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domingo, 19 de outubro de 2025

Gastos sem controle: 80% das propostas do Congresso e Planalto não trazem estimativas de despesas - Daniel Weterman (OESP)

Gastos sem controle: 80% das propostas do Congresso e Planalto não trazem estimativas de despesas

Estudo do Movimento Orçamento Bem Gasto, que reúne Persio, Bacha, Armínio, Meirelles e outros notáveis, revela que governo e parlamentares são responsáveis por propor aumento de gastos sem calcular impactos para a sociedade

Por Daniel Weterman
OESP, 19/10/2025 | 03h00

BRASÍLIA — Só dois em cada dez projetos com impacto nas contas públicas em tramitação no Congresso foram apresentados com estimativa de quanto custarão, conforme estudo do Movimento Orçamento Bem Gasto.
A iniciativa reúne especialistas, autoridades e empresários. Recentemente, o grupo lançou um manifesto defendendo transparência, desobrigação de despesas, revisão de privilégios, redução de emendas parlamentares e uma nova reforma da Previdência. Entre os signatários, estão os economistas Paulo Hartung, Persio Arida, Edmar Bacha, Armínio Fraga, Henrique Meirelles, Mailson da Nóbrega, Marcos Mendes e Elena Landau.
O levantamento analisou propostas protocoladas no Legislativo federal entre 2011 e 2025, sendo todas entre 2023 e agosto deste ano e algumas selecionadas e consideradas mais emblemáticas anteriores a esse período.
A análise aponta um forte apetite do governo federal e dos parlamentares por projetos que criam ou ampliam benefícios, auxílios e isenções — com aumento da quantidade conforme as eleições se aproximam — sem demonstrar os custos das medidas para a sociedade, ferindo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Foram contabilizadas 496 propostas que implicam em aumento de despesas, diminuição de gastos, aumento de benefícios tributários, redução ou controle de renúncias fiscais. Apenas 104 projetos, que representam 21% do total, possuíam estimativa de impacto financeiro no momento em que foram apresentados.
A Lei de Responsabilidade Fiscal exige que a concessão ou ampliação de benefício tributário — renúncias fiscais dadas a pessoas físicas e empresas que diminuem a arrecadação do governo — e o aumento de gastos devem ser acompanhados de estimativa de impacto nas contas públicas, evidenciando quanto vão custar e como serão compensados.
A Constituição Federal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) também estabelecem regras nesse sentido. A LDO de 2025, que só vale para um ano, especifica que a estimativa do impacto deve ser feita no momento da apresentação do projeto — muitos só apresentam a previsão na hora da votação ou nem chegam a calcular.
A falta de estimativa de impacto nas contas públicas é o motivo de projetos serem aprovados no Congresso e acabarem sendo vetados pelo presidente da República. Por outro lado, também há uma série de propostas aprovas e sancionadas sem o cálculo de impacto e medidas propostas pelo Poder Executivo que não cumprem a regra.
O pacote inclui benefícios e auxílios propostos por parlamentares, como a criação de um Programa Nacional de Apoio aos Atingidos pelas Mudanças Climáticas (Pronamc), destinado ao apoio de pessoas afetadas por estado de calamidade pública, e o desconto no Imposto de Renda para famílias que cuidam de membros idosos em ambiente domiciliar. Os dois textos ainda tramitam no Legislativo.
O aumento no número de deputados federais na Câmara também foi proposto sem nenhuma estimativa de impacto. A medida foi aprovada pelo Congresso e vetada pelo presidente Lula por falta desse cálculo. A Diretoria-Geral da Câmara informou durante a discussão que a criação de novas cadeiras aumentaria as despesas da Casa em R$ 64,8 milhões ao ano, mas o gasto pode ser maior se forem ampliados auxílios, emendas e por conta do risco de efeito cascata nas assembleias legislativas.
“Esses resultados indicam a necessidade de reavaliar as regras do processo legislativo de matérias com impacto orçamentário, a fim de que não se tenha um trâmite que muitas vezes é longo e custoso, mas que ao final terá apenas desperdiçado recursos em projetos fadados ao veto presidencial”, diz o cientista político e advogado Marcelo Issa, coordenador do movimento.
Ele sugere uma mudança exigindo o cálculo de impacto por uma instituição independente e as medidas de compensação como condições obrigatórias para aprovação de qualquer projeto, relatório ou emenda durante a tramitação. “Assim, o conflito distributivo não desapareceria, mas deixaria de ser travado no escuro. Porque se queremos gastar melhor, precisamos decidir com base no impacto orçamentário previsto; e antes das votações.”
Além dos parlamentares, o Poder Executivo também carimbou projetos sem esses cálculos. De 42 projetos com impacto fiscal apresentados pelo governo federal entre 2011 e 2025, 21 deles não possuíam o cálculo do custo para o Orçamento, segundo os dados do estudo. O Executivo, portanto, apresenta uma proporção maior de projetos com estimativas que a média geral, mas ainda peca ao deixar os cálculos de fora metade das ocasiões.
Entre as medidas sem estimativas, estão a criação de um pacto nacional para retomada de obras paradas na saúde e na educação e um programa para reduzir a fila de processos e exames médicos do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), com pagamentos extraordinários aos peritos, propostos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2023 e já aprovados e sancionados.
Na área de benefícios tributários, o governo patrocinou a criação do Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), de incentivo às montadoras e isenção de impostos para compra de veículos novos, e o perdão de dívidas do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), também sem mostrar os impactos no orçamento público.
Considerando apenas os projetos que aumentam despesas, o Executivo e outros autores como tribunais de Justiça, Defensoria Pública e comissões temáticas do Congresso são os campeões de propostas, respondendo por 13,9% do total analisado pelo estudo. Entre partidos com parlamentares autores de projetos que elevam os gastos públicos, o PT lidera, com 13%, seguido por União Brasil (11,5%), PP (10,6%) e PL (9,6)%.
O estudo também apontou uma tendência de aumento no número de projetos que ampliam despesas e gastos tributários conforme a legislatura avança e as eleições se aproximam. Somente no caso de benefícios fiscais, a quantidade até meados de agosto de 2025 (65 novas propostas) já era maior que o ano completo de 2024 (64) ou de 2023 (60).
Oportunismo político contamina qualidade dos projetos, dizem especialistas
O economista e consultor Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, diz que a situação reflete a captura do Orçamento pelo Congresso, um governo pouco preocupado com o controle de gastos e uma tentativa dos dois lados de “esconder” os custos para a sociedade. Segundo ele, a fragilidade da base do governo, a polarização política e o desvio da atenção para o conflito com os Estados Unidos abriram mais espaço para projetos oportunistas.
“Cada parlamentar pensa na sua eleição buscando emendas e se associando a algum grupo de lobby que vai financiar a campanha dele lá na frente. E aí tem todo o incentivo para apresentar esse tipo de projeto e esconder o custo da sociedade”, diz o especialista.
“E tem outro fator, que é mais conjuntural, que é o governo atual muito pouco preocupado com o fiscal e querendo expandir as suas despesas e o Judiciário tomando decisões de aumento de despesa por contra própria. Cada um quer puxar o gasto para o seu lado e a ideia é esconder as informações.”
Marcos Mendes lembra que, no final do governo Jair Bolsonaro (PL), em 2022, o Executivo propôs uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aumentando o Auxílio Brasil (hoje Bolsa Família) para R$ 600 e outros programas com caráter eleitoral sem evidenciar todos os impactos fiscais para a sociedade.
Mais recentemente, o mesmo aconteceu com a Medida Provisória de socorro às empresas afetadas pelo tarifaço do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O governo argumentou que o texto não acarretaria aumento de despesas porque apenas autorizava a União a realizar gastos, que dependeriam de atos posteriores para sua efetiva criação.
Ao analisar as contas do presidente Lula de 2024, o Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que, de 19 benefícios tributários instituídos em 2024, nove não atenderam a algum dos requisitos da legislação, incluindo a estimativa de custos para a sociedade e como as medidas seriam bancadas.
“Se você pegar 10 proposições dessas que aumentam o gasto público e perguntar para a população, você vai ver uma concordância muito alta com todas elas”, observa o consultor aposentado da Câmara Hélio Tollini, que foi secretário de Orçamento Federal e consultor do Fundo Monetário Internacional (FMI). “Essa questão do impacto fiscal não é compreendida pela sociedade e isso reflete no Congresso. O parlamentar é representante do povo e o que ele ganharia se opondo a uma medida dessa?”
Tollini cita exemplos de outros países que deveriam inspirar o Brasil. Em nações parlamentaristas da Europa, como a Alemanha, o Congresso discute as políticas públicas junto com a lei orçamentária, para encaixar os programas do governo dentro do orçamento, e não de forma separada.
Nos Estados Unidos, foi criado o Escritório de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês), que é independente, faz cálculos e alertas sobre o impactos dos projetos e passou a influenciar fortemente as decisões dos parlamentares.
“Aqui no Brasil é diferente. O Brasil discute política pública e tributária o ano inteiro e, no dia de mandar a proposta orçamentária, que é 31 de agosto, o projeto de lei que vai ser enviado ao Congresso é obrigado a refletir as políticas públicas vigentes naquele momento”, diz o analista. “A gente acaba perdendo muito por esse aspecto técnico de não ter uma visão consolidada das contas públicas.”

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Eleições 2022: os temores dos eleitores, de dois bichos-papão: Lula e Bolsonaro - Daniel Weterman, Lauriberto Pompeu (Estadão)

Eleições 2022 | Sucessão presidencial

Pesquisa mostra que 45% dos eleitores têm medo da continuidade do atual governo e 40% temem um novo mandato de Lula; campanhas atuam para reforçar sentimento

DANIEL WETERMAN LAURIBERTO POMPEU

BRASÍLIA

Uma grande parte do eleitorado diz ter medo da volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao poder e da reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL). Os dois rivais, que lideram as pesquisas de intenção de voto, provocam nos brasileiros o mesmo sentimento de temor do que pode ocorrer se forem eleitos.

Os motivos do medo, segundo pesquisas de opinião, têm base em fatos concretos das trajetórias dos dois candidatos. O eleitor teme que, com Lula, voltem a corrupção, o alinhamento internacional com ditaduras de esquerda e o empoderamento de pautas progressistas - tema delicado para os segmentos conservadores. Com Bolsonaro, o medo é de aumento da pobreza, acirramento do discurso de ódio e até de uma ruptura democrática.

Fake news têm sido usadas para reforçar o medo que o eleitor já tem. A mistura de fatos concretos com pós-verdade (a disseminação deturpada de informações que se sobrepõem aos fatos em si) fortalece o sentimento negativo no eleitor com relação aos dois.

Levantamento feito pela Quaest para a Genial Investimentos apontou que 45% dos eleitores têm mais medo da continuidade do governo Bolsonaro; 40% temem a volta do PT. A diferença entre os dois grupos caiu de 17 para apenas cinco pontos porcentuais entre junho e agosto. O levantamento, divulgado semana passada, não considera a intenção de voto em um candidato específico, mas o sentimento do eleitor na hora da escolha.

Pesquisadores estimam que metade do eleitorado não é fiel nem a Bolsonaro e nem a Lula, mas admite votar em um por ter medo do outro. "Existem dois polos muito influentes na cabeça do brasileiro, e existe um eleitor que não é apaixonado por nenhum desses dois polos, mas acaba ficando de um lado porque tem medo do que o outro representa", diz o cientista político Bruno Soller, do Instituto Real Time Big Data.

Segundo Soller, o medo de Lula cresce com a sensação de volta da corrupção, alinhamento internacional com ditaduras de esquerda, risco para o empresariado, empoderamento de pautas como aborto, drogas e LGBTQUIA+ e a fragilidade no combate ao crime.

HISTÓRICO. O governo do petista foi marcado por escândalos de corrupção, como o mensalão, que envolvia compra de apoio no Congresso. Quatro integrantes do primeiro escalão do PT foram presos, incluindo José Dirceu e José Genoino. Depois do impeachment de sua sucessora, Dilma Rousseff, o próprio Lula foi encarcerado pela Operação Lava Jato, em 2018, acusado de receber propina de empreiteiras em troca de favores no governo. Os processos contra ele foram arquivados, mas por falhas processuais.

Como presidente, Lula se alinhou a Hugo Chávez na Venezuela e a ditaduras na África, como a de Ornar Bongo no Gabão e de Teodoro Obiang na Guiné Equatorial. Também fez alianças com Kadafi na Líbia e José Eduardo dos Santos em Angola.

O medo de Bolsonaro nos eleitores, por outro lado, está associado à piora na condição de vida dos mais pobres, no acirramento do discurso de ódio contra minorias, na falta de preparo para comandar crises como a pandemia, na ruptura democrática e no isolamento internacional.

Bolsonaro termina os quatro anos de mandato como um pária por ignorar fóruns globais. Aliado de Donald Trump, ele não reconheceu a eleição de Joe Biden nos Estados Unidos num primeiro momento e travou um embate direto com o presidente da França, Emmanuel Macron, envolvendo questões ambientais.

