de crescimento per capita suficiente para alcançar os níveis dos países ricos.  O Brasil, com uma taxa de 1% durante o período de 1980 até 2011, está bem fora desta expectativa.  A China, no entanto, ainda está na fase de decolagem, e dificilmente conseguirá manter suas atuais altas taxas de crescimento econômico.  Não se deve excluir a possibilidade de que a China também caia na armadilha da renda média, como já ocorreu com outros países emergentes na Ásia.  Desta forma, no futuro, ao ter sua taxa de crescimento econômico reduzida, a China inevitavelmente irá reduzir sua contribuição para o crescimento econômico do Brasil.
Para sair da armadilha da renda média, o Brasil teria de fazer uma grande transformação em sua economia, deixando de ser uma economia acumulativa e imitadora e se tornando uma economia inovadora.  Para sair da armadilha da renda média, o Brasil teria de fazer uma mudança fundamental em sua estratégia econômica.  Em vez de uma transformação de cima para baixo, a economia precisa florescer de baixo para cima.  Esta mudança requer a liberalização dos entraves regulatórios e burocráticos que hoje incidem sobre o setor empreendedor.  Redução da carga tributária e eliminação do pesadelo burocrático são imprescindíveis.  O setor estatal deve abandonar seu intervencionismo ad hoc, o qual cria incertezas, em prol de uma política que se limite a oferecer segurança jurídica e institucional, e que facilite o empreendedorismo.
Porém, não apenas hoje, mas já por décadas, o Brasil pratica uma política macroeconômica errada para lidar com a armadilha da renda média.  Em vez de liberar a economia, o estado cria cada vez mais controles e regulamentações.  Em vez de promover uma economia empreendedorial, o Brasil se dedica a fortalecer ainda mais seu sistema de capitalismo de estado.  Em vez de abandonar as políticas macroeconômicas de cunho dirigista, o país intensifica seu intervencionismo já extremado.
Adotar políticas fiscais e monetárias expansionistas na tentativa de sair da armadilha da renda média apenas agrava a situação.  Falando em termos de teoria do crescimento econômico, ambas estas políticas levam a economia a um desequilíbrio entre poupança, investimentos, gastos e taxa de câmbio.  Uma atividade econômica que exceda este ponto de "crescimento equilibrado" é insustentável.  Sem o progresso tecnológico para compensar este hiato, a economia recua.  Ainda pior será a situação se o governo apresentar déficits orçamentais, os quais geram uma redução da taxa nacional de poupança.  Neste caso, em consequência de um crescimento artificial gerado pelos estímulos monetários e fiscais, a economia cairá abaixo de seu nível anterior de renda.
O grande erro desta política econômica está em confundir as consequências do crescimento econômico com suas causas.  A política macroeconômica que o Brasil adotou para lidar com a armadilha da renda média sofre do mesmo erro que Mises já havia denunciado ao recorrer à alegoria do mestre de obras que tenta construir uma casa em um tamanho que excede a real quantidade de insumos ao seu dispor.  Este erro de cálculo não apenas faz com que a construção da casa não seja concluída, como também faz com que a casa nem sequer possa ficar de um tamanho menor do que aquele originalmente projetado.  
Conclusão
Países de renda média, após superarem a armadilha da pobreza e a armadilha malthusiana, enfrentam o esgotamento da mão-de-obra barata.  Um país emergente cai na armadilha da renda média quando, simultaneamente, perde sua capacidade de competir com os países de baixa renda em termos de preços e, ao mesmo tempo, ainda não possui a capacidade de competir com os países de alta renda em termos de tecnologia. A continuidade da ingerência do estado na economia faz com que estes países caiam no regresso.
Tentar sair da armadilha recorrendo a políticas de estímulo monetário e fiscal não apenas não funciona, como na realidade pavimenta o caminho para o endividamento público, e gera ainda mais debilidade econômica no longo prazo.  O caso do Brasil e seus famosos "vôos de galinha" mostra como o país sofre de recorrentes ciclos de expansão econômica artificial seguida de contração.
Para continuar a crescer, o país tem de ter progresso tecnológico.  No entanto, se o país recorre a déficits orçamentários e a inflações monetárias, a tragédia econômica está programada.  Para obter maiores níveis de produtividade, o Brasil teria de abandonar o atual sistema de capitalismo de estado, o qual foi escolhido como o caminho para a decolagem.  Para sair da armadilha da renda média, o Brasil tem de abrir sua economia para o capitalismo empreendedorial da destruição criativa.
Antony Mueller
é doutor pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, Alemanha (FAU) e, desde 2008, professor de economia na Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde ele atua também no Centro de Economia Aplicada. Antony Mueller é fundador do The Continental Economics Institute (CEI) e mantém em português os blogs Economia Nova e Sociologia econômica

