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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida

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quarta-feira, 28 de maio de 2025

Discurso na comemoração do Dia do Diplomata, lido pelo vice-presidente Geraldo Alckmin

Com pequenas exceções, que destacarei em postagem à parte, o teor do discurso tem um copyright quase completo do Itamaraty, em sua vertente progressista lulopetista. PRA

Discurso na comemoração do Dia do Diplomata

Discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, lido pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin, na cerimônia de comemoração do Dia do Diplomata, em 27 de maio de 2025, em Brasília.  (27/05/2025)

Ao longo de quase onze anos como presidente, tive o privilégio de comparecer a quase todas as formaturas de egressos do Instituto Rio Branco.

Com a cerimônia de hoje, cerca de 700 diplomatas já se formaram em meus três mandatos.

Eles correspondem a quase metade dos 1.600 membros do corpo diplomático brasileiro.

Em seus 80 anos de existência, o Instituto Rio Branco contribuiu de forma decisiva para o profissionalismo do serviço exterior brasileiro e foi fundamental para a inserção internacional do país.

Mas o peso da responsabilidade que recai sobre a diplomacia brasileira é hoje maior do que nunca.

Voltei a ser presidente em uma época de negação da política.

Caberá a vocês serem diplomatas em uma era de negação da diplomacia. 

Na política, a democracia está em perigo.

O extremismo ameaça as instituições pelas quais Eunice Paiva, homenageada pelos formandos de 2024, e muitos outros lutaram para construir e defender.

Na diplomacia, cresce o unilateralismo.

Grandes potências agem à revelia dos órgãos e das normas criadas coletivamente ao longo de décadas.

Nos planos interno e externo, proliferam tentativas de impor visões de mundo e de sociedade, desconsiderando a diversidade que enriquece a experiência humana.

O desprezo pelas diferenças é um convite à desumanização.

A professora Ana Flávia Magalhães Pinto, paraninfa desta turma, retrata em sua obra o silenciamento da população negra.

Indígenas e mulheres partilham dessa dor.

Migrantes são criminalizados por desejarem uma vida melhor.

Levado às últimas consequências, o apagamento do outro leva a seu extermínio.

A guerra em Gaza é um sintoma trágico desse mal.

O Brasil condenou o terrorismo do Hamas de maneira clara e contundente. Mas não podemos nos calar ante a carnificina praticada contra civis palestinos, que resultou na morte de milhares de mulheres e crianças inocentes.

A comunidade internacional precisa reconhecer o Estado palestino.     

Na Ucrânia, o Brasil se manteve firme na defesa do direito internacional e de uma abordagem que leve em conta as causas profundas desse conflito.

Junto com a China, criamos um Grupo de Amigos da Paz, composto por 13 países emergentes, que podem contribuir para uma negociação satisfatória.

 A única solução é o diálogo entre as partes.

Só existe entendimento quando há respeito à pluralidade.

Relações de Estado não podem ficar à mercê de diferenças políticas entre os governos.

Esse equívoco contaminou, nos últimos anos, o processo de integração em nossa região.

Dar prioridade ao entorno não é uma escolha, é uma necessidade.

Estradas, ferrovias e linhas de transmissão não têm ideologias.

A circulação de pessoas e de bens passa ao largo das desavenças entre governantes.

Reunir os doze presidentes sul-americanos, como fizemos em 2023, tornou-se praticamente impossível.

Mas o Brasil não pode perder do horizonte a revitalização dos órgãos da integração. Precisamos reconstruir a UNASUL e dotar a CELAC de maior institucionalidade.

Em junho, promoveremos a segunda Cúpula Brasil-Caribe.

Se permanecer fragmentada, a região será marginalizada no rearranjo do tabuleiro global.

O Brasil não precisa e não vai escolher lados em disputas geopolíticas.

Os Estados Unidos são uma presença incontornável para a América Latina e para o Brasil.

Os laços entre as sociedades brasileira e americana são robustos.

A parceria com a China, onde acabo de realizar uma segunda visita de Estado, tem imenso potencial transformador.

Nosso diálogo político e sinergias vão impulsionar planos nacionais de transição energética, reindustralização e infraestrutura.

A Ásia como um todo vem-se consolidando como eixo dinâmico da economia global.

Temos no Japão um parceiro de longa data e na Índia um vasto campo inexplorado de colaboração.

Com vários países do Sudeste Asiático, já temos volume de comércio superior ao que possuímos com sócios tradicionais.

A relação com a Europa continua estratégica.

Dentro de alguns dias estarei na França, país importante na construção de uma ordem multipolar.

O acordo Mercosul-União Europeia é um símbolo contra o protecionismo.

Estamos criando uma das maiores áreas de livre comércio do mundo, reunindo mais de 700 milhões de pessoas.

Nossas economias, juntas, representam um PIB de 22 trilhões de dólares.

A defesa dos valores democráticos é, hoje, a mais importante missão que compartilhamos.

Laços históricos conectam o Brasil não só ao continente europeu, mas também ao africano.

Temos com a África uma dívida que só pode ser paga em solidariedade, cooperação e transferência de tecnologia.

Foi com esse espírito que realizamos na semana passada o Segundo Diálogo Brasil-África sobre Segurança Alimentar, e que se encerrou com a visita de Estado do presidente João Lourenço, de Angola.

Em breve, sediaremos, no Rio de Janeiro, a Cúpula dos BRICS.

O BRICS é, hoje, o porta-voz de uma ordem internacional diversa, que já não cabe nos limites estreitos da arquitetura construída em 1945.

Quando a ONU foi fundada, ela contava com apenas 51 membros. Hoje somos 193 nações na organização.

Não é admissível que cinco países tornem os demais reféns de suas vontades e interesses.

A prosperidade permanecerá um privilégio de poucos enquanto as vozes do Sul Global não estiverem devidamente representadas no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional.

Há quem critique o conceito de Sul Global, argumentando que somos muito diferentes entre nós.

Mas países de renda baixa e média continuam na periferia de um sistema que só beneficia o centro.

Os países ricos foram, historicamente, os grandes responsáveis pela mudança do clima, mas serão os mais pobres quem sofrerão o maior impacto.

A noção de justiça climática será crucial na COP30, em Belém.

É preciso lembrar que embaixo de cada árvore há uma pessoa.

É inconcebível que se gastem 2,4 trilhões de dólares por ano com armamentos enquanto existem mais de 730 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar.

A presidência brasileira do G20 deixou como legado a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que está trabalhando para erradicar esses flagelos de uma vez por todas.

Caras formandas e caros formandos,

O multilateralismo é ferramenta fundamental para que o Brasil atinja seus objetivos nacionais.

Não poderemos falar em justiça tributária sem que haja um entendimento internacional sobre a tributação de super-ricos.

Não conseguiremos coibir violações de direitos em plataformas digitais sem que haja um esforço coletivo para regulá-las.

Não lograremos preservar a Amazônia sem que todos os países façam sua parte para combater o aquecimento global.

O papel de vocês, diplomatas, implica levar para a frente externa as batalhas que travamos internamente.

Precisamos combater o extremismo e as desigualdade lá fora com o mesmo vigor com que lutamos aqui dentro.

Em pouco mais de um mês, nos despedimos do Papa Francisco, do presidente Mujica e do fotógrafo Sebastião Salgado.

O humanismo e a solidariedade que eles representavam são fonte de inspiração para o mundo.

A ciência mostrou recentemente que o Brasil é o país com a maior diversidade genética do mundo.

Sem desconsiderar a história de violência por trás da miscigenação que nos caracteriza, é significativo que o povo brasileiro tenha a pluralidade inscrita em seu DNA.

Em um mundo que está substituindo pontes por muros, é essa a pluralidade que vocês representarão no exterior.

As recentes premiações do cinema brasileiro em festivais internacionais dão prova da vitalidade da cultura nacional e da nossa política audiovisual.

Quero aproveitar essa cerimônia para cumprimentar Fernanda Torres, Walter Salles, Kleber Mendonça, Wagner Moura e todos os que contribuíram para esse feito.

Estou certo de que a turma Eunice Paiva contribuirá para continuar fazendo do Brasil uma força positiva para a humanidade e para o planeta.

Muito obrigado.


sexta-feira, 18 de abril de 2025

Dia do Diplomata - Rubens Barbosa (Interesse Nacional) - Gustavo Buttes (presidente do Sindicato do Itamaraty)

Dia do diplomata

Rubens Barbosa *

Editorial da revista

Interesse Nacional, 18/04/2025


Comemoração ocorre em momento crítico para a diplomacia em diferentes partes do mundo, o que evidencia a confusão entre os interesses nacionais e os de grupos políticos que colocam a política externa sob pressão ideológica

No próximo dia 20, será celebrado o dia do diplomata. A comemoração ocorre em um momento difícil para a instituição, o que não é um problema isolado do Brasil, haja vista o que acontece, entre outros, no Departamento de Estado, nos EUA, e no Quai D’Orsay, na França.

Nos últimos 20 anos, a formulação e a execução da política externa têm passado por um processo disfuncional em que os interesses nacionais são confundidos com interesses setoriais e políticos. Gradualmente a política externa passou a sofrer interferências ideológicas e partidárias que a afastam dos interesses do Estado. Um recente ministro do exterior aceitou que o Brasil fosse considerado um pária internacional por defender posições políticas vigentes no governo.

O Itamaraty é o principal assessor do presidente da República para a formulação e execução da política externa e sempre foi o órgão que coordena a participação do Brasil no mundo, seja no âmbito bilateral, quanto nos organismos multilaterais. 

As mudanças internas na política brasileira, acarretaram um continuado processo de esvaziamento do Itamaraty. Ao longo dos últimos anos, o Itamaraty perdeu espaço em temas como comércio exterior (mesmo no Mercosul), meio ambiente e mudança de clima, agenda de costumes, direitos humanos, entre outros. 

‘O Itamaraty deve fazer valer sua competência e espírito público para enfrentar o desafio de recuperar o papel central de coordenação em temas que impactem a projeção do Brasil no mundo’

No governo atual, o Itamaraty começou perdendo a Apex e enfrentou, com limitado sucesso, o desafio de tentar coordenar as ações externas das pastas de Meio Ambiente, Direitos Humanos, Mulheres, Igualdade Racial e povos indígenas. O Itamaraty deve fazer valer sua competência e espírito público para enfrentar o desafio de recuperar o papel central de coordenação em temas que impactem a projeção do Brasil no mundo.

As questões relacionadas com o fluxo da carreira e com vencimentos naturalmente preocupam, sobretudo os que estão nas classes iniciais e intermediárias. “A reforma do Regime Jurídico do Serviço Exterior, em discussão desde 2024, é um passo crucial. A atual estrutura piramidal de carreiras, aliada a promoções lentas, quando não paralisadas, pautadas por mecanismos personalistas e pouco transparentes, precisa dar lugar a um modelo de carreira ágil, que valorize mérito, capacitação e experiências multidisciplinares e multiculturais. A proposta em negociação prevê carreiras mais fluidas, progressão justa e capacitação continuada”, como assinala o presidente do sindicato dos diplomatas. 

As reivindicações justas dos jovens para aperfeiçoar a carreira diplomática têm de ser compatibilizadas com as prioridades do Ministério da Gestão e Inovação, que coordena a reforma, e da direção da chancelaria.

O Sindicato dos diplomatas – o único existente entre as carreiras de Estado – considera que “o fortalecimento institucional do Itamaraty passa necessariamente pelo diálogo social e pela participação ativa de suas servidoras e seus servidores. A negociação sindical, longe de ser um obstáculo, é parte essencial do processo democrático de modernização”. As negociações sindicais – cujos objetivos, em diversos casos, podem não ser aceitas por muitos – não podem deixar para um distante segundo plano as prioridades internas sobre os rumos da política externa e para a contribuição substantiva do Itamaraty.

O Ministério das Relações Exteriores se ressente da falta de liderança interna proativa já há alguns anos e da ausência de uma política externa com visão estratégica de médio e longo prazo sobre o lugar do Brasil no mundo, para responder com um trabalho mais eficiente e de resultados. 

Ao celebrar o dia do diplomata, espera-se que a instituição possa superar o risco que corre hoje de perder ainda mais espaço e de deixar de ser vista como um exemplo de excelência dentro do serviço público brasileiro. 

O Itamaraty, como instituição de Estado, não pode se transformar em mais um exemplo de burocracia que apenas defende os interesses pessoais imediatos de seus membros, como acontece, em geral, nos três poderes da Administração Pública. A reforma em discussão não pode resultar em prejuízo para o funcionamento da instituição, que, em consequência, venha a afetar o processo de formulação e de execução da política externa. 

* Rubens Barbosa 

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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Responde o presidente do Sindicato dos Diplomatas: 

Estimado Embaixador Rubens Barbosa,

Gostaria de parabenizá-lo pelo excelente artigo publicado no portal Interesse Nacional, especialmente pelos pontos que reforçam a necessidade de fortalecimento do Itamaraty. Concordo plenamente com sua premissa de que é imprescindível investir na valorização, na capacitação e na modernização da nossa diplomacia, para que o Brasil possa atuar de forma mais efetiva no cenário internacional. Sua análise aprofunda questões essenciais, como a importância de consolidar uma carreira diplomática robusta e preparada para os desafios contemporâneos.

As reflexões presentes em seu texto estão alinhadas à perspectiva de que o fortalecimento do Itamaraty é fundamental para reverter a tendência de perda de espaço do Ministério das Relações Exteriores na formulação e execução da política externa brasileira. É necessário criar condições para que o órgão recupere sua centralidade, por meio de uma modernização da estrutura, de uma atualização do regime jurídico e demais legislações que regem a carreira diplomática, e do investimento na formação e na valorização de nossos diplomatas.

Nesse sentido, destaco de seu texto dois outros aspectos complementares, mas não menos importantes, que merecem atenção: a formação de lideranças internas e o fortalecimento da atuação sindical. A capacitação contínua de quadros, com ênfase em habilidades técnicas e estratégicas, é crucial para garantir que o Itamaraty conte com profissionais aptos a enfrentar os complexos desafios da política internacional. Paralelamente, um sindicalismo propositivo e qualificado, como o que a ADB tem buscado construir, é peça-chave para defender os interesses da categoria e, ao mesmo tempo, contribuir para o aprimoramento institucional.

Concordo com o Sr. no sentido de que o Dia do Diplomata é uma efeméride mais que oportuna para trazer essa discussão à ribalta. Celebrar a data vai além do reconhecimento histórico; é uma chance de refletir sobre o futuro da carreira e as mudanças necessárias para que o Brasil tenha uma diplomacia à altura de suas ambições.

Nesse contexto, destaco uma iniciativa do nosso sindicato que busca contribuir para esse fortalecimento. A ADB Sindical iniciou a elaboração do livro “Competências Diplomáticas para o Brasil do Século XXI”. A obra tem o objetivo de criar um debate acadêmico consistente e formar massa crítica sobre os principais pilares da atuação brasileira no exterior. Acreditamos que esse esforço é fundamental para subsidiar as reformas necessárias e consolidar uma diplomacia mais alinhada às demandas do século XXI.

Ao agradecer mais uma vez pela sua valiosa contribuição a esse debate, coloco-me à disposição para colaborar na construção de uma política externa mais forte, moderna e autônoma.

Abraços cordiais, 

Gustavo Buttes


quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Discurso do Ministro Mauro Vieira por ocasião do Dia do Diplomata, 2023

 

Discurso do Ministro Mauro Vieira por ocasião do Dia do Diplomata - Brasília, 21 de novembro de 2023

Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva,

Senhora Secretária-geral das Relações Exteriores, embaixadora Maria Laura da Rocha,

Excelência reverendíssima, Arcebispo Giambattista Diquattro, Núncio Apostólico

Senhora Diretora-Geral do Instituto Rio Branco embaixadora Glivânia Maria de Oliveira,

Senhora paraninfa da Turma Mônica de Menezes Campos, embaixadora Maria Elisa Teófilo de Luna,

Senhor orador da Turma Mônica de Menezes Campos, Secretário Essí Rafael Mongenot Leal, 

Colegas do serviço exterior brasileiro,

Formandos, familiares, amigos, senhoras e senhores,

Estendo aos formandos da Turma Mônica de Menezes Campos as mais calorosas boas-vindas a esta cerimônia tão aguardada.

Os novos colegas participaram do concurso de admissão à carreira diplomática em período especialmente desafiador para o Brasil, marcado por graves retrocessos políticos, sociais e econômicos, e pela pandemia de COVID-19.

Felizmente para todos nós, eles perseveraram, e hoje somam-se, oficialmente, a essa grande missão em prol do povo brasileiro que é o serviço exterior.

Permitam-me ilustrar, com uma experiência recente, a complexidade e a urgência dessa missão, bem como a relevância dos servidores que a desempenham.