Na pandemia, negou a doença que matou mais de 680 mil pessoas no Brasil e foi contra a vacinação. O Supremo Tribunal Federal (STF) investiga uma rede de fake news operada por aliados diretos dele para atacar seus adversários. Já na economia, Bolsonaro encerra os quatro anos de gestão com número recorde de pessoas em situação de pobreza.

INSEGURANÇA. Um dos mais tradicionais políticos do MDB, o ex-governador gaúcho Pedro Simon afirma que o comportamento imprevisível de Bolsonaro e sua postura radical reforçam o temor do eleitor com um segundo mandato. "A gente olha para o Bolsonaro, vê que ele é uma pessoa que não passa em um (teste) psicotécnico. É uma pessoa que a gente não tem confiança."

Lula, por sua vez, na avaliação de Simon, provoca medo ao emitir sinais dúbios. "Em primeiro lugar, ele não foi absolvido, anularam o processo, mas não esclareceram o assunto. Segundo, essa interrogação do Lula... Trazer como seu vice uma pessoa da qual ele disse horrores lá atrás é uma grande interrogação", declarou.

"Para o Lula, a área mais complicada e sensível é a questão do combate à corrupção e o desempenho do PT durante o mandato de sua sucessora, que não trouxe bons frutos", complementou o cientista político e professor do Insper Leandro Consentino.

ESTRATÉGIA. Provocar medo no eleitorado sempre foi uma estratégia dos marqueteiros de campanhas eleitorais. A diferença agora é que, pela primeira vez, estão na disputa um ex-presidente contra o atual. Lula e Bolsonaro são as duas maiores lideranças políticas do País, ambos têm torcidas e suas gestões e histórias despertam no eleitor incertezas sobre que Lula ou que Bolsonaro virão nesse possível novo mandato.

Após ter trabalhado em 91 campanhas majoritárias pelo País, o cientista político Antonio Lavareda afirma que o medo é uma das ferramentas emocionais usadas pelas candidaturas para reforçar os sentimentos de raiva e ansiedade. "Os brasileiros estão inseguros com o seu futuro, com o futuro das suas famílias. Isso desperta ansiedade e leva as pessoas a reavaliarem as escolhas anteriores", afirmou.

Em 1989, o então presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Mário Amato, causou polêmica ao dizer que 800 mil empresários deixariam o País se Lula ganhasse. Em 1995, a campanha de Fernando Henrique Cardoso aproveitou o sucesso do Plano Real para propagar o medo da volta da inflação. A disputa de 2002 foi marcada pela atriz Regina Duarte, na campanha de José Serra. "Eu tenho medo", disse, em relação a Lula. Em 2014, a propaganda da petista Dilma Rousseff divulgou que a proposta de Marina Silva (então no PSB, hoje na Rede), de dar autonomia ao Banco Central tiraria comida da mesa das famílias. A fake news do PT ajudou a derrubar a adversária.

A "campanha do medo" deste ano reeditou Regina Duarte. Na terça-feira, 16, ela, que foi secretária de Cultura de Bolsonaro, disse que o presidente "é exemplo de democracia para o mundo". "Como em 2002, eu tenho medo (de Lula)'", repetiu a atriz.

Do outro lado, o deputado André Janones (Avante-MG), que tem forte presença nas redes sociais, entrou de cabeça na campanha digital de Lula e tem se referido a Bolsonaro como "futuro presidiário".

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"Os brasileiros estão inseguros com o seu futuro , com o futuro das suas famílias.

Isso desperta ansiedade e leva as pessoas a reavaliarem as escolhas anteriores "

Antonio Lavareda cientista político e pesquisador do Ipespe 

sábado, 30 de outubro de 2021

Tudo o que une petistas e bolsonaristas (e não só no Congresso): no discurso e na retórica também - Daniel Weterman e Thiago Faria (O Estado de S.Paulo)

Interesses corporativos unem PT e bolsonaristas no Congresso

Maior partido de oposição se alinha à base do presidente em votações de projetos que beneficiam classe política e enfraquecem órgãos de controle

Daniel Weterman e Thiago Faria, O Estado de S.Paulo 

30 de outubro de 2021 | 05h00 

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,interesses-corporativos-unem-pt-e-bolsonaristas-no-congresso,70003884675


BRASÍLIA — A votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que aumenta o poder do Congresso sobre o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), na semana passada, contou na Câmara com uma inusitada união entre o PT, maior partido da oposição, e aliados do presidente Jair Bolsonaro. Embora a proposta tenha sido rejeitada, não foi a primeira vez que os adversários se juntaram para apoiar medidas que beneficiam políticos e enfraquecem órgãos de controle. Levantamento da consultoria Inteligov, feito a pedido do Estadão, mostra que os petistas se alinharam ao líder do governo em uma a cada dez votações nominais, desde 2019. 