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Rebeliao contra as mentiras oficiais do Brasil - Antony Mueller (Mises Brasil)

Rebelião contra mentiras
por , Instituto Ludwig Von Mises Brasil, terça-feira, 25 de junho de 2013

 

191577-manifestacao-em-florianopolis.jpgO que está por trás das rebeliões que estamos testemunhando ao longo de todo o Brasil? Embora várias hipóteses já tenham sido aventadas, creio que, no fundo, estamos vivenciando uma rebelião contra mentiras.  Trata-se de uma rebelião dos jovens contra as mentiras que "aprenderam" em suas escolas, nas universidades e nos meios de comunicação de massa, principalmente na televisão. Embora a juventude provavelmente possua mais instinto do que sabedoria, é fato que ela instintivamente está consciente de que está sendo enganada por aqueles que estão no poder.  Ela não se sente enganada apenas pelo Poder Executivo, mas também pelo Poder Judiciário e pelo Legislativo.  Mais ainda: se sente enganada pelos partidos políticos e, é claro, pelos próprios políticos
Sistema parasítico
O sistema político brasileiro é uma gigantesca teia de mentiras e de roubo, e consiste em uma elaborada fraude sistêmica que foi criada para servir aos donos do poder: presidentes e ministros, juízes e vereadores, prefeitos e toda uma vasta gama de "servidores públicos".  Aquelas pessoas que conseguem entrar neste mundo de privilégios adquirem benefícios enormes — e é assim que, até agora, o sistema vem se mantendo.  
Mas todo e qualquer sistema parasítico tem um limite.  Os explorados têm de estar em número maior que o de exploradores.  É sempre necessário que haja uma maioria de pessoas a serem exploradas por uma minoria.  Mas parece que a festa está acabando. A praça de alimentação dos parasitas está se rebelando.
Para entender o que está acontecendo no Brasil agora é preciso ter em mente que este país não sofre os males particulares dos estados modernos.  O Brasil sofre é de uma doença política muita antiga: trata-se de um estado que está sob o domínio de uma classe parasitária.  O paralelo da atual presidente como uma espécie de Maria Antonieta e seu antecessor como uma espécie de Luis XIV é válido.  Como na França daqueles dias, aqueles que estavam no poder (o que inclui o judiciário e grande parte da burocracia pública) foram alimentados por um sistema de impostos horrendos com pouco retorno para o povo.  Este sistema de tributos servia majoritariamente para financiar o esplendor, os privilégios e todo o esbanjamento da corte real (hoje em dia chamada "setor público").
A ideologia brasileira
O brasileiro, desde criança, está exposto a um sistema de doutrinação sistemática, de propaganda de "direitos" e de "consciência social", e foi "educado" para ver o Brasil como um país da democracia, da solidariedade, da inclusão social e da liberdade.  No entanto, a verdade é que os governantes deste país são profundamente autoritários, gananciosos, ávidos por poder e insensíveis ao sofrimento do povo.  
O Brasil tem um sistema de liderança que se destaca em duas áreas: uma grandiosa retórica vazia e uma profunda incompetência prática.  Em parte, o próprio povo brasileiro tem culpa das condições em que se encontra o país, pois o que gerou esta situação foi a sua profunda incapacidade de diferenciar entre a retórica de seus representantes e a desastrosa realidade que eles produzem.  Até este surto de manifestações, o povo brasileiro sempre havia gostosamente adotado uma ilusão de promessas de glória, ignorando completamente o fato de que nada em que os seus governos tocam funciona.
O cinismo dos donos do poder é um perfeito retrato de como é o Brasil de hoje: um país com estradas cheias de buracos no qual o governo afirma que para promover a segurança do trânsito é necessário gastar enormes quantias de dinheiro com a construção de lombadas.  O Brasil de hoje é um país em que os governos gastam montanhas de dinheiro em propagandas contra a dengue enquanto vias públicas são construídas de forma que, depois de uma chuva, a água fica empoçada por dias e semanas.  O Brasil de hoje é um país em que a propaganda oficial do governo prega inclusão social, mas no qual há uma burocracia altamente bem paga que obriga qualquer cidadão, mesmo o mais pobre, a contratar um despachante para resolver o mais ínfimo trâmite oficial.  
O Brasil de hoje é um país em que a propaganda oficial denuncia o "capitalismo", a "globalização" e a "colonização" como sendo as raízes de todos os males.  O colonialismo seria a causa do atraso do Brasil, sendo que a verdade é que o Brasil ganhou sua independência já faz 191 anos. O governo usa o fantasma da "globalização" para doutrinar o povo e insinuar que quase todos os problemas do país são gerados lá fora, pelos "americanos" em particular, sendo que a verdade é que o Brasil faz parte dos países menos globalizados do mundo.  Os livros-textos nas escolas acusam "o capitalismo" por todas as desigualdades do país, sendo que um verdadeiro capitalismo praticamente inexiste no Brasil, uma vez que o país adotou variações perversas do capitalismo, como o capitalismo de estado e o capitalismo de compadres, em que governo e grandes empresas se aliam e se protegem mutuamente e mandam a fatura para o cidadão comum, que inocentemente clama por mais estado como solução para os problemas gerados pelo próprio estado.
O Brasil acordou
Estamos às vésperas de uma revolução no Brasil e tudo indica que estamos vivenciando aquele caso clássico de rebelião contra o estado por causa dos impostos escorchantes que não geram nenhum retorno e por causa de uma burocracia sufocante que asfixia a economia.  A inflação de preços foi apenas o gatilho dos protestos contra a elite política, que se destaca exclusivamente pela arrogância e pela incompetência. Estamos vivenciando uma rebelião do povo contra uma liderança que perdeu todo o resquício de bom senso (se é que já teve um).  Estamos vivenciando uma rebelião contra autoridades que se banham em privilégios como os reis e as rainhas do absolutismo, como a nobreza do passado — uma falsa elite que se destaca apenas por sua incompetência, ignorância e corrupção.  O povo brasileiro começou a acordar para o fato de que o grande obstáculo contra o desenvolvimento socioeconômico do Brasil advém majoritariamente do próprio governo, e não necessariamente do capitalismo e da globalização.
Os brasileiros parecem estar cada vez mais conscientes de que os homens e mulheres que estão no poder são fantasmas que possuem um poder meramente emprestado.  Os donos do poder têm espírito, coração e alma pervertidos, como é perfeitamente observável nas ações e nos pronunciamentos de tais governantes.  Quando o povo renunciar à obediência, o fantasma vai desaparecer.
Para ter sucesso no longo prazo, os rebeldes precisam se libertar da ideologia estatizante.  Eles precisam deixar de gritar por mais estado, porque é justamente esta a instituição que gerou todos os problemas.  Para ter sucesso no longo prazo, os manifestantes precisam encontrar a verdadeira raiz do mal, que é o próprio estado brasileiro — um estado grande demais com uma burocracia gigantesca e um aparelho de justiça ineficiente e insanamente caro.  O famoso "custo Brasil" são os custos destes "poderes". Assim, uma agenda para o avanço do Brasil não precisa conter nada mais do que estas palavras: "Menos estado é melhor".
Conclusão
Ainda não se sabe aonde tudo isto vai dar e nem para onde o Brasil vai.  A tentativa dos partidos políticos de usurpar a rebelião fracassou.  O governo se retirou.  A presidente ficou calada.  O governo não tem resposta. Nenhum partido dentre a multidão dos partidos políticos brasileiros tem uma resposta.  Sendo assim, será que poderíamos nos precipitar e dizer que estamos observando pela primeira vez no Brasil uma "revolução libertária", uma revolução em que o povo não grita por mais poder do estado, mas sim por menos nas mãos do governo? Ainda não.  A velha ideologia estatizante ainda não desapareceu.  Os donos do poder ainda estão no quartel-general.  Mas o que está acontecendo no Brasil de hoje é uma tendência mundial.  Os brasileiros sinalizaram querer uma outra forma de estado, um estado no qual não há mais donos do poder que exploram o povo de uma forma ainda pior do que a nobreza do passado.  Resta agora saber canalizar esta motivação para a direção correta.

Antony Mueller é doutor pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, Alemanha (FAU) e, desde 2008, professor de economia na Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde ele atua também no Centro de Economia Aplicada. Antony Mueller é fundador do The Continental Economics Institute (CEI) e mantém em português os blogs Economia Nova e Sociologia econômica