Não acredito numa retomada do crescimento econômico brasileiro em bases sustentáveis, pelo menos não antes de profundas reformas estruturais, não apenas tributária.
Não pretendo formular o famoso "projeto nacional", nem haveria acordo para fazer um.
Proponho algo mais modesto: tomar três relatórios objetivos sobre as características das economias nacionais, e aplicar de cada um deles todas as medidas que cabem fazer no Brasil para que tenhamos:
1) um bom ambiente de negócios: Relatório Doing Business do Banco Mundial
2) uma retomada dos ganhos de produtividade: World Competitiveness Report, do WEF
3) amplas liberdades econômicas: Economic Freedom of the World, da Heritage Foundation e Freedom House
Acredito que a aplicação sistemática das recomendações desses três relatórios combinados, independentemente de entrar ou não na OCDE, melhoraria barbaramente as condições econômicas no Brasil.
Paulo Roberto de Almeida
PIB – 2010-2019, a pior de 12 décadas
Nosso produto interno bruto está em depressão há 5 anos e em estagnação há 40
Roberto Macedo
O Estado de S.Paulo, 16 de janeiro de 2020
Volto a esse tema, abordado também em entrevista para a jornalista Márcia De Chiara publicada na última segunda-feira neste jornal (Década passada foi a pior para PIB do país, pág. B3) e que se estendeu na web (estadão.com.br/e/pior_decada). Os dados básicos para obter 12 taxas decenais de variação do produto interno bruto (PIB) estão em www.ipeadata.gov.br, onde há a série “Produto interno bruto (PIB) a preços de mercado: variação real anual ... de 1901 até 2018”, em %.
Com essas taxas, cheguei a taxas médias anuais de crescimento do PIB em cada década, sendo que para a primeira foram usados dados de 1901 a 1909, e para 2019 a previsão de 1,17% do Boletim Focus, do Banco Central, de 3/1/2020.
Um gráfico mostrou essas taxas em dois movimentos. O primeiro, de forte tendência de aumento, vai da primeira década, com taxa média de 4,6%, até a de 1970, quando chegou a 8,8%, a maior de todo o período. No segundo, a taxa cai fortemente para 3% na década de 1980, e fica perto ou até bem abaixo desta nas décadas de 1990 (1,8%), 2000 (3,4%) e 2010 (1,4%), esta a menor das 12 décadas desde a de 1900!
É de estagnação esse período de 1980 a 2010. Meu dicionário diz tratar-se de “situação em que o produto nacional não cresce à altura do potencial econômico do país”. É claramente o caso do Brasil. Seriamente desarrumado, poderia crescer bem mais, mas está aí, estagnado, a ponto de ser disseminada a satisfação com a perspectiva de uma taxa perto de 2,5% em 2020 e daí para a frente. É muito pouco! O economista Manoel Pires, do Ibre/FGV, disse que o País vive fase de “expectativas rebaixadas”.
Internacionalmente, também está por baixo. No portal do Fundo Monetário Internacional encontrei comparação das taxas de crescimento do Brasil nessas quatro décadas e a média geral decenal das mostradas por 155 economias emergentes ou em desenvolvimento, que foram de 3,20 (1980), 3,63 (1990), 6,10 (2000) e 5,11 (2010), sempre superiores às do Brasil, já citadas, e muito superiores nas duas últimas décadas.
Márcia De Chiara foi muito feliz ao tratar também a questão social, da qual falei sobre questões como o desemprego e a dificuldade de ascensão social com a queda do crescimento econômico. Mas foi além. Levantou-se bem cedo e foi até uma paróquia que dá a primeira refeição do dia a moradores de rua, cujo número vem aumentando bastante, e entrevistou dois deles, que relataram suas enormes dificuldades.
Ascensão social é conceito mais operacional que o da desigualdade social, esta de solução muito mais difícil. Se houver crescimento bem mais acelerado, virão mais e melhores oportunidades de trabalho e as pessoas de renda mais baixa também terão condições de seguir em frente e melhorar de vida, até mesmo ascendendo socialmente, sem ficarem paradas a observar e invejar minorias que conseguem manter seu status social mais alto.
Quanto ao que fazer para crescer bem mais, além de reformas como as pregadas por Paulo Guedes, e de outras que deveriam ser efetivadas, como as do Legislativo e do Judiciário, um grande esforço deveria voltar-se, com senso de urgência, para desenvolver e aplicar um plano estratégico de desenvolvimento para o Brasil. Um plano desse tipo deve incluir objetivos, metas, o que deve ser feito para alcançá-los e como será gerenciado, implementado e cobrado de seus executores.
Os temas iriam bem além daqueles hoje mais discutidos no Brasil. Uma questão crucial será o aumento da capacidade produtiva do País, mediante investimentos públicos e privados, o que também geraria renda para fatores de produção, como capital e trabalho, renda essa que, assim, também sustentaria o crescimento pelo lado da demanda. E entrariam outros temas típicos de um processo de desenvolvimento sustentável, como as inovações, o aumento da produtividade e da competitividade interna e externa, a educação com foco em competências, a ampliação do comércio exterior, a defesa do meio ambiente, o enfrentamento de desigualdades sociais e o papel das instituições nesse processo. Instituições em sentido lato, o das regras do jogo que precisam favorecer os investimentos e o crescimento.
Hoje o debate econômico está por demais focado na análise macroeconômica, que trata de políticas de curto e médio prazos, como a fiscal e a monetária, mais voltadas para movimentos cíclicos da economia. Cabe uma visão também focada no crescimento de prazo mais logo e sustentável, que nos cursos bem estruturados de Economia não cabe à disciplina Macroeconomia, mas à de Desenvolvimento Econômico. A literatura também é diferente. Caberiam livros como o de Daron Acemoglu e James Robinson Por que as nações fracassam e o de David Landes A Riqueza e a Pobreza das Nações – Por que algumas são tão ricas e outras tão pobres.
Não tenho pretensão de ter uma receita cobrindo todos os aspectos envolvidos, o que exigiria uma ampla equipe, e não só de economistas, mas de cientistas das várias áreas envolvidas, e de praticantes como funcionários governamentais, empresários, profissionais liberais e outros, com toda a argumentação sustentada por evidências científicas.
Dadas as “expectativas rebaixadas”, seria o caso de contar também com psicólogos para atuarem na recuperação da autoestima do Brasil e dos brasileiros, concitando todos a assumirem o compromisso de melhorar e atuar nessa direção, com atenção especial aos governantes. Quanto a estes e a grande parte da classe política, cabe pregar-lhes a fundamental importância de eticamente lutarem pelo bem comum, e não por atenderem à ampla privilegiatura que atua em sentido contrário.
Num país que teve forte recessão de dois anos, embutida numa depressão já com cinco e passando por estagnação de 40, há muito, muito o que fazer.
É ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR, E PROFESSOR SÊNIOR DA USP