Houve um casamento de interesses, por exemplo, no projeto que afrouxou a Lei de Improbidade Administrativa, sancionado nesta semana por Bolsonaro. O texto aprovado foi o do relator, Carlos Zarattini (PT-SP), com apoio do líder do governo, Ricardo Barros (Progressistas-PR), nome do Centrão. Os 52 deputados do PT foram a favor da medida, que dificulta a punição de políticos ao exigir a comprovação de “dolo específico”, ou seja, a intenção de cometer irregularidade. 

O PT e o governo também se aliaram quando estavam em jogo interesses partidários. Foi assim nas votações do novo Código Eleitoral, que fragiliza a fiscalização das contas de partidos; da proposta que permitia a volta das coligações – barrada no Senado –; e da que retoma a propaganda das legendas no rádio e na TV. Nos três casos, o PT votou 100% fechado com a orientação do Planalto. 

O levantamento da Inteligov indica que esta situação ocorreu em 349 das 3.672 votações nominais realizadas na Câmara e no Senado desde que Bolsonaro tomou posse, em 2019. O cálculo leva em conta votações de projetos, PECs, medidas provisórias e requerimentos do Legislativo, como pedidos para retirar uma proposta da pauta. 

‘Sobrevivência’. Para o cientista político Leandro Consentino, professor do Insper, há nessas alianças um instinto de sobrevivência da classe política. “No caso da PEC do CNMP e da Lei de Improbidade, há uma agenda de blindagem. O governo e o PT têm, hoje, claramente uma agenda contra esse tipo de medida, em que pese já terem ambos levantado a bandeira contra a corrupção.” 

“Todos estão olhando para o próprio umbigo e as bases eleitorais exigem recursos. Não há preocupação com a transparência”, disse o analista do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) Neuriberg Dias

Nos últimos anos, o Congresso aumentou as emendas parlamentares e passou a destinar recursos diretamente para Estados e municípios. Trata-se das chamadas “emendas cheque em branco”. O modelo foi criado a partir de uma PEC da presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), mas encontrou maior adesão na base do governo. Em 2021, sete em cada dez deputados que usaram essas emendas votaram com o governo em 70% das ocasiões, apontou a Inteligov.  

‘Política’. “Esses são temas da política, não se trata de oposição e situação. Na Lei de Improbidade, temos o abuso do MP sobre o julgamento de pessoas que, por questões apenas administrativas, são retiradas da vida política. Outra questão é a vida do povo, e aí o Bolsonaro está fora da democracia”, disse o líder do PT na Câmara, Bohn Gass (RS). 

Mesmo na pauta econômica, porém, houve convergências, como na reforma do Imposto de Renda. A bancada petista votou em peso para aprovar a medida, que, além de reduzir impostos de empresas, cria uma cobrança sobre lucros e dividendos. 

Pautas comuns

Emendas

Petistas e governistas votaram juntos no projeto que determinou a execução obrigatória de emendas parlamentares de bancada, ampliando o poder de deputados e senadores sobre o Orçamento. 

Improbidade administrativa

Também se alinharam na análise do projeto que afrouxou a Lei de Improbidade Administrativa, dificultando a punição a políticos. 

Coligações 

A proposta que previa a volta das coligações nas eleições para o Legislativo, prática proibida com o intuito de reduzir o número de legendas no País, uniu petistas e parlamentares governistas. 

Código Eleitoral

O novo Código Eleitoral, que prevê regras mais brandas para o uso de recursos públicos por partidos, reduz a fiscalização e tira poderes da Justiça Eleitoral, teve apoio tanto do PT quanto de parlamentares bolsonaristas. 

Ministério Público

Os adversários votaram juntos na proposta que mudava a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e aumentava a influência do Congresso no órgão, responsável por fiscalizar a atuação de procuradores. 

Propaganda 

Projeto que retoma a propaganda gratuita de partidos políticos no rádio e na TV, suspensa em 2017 após a aprovação do Fundo Eleitoral, obteve votos de petistas e de parlamentares governistas.