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sexta-feira, 18 de abril de 2025

O bispo que contestava: dom Angélico Sândalo Bernardino - Bernardo Mello Franco (O Globo)

 Citação do dia : "Cristo foi considerado subversivo e por isso foi crucificado" - Bispo dom Angélico Sândalo Bernardino, que faleceu na terça-feira aos 92 anos

... Em 1976, ele foi vigiado num encontro católico em Barueri, onde acusou a repressão de usar “métodos bárbaros” para “arrancar confissões”. Destemido, repetiria a denúncia numa igreja lotada após o assassinato do operário Manoel Fiel Filho. “Quem não está vendo Deus a falar da morte triste do metalúrgico? Como tantos outros, ele foi torturado”, pregou, antes de se referir ao DOI-Codi como “casa de horrores”. (Maurício David)

 

 

O bispo que contestava

Bernardo Mello Franco 

O Globo, sexta-feira, 18 de abril de 2025


Bispo irritou militares ao denunciar a tortura e apoiar movimentos por creches e moradia

 

Em novembro de 1978, a ditadura resolveu investigar um gibi. A repressão queria saber quem financiava “As Aventuras de Zé Marmita”. Distribuída na periferia de São Paulo, a revistinha narrava a rotina nas fábricas e incentivava os trabalhadores a lutarem por melhores condições de vida. Só podia ser coisa de dom Angélico, bispo tachado de subversivo e adversário do regime.

Na juventude, Angélico Sândalo Bernardino não sabia se queria ser padre ou jornalista. Resolveu o dilema ao unir as duas vocações, ajudando a Igreja a se comunicar com os fiéis. Antes de ser ordenado, ele já escrevia no Diário de Notícias, da diocese de Ribeirão Preto. Mais tarde comandaria as “rádios-cornetas”, com alto-falantes pendurados nos postes de favelas e ocupações.

Em 1969, o religioso foi alvo da primeira perseguição. A polícia quis prendê-lo por suposta ligação com a luta armada. A Igreja saiu em defesa do padre, e a Justiça Militar arquivou o caso por falta de provas. Dois anos depois, dom Angélico foi fichado como “elemento reconhecidamente esquerdista”, envolvido em “atividades subversivas”. “O epigrafado vem transformando o Diário de Notícias num autêntico órgão de contestação revolucionária, semeando intrigas e mentiras contra as autoridades”, esbravejaram os arapongas.

Além de ler os artigos de jornal, os militares se infiltravam nas missas para ouvir os sermões. Em 1974, um informe do II Exército relatou que ele “fez severas críticas ao governo, a quem acusou de culpado pela falta de gêneros, pelo aumento do custo de vida e pelas longas filas do INPS”. “Cristo foi considerado subversivo e por isso foi crucificado”, acrescentou o religioso, para a ira dos espiões disfarçados entre os fiéis.

Em 1976, ele foi vigiado num encontro católico em Barueri, onde acusou a repressão de usar “métodos bárbaros” para “arrancar confissões”. Destemido, repetiria a denúncia numa igreja lotada após o assassinato do operário Manoel Fiel Filho. “Quem não está vendo Deus a falar da morte triste do metalúrgico? Como tantos outros, ele foi torturado”, pregou, antes de se referir ao DOI-Codi como “casa de horrores”.

Incansável na defesa dos direitos humanos, o cardeal Paulo Evaristo Arns escalou dom Angélico como bispo auxiliar na Zona Leste. Ele passou a conviver com os órfãos do milagre brasileiro, que batalhavam pela sobrevivência em ruas sem asfalto e saneamento básico. O religioso abriu a igreja para os pobres, incentivou movimentos por creches e por moradia, usou sua voz para pressionar os poderosos.

Em 1977, quando um trem se chocou com um ônibus e matou 22 pessoas, ele ameaçou suspender a missa de domingo e se sentar nos trilhos para exigir cancelas de segurança. A RFFSA, que fazia corpo mole, teve que correr para instalar as barreiras.

Ao apoiar as greves do ABC, o bispo ficou amigo de um sindicalista que, muito tempo depois, subiria a rampa do Planalto. Em 2022, ele me disse que não se importava com patrulhas ideológicas. “A Igreja nunca teve partido político. Nós saíamos com o povo reivindicando creche, escola e hospital. Essa era a nossa subversão”, ironizou. “Nos chamavam de comunistas, mas só estávamos ao lado dos trabalhadores.”

Após cinco meses de investigações, a ditadura arquivou o caso do Zé Marmita. A Polícia Federal concluiu que não havia financiadores ocultos. O gibi da pastoral de dom Angélico era rodado “mediante doações em papel, impressão a preços menores e desenhos feitos por estudantes”. O bispo morreu nesta terça, aos 92 anos.

 


domingo, 23 de junho de 2024

O homem que assinou o real: Rubens Ricupero - Bernardo Mello Franco (O Globo)


O homem que assinou o real (Rubens Ricupero)

Bernardo Mello Franco 


O Globo, 23/06/2024


Em memórias, ex-ministro da Fazenda relembra a relação com Itamar, o escândalo da parabólica e a tensão antes do lançamento da moeda


Às vésperas do lançamento do real, o presidente Itamar Franco mandou chamar o ministro da Fazenda, Rubens Ricupero. Tinha uma notícia inesperada: contrariando o combinado, ia decretar um congelamento dos preços.

Surpreso, o embaixador usou a diplomacia para tentar desarmar a bomba. Com cuidado para não melindrar o chefe, lembrou que o tabelamento já havia levado à derrocada de outros planos econômicos, como o Cruzado.

“Minhas razões não bastaram. Ele não se sentia seguro”, lembra Ricupero, 30 anos depois. Ao fim da conversa, o presidente devolveu o problema: “Não estou convencido. A responsabilidade é do senhor”. O ministro manteve a palavra com sua equipe, salvando a nova moeda da morte prematura.

A primeira fase do plano já estava na rua, com a unidade real de valor (URV), quando Fernando Henrique Cardoso deixou o governo para disputar a eleição. Itamar ofereceu a Fazenda a Ricupero, que comandava o Ministério do Meio Ambiente.

“Não sou dessa área. Por que o senhor não escolhe alguém da equipe, como o Edmar Bacha ou o Pedro Malan?”, perguntou o diplomata. “Já examinamos todas as alternativas e o senhor é a única opção”, respondeu o presidente. O convite levaria Ricupero a assinar seu nome nas primeiras cédulas do real, que começaram a circular em 1º de julho de 1994.

No recém-lançado “Memórias”, o ex-ministro narra a tensão que antecedeu a vitória sobre a hiperinflação: “A rotina diária de estendia da manhã até tarde da noite, num desfile exaustivo de governadores, ministros, prefeitos, empresários, todos com pedidos impossíveis ou propostas inexequíveis”.

“Tive que aprender a dizer não de infinitas maneiras. Por sorte, quase não houve ocasiões em que tentaram me envolver em esquemas ilegais ou suspeitos”, anota. Foi o caso de um político que tentou se apossar da aduana em Guarulhos. O livro não dá nome ao “influente deputado”, que ficou sem o cargo. Era Valdemar Costa Neto, o eterno chefão do PL.

Ricupero narra bastidores saborosos da convivência com Itamar, a quem atribui “incontáveis tentativas de interferência na condução do plano econômico”. “Quase sempre inspiradas por ideias populistas, nunca mal-intencionadas”, ressalva.

O ex-ministro faz um relato franco do escândalo da parabólica, que levaria à sua queda. Em conversa informal com o jornalista Carlos Monforte, antes de uma entrevista à TV Globo, ele afirmou: “Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”.

Sem que os dois soubessem, o diálogo era assistido por milhares de telespectadores. “Hoje não consigo entender o que me levou a dizer tanta coisa absurda e sem sentido”, penitencia-se Ricupero. Aos 87 anos, ele culpa o cansaço e a vaidade inflada pelo poder. “Gostaria de apagar de minha vida aqueles 19 minutos, mas nunca atribuí a ninguém a responsabilidade do que sucedeu, senão a mim mesmo”. Passada a crise, FH virou presidente, e o embaixador retomou a carreira em Roma.

