O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

sábado, 4 de maio de 2024

A fraude “decolonial” e o “ O ópio dos estudantes” - Demetrio Magnoli (FSP)

Sempre considerei essa febre “decolonial” que atingiu de forma avassaladora as academias dos países outrora colonizadores, e que de lá se espalhou pelas nossas universidades, uma FRAUDE INACREDITÁVEL, e me perguntava como pessoas aparentemente inteligentes se deixaram seduzir pelo besteirol completamente sem sentido, sobretudo num país “colonizado” como o nosso. O mimetismo idiota desses “decoloniais” é algo surpreendente para pessoas aparentemente educadas, alfabetizadas e diplomadas como os nossos universitários lobotomizados por essa mania imbecil.

Paulo Roberto de Almeida 

O ópio dos estudantes

Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo, 04/05/2024

Tese 'decolonial' espalhou-se entre professores universitários e salas de aula

"O Ópio dos Intelectuais", obra do filósofo Raymond Aron publicada em 1955, referia-se ao marxismo e brincava com a caracterização da religião, por Karl Marx, como o "ópio do povo". A religião laica dos intelectuais fez seu caminho até os estudantes e, bem diluída nos líquidos do pacifismo e do terceiro-mundismo, deixou uma marca nas manifestações contra a Guerra do Vietnã. De lá para cá, porém, foi substituída por outra doutrina dogmática: a tese "decolonial".

Assim como o marxismo, a nova doutrina espalhou-se entre professores universitários, gotejou para as salas de aula e, finalmente, emergiu no palco das manifestações contra a guerra em Gaza nos campi dos EUA. Sua síntese aparece num cartaz exposto no acampamento de protesto da Universidade George Washington: "Palestina livre. Os estudantes voltarão para casa quando os israelenses voltarem para a Europa, os EUA etc (seus lares verdadeiros)".

Aron apontava o fracasso moral dos intelectuais marxistas, que desprezavam a "democracia burguesa" enquanto condescendiam com os regimes totalitários do "socialismo real". O movimento "decolonial" segue rumo paralelo, eximindo governos autoritários e organizações antidemocráticas que se apresentam como rivais do Ocidente. Nos campi dos EUA, brados estudantis misturam a reivindicação de interrupção da guerra com lemas clássicos do Hamas.

As religiões invocam a palavra sagrada: razão transcedental. Os marxistas e os "decoloniais" invocam a História, com H maiúsculo: as "leis históricas", no primeiro caso, ou a justiça histórica reparatória, no segundo. Mas, como as religiões tradicionais, as religiões políticas almejam a redenção – e é isso que as torna sedutoras.

O triunfo do proletariado e o advento do socialismo assinalam a redenção marxista. A tese "decolonial", um estilhaço da política identitária, enxerga o mal absoluto na expansão global europeia (isto é, "branca"), fonte da opressão sobre os "povos originários" e a "diáspora africana". Para eles, a redenção não está no futuro, mas num passado mítico que precisaria ser restaurado.

O grupo dirigente dos protestos na Universidade Columbia declara os EUA e o Canadá nações ilegítimas, formadas por colonos europeus que oprimem os negros e ocupam terras indígenas. O cartaz do acampamento na George Washington exige que os "invasores" judeus saiam do Oriente Médio. Daí, os cânticos de "Palestina livre do rio até o mar" (e, ainda, "por qualquer meio necessário", uma senha costumeira destinada a legitimar o terror do 7 de outubro).

A derrapagem "decolonial" dos protestos limitou o alcance da mobilização estudantil. Sonhava-se reeditar o movimento contra a Guerra do Vietnã. Não por acaso, invadiu-se o Hamilton Hall, palco de uma célebre ocupação em 1968. Há 56 anos, o movimento dos estudantes gerou passeatas imensas e uma crise política nacional. Os acampamentos atuais, pelo contrário, reuniram apenas minorias significativas. A nódoa do antissemitismo afastou a maioria dos estudantes, mesmo diante da criminosa punição infligida por Israel aos civis de Gaza.

A tese "decolonial", como o marxismo, oferece uma explicação unívoca sobre as injustiças sociais. Intelectuais adoram o poder de reduzir tudo a uma equação totalizante bastante simples – e os jovens, mais ainda. Contudo, o vício no marxismo tinha uma porta de saída que inexiste no ópio "decolonial".

O que fazer quando fica claro que a promessa brilhante do socialismo conduzia, inexoravelmente, à cinzenta realidade do totalitarismo? Havia uma saída consistente com o núcleo moral das ideias socialistas: o reformismo social-democrata. Mas para onde podem ir os jovens ativistas "decoloniais" ao descobrirem a impossibilidade de reverter a seta do tempo e cancelar o mundo nascido da expansão europeia? Resta-lhes, somente, angústia, desespero e cinismo.

=========

Grato a Augusto de Franco pela transcrição.

Nenhum comentário: