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domingo, 5 de agosto de 2012

Concurso Barao do Rio Branco (MRE-ABL): contemplados


ABL e Itamaraty divulgam resultado do concurso de redação em homenagem ao centenário de morte do Barão do Rio Branco
A Academia Brasileira de Letras e o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), por intermédio da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), acabam de divulgar oficialmente a relação dos dez vencedores do “Concurso de Redação Barão do Rio Branco – 100 anos”, que se insere na celebração do primeiro centenário de morte de José Maria da Silva Paranhos Júnior, Barão do Rio Branco. A cerimônia de premiação está prevista para o dia 28 de agosto, na sede da ABL, no Rio de Janeiro. O Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Centenário de Morte do Barão do Rio Branco é o Acadêmico e diplomata Alberto da Costa e Silva.
Os vencedores foram: Bruno de Gouvêa Marti Ferrão, Colégio Pedro II (Unidade Humaitá II), Rio de Janeiro; Lílian Morais Leite, CE – José de Anchieta, Maranhão; Arthur Almeida Campanha, Escola Estadual do Ensino Médio Professor José Veiga da Silva, Espírito Santo; Robson Lousa dos Santos, Instituto Federal de Goiás – Campus Uruaçu, Goiás; Beatriz Pêgo Damasceno, Colégio Pedro II (Tijuca), Rio de Janeiro; Patrícia Camargo de Sousa, Colégio Objetivo, Rondônia; João Lucas Ismael, Colégio Atenas, Minas Gerais; Maristela Cristina Gomes, Escola Estadual Marquês de Sapucaí, Minas Gerais; Devid Richer Araújo Coelho, Colégio Estadual Miguel Couto, Rio de Janeiro; e Aléxia Duarte Torres, Escola Estadual do Ensino Médio Professor José Veiga da Silva, Espírito Santo.
O objetivo do concurso foi o de avaliar a capacidade de expressão escrita e o conhecimento dos estudantes sobre a vida e a obra de Rio Branco, Patrono da Diplomacia Brasileira. Cada um dos ganhadores, alunos do 1º ao 3º ano do Ensino Médio, regularmente matriculados em escola reconhecida, receberá o prêmio de R$ 2mil, a ser depositado na conta bancária fornecida quando da inscrição, em nome do beneficiário. O concurso foi aberto a estudantes de todos os estados brasileiros, e o candidato podia participar com apenas uma redação. A Fundação Alexandre de Gusmão arcará com os custos das passagens aéreas dos autores premiados, bem como de hospedagem. Aos que são menores de idade serão fornecidas passagem em classe econômica e hospedagem para um acompanhante.

domingo, 22 de julho de 2012

Saudades do Barao - Matias Spektor (FSP)


Usos e abusos do barão
MATIAS SPEKTOR
Folha de São Paulo, domingo, 22 de julho de 2012

O ufanismo vai cedendo nos cem anos de Rio Branco

RESUMO
Figura maior da diplomacia brasileira, José Maria Paranhos Jr., o barão do Rio Branco (1845-1912), morreu ungido por tal unanimidade que só começou a ser visto sem ufanismo nas últimas décadas. Ensaio esquadrinha criticamente a trajetória do chanceler e os mitos que há um século se forjam em torno dele.

Toda nação vive, em parte, de seus mitos. Poucos têm tanta força entre nós quanto o do Barão do Rio Branco, morto há cem anos.

Ele merece seu lugar no panteão porque expandiu o território nacional sem recurso às armas e sem grandes alianças. O país que representava estava enfraquecido, desarmado e isolado, e sua performance fez toda a diferença.

Mais, Rio Branco fez de si o elo entre o Império derrotado e a República vitoriosa. Com pai ministro, senador, diplomata e chanceler de d. Pedro 2o, ele assistiu à queda da monarquia, mas evitou o exílio típico de muitos de sua classe e serviu a quatro presidentes como ministro das Relações Exteriores sem compunção (1902-12).

Sua adesão à República foi total: pôs a política externa a serviço dos novos-ricos da burguesia agroexportadora e não hesitou em entrar para a vitrine da nova ordem, a Academia Brasileira. Mas, com estilo todo próprio, manteve o título de barão e fomentou a mitologia segundo a qual a diplomacia republicana bebia da fonte de um suposto passado imperial de glórias.

Habilidoso jogador para uns, inescrupuloso camaleão para outros, enfrentou desafetos e inimigos. Para os monarquistas, era um traidor. Para os republicanos, potencial líder da restauração monarquista. Sua política externa foi fustigada na Câmara, no Senado e na imprensa. Mais de uma vez a boataria previu sua queda. Só virou unanimidade depois de morto.

Sobreviveu a quatro trocas de governo em grande parte por seu talento de jornalista e sua rara capacidade de manipular a imprensa. Escreveu prolificamente sob pseudônimos. Leitor compulsivo de jornais, não hesitou em pautar editores, nem a eles queixar-se de coberturas desfavoráveis.

Alimentou calculadamente a imagem de excêntrico. Eram proverbiais a desordem de seu gabinete, a humilde cama instalada em seu despacho no Itamaraty, a caça aos mosquitos com uma vela, a mania de jogar água fria nos gatos que perambulavam pelo ministério e a fobia de elevadores.

O barão também teve sorte. Nos dez anos anteriores a sua posse, o Brasil afundou em hiperinflação e crise política. Revoltas pipocaram no sul, em Mato Grosso e no Nordeste. Na Revolta da Armada, o porto do Rio foi bloqueado e bombardeado. Em 1897, houve um atentado contra o presidente. Em três anos, Floriano Peixoto teve oito ministros do Exterior. Assumindo o Itamaraty em 1902, Rio Branco encontrou debeladas a inflação e as crises, num respiro para a política externa.

Ao morrer de complicações de saúde, ainda ministro, aos 67, em 1912, detinha mais capital político que os presidentes aos quais servira. Estima-se que tenham ido ao enterro 300 mil pessoas, um quarto da população carioca.

BIOGRAFIAS

Em muitos países, uma figura desse naipe seria objeto de ricas e divergentes biografias. Não aqui. A literatura sobre o barão é escassa, ignora a farta documentação disponível sobre ele em arquivos estrangeiros e mantém-se irritantemente laudatória.

Álvaro Lins, Jarbas Maranhão, Afonso de Carvalho e Renato Sêneca Fleury lançaram hagiografias no centenário de nascimento (1945). Quinze anos depois, Luis Viana Filho publicou trabalho um pouco mais rigoroso. O conjunto faz do barão um herói irretocável. Nos anos 2000 começou a aparecer algum questionamento, ainda que tímido. Rubens Ricupero, em seu "Rio Branco, o Brasil no Mundo" (2000), abre avenidas de investigação em brevíssimas 70 págs. Cristina Patriota faz o mesmo no também breve "Rio Branco, a Monarquia e a República" (2003).

Ler a respeito de Rio Branco ainda é frustrante. Do conjunto das obras existentes, aprende-se que ele era "coerente", "seguro", "inovador", "singelo", "lúcido", "despretensioso" e, curiosamente, conseguia ser "tímido" e "extrovertido" ao mesmo tempo. Como se tivesse poderes do além, "não falhou em nada que empreendeu".

Por isso é um sopro de lucidez o novo livro do diplomata e historiador Luís Cláudio Villafañe G. Santos, "O Evangelho do Barão" [Editora Unesp, 174 págs., R$ 36]. Corretivo necessário, põe em perspectiva o que houve de incoerente, inseguro e pretensioso na trajetória do barão, sem reduzir a genialidade do homem e de seu projeto político. Com "O Dia em que Adiaram o Carnaval" (2010), do mesmo autor, trata-se da melhor leitura, ainda que analítica, não propriamente biográfica.

Fica para o futuro a tarefa de desmontar dois mitos persistentes a respeito do barão: a suposta busca da liderança regional no entorno sul-americano e a suposta "aliança não escrita" com os EUA.

EQUILÍBRIO
Rio Branco era devoto da teoria do equilíbrio de poder. Entendia que todo protagonismo brasileiro levaria os vizinhos do Prata e do Amazonas a formar uma coalizão antibrasileira. Chegou a confidenciar a um interlocutor que "nenhum país de língua espanhola é bom e nenhuma pessoa de sangue espanhol é confiável".

Não era à toa. A Argentina, antiga rival, encontrava-se em franca ascensão. O Brasil de Rio Branco era relativamente fraco. Em 1906, por exemplo, nossa dívida pública era o dobro da argentina, o comércio exterior, metade, assim como a rede de linhas telegráficas. A Argentina tinha 21.600 km de trilhos; o Brasil, para um território muito maior, apenas 16.800 km. A força naval argentina era bem superior.

Em 1908, o barão estava seriamente preocupado com um ataque militar argentino. O governo de lá era, disse ele, "tresloucado". Ainda jovem, escrevera: "Não temos esquadra, não temos torpedos, não temos Exército, e os argentinos têm tudo isso". Pediu recursos para armar o Brasil, sem sucesso.

Assim, em posição de fraqueza relativa, Rio Branco fez três movimentos. Primeiro, acelerou a negociação das fronteiras, para evitar que possíveis conflitos militares ganhassem vulto -o Brasil não tinha condições de vencer.

Segundo, construiu um edifício conceitual calcado nos princípios de não intervenção, satisfação territorial e negociação de diferenças sem recurso à força. Fez isso porque o país não tinha alternativa.

Terceiro, Rio Branco propôs um acordo de "cordial inteligência" entre Argentina, Brasil e Chile, o ABC. Tratava-se de um modelo para mitigar a competição e criar canais de comunicação entre seu rival (Argentina) e o rival de seu rival (Chile). Esse "condomínio" para manter a região estável -o Brasil não podia se dar ao luxo da guerra- permitiria limitar efeitos negativos da ascensão argentina.

Buenos Aires descartou o ABC. Os dois países logo entrariam em uma corrida por poder, prestígio e influência que só se resolveria, em favor do Brasil, 60 anos mais tarde.

EUA
Todo manual de história diplomática -e todo livro sobre Rio Branco- repete a mesma tese: o chanceler teria feito dos Estados Unidos o principal aliado do Brasil republicano. Foi o historiador americano E. Bradford Burns que desenvolveu o conceito em seu "A Aliança Não Escrita: Rio Branco e as Relações do Brasil com os EUA", de 1966 (EMC, 2003).

A tese está equivocada: nem Rio Branco aliou-se aos EUA, nem os americanos fizeram do Brasil um aliado. A aproximação foi intensa, mas não menos parcial, conflituosa e frustrante para os dois países.

O barão não tinha ilusões. "Prefiro que o Brasil estreite as suas relações com a Europa a vê-lo lançar-se nos braços dos EUA", escreveu antes de assumir. Quem pedia uma "aliança tácita, subentendida", era Joaquim Nabuco, seu embaixador em Washington.

Rio Branco não evitou rotas de colisão. Em 1906, frustrado com a falta de cooperação dos EUA na 3a Conferência Pan-Americana, no Rio, provocou seu chanceler Elihu Root: "[A Europa] nos criou, ela nos ensinou". Tensão maior ocorreria em 1907, em Haia.

Uma consulta aos arquivos diplomáticos de Washington revela desconfiança em relação ao Brasil, preocupação em não hostilizar ou isolar a Argentina e sobretudo boa dose de indiferença. Do ponto de vista americano, não havia aliança, nem nada parecido.

Rio Branco usou o vínculo instrumentalmente e com vistas a tirar vantagens para o Brasil e para si mesmo. Mostrar-se como um aliado de Washington rendia frutos políticos internos, pois a República brasileira se identificava com o federalismo americano ("Somos da América e queremos ser americanos", diz o manifesto de 1870). De quebra, na Revolta da Armada os EUA apoiaram Floriano Peixoto contra os monarquistas.

O chanceler também usou os EUA como escudo. Ele temia que a expansão neocolonial europeia se espraiasse em áreas de fronteira malcuidadas como Amapá, Roraima e o rio Amazonas.

Quem poderia nos ajudar? "As definições da política externa norte-americana são feitas", explicava ele em 1905, "sem ambiguidades, com arrogante franqueza, sobretudo quando visam os mais poderosos governos da Europa, e o que acontece é que estes não protestam nem reagem, antes acolhem bem as intervenções americanas."

USOS E ABUSOS
Há cem anos, o nome do Barão é usado e abusado. Nas palavras de Villafañe, trata-se de uma verdadeira "santificação de Rio Branco na religião laica do nacionalismo".

Seus sucessores, por exemplo, justificaram políticas controversas apelando para o patrono. Nos anos 1940, Oswaldo Aranha o usou para convencer o público a aceitar lutar junto aos EUA na Segunda Guerra Mundial. Na década de 1960, Mario Gibson Barboza invocou-o para explicar a expansão do mar territorial brasileiro em 200 milhas.

Nos anos 1990, Celso Lafer ancorou nele a decisão de fazer concessões à Argentina. Nos 2000, Celso Amorim viu nele as sementes da Unasul. Agora, Antonio Patriota afirma que a aproximação do Barão aos EUA -naquele momento uma potência periférica- inspira a proximidade atual aos Brics (China, Índia, Rússia e África do Sul).

Nada disso surpreende. O barão, quando chanceler, também forjou mitos para justificar-se. Seus sucessores, ainda que sem o seu estilo, não fizeram mais do que segui-lo.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Acre: o momento decisivo de Rio Branco - Rubens Ricupero


Vocação acreana para o Pacífico

O Acre tem um defensor de sua história e nem sabe disso. Atualmente, Rubens Ricupero é um dos estudiosos mais especializados nos embates e disputas no campo diplomático que resultaram no ...
O Acre tem um defensor de sua história e nem sabe disso. Atualmente, Rubens Ricupero é um dos estudiosos mais especializados nos embates e disputas no campo diplomático que resultaram no Tratado de Petrópolis.
E falar sobre isso é conhecer em detalhes as estratégias de José Maria da Silva Paranhos, o Barão de Rio Branco. Com intenso trabalho de pesquisa, Ricupero já pode ser considerado um biógrafo do Barão, com mais um livro que deve ser publicado em breve. Em “O Acre - Momento Decisivo de Rio Branco”, ainda sem editora, apresenta de maneira concisa um dos momentos mais importantes da diplomacia brasileira.
Diplomata de carreira, ministro dos governos Tancredo, Sarney e Itamar Franco, ele foi, durante 10 anos, secretário geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio de Desenvolvimento), em Genebra. Hoje, é diretor da Faculdade de Economia e Relações Internacionais da FAAP e esteve no Acre a convite do prefeito de Rio Branco, Raimundo Angelim, para participar das atividades da Escola de Gestão do município.
Por que o Acre chama tanta atenção quando se estuda a diplomacia brasileira?
O Acre não possui uma questão de fronteiras como outras. Ele é um caso único e incomparável. Excepcional.
Por que?
Em todas as três Américas, o único episódio remotamente parecido é o do Texas, com a diferença que lá terminou com uma guerra em que o México acabou perdendo metade do território. E aqui, terminou com uma negociação que permitiu manter a paz. Outra diferença: o Acre era a única questão de fronteira do Brasil em que o Brasil admitia que a soberania era boliviana.
Tomamos o território por uma decisão diplomática?
Nos outros casos todos, o Brasil partiu do princípio de que o território era brasileiro. Aqui no Acre, não. Todos os ministros, do Império e da República, diziam que o Acre era boliviano. Essa diferença era fundamental. Outra diferença do caso daqui era que o Acre já estava povoado por brasileiros e era sede de uma das mais importantes atividades econômicas do século que era a extração e comercialização da borracha. Em todos os seringais, tinha-se investido 700 milhões de mil réis que eram equivalentes, na época, o equivalente a 43 milhões de libras esterlinas. Isso é mais de 20 vezes o que o Brasil vai pagar à Bolívia [2 milhões de libras esterlinas]. A Questão do Acre também se diferencia porque havia multiplicidade de países envolvidos: as pretensões do Peru não era poucas. Iam até Manaus. Outra coisa fundamental que diferencia o Acre: a opinião pública estava favorável à causa dos sublevados.
E o apoio do Amazonas nesse processo?
Pouca gente se dá conta disso. Houve participação do Pará também, mas o Amazonas teve participação importante. Isso não se gosta de dizer, mas as insurreições foram financiadas, armadas pelo Amazonas. Eles achavam que o Acre era parte do seu território. O Governo Federal reconhecia a soberania boliviana. Era contra essa ação do Amazonas que disfarçava o apoio por recear uma intervenção federal. Tudo isso junto, torna essa peça o maior desafio que o Rio Branco teve.
Se o Governo Federal reconhecia a soberania, por que o interesse diplomático?
A discussão não era sob argumentos geográficos. Barão do Rio Branco se torna ministro de Rodrigues Alves que tomou posse em 15 de novembro de 1902, quando a insurreição do Plácido de Castro estava em pleno vigor. A situação estava grave. O presidente da Bolívia, general José Manoel Pando, anunciou que iria marchar para o Acre. Nesse momento era que os bolivia-nos iriam reagir de fato.
Como o Barão de Rio Branco se diferenciou dos demais diplomatas que o antecederam?
Antes dele, os ministros não tinham querido nunca considerar que havia litígio entre Brasil e Bolívia. E isso enfraquecia a causa brasileira. Rio Branco não inventou a ideia de comprar o território ou dar de permuta uma parte do território brasileiro ou pagar os investidores do consórcio [Bolivian Sindicate, uma reunião de capitalistas com interesses econômicos na região que mais produzia borracha no país]. Essas ideias já tinham sido tentadas. Mas, o governo brasileiro não tinha uma estratégia. Se se não reconhecia o litígio, isso enfraquecia muito os argumentos do Brasil. A grande originalidade do Rio Branco foi declarar litigioso o território. E depois, é separar os adversá-rios. Ele exclui os peruanos da negociação. Ele neutraliza o Peru e os banqueiros do Rotchild. Com isso, a Bolívia estava isolada na negociação.
A estratégia dele foi provocar tensão para tentar uma reação da Bolívia?
Os bolivianos cometem dois erros capitais. O primeiro é a assinatura da concessão ao consórcio e o segundo é o anúncio de que vão mandar tropas. A diplomacia é um xadrez. Você move uma peça e o teu adversário outra. Os bolivianos tomaram a decisão infeliz de arrendar o território. Isso tira legitimidade da causa boliviana. Fica patente, por exemplo, que a Bolívia estaria disposta a deixar entrar na região uma ponta do imperialismo americano. Os países da região reagem e, no Brasil, isso galvaniza. E pressiona o Governo Federal a sair de sua paralisia.
Isso sem contar a decisão da Bolívia de radicalizar em plena negociação...
Aí complicou mais. Quando se inicia a negociação no Rio de Janeiro e chega a notícia de que o general Pando vai adiantar as tropas. Isso desencadeia uma reação forte do governo brasileiro que reforçou a presença militar na região. A Questão do Acre tem um caráter refundador da política externa.
Como assim?
A última fase diplomacia do Império levou o país a muitos conflitos, com intervenções no Uruguai, Argentina e, por último, o episódio do Paraguai. A República resolveu romper com essa tradição de conflito e queria cultivar o que os Positivistas chamavam de A Fraternidade das Pátrias Americanas. E o grande momento que essa fraternidade foi ameaçada foi na Questão do Acre. Das obras de Rio Branco, o Tratado de Petrópolis foi a mais importante.
Atualmente, o que as novas configurações na esfera econômica aqui no Acre exigem da diplomacia?
O Acre nasceu em função de uma conjuntura internacional. É, talvez, o estado brasileiro mais internacionalizado. A sua existência vem de um problema que é nacional. E o Acre, no futuro, vai ser marcado por essa vocação. Na medida em que os países do Pacífico se desenvolvem (e o Peru é um dos que mais cresce na região) e perdem o complexo de inferioridade que tinham, o Acre vai ter a vocação de desenvolver os laços com a costa do Pacífico. Cada vez mais o Acre precisa ser dotado de autorização para poder desenvolver uma negociação direta com as zonas limítrofes, seja na área da economia ou da Cultura.

domingo, 3 de junho de 2012

Inflacao de Barao: tem para todos os gostos

O Barão virou nome de Avenida no dia seguinte à sua morte. Desde 1913, invariavelmente, figurou em todas as moedas brasileiras (e elas foram muitas, como vocês sabem, pelo menos seis, sem falar das pequenas variações da mesma moeda). Ele figurou nas notas de 5 cruzeiros, e nas de 1.000 cruzeiros, ou cruzados, ou qualquer outra, até nas moedas de 50 centavos, se não estou enganado.
Tem Barão do Rio Branco em todo o Brasil, cidades, ruas, praças, avenidas, becos sem saída, restaurantes, quem sabe até em casas menos recomendadas?
Enfim, de tudo o que vem sendo visto por aí, e que ameaça nos dar indigestão de barão, esta é uma das melhores matérias que li, bem informativa para nossos estudantes.
Paulo Roberto de Almeida
DIPLOMACIA

Brasil, a obra maior do Barão

Atuação do diplomata Barão do Rio Branco, morto há 100 anos, foi fundamental na definição do desenho atual do país
DEREK KUBASKI, ESPECIAL PARA A GAZETA DO POVO
Gazeta do Povo, 02/06/2012
“Dorme, meu grande Rio Branco, o sono da eternidade, que tu foste, da tua pátria, o herói da liberdade”. O estribilho com rima pobre da centenária canção “Morte do Barão do Rio Branco” – do músico Serrano – imortaliza o mito que se criou sobre o “figurão” da diplomacia brasileira cujo verdadeiro nome era José Maria da Silva Paranhos Júnior, morto em fevereiro de 1912. O mito, apesar de alguns exageros, faz jus ao espírito negociador do homem que deu o formato atual de grande parte das fronteiras brasileiras sem apelar para as armas.
Mesmo antes de ser nomeado Ministro das Relações Exteriores do país, em 1902, Rio Branco colecionava participações de peso nas negociações de algumas divisas, como na disputa pelo Território de Palmas, reivindicado pela Argentina, mas que acabou ficando em caráter definitivo para o Brasil em 1895. Se o país platino saísse vitorioso, a extensão Leste-Oeste do estado de Santa Catarina poderia ter aproximadamente um terço do tamanho que tem hoje.
Brasil e Argentina vinham disputando o Território de Palmas (ou “de las Misiones”) desde 1881. Em mais de dez anos de debates, os dois países não chegaram a um acordo. A questão, então, passou para as mãos da arbitragem dos Estados Unidos. Rio Branco, então cônsul do Brasil em Liverpool (Inglaterra), foi chamado para representar os interesses da terra natal. Como ressalta o historiador da Universidade de Passo Fundo (UPF), no Rio Grande do Sul, Adelar Heinsfeld, o sucesso do Brasil na questão se deveu, entre outros aspectos, ao grande conhecimento histórico de Rio Branco, o que deu corpo à defesa que apresentou.
“Não fosse isso, teríamos uma ‘cunha’ argentina encravada bem no meio da Região Sul”, sustenta Heinsfeld, que pesquisou a participação de Rio Branco nas questões fronteiriças brasileiras. Ele acredita que, se o Brasil perdesse o território reivindicado pela Argentina, os movimentos que pregam a separação do Sul do restante do país poderiam ter muito mais força. “A distância entre a Argentina e o litoral de Santa Catarina seria de apenas 45 léguas [cerca de 180 quilômetros]. Boa parte da Região Sul ficaria praticamente ‘fora’ do Brasil”, avalia.
Pouco por muito
No livro “A Geopolítica do Barão do Rio Branco”, o professor Heinsfeld apresenta um panorama das fronteiras cujas formações dependeram diretamente da intervenção do Barão (ver infográfico). Em alguns momentos, como resgata o pesquisador, o “desenhista” das nossas divisas teve de ceder algumas partes dos territórios disputados como forma de compensação aos países com que o Brasil litigava. Mas foram cessões ínfimas: as concessões feitas à Colômbia e ao Peru perfazem cerca de 42 mil km² de terras, enquanto, nas mesmas negociações, o Brasil assegurou cerca de 600 mil km² para o seu território. “Apesar de ser um grande articulador, ele também foi o artífice de um dos processos de maior modernização nas nossas forças armadas, especialmente da Marinha. É o que podemos chamar de uma “Paz Armada””, afirma Heinsfeld.
Articulação
Diplomata aproximou Brasil e Estados Unidos
Crente na possibilidade de tornar o Brasil uma potência internacional, Rio Branco voltou suas atenções para o país norte-americano que – na transição do século 19 para o 20 – não fazia questão de ocultar a gana imperialista. Para um país como o nosso, ainda muito dependente da Inglaterra na época, essa aproximação com os Estados Unidos tencionada pelo Barão era vista como algo ousado.
“Era o que se pode chamar de um americanismo pragmático, não ideológico”, alerta Bonafé. Segundo o pesquisador, ao invés de um alinhamento com o pensamento norte-americano, o chanceler brasileiro buscou antecipar um bom relacionamento com um país que – como revelou a História – se tornaria a maior potência do cenário internacional.
“Prova disso é que a primeira embaixada brasileira é instalada em Washington, capital dos Estados Unidos, em 1905, quando o Brasil recebe a primeira embaixada daquele país na América Latina”, recorda Bonafé. Segundo ele, uma das maiores preocupações de Rio Branco era que o Brasil fosse visto como um país civilizado pela comunidade internacional.
Trajetória
Rio Branco simpatizava com a Monarquia, mas fez fama na República
Filho do senador do Império e também diplomata Visconde do Rio Branco, o Barão começou suas atividades de cônsul – em Liverpool – com apenas 31 anos, em 1876. Depois de já ter atuado em algumas questões fronteiriças, como advogado da República, representou o Brasil em uma missão em Berlim, na Alemanha, entre 1900 e 1902. Naquele ano, foi convidado para ser Ministro das Relações Exteriores, cargo que ocupou até vir a falecer.
Ao todo, Rio Branco assumiu a pasta durante os mandatos de quatro presidentes brasileiros: Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca. O Barão, devido à competência técnica que tinha para o cargo, era benquisto por todos os chefes da República com quem conviveu mesmo sendo um monarquista declarado. Ao contrário de outros diplomatas críticos do governo republicano, Rio Branco não se afastou do regime.
Estudioso do diplomata Joaquim Nabuco e da relação dele com o Barão, o historiador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Luigi Bonafé, acredita que isso contribuiu para a glória e fama que Rio Branco conquistou. “Ele chega a ofuscar outras personalidades da diplomacia brasileira como Oliveira Lima, Félix Pacheco, Lauro Müller, Domício da Gama e o próprio Nabuco, de quem ele foi amigo pessoal.”
Em sua pesquisa, ele analisou cartas trocadas entre Nabuco e Rio Branco. “Eles são contemporâneos, fizeram juntos o curso de Direito. Ambos tiveram uma formação bastante conservadora e rejeitavam a República. A diferença é que o Barão, com o fim da Monarquia, continuou nas suas funções, enquanto Nabuco assumiu uma posição mais política, batendo de frente com o sistema republicano”, explica.

sábado, 2 de junho de 2012

Rio Branco: exposicao lembra sua vida e obra (RJ)



Rio Branco: 100 Anos de Memórias

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Rodrigo Domit · Rio de Janeiro, RJ
29/5/2012 · 0 · 0
Exposição retrata a história e a memória do Barão do Rio Branco

O Ministério das Relações Exteriores e a Fundação Alexandre de Gusmão apresentam a exposição Rio Branco: 100 Anos de Memória, em homenagem ao Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, ao ensejo do primeiro centenário de sua morte. A mostra ocupa três salas do Palácio do Itamaraty (Av. Marechal Floriano, 196, Centro), e está aberta de segunda a sexta das 11h às 16h.

A primeira sala apresenta a trajetória de José Maria da Silva Paranhos Júnior, família, juventude e atividades de jornalista, deputado, historiador e erudito, culminando na sua faceta mais conhecida, de diplomata, insuperável advogado do Brasil no estabelecimento pacífico das fronteiras, e de estadista.

A seção seguinte é dedicada à permanência de Rio Branco na memória nacional e sua rápida identificação com a modernização do Brasil na virada do século XIX para o XX, com obras de artistas plásticos, cineastas, escritores e ilustradores que retrataram o Barão e seu tempo. São relembrados os monumentos, escolas, ruas, praças, cédulas e selos que imortalizaram a figura e o nome deste ícone nacional.

Por fim, são exibidos registros cinematográficos da comoção popular em torno do falecimento do Barão, que levou ao adiamento do carnaval, pela primeira e única vez, na cidade do Rio de Janeiro.

Mais informações:
Museu Histórico e Diplomático
Telefone: (21) 2253-2828

Serviço:
Exposição Rio Branco: 100 Anos de Memória
Palácio do Itamaraty
Av. Marechal Floriano, 196, Centro
De segunda a sexta, das 11h às 16h
onde fica
Museu Histórico e Diplomático
Palácio do Itamaraty


domingo, 13 de maio de 2012

Rio Branco, por um admirador fervente - Marcos C. Cortes


Embaixador Marcos Henrique Camillo Côrtes
Blog Brasil Soberano e Livre, 13/05/2012

José Maria da Silva Paranhos Júnior, Barão do Rio Branco
Rio de Janeiro, * 20 de abril de 1845 – † 10 de fevereiro de 1912

INTRODUÇÃO

“Na história dos povos, seus gigantes se apóiam nos ombros de grandes homens.”

A Diplomacia é uma Arte e, como tal, plena de paradoxos. Os que para ela têm vocação sabem – sem que seja preciso ensinar-lhes – que estarão sempre plantando sementes de árvores cujos frutos jamais verão e nem por isso se empenham menos nessa faina. Aos que é dada a ventura de vê-los incumbe a enorme responsabilidade de avaliar objetivamente se é chegado o momento da colheita e a competência de efetuá-la sem comprometer a qualidade dos frutos. Assim ocorreu com nossas fronteiras ...

Os Grandes Homens
Historicamente, a conformação jurídica do que viria a ser o perímetro do Brasil se inicia no século XV, nas sempre difíceis negociações entre Portugal e Espanha. Pode-se considerar que o primeiro documento internacional relevante nesse contexto foi a bula Intercoetera, com a qual o Papa Alexandre VI, em 1493, dividiu entre os dois países o mundo ainda a ser “descoberto” pelos europeus.

Logo se iniciam em Tordesilhas as conversações para definir onde se situaria a linha divisória dessa partilha. Os portugueses, demonstrando dispor de Inteligência Estratégica e possuir a percepção da assimetria dos Espaços Geopolítico e Geoestratégico (séculos antes de que tais conceitos fossem definidos), conseguiram que se adotasse o meridiano 370 léguas a oeste da ilha de Santo Antão, no arquipélago de Cabo Verde. Por que essa distância? Por que não um número “redondo”, como 350 ou 400? Não cabe aqui debater esse ponto, que fica à curiosidade do leitor.

Ao longo dos séculos XVI e XVII, aproveitando a circunstância da união real de Portugal e Espanha (1580 – 1640), as entradas e bandeiras organizadas por lusitanos no subcontinente, especialmente a liderada por Antonio Raposo Tavares, foram expandindo a presença portuguesa, sem cometer qualquer ilegalidade visto que, estando sob o mesmo rei, não havia razão para levar em conta a linha de Tordesilhas. Não obstante, parece-me válido pensar que os portugueses jamais deixaram de ansiar pela restauração de um monarca nativo em Lisboa e terá sido com esse “objetivo nacional” em mente que Pedro Teixeira, ao empreender em 1616 a missão de explorar a calha do Amazonas, foi dando nomes de cidades portuguesas às povoações que ia fundando nas margens do grande rio.

Com a brilhante negociação do Tratado de Madri, de 1750, o brasileiro Alexandre de Gusmão ( *Santos, 1695 – †Lisboa, 1753) consegue a adoção do princípio do Uti possidetis, com o que logra a preservação do status quo territorial como garantia de paz e a fixação jurídica dos limites entre as terras das duas coroas na América do Sul. É com total justiça que, no Itamaraty. o consideramos o “Avô da Diplomacia brasileira”.

Numa certa ironia da História, os primeiros passos autônomos dos diplomatas brasileiros se dariam nas complicadas negociações para o reconhecimento da nossa independência nacional, a que se opunham tenazmente os representantes do governo de Lisboa.

Simultaneamente, nossa diplomacia tinha de se empenhar nos meandros perigosos da instabilidade crônica no Prata, com as animosidades herdadas do período colonial e os desígnios de poder de vários caudilhos da região.

No norte também havia nuvens ominosas, com as ambições territoriais da Grã-Bretanha e da França, que pretendiam estender as fronteiras de suas Guianas até a margem esquerda do Amazonas. Na metade do século XIX surgiu ainda a ameaça do projeto norte-americano de colonizar a calha desse rio com os escravos que seriam transplantados do sul dos Estados Unidos (vide adiante).

É nesse período conturbado que se desenvolve o entrosamento entre a Diplomacia brasileira e as nossas Forças Armadas, àquela época constituídas por Exército e Marinha.

Paralelamente a essas tarefas ingentes, o Ministério dos Negócios Estrangeiros trabalhava de forma constante para ir consolidando em acordos bilaterais as sólidas bases jurídicas para a fixação definitiva de nossas fronteiras. Sobressaem nessas décadas as figuras do Barão (Duarte) da Ponte Ribeiro, do Visconde do Uruguai (Paulino José Soares de Souza), de Joaquim Caetano da Silva, do Visconde do Rio Branco e, em especial, do Barão do Rio Branco.

Como é notório, a deposição do Imperador e a proclamação da República tiveram no Brasil características sui generis no contexto de mudanças súbitas e radicais de regime político. De todas essas peculiaridades, talvez a mais significativa tenha sido a “permanência” natural do Serviço Diplomático, demonstrando de modo insofismável que, na transição da Monarquia para a República, se reconheceu e preservou o profissionalismo apolítico dos diplomatas brasileiros.

Culminando a obra secular das gestões para resolver pacificamente as questões de limites com nossos vizinhos, o Barão do Rio Branco irá – ainda antes de ser Chanceler e em seguida já no exercício do cargo – encerrar com maestria inexcedível a fixação jurídica completa de nossas fronteiras.

De forma sintética, relaciono a seguir as questões de limites resolvidas a partir da independência do Brasil:

Império do Brasil

1872 – Paraguai [Barão de Cotegipe (João Maurício Wanderley)]

República dos Estados Unidos do Brasil (com uma exceção, todas defendidas por Rio Branco)

1895 – Argentina (Questão de Palmas)
1900 – França (Guiana Francesa) (Questão do Oiapoque)
1903 – Bolívia (Questão do Acre)
1904 – Equador
1904 + 09 – Peru
1904 – Grã-Bretanha (Guiana Britânica) (Questão do Pirara) [Joaquim Nabuco]
1905 – Venezuela
1906 – Holanda (Guiana Holandesa)
1907 – Colômbia
1909 – Uruguai

O Gigante

É amplamente conhecida, documentada e comentada a obra extraordinária de Rio Branco: a conclusão do trabalho secular de fixação jurídica de nossas fronteiras, que acrescentou 900.000 km2 ao território pátrio sem emprego da força armada. Graças a ele, podemos hoje afirmar que, desde 1909, o Brasil não tem problema algum DE fronteira, mas pode ter – e tem, como é normal no âmbito internacional – problemas NA fronteira.

Esse trabalho hercúleo é bastante conhecido nos seus resultados, embora a meu ver mereça atualmente, por parte de professores, historiadores e diplomatas, estudos mais amplos e aprofundados. Rio Branco deixou-nos, porém, todo um riquíssimo manancial de ensinamentos, de conceitos, de exemplos, de princípios e de valores só conhecido das gerações funcionais que serviram no Itamaraty. Esse é o legado intangível do Barão, do qual me ocuparei agora.

O legado intangível do Barão

Apesar de ser um escritor infatigável, Rio Branco não elaborou um “manual de prática diplomática”. O que se segue é, na realidade, uma evocação de fatos concretos para, a partir deles, definir algumas das linhas mestras que balizaram sua atuação como diplomata e como Chanceler.

1) Acatamento erga omnes do Direito Internacional

Rio Branco já havia concluído a negociação com a delegação boliviana que culminaria com o Tratado de Petrópolis, resolvendo integralmente a Questão do Acre, na qual fizera valer nossos direitos para definir a linha de fronteira. A essa altura, chegou-lhe a informação de que Plácido de Castro e seus valorosos voluntários haviam ido muito além dela, estando portanto em território boliviano. Provavelmente seria fácil deixar que essa situação trouxesse vantagens para os brasileiros. O Barão, entretanto, coerente com seu respeito pelas normas do Direito Internacional, insistiu para que Plácido de Castro retrocedesse até cruzar de volta a nova fronteira. Tendo conseguido o acatamento de sua determinação, Rio Branco foi alvo de algumas críticas nos meios políticos no Rio de Janeiro, as quais, com dignidade e bom senso, absteve-se de refutar.

2) A legítima “generosidade” na Diplomacia

O diplomata aprende, desde o começo de sua carreira, que “no relacionamento internacional não há amigos nem inimigos. Existem apenas – e sempre – interesses, conflituosos ou convergentes” .

O próprio Barão do Rio Branco enunciou de outra forma a mesma dura realidade: “O sentimento de gratidão raros homens o possuem e mais raro ainda ou menos duradouro é ele nas coletividades humanas que se chamam Nações.”

Por conseguinte, fazer unilateralmente concessão que prejudique algum interesse nacional em nome de uma alegada “generosidade” é um contrassenso em Diplomacia. Pior ainda se essa concessão for feita diante de ação ilícita da outra parte.

No entanto, há circunstâncias em que um ato de ostensiva generosidade é perfeitamente compatível com os princípios da Diplomacia. Assim ocorreu na negociação do Tratado de Limites com o Uruguai, em 1909. Para surpresa dos negociadores uruguaios, Rio Branco ofereceu estabelecer o condomínio e a livre navegação na Lagoa Mirim e no rio Jaguarão, que até então estavam inteiramente em território brasileiro . Com isso, sem acarretar qualquer prejuízo para o Brasil, o Barão eliminou, através de um gesto nobre, inevitável controvérsia no futuro e prestou um grande serviço a ambos os países.

3) Na vitória diplomática, o ideal é que o outro lado também ganhe.

De maneira simplista, costuma-se dizer que, “na guerra, o objetivo é a destruição total do inimigo”. Ora, na controvérsia diplomática, ao contrário, busca-se a vitória na negociação, porém com o cuidado de que o resultado final represente algum ganho para a outra parte. Isso não decorre de motivação caridosa, mas sim da noção que a vivência das relações internacionais ensina que a durabilidade e o pleno acatamento de um acordo dependem do grau de satisfação dos seus signatários.

O Barão demonstrou essa preocupação na difícil negociação sobre o Acre. Embora já convencido do êxito próximo e concordando com várias formas de indenização, ele se esforçou para caracterizar a satisfação, mesmo que parcial, de certas reivindicações territoriais da Bolívia, cedendo-lhe pequenos territórios próximos à foz do rio Abunã (numa região próxima ao Acre) e na bacia do rio Paraguai. Assim é que o popularmente chamado Tratado de Petrópolis tem o título formal de Tratado de permuta de Territórios e outras Compensações.

4) A autêntica vitória diplomática é silenciosa.

O trabalho diplomático competente é primordialmente conduzido em silêncio. No antigo Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro, os jovens ouviam sempre dos diplomatas veteranos que deviam, na medida do possível, evitar a divulgação de seus nomes e fotografias nos jornais. O êxito da atuação diplomática se caracteriza, em boa medida, pelo anonimato dos seus responsáveis fora dos muros da Chancelaria.

Além disso, concluída a negociação, o excesso de louvor a um protagonista inevitavelmente desagradará ao outro lado, o que pode ser nocivo até mesmo para a implementação do que tiver sido acordado.

Após a assinatura do Tratado de Petrópolis, dentre muitos aplausos – sem qualquer dúvida merecidíssimos – o Barão recebeu entusiásticas felicitações do prestigioso Clube de Engenharia, no Rio de Janeiro. Com muita elegância e sabedoria profissional, Rio Branco fez divulgar a seguinte resposta àquela entidade:

“Sumamente penhorado pela nova manifestação de benevolência com que me distingue essa ilustrada Associação, peço, entretanto, licença para discordar quanto à ‘vitória diplomática’ que ela me atribui na conclusão do nosso acordo com a Bolívia em 21 de março. Honroso e satisfatório para ambas as partes, ele é, sobretudo, vantajoso para a Bolívia e novo atestado do tino político e esclarecido patriotismo do seu Ministro das Relações Exteriores, Sr. Eliodoro Villazón.”

5) Audácia calculada: Invocar a força armada como meio dissuasório em prol do prosseguimento da negociação

O emprego da dissuasão tem sido analisado por muitos estudiosos de relações internacionais, especialmente no contexto do gerenciamento de crise. Entretanto, não se conhecem trabalhos específicos sobre a dissuasão como um dos recursos que podem ser utilizados num âmbito de negociação diplomática. Neste caso, talvez mais do que o aspecto da credibilidade, o negociador precisa ter a habilidade de impedir que a ameaça, por mais equilibrados que sejam os termos adotados, permita ao interlocutor inverter sua rota de colisão sem se sentir humilhado.

O Barão deixou-nos um claríssimo exemplo da forma ideal de exibir firmeza sem encurralar o oponente. Enquanto prosseguiam as negociações boliviano-brasileiras, em Petrópolis, a propósito da questão do Acre, o Presidente da Bolívia, General José Manuel Pando, ordenou o deslocamento para a zona contestada de tropa numerosa , sob seu comando pessoal. Ao ser informado dessa conduta, Rio Branco redigiu de próprio punho um despacho-telegráfico, datado de 03/FEV/1903, ao chefe da Legação do Brasil em La Paz, cujo trecho operacional era o seguinte:

“(...) O governo brasileiro não quer romper as suas relações diplomáticas com o da Bolívia, continua pronto para negociar um acordo honroso e satisfatório para as duas partes e deseja mui sinceramente chegar a esse resultado. O sr. presidente Pando entendeu que é possível negociar marchando ele com tropas para o norte; nós negociaremos também fazendo adiantar forças para o sul, com o fim, já declarado, no interesse das boas relações de amizade que o Brasil deseja ardentemente manter com a Bolívia. É urgente que os dois governos se entendam para remover rapidamente esta dificuldade do Acre, fonte de complicações e discórdia. Se não for possível um acordo direto, restar-nos-á o recurso do juízo arbitral. (...)”

Felizmente, para o restabelecimento do respeito mútuo necessário ao prosseguimento da negociação, o General Pando optou por retornar com sua tropa para La Paz.

6) A credibilidade da Ação Diplomática também requer Forças Armadas capacitadas

Na fria realidade do relacionamento internacional, como já advertia Richelieu no século XVII, “quem tem a força, sempre tem razão; quem é fraco talvez consiga não ser culpado”. Há, em Coimbra, uma linda estátua representando a Diplomacia, em que uma figura feminina, com semblante sereno, aponta um pergaminho aberto com a mão direita, enquanto a esquerda segura uma espada com a ponta pousada no chão. O simbolismo é perfeito: a Diplomacia se orienta sempre pelas normas do Direito Internacional e dos acordos, porém não descura da garantia que provém da força armada para fazer valer a Justiça.

É sabido que o Barão – com invulgar conhecimento da história militar – tinha a mais profunda aversão à guerra e se empenhava pela solução pacífica das controvérsias. Igualmente intensa era sua convicção da justiça das causas brasileiras que lhe coube defender. Entretanto, tinha plena consciência de que os argumentos morais e éticos, os princípios jurídicos e as provas documentais com que alicerçava sua defesa dos direitos do Brasil seriam, em muitos casos, de pouca eficácia se não contassem com o respaldo das nossas Forças Armadas. Além disso, nosso próprio passado histórico confirmava o conceito de que a eventual debilidade militar do Brasil estimulava certas ambições ao longo de nossas fronteiras.

Por tudo isso, sobretudo durante a década em que foi Chanceler, Rio Branco desenvolveu sistemáticos esforços em prol do reequipamento da Marinha do Brasil e do Exército Brasileiro . É muito representativo dessa preocupação o trecho, transcrito a seguir, de discurso que proferiu em 1910 e que, lamentavelmente, continua muito pertinente:

“(...) Se hoje procuramos (...) melhorar as condições em que alguns anos de agitações estéreis e conseqüentes descuidos colocaram nosso Exército e nossa Armada (...) é unicamente porque sentimos a necessidade, que todas as nações previdentes e pundonorosas sentem, de estarmos preparados para a pronta defesa do nosso território, dos nossos direitos e da nossa honra contra possíveis afrontas e agressões.
“(...) lembrar (...) a necessidade de, após (...) anos de descuido, tratarmos seriamente de reorganizar a defesa nacional (...). ”

7) Quadros diplomáticos imunes a partidos e ideologias

Os biógrafos de Juca Paranhos são unânimes em ressaltar sua imensa admiração pelo pai, o extraordinário estadista que foi o Visconde do Rio Branco. Acompanhando de perto e depois colaborando com a atuação política e diplomática do pai, era natural que ele absorvesse as convicções do modelo paterno como monarquista e unitário convicto. Além disso, fora nomeado pela Regente para o Ministério dos Negócios Estrangeiros e depois agraciado pelo Imperador com o título de Barão. Nos últimos anos do segundo reinado, D. Pedro II estendera a Rio Branco o privilégio de manter correspondência direta com ele, prática que se manteve mesmo no exílio do Imperador deposto.

Apesar de todos esse laços com o regime substituído pela República, o Barão não teve qualquer constrangimento em aceitar defender a causa brasileira na questão das Missões ou de Palmas (contra a Argentina), convidado por Floriano Peixoto, e na questão do Oiapoque (contra a França), instado por Prudente de Morais, bem como, posteriormente, em ser Chanceler sob 4 Presidentes (de 1902 a 1912), porque tinha a correta consciência de que servia ao país e não a qualquer governo ou regime.

Nesse contexto, é interessante reproduzir aqui um episódio significativo. Ao final de um despacho no Palácio do Catete, o Presidente Rodrigues Alves disse ao Barão que vinha tendo de enfrentar queixas de que ele desrespeitava ostensivamente a proibição legal do uso de título nobiliárquico, inclusive na assinatura que apunha a documentos oficiais. Rio Branco serenamente respondeu: “Presidente, não vejo problema algum: Vossa Excelência tem o Barão do Rio Branco como Chanceler ou tem outro Chanceler ... ”

8) Isenção pessoal no interesse da Nação

Um dos grandes objetivos que se fixara o Barão à frente do Itamaraty era o reconhecimento, pelas grandes potências da época, da real estatura do Brasil no cenário internacional. Nesse sentido, Rio Branco considerou nossa participação na 2ª Conferência da Paz, que se realizaria na Haia de 15 de junho a 18 de outubro de 1907, como excelente oportunidade para projetar a desejada imagem do nosso país.

Assim sendo, Rio Branco convidou para representar o Brasil nessa grande reunião internacional o atuante político Ruy Barbosa apesar de, no âmbito da política interna, ter este demonstrado sua desafeição pelo Chanceler.

O Barão prestou-lhe todo o apoio do Itamaraty e, além disso, montou um eficaz esquema para projetar a figura de Ruy na imprensa dos EUA e da Europa. Nesse contexto, aliás, atribui-se ao Chanceler a criação da alcunha de “Águia da Haia”.

9) A negação da chamada “ Diplomacia presidencial ”

Muito antes do surgimento da prática da chamada “Diplomacia presidencial”, Rio Branco deixou-nos uma lição magistral sobre a inevitável incompatibilidade dessa forma de atuação do Chefe de Estado com uma política externa eficiente, capaz de assegurar a obtenção e manutenção dos objetivos nacionais, tanto permanentes como atuais.

Em 1909, exercia ele havia 7 anos o cargo de Chanceler e, por tudo que já fizera pelo Brasil, era aclamado em todo o País. Foi convidado com insistência para candidatar-se à Presidência da República. A vitória seria inevitável. Porém, manteve-se firme na recusa, argumentando que aceitar sua eleição “ (...) seria faltar eu ao programa de inteira abstenção nas lutas da política interna (...). Estarei sempre pronto para servir a nossa terra na medida das minhas forças, mas sinto que não posso e não devo ser um homem de partido, nem combatente na política interna.”

10) Percepção correta da situação geopolítica

Num período em que havia na Argentina vociferantes e influentes setores anti-brasileiros , Rio Branco empenhou-se por promover uma positiva aproximação entre os dois países. Graças a esse paciente e hábil trabalho de persuasão, ocorreram as emblemáticas visitas ao Brasil do ex-Presidente Julio Roca e do Presidente-eleito Roque Sáenz-Peña. Aliás, este último pronunciou no Rio de Janeiro a famosa frase indicativa do ambiente de amizade que o Barão conseguira criar entre os dois países: "Tudo nos une, nada nos separa".

O Barão também propôs a criação do bloco ABC – Argentina, Brasil e Chile – que operaria como indutor da paz no Cone Sul. As conversações nesse sentido evoluíram lentamente e o pacto constitutivo só viria a ser firmado em 1915.

11) Visão geoestratégica

Como sói acontecer no planejamento e execução das ações diplomáticas, certas concepções são postas em prática pelos diplomatas e só muito depois vêm a receber um invólucro acadêmico. Em Tordesilhas, os negociadores lusos orientavam suas proposições com base no que hoje se denominaria de percepção do espaço geoestratégico. Analogamente, o Barão tinha muito nítida a importância geoestratégica dos Estados Unidos da América. Para que se compreenda o ineditismo dessa visão é necessário recordar que, na época, aquele país era, em geral, considerado pouco relevante no cenário mundial, e a Grã-Bretanha era a grande potência, que podia, inclusive, constituir-se numa ameaça para nossos interesses.

Por outro lado, a nação norte-americana, embora já atuando vigorosamente no Pacífico e na Ásia Oriental, bem como na América Central e no Caribe, ainda se mostrava desinteressada para com o subcontinente sul-americano. Mas o Barão soube persuadir os dirigentes norte-americanos das vantagens mútuas no estabelecimento com o Brasil de um “relacionamento especial”.

Convém aqui assinalar que isso não implicava para nós qualquer tipo de subserviência, acusação por vezes lançada por alguns adeptos de um certo revisionismo histórico de inspiração esquerdista. Ao contrário, Rio Branco sempre pautara sua atuação pela defesa invariável da dignidade e da soberania do Brasil. Em relação aos Estados Unidos, isso fica claramente demonstrado pela Nota por ele dirigida em 1903 à Legação norte-americana no Rio de Janeiro, em que definia as normas que restabeleceram a plena soberania brasileira nos rios amazônicos. Recorde-se aqui, muito sumariamente, que a partir de 1850, fora desenvolvido o projeto de Matthew Fontaine Maury, brilhante oficial da Marinha norte-americana, de promover a plena internacionalização da navegação no Amazonas-Solimões-Marañon e seus afluentes, juntamente com a colonização da calha do Amazonas, com o traslado dos escravos negros do sul do seu país.

Um dos primeiros resultados concretos desse “relacionamento especial” foi o decisivo apoio de Washington para que a III Conferência Pan-Americana, inicialmente prevista para se realizar em Buenos Aires, tivesse lugar no Rio de Janeiro, em 1906, o que foi inegavelmente fator de prestígio para o Brasil no hemisfério.

12) Importância crucial da documentação e do pessoal

O Barão sabidamente não era afeito a questões administrativas, mas pregava a importância para a eficaz Ação Diplomática de sólida fundamentação documental e de quadro de pessoal competente e inovador. Daí – apesar dos embates por diferenças de opinião e estilo – seu respeito pelo lendário Visconde de Cabo Frio (Joaquim Thomaz do Amaral), que exerceu por mais de 20 anos o cargo de Diretor-Geral da Secretaria de Estado, assegurando com firmeza invariável a organização e a disciplina dos quadros da nossa Diplomacia.

Apesar das queixas do Visconde pelos gastos das obras ordenadas (“Haja tostão, Senhor Barão !”), Rio Branco fez construir as instalações para a guarda e a consulta do arquivo central, da biblioteca e da mapoteca, preservando um acervo riquíssimo posto a serviço do Brasil.

13) Preocupação com a qualidade dos diplomatas

Desde que assumiu a direção da nossa Chancelaria, Rio Branco procurou atrair para o Itamaraty jovens dotados de determinadas qualidades. O Barão tinha perfeita noção dos requisitos que deveriam satisfazer os que fossem ser admitidos no Itamaraty. Por isso, incumbia-se pessoalmente da seleção, não sujeitando sua escolha a recomendações ou pedidos de cunho político.

Esses requisitos – válidos até hoje – podem ser agrupados em três categorias:

I. Vocação:
• Desejar servir à Nação (e não ao Governo, qualquer seja ele), o que, evidentemente, pressupõe uma conduta apolítica e apartidária.
• Entender que o serviço diplomático é uma Carreira de Estado e estar disposto a acatar as obrigações dela decorrentes.
• Ter como uma de suas metas pessoais na profissão promover a harmonia entre os povos.
• Estar disposto a arcar com os sacrifícios na vida privada que a carreira diplomática inevitavelmente acarreta.

II. Aptidão:
• Ter o domínio operacional de certos idiomas.
• Ser capaz de estabelecer empatia, porém sem perder a objetividade.
• Pautar-se por uma conduta pessoal ilibada, tendo sempre em mente que o seu comportamento, sobretudo no Exterior, se reflete sobre a própria imagem do povo brasileiro.
• Respeitar o “anonimato com responsabilidade”. Isso significa não invocar ou divulgar publicamente a autoria de trabalhos, que são impessoalmente atribuídos “ao Itamaraty”, porém tendo a certeza de que internamente sabe-se quem fez ou deixou de fazer o que.

III. Cultura:
• Dispor de conhecimento profundo nas áreas especificamente vinculadas à atividade diplomática.
• Formar e manter atualizada uma ampla gama de informações variadas, sendo uma espécie de “especialista em generalidades”, para estar habilitado a saber onde buscar o assessoramento que eventualmente se faça necessário.
• Possuir ou desenvolver adaptabilidade a diferenças. O diplomata precisa se abster de atribuir ab initio um valor positivo ou negativo ao que lhe apareça como diferente ou incomum.
• Cultuar um nacionalismo firme porém desprovido de arrogância ou xenofobia. O próprio lema escolhido por ele ao ser feito Barão já sintetizava esse sentimento profundo e constante – Ubique Patriae Memor (Em todos os lugares, a lembrança da Pátria).

14) Serviço da Pátria mesmo com sacrifício pessoal

Em 1911, Rio Branco estava padecendo de graves problemas renais e por isso ofereceu seu afastamento ao Presidente Hermes da Fonseca. Este, porém, argumentou que não podia prescindir da sua permanência à frente da diplomacia brasileira. Ante essa recusa, o Barão concordou em permanecer no cargo. Sem esmorecer no trabalho, sua saúde foi se deteriorando com mais rapidez e, poucos meses mais tarde, após longa agonia no seu Gabinete, onde praticamente morava, em 10 de fevereiro de 1912 morreu o grande brasileiro.

A morte de Rio Branco causou a maior consternação popular jamais vista no Brasil. A cidade inteirou parou. Era sábado de Carnaval, que foi adiado. O governo determinou que lhe fossem prestadas honras fúnebres de Chefe de Estado. Foi instalada no salão nobre do Palácio uma câmara ardente, com permanente guarda de honra por Oficiais da Marinha e do Exército. No dia 13, o cortejo fúnebre saiu do Itamaraty para o cemitério de São Francisco Xavier, no bairro do Caju, onde seria sepultado no mausoléu em que estavam os restos mortais do seu pai, o Visconde. Uma multidão estimada em centenas de milhar acompanhou o féretro, fazendo-lhe a escolta o 1º Regimento de Cavalaria (mais tarde designado “Dragões da Independência”). Ao longo de todo o trajeto foram postados efetivos da Marinha (uma Cia. de Marinheiros), do Exército (duas Divisões, sob o comando geral do Gen Div José Caetano de Faria, Chefe do Grande Estado Maior) e da Polícia Militar do Distrito Federal, num total de 3 a 4 mil homens. No Caju, uma bateria do 1º Regimento de Artilharia de Campanha disparou as 21 salvas cerimoniais enquanto, na baía de Guanabara, todas as belonaves também disparavam seus canhões e faziam soar seus apitos incessantemente.

Tempos depois, no roda-teto de mármore escuro que existe naquela dependência do velho Palácio Itamaraty, foi gravada em letras douradas a seguinte inscrição, escandida pelos quatro lados da grande sala:

/ NESTA SALA, QUE FOI, POR MUITOS ANNOS, O SEU GABINETE /
/ DE TRABALHO, FALLECEU, A 10 FEVEREIRO DE 1912, O GRANDE /
/ MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DOS ESTADOS UNIDOS /
/ DO BRASIL, JOSÉ MARIA DA SILVA PARANHOS, BARÃO DO RIO-BRANCO /

Ali continuou funcionando o Gabinete do Ministro até a transferência da sede do Ministério das Relações Exteriores para Brasília. Também ali se realizava a cerimônia formal de posse dos aprovados nos concursos de provas e, após a criação do Instituto Rio Branco, em 1945, dos novos servidores que ingressavam no Quadro de Diplomatas.

Continuidade e adaptações

Como muito do que ocorreu na evolução da Diplomacia brasileira, esse “legado intangível” de Rio Branco – por meios informais e espontâneos – veio a constituir o que se poderia considerar a “Doutrina do Itamaraty”. Ela jamais foi escrita mas, ao longo do século XX, era invariavelmente aprendida, apreendida, admirada e praticada pelas sucessivas gerações dos nossos diplomatas.

Do muito que herdamos do Barão talvez o principal valor tenha sido a dedicação integral e constante ao serviço da Pátria, imune aos interesses político-partidários e acima das conveniências pessoais. Até mesmo as mais militantes correntes ideológicas do século passado não afetavam a conduta profissional na nossa Casa. Nunca houve naquelas décadas patrulhamento ideológico nem discriminações por supostas simpatias ou antipatias político-partidárias, até porque o distanciamento dessas posturas era uma característica amplamente predominante dos quadros diplomáticos e administrativos do Itamaraty. Nele se sentia de forma natural a diretriz única do patriotismo – tão acendrado quanto silencioso.

No início dos anos 1930 foi-se intensificando no Brasil uma tendência à modernização da administração pública. Evidentemente, várias normas de funcionamento burocrático tinham de ser adaptadas às novas modalidades de organização instituídas no âmbito federal. Não obstante, em decorrência das peculiaridades da atividade diplomática, mesmo isso tinha de ser feito à maneira do Itamaraty.

A imensa reforma empreendida pelo poderoso Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP (criado em 1938) afetou todo o serviço público civil da União – do qual os diplomatas na realidade jamais se sentiram parte comum. Na prática, porém, no Itamaraty certas mudanças só existiam, por assim dizer, dos portões para fora. Por exemplo: num documento oficial, alguém apareceria como “Diplomata Classe K”, mas no seu cartão de visita continuava a constar o título de Terceiro Secretário.

Convém aqui fazer algumas especificações terminológicas extremamente relevantes:

* O Itamaraty, muitas vezes chamado entre os diplomatas de “A Casa”, é a instituição nacional dedicada ao exercício da atividade diplomática, guiada exclusivamente pelos Objetivos Nacionais (tanto os permanentes como os atuais).

* O Serviço Exterior Brasileiro (SEB) é a estrutura orgânica sui generis destinada a assegurar a funcionalidade da instituição nacional (Itamaraty).

* O Ministério das Relações Exteriores (MRE) é um órgão do Governo, cuja atuação é condicionada pelos Objetivos Nacionais e pelos Objetivos de Governo.

No bojo das inovações implantadas na administração federal, a seleção dos candidatos à carreira passou a obedecer aos mecanismos dos concursos públicos, organizados e realizados pelo DASP. Porém, em 1945 foi criado o Instituto Rio Branco, que requeria para ingresso a aprovação em severíssimos exames intelectuais, exames médicos e – numa substituição engenhosa da avaliação pessoal que fazia o Barão – uma entrevista por uma banca de 3 Primeiros Secretários. Estes eram adrede escolhidos anualmente pelo Secretário-Geral (o “Chefe da Casa”) e nomeados formalmente por Portaria do Ministro de Estado, a quem submetiam diretamente seus pareceres. Da decisão deste (em geral após ouvir o Secretário-Geral) não cabia recurso. Essa “banca” foi extinta em 1984, em conseqüência de liminar concedida pelo STF, da qual o MRE não recorreu!

O curso do Instituto Rio Branco se estendia por dois anos letivos, em regime de tempo integral, exigindo muita dedicação aos estudos para lograr aprovação. Entretanto, tal como nos tempos do Barão, os jovens diplomatas egressos do Instituto passavam por um verdadeiro aprendizado informal, conduzido de forma não estruturada nas salas e corredores do velho palácio e seus anexos, bem como nos pequenos restaurantes do Centro do Rio. Os ensinamentos eram transmitidos pelos mais antigos, em relatos de suas experiências profissionais, às vezes jocosos, e na descrição de episódios da “história diplomática que não se pode escrever”. Pode-se dizer que ali se iniciava de fato o processo de formação e aperfeiçoamento dos diplomatas brasileiros, que, como em todas as formas de arte, só encerra com o fim da vida.

Paralelamente à introdução das grandes mudanças concebidas pelo DASP, a disciplinada eficiência implantada pelo Visconde de Cabo Frio foi sendo atualizada com novos métodos administrativos próprios da Chancelaria brasileira. Nesse particular merece destaque o trabalho excepcional realizado pelo Embaixador Maurício Nabuco quando Secretário-Geral, que empreendeu uma padronização de procedimentos e de equipamentos única no Brasil e quiçá no mundo. Essa uniformização abrangeu desde as formas de tramitação dos papéis, passando pelos modelos de expedientes, até todo o mobiliário das repartições na Secretaria de Estado e nas Embaixadas e Consulados pelo mundo afora.

Entretanto, com o traslado do Itamaraty para Brasília, muitas dessas peculiaridades iriam – involuntariamente – desaparecer, como veremos a seguir.

Início auspicioso ...

Ao aceitar, em outubro de 1969, o convite do Presidente Médici para ser Ministro das Relações Exteriores, o Embaixador Mario Gibson Barboza se comprometeu a transferi-lo para Brasília no mais curto prazo possível. Assim, em março de 1970, o Chanceler efetivou – com impecável eficiência – o traslado integral e definitivo do Itamaraty para Brasília.

É preciso esclarecer que, independentemente da vontade ou da relutância dos servidores do MRE em mudar-se do Rio de Janeiro para a nova capital, a forma pela qual funcionavam suas unidades operacionais impedia que essa transferência fosse sendo realizada por partes, como havia sido feito com outros Ministérios, inclusive os militares.

Foi feito meticuloso e complexo planejamento logístico, cuja eficácia ficou demonstrada pelo fato de que o expediente foi encerrado no Rio de Janeiro às 17hs de uma 6ª-feira e reaberto em Brasília às 09hs da seguinte 2ª-feira.

Outro aspecto emblemático das dificuldades que tiveram de ser superadas foi o transporte dos arquivos, inclusive os de documentos sigilosos. Cogitou-se de empregar um Hércules C-130 da FAB mas, por maior precaução, optou-se pela rodovia, em comboio com proteção armada do Exército Brasileiro. Finalmente, numa decisão que sem dúvida agradaria ao Barão, foi solicitado à Marinha do Brasil que provesse os efetivos necessários de Fuzileiros Navais para a guarda externa do novo Palácio Itamaraty.

Numa Casa onde a tradição e a inovação sempre foram características paradoxalmente de igual relevância, o Chanceler Gibson Barboza intuiu que se devia marcar com grande simbolismo essa transferência histórica. Com essa intenção obteve a aprovação do Presidente Médici para três iniciativas.

A primeira foi a criação do Dia do Diplomata, instituído no dia 20 de abril – data do nascimento do Barão do Rio Branco – pelo Decreto Nº 66.217, de 17/02/1970.

A segunda foi a primeira comemoração dessa data naquele mesmo ano de 1970 com a inauguração solene do novo Palácio Itamaraty em Brasília pelo Chefe de Estado.

Finalmente, a terceira foi a cerimônia, nesse mesmo dia, da primeira formatura de egressos do Instituto Rio Branco na nova sede do nosso Serviço Diplomático, ocasião em que o Presidente fez um longo pronunciamento sobre as diretrizes da Política Externa do Brasil.

... e fatores nocivos imprevisíveis

Quase imperceptivelmente, embora os valores éticos e diplomáticos não se alterassem com a mudança para Brasília, começou um processo de gradual inviabilização ou erosão de muitos aspectos que até então haviam assegurado a eficácia da seleção de candidatos, da qualidade do aprendizado informal e da exatidão na avaliação subjetiva do merecimento para promoções e lotação dos funcionários diplomáticos e administrativos. Apenas a título de exemplo, podem-se citar dois aspectos físicos. O primeiro surgia do fato de as novas instalações serem muito espaçosas, ficando muito além das necessidades imediatas, numa sensata previsão do crescimento do pessoal do MRE. O segundo decorria da circunstância de que não havia então na cidade, ainda pequena, o ambiente dos antigos restaurantes do Centro do Rio de Janeiro. Com esses dois óbices, foi logo desaparecendo o ambiente em que, na velha capital, se desenvolvia o aprendizado informal dos jovens herdeiros de Rio Branco.

Em suma, por esses e vários outros motivos, muitas das peculiaridades do nosso serviço diplomático não se coadunavam com certas características de Brasília, eram incompatíveis com o semi-árido do Planalto Central.

Conclusão

Fora do Serviço Diplomático, quase ninguém se dá conta de uma notável realidade histórica: durante todo o século XX, no âmbito mundial, a região com a menor ocorrência de conflitos armados entre lindeiros foi a América do Sul. A explicação para esse fenômeno não está no domínio misterioso de forças esotéricas. Na realidade, a atuação profissionalmente silenciosa dos diplomatas brasileiros – acompanhando diuturnamente a conjuntura, desativando conflitos em potencial, promovendo entendimentos e convergências – foi o principal fator da paz regional nesse último século.

Em todo esse período, sobressaem dois gigantes – o Barão do Rio Branco e o Embaixador Mario Gibson Barboza – os dois maiores Chanceleres que o Brasil teve até hoje !

Os que conhecem e estudam objetivamente o que ambos fizeram pelo Brasil e pela convivência pacífica entre as nações os reverenciam como numes tutelares da nossa Diplomacia. De outra parte, as inverdades e deturpações que um tendencioso revisionismo histórico procura difundir apenas confirmam a antiga máxima: “Há serviços tão grandes que só a ingratidão os pode pagar.”

Não obstante, subsiste a esperança nos jovens que ainda buscam a Carreira Diplomática e as Carreiras Militares movidos pela nobre vocação de servir à Pátria – acima de governos – seguindo o rumo legado por Caxias e Rio Branco.

A eles será dada a ventura de ver nossas Forças Armadas elevadas ao patamar de capacidade adequado para respaldar uma Diplomacia profissional na busca e na manutenção dos Objetivos Nacionais!