A autobiografia não se resume à participação no real. Logo na abertura, Ricupero reconstitui a partida do avô italiano rumo ao Brasil, em 1895. Pietro Jovine trocou família e amigos pelo sonho de prosperar em São Paulo. Deu tudo errado. Empregado como carpinteiro, ele sofreu um acidente de trabalho e ficou inválido. “Não tem final feliz”, escreve o ex-ministro. “Seu destino foi igual ao da maioria dos imigrantes: pobre chegou e pobre morreu”.

terça-feira, 12 de março de 2019

Governo Bolsonaro: refem de um lunatico - Bernardo de Mello Franco (O Globo)

Mais um pouco de fofocas...
PRA

O governo é refém de um lunático

Olavo de Carvalho
Antes que os bolsonaristas mais aguerridos peguem em armas, esclareço: o lunático do título não é quem vocês estão pensando. Refiro-me a Olavo de Carvalho, o guru que faz a cabeça do presidente.
O autoproclamado filósofo emplacou dois pupilos como ministros: o das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez. As presepadas dos discípulos não saciaram o mestre. De seu escritório em Richmond, ele se dedica a semear intrigas e provocar novas crises em Brasília.
No fim de janeiro, Olavo se lançou numa cruzada contra o vice-presidente Hamilton Mourão. Chamou o general de “maluco”, “covarde”, “psicopata”, “charlatão desprezível” e “vergonha para as Forças Armadas”.
Como o vice não pode ser demitido, o ideólogo escolheu outros alvos. Na semana passada, o embaixador Paulo Roberto de Almeida o culpou por sua exoneração do Ipri, o instituto de pesquisas do Itamaraty. O diplomata havia chamado Olavo de “sofista” e “debiloide”.
Na sexta-feira, o guru da ultradireita surpreendeu ao pedir que seus alunos no governo, “umas poucas dezenas”, entregassem os cargos imediatamente. “O presente governo está repleto de inimigos do presidente e inimigos do povo, e andar em companhia desses pústulas só é bom para quem seja como eles”, dramatizou.
Era só jogo de cena. Na verdade, Olavo queria revanche após saber que alguns pupilos haviam sido rebaixados na hierarquia do MEC. A tática funcionou. Ontem Bolsonaro mandou Vélez demitir três militares que se contrapunham aos olavistas no ministério. O expurgo mostra que o governo é refém de um personagem que divulga teorias conspiratórias e se descreve como “apenas um véio lôco” no Facebook.
Além de ver comunistas em toda parte, Olavo promove uma campanha incansável contra as universidades e o jornalismo profissional. Não por acaso, é cultuado por blogs governistas que propagam “fake news”.
Há poucos dias, o blogueiro que difamou uma repórter do jornal “O Estado de S. Paulo” pediu doações em dinheiro para o guru. “Professor Olavo precisa da nossa ajuda”, justificou.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Desafios ao novo chanceler - Bernardo Mello Franco (Globo)

Um artigo mal humorado, enviesado, deliberadamente crítico, com base em poucos fatos e muitas suposições. Um exemplo de mau jornalismo.
Paulo Roberto de Almeida

Próximo chanceler terá árduo trabalho

BERNARDO MELLO FRANCO

O Globo, 13/11/2018


O próximo chanceler ainda não foi escolhido, mas terá trabalho dobrado. Quem assumir o Itamaraty enfrentará uma forte desconfiança externa sobre os rumos do país. Além disso, precisará conter a língua do presidente e de seus principais assessores.

Na campanha, Jair Bolsonaro já demonstrou potencial para produzir incidentes diplomáticos. O então candidato fez uma série de provocações à China, maior parceira comercial do Brasil. Depois do segundo turno, foi avisado de que as bravatas podem custar caro à economia do país.

O presidente eleito também criou mal-estar com os países árabes ao imitar Donald Trump e anunciar a mudança da embaixada em Israel para Jerusalém. O Egito foi o primeiro a reagir:cancelou uma visita oficial do ministro Aloysio Nunes. Os empresários brasileiros tiveram que antecipar a volta para casa sem fechar negócios.

O futuro ministro Paulo Guedes virou outra fonte de preocupação para os diplomatas brasileiros. Na noite da eleição de Bolsonaro, ele respondeu de forma grosseira quando uma jornalista argentina quis saber seus planos para o Mercosul.“ O mercosul não é prioridade. Não, não é prioridade. Tá certo? É isso que você queria ouvir?”, disse, assustando a Casa Rosada.

Ontem o futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, abriu mais uma frente de desgaste internacional. Na linha do chefe, atacou ONGs da área ambiental e disparou contra a Noruega. “Os noruegueses têm que aprender com os brasileiros, e não a gente com eles”, esnobou. O país escandinavo é —ou era — o maior doador do Fundo Amazônia. Já repassou mais de US$ 1 bilhão para a preservação das nossas florestas.

O futuro ministro das Relações Exteriores terá que segurar a língua de Bolsonaro e dos colegas. O governo ainda não começou, mas já criou atritos com Argentina, Egito, China e Noruega