Há cerca de uma semana, quando a aeronave VC-2, da Força Aérea Brasileira, abriu suas portas no aeroporto de Brasília, o país comoveu-se diante da alegria das crianças que, junto com suas famílias, pisavam, finalmente, o solo brasileiro.

Vinham da Faixa de Gaza, zona conflagrada do Oriente Médio da qual conseguiram partir em segurança após semanas de gestões incansáveis do governo federal, em todos os níveis – desde os funcionários de nossas embaixadas na região, até o próprio Presidente Lula.

Esse foi o décimo voo da Operação Voltando em Paz, por meio da qual foram repatriados 1477 brasileiros e familiares afetados pelo mais recente capítulo do conflito e da ocupação que seguem, há décadas, pendentes de resolução entre Israel e a Palestina.

Essa rápida resposta à crise mobilizou os principais instrumentos da política externa: da diplomacia bilateral, que cultiva o diálogo com todos os países, à diplomacia multilateral, que expressa nossa voz nos foros internacionais; da assistência a brasileiros no exterior à cooperação humanitária; das mais discretas tarefas administrativas a uma pujante diplomacia pública e presidencial.

Todas essas linhas de ação dependem de uma infraestrutura comum: a imprescindível rede de embaixadas, consulados e missões do Brasil no exterior. Essa presença política, logística e, sobretudo, humana no mundo, onde quer que estejam em jogo os interesses nacionais e globais do país, tem importância existencial para o nosso povo.

Senhoras e senhores,

Vinte anos separam a formatura de hoje da cerimônia da Turma Sérgio Vieira Melo, em 2003, a primeira das oito presididas pelo Presidente Lula ao longo de seus dois primeiros mandatos.

Naquela ocasião, assim dirigiu-se Vossa Excelência, Senhor Presidente, aos formandos, e cito: “Vocês ingressaram na carreira diplomática em um momento de mudanças, em que o Brasil se afirma com crescente desenvoltura e confiança perante o mundo. (...) Ao mesmo tempo, é preciso que lutemos por um sistema internacional mais justo”.

Essas foram as bases da política externa que magnificaria a grandeza do Brasil no mundo, a partir de um reencontro consigo mesmo e com nossa região, e redefiniria os termos do debate sobre relações internacionais em nosso país neste primeiro quarto do século XXI.

Seu principal expoente, o chanceler, e caro amigo, Celso Amorim, definiria essa exitosa política como “desassombrada e solidária”, ao dirigir-se aos formandos do seu último ano à frente do Ministério das Relações Exteriores, em 2010.

A passagem do tempo confirmou o acerto dessa visão arrojada. Ensinou, também, que nenhuma conquista é suficiente, nem definitiva: todas requerem atenção contínua ao seu aprofundamento, bem como à sua proteção contra retrocessos.

A afirmação, pelo Presidente Lula, de que “nossa guerra é contra a fome” é tão pertinente hoje quanto o fora em 2003. A ordem internacional segue incapaz de “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra”, objetivo principal da quase octogenária Carta das Nações Unidas.

Países em desenvolvimento são crescentemente pressionados a alinhamentos automáticos. Nossa tradição diplomática é o melhor antídoto contra esse mau caminho. Ao longo de sua história, o Brasil soube navegar soberanamente a política do mundo, tendo como bússola os seus próprios valores, interesses e aspirações, além do direito internacional.

Recordo, aqui, um preceito de grande atualidade do ex-chanceler à época em que tomei posse como diplomata, Antonio Francisco Azeredo da Silveira, sob cuja liderança tive a honra de trabalhar em meu primeiro posto no exterior: o Brasil nunca será satélite de nenhum país ou bloco.

Como tem dito o Presidente Lula, o Brasil está de volta. Voltou, antes de tudo, a si mesmo, retomando o projeto da Constituição Federal de 1988 em sua plenitude. Voltou ao seu entorno geoestratégico na América do Sul e no Atlântico Sul e, a partir dele, ao contato com parceiros de todas as regiões do globo. Voltou, enfim, ao palco dos grandes debates internacionais.

A intensidade dessa correção de rumos evidencia-se nas mais de 200 interações do Presidente da República com autoridades estrangeiras, desde 1º de janeiro até o momento, na forma de participação em cúpulas e em reuniões bilaterais às suas margens; visitas realizadas e recebidas; telefonemas e videoconferências.

A recuperação do universalismo da política externa não poderia ter expressão mais clara.

Assim como o Brasil voltou ao mundo, o mundo também voltou ao Brasil. Nosso país será, nos próximos anos, a capital de foros internacionais da mais alta relevância, como o G20, a COP30 do Clima, o BRICS e a Zona de Paz e de Cooperação do Atlântico Sul, entre vários outros. Seguirá, igualmente, recebendo importantes visitas bilaterais.

Já no próximo mês, assumiremos duas imensas responsabilidades nessa caminhada.

A primeira delas será a assunção da presidência do G20, agrupamento que reúne as maiores economias do mundo e debaterá iniciativas concretas para enfrentar os principais desafios contemporâneos.

A segunda será a formalização da presidência brasileira da COP30 do Clima, a ser realizada em 2025, mas cuja preparação já começou. A COP constituirá oportunidade única para revitalizar o regime multilateral do clima; buscar limitar o aumento da temperatura global em 1,5 graus centígrados; e acelerar nossa própria transição ecológica e energética.

Essas duas linhas de ação receberão tratamento prioritário em 2024, em conjunto com uma terceira, de caráter permanente: seguir fortalecendo a integração regional, por meio do adensamento das relações bilaterais com os países latino-americanos e caribenhos e do seguimento dos resultados das cúpulas aqui sediadas no Brasil em 2023.

A aposta brasileira na integração, princípio constitucional que rege as relações internacionais do Brasil, seguirá sendo conduzida como projeto de Estado, que atende aos interesses de longo prazo do povo brasileiro, e transcende governos e orientações políticas.

Senhoras e senhores,

O ideal de política externa aqui enunciado, há 20 anos, pelo Presidente Lula segue mais atual do que nunca. Retomá-lo, em novas circunstâncias, exige análise atualizada do contexto internacional, atento aos desafios e aspirações contemporâneos de cada região e de cada país.

O sexagésimo aniversário do discurso proferido pelo chanceler Araújo Castro nas Nações Unidas, em 1963, sobre desenvolvimento, desarmamento e descolonização, convida-nos a reimpulsionar iniciativas diplomáticas voltadas para uma ordem internacional mais justa, pacífica, e capaz de reduzir desigualdades entre países e entre pessoas.

Os próprios parâmetros do exercício da diplomacia também devem ser atualizados, para internalizar o reconhecimento do protagonismo de mulheres, pessoas negras, LGBTQIA+, com deficiência e povos indígenas na história, e nos destinos, do Brasil e das relações internacionais.

A igualdade de gênero e a igualdade racial serão objetivos prioritários e transversais da política externa. O Brasil está em posição única para contribuir com formulações próprias para esse debate, a partir de suas múltiplas identidades como país do Sul, latino-americano, e da diáspora africana.

Prezados colegas,

A dedicação exemplar de seus servidores possibilitou que o Itamaraty conseguisse acompanhar a súbita, e muito bem-vinda, mudança do ritmo da política externa em janeiro deste ano – de um estado de inanição para o reengajamento simultâneo com todos os foros, temas e continentes.

Não obstante, é imperativo reconhecer um limite operacional inegável: a insuficiência de pessoal na Secretaria de Estado das Relações Exteriores.

A agenda da política externa para 2024 nos exigirá ainda mais: além do intenso trabalho habitual em suas áreas, os servidores farão o seguimento de iniciativas lançadas; realizarão cerca de 100 reuniões do G20; e prepararão, para as cúpulas a serem sediadas no Brasil em 2025, algo em torno de cem processos negociadores da COP30 do Clima e dezenas de reuniões do BRICS e do MERCOSUL.

Nesse quadro, questões relativas à gestão de pessoas – incluindo o ingresso, a alocação e a progressão de carreira dos servidores – revestem-se de fundamental importância para o êxito da política externa.

Serão tomadas medidas sistêmicas para, de um lado, mitigar o déficit de funcionários, a exemplo dos concursos já convocados para diplomatas e oficiais de chancelaria; e, de outro, para alocar a força de trabalho do Itamaraty de modo mais eficiente e alinhado com as prioridades estabelecidas pelo senhor Presidente da República.

o planejamento institucional do ministério para o período 2024-2027 conferirá especial atenção à ampliação da diversidade no quadro dos servidores, avançando a partir de conquistas já realizadas como o Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco e da criação, neste governo, do sistema de diversidade e inclusão.

Trabalharemos para aprimorar a qualidade de vida no ambiente de trabalho, com particular atenção à segurança e à saúde física e mental de servidores, e a uma política robusta de prevenção e combate a assédios e a qualquer forma de discriminação.

Tais medidas – combinadas a uma abordagem inclusiva na gestão do patrimônio físico, histórico e artístico da diplomacia – fortalecerão o Itamaraty, e os serviços que presta à sociedade, como espaço de pertencimento físico, político e simbólico para todos os brasileiros.

A diplomacia pública e as relações com os demais ministérios, o Congresso Nacional, e os entes federativos, serão intensificadas. Em seu governo, Presidente Lula, o Itamaraty será mais diverso e permeável ao diálogo com o Estado, a academia e a sociedade brasileira.

Caros formandos,

Compraz-me receber os novos diplomatas ao lado de colegas com quem iniciei minha carreira e com quem compartilho a celebração hoje de 50 anos de serviço público.

Deixo uma palavra de reconhecimento e afeto aos colegas Carlos Antonio da Rocha Paranhos, João Almino de Souza Filho e Andréia Cristina Nogueira Rigueira, e aos colegas de turma do meu curso do Instituto Rio Branco: Piragibe dos Santos Tarragô, Carlos Alberto Lopes Asfora, Eduardo Prisco Paraíso Ramos e Moira Pinto Coelho.

Esse encontro entre as turmas de 2023 e 1973 confere sentido especial a uma palavra muito cara ao Itamaraty: tradição, a qual expressa um ato de entrega. A importância simbólica dessa formação de vínculos, dessa troca de saberes entre gerações, reside tanto em quem passa o bastão, como em quem o recebe.

É nesse espírito que peço aos jovens colegas que recebam as múltiplas matrizes da tradição viva da diplomacia brasileira: prontos a conhecê-la, a honrá-la e a transformá-la quando necessário. E a construir, a partir dela, as novas tradições que conduzirão o futuro do Brasil e do Itamaraty.

É, igualmente, nesse espírito que peço a todos os servidores do Ministério que recebam os formandos: abertos a seus valiosos aportes e ideias, dos quais todos temos muito a nos beneficiar.

Muitas felicidades a todos e muito obrigado.



quinta-feira, 20 de abril de 2023

Dia do diplomata, do meu ponto de vista - Paulo Roberto de Almeida

 Dia do diplomata, do meu ponto de vista:

Fui diplomata por 45 anos, mas estudo as relações internacionais, a política externa, a diplomacia do Brasil e o mundo de forma geral por um período ainda maior, em especial as questões de desenvolvimento econômico e social dos países em perspectiva histórica e no plano comparativo.
Nunca deixei que a primeira condição atrapalhasse a segunda missão, bem mais importante.
Simples questão de honestidade e de independência intelectual.
Paulo Roberto de Almeida
Brasilia, 20 de abril de 2023

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Ser diplomata é uma missão!
 
Hoje comemora-se o Dia do Diplomata, data escolhida em homenagem ao patrono da diplomacia brasileira, José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão de Rio Branco, nascido em 20 de abril de 1845.

A ADB celebra esse dia com muita alegria e entusiasmo, e agradece a parceria de todos os associados.

Assista ao vídeo preparado pela ADB Sindical:  Dia do Diplomata - YouTube

https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=QEv4Gr1Ncoc


#ADBSindical #Diplomacia #DiadoDiplomata

domingo, 24 de abril de 2022

Dia do Diplomata: entrevista na Roda de Conversa, TV Pai Eterno - Prof. Rafael Manzi, Paulo Roberto de Almeida

Uma entrevista recente no dia do diplomata; sem notas, apenas vídeo.

1446. “Dia do Diplomata: entrevista na Roda de Conversa, TV Pai Eterno”, Brasília, 20 abril 2022, 2 blocos de 18 e de 19 mns, na companhia do Professor Rafael Manzi, na TV Pai Eterno; 

1ro bloco, link: https://youtu.be/mkPkr_rU8Xc

2do. Bloco, link: https://youtu.be/IQUuW6TuyoE

Sem original, notas ou texto.


 

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Entre o passado e o futuro: práticas republicanas e desafios da diplomacia brasileira - Gabriela Lotta, Izabela Moreira Correa, Mariana Costa Silveira

Entre o passado e o futuro: práticas republicanas e desafios da diplomacia brasileira

O Estado de S. Paulo, 20 de abril de 2022

Gabriela Lotta, Professora de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP) e Coordenadora do Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB-FGV)

Izabela Moreira Correa, Doutora em Governo pela London School of Economics (LSE)

Mariana Costa Silveira, Doutoranda em Administração Pública e Governo na Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP) e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB-FGV)

 Em todos os lugares, levo a memória da Pátria. Ubique Patriae Memor. A frase é do Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, cuja data de nascimento marca a comemoração do Dia do Diplomata, 20 de abril.

Mas, mostrar para o mundo o que é o Brasil nunca foi tão difícil para as diplomatas e os diplomatas brasileiros como tem sido recentemente. Em pouco mais de três anos, o país alterou profundamente várias de suas posições diplomáticas históricas. Exemplos abundam. O alinhamento sem precedentes da política externa brasileira à do presidente americano Donald Trump, o ataque internacional aos direitos humanos, o afastamento da posição de equilíbrio em relação a Israel e Palestina, as duras críticas à China, o descaso com compromissos internacionais sobre meio ambiente, o afastamento de nossos vizinhos, e, o desmonte dos mecanismos de integração regional.

O Brasil, que sempre foi reconhecido por ter uma postura mediadora e negociadora, se transformou num pária internacional, isolado em várias posições ao lado de governos autoritários. ‘Nos últimos dois anos, avolumaram-se exemplos de condutas incompatíveis com os princípios constitucionais e até mesmo os códigos mais elementares da prática diplomática’, constava da carta apócrifa de diplomatas brasileiros divulgada no final de março de 2021, dois dias antes da demissão de Ernesto Araújo.

Por que apócrifa? Por que, com raras exceções, em vez de encontrarmos uma resistência frontal dos diplomatas, temos visto atos de resistência tímidos ou silenciosos?

Para responder a esta pergunta, entrevistamos dezenas de diplomatas, lotados em vários países, em distintos setores, e que fazem parte de diferentes gerações do Itamaraty. Estas entrevistas fazem parte de pesquisa que estamos conduzindo para compreender a relação entre opressão governamental e reação burocrática. Para tanto, temos olhado para a administração pública buscando avaliar o funcionamento dos órgãos governamentais e de suas burocracias.

O Itamaraty é um dos órgãos federais mais longevos. Reconhecido por seu posicionamento histórico de equilíbrio e moderação, possui corpo funcional estável e altamente qualificado que, até recentemente, se orgulhava de sua independência técnica ao se assumir como “funcionários de Estado”, elemento aprendido em seu processo de formação e socialização no Instituto Rio Branco. Essas características são, em geral, associadas a organizações públicas autônomas, que conseguem se proteger de desmandos políticos e manter, com bastante efetividade, certa estabilidade na sua agenda. Por todas essas características, enquanto estudiosas da administração pública, fomos surpreendidas com a mudança radical sofrida pelo Itamaraty e pela política externa durante o Governo Bolsonaro.

Embora críticos dos rumos seguidos pela política externa do Governo Bolsonaro, as diplomatas e os diplomatas que entrevistamos foram enfáticos em reconhecer sua limitação em impor resistências ao governo. Na raiz dessa impotência mora o medo da retaliação, pelos pares ou pelo governo, agora ou no futuro.

Medo de retaliação não é peculiar aos servidores do Itamaraty. Em outras organizações também encontramos servidores com receio de sofrer processos administrativos, perseguições, assédio moral e mudança de área. No Itamaraty, entretanto, as represálias parecem ser de outra ordem e ter consequências que ultrapassam um único governo. O trabalho do corpo diplomático envolve, necessariamente, remoções ao longo da vida funcional para serviço em outros países, promoções funcionais e acesso a cargos de direção.

A escolha de para onde o diplomata vai (ou não) afeta não só seu futuro profissional, mas também o de sua própria família. A barganha e uso político do instrumento – por exemplo, punindo servidores que divergem do governo com possível remoção para países indesejados – é uma forma poderosa de manter os diplomatas na linha de obediência.

O segundo mecanismo, a promoção, pode ser usado para o mesmo propósito. Diferentemente de outras carreiras nas quais a promoção acontece a partir de critérios objetivos – tempo de serviço e capacitação, por exemplo – no caso das diplomatas e dos diplomatas, a partir de certo estágio da carreira, a ascensão funcional é feita com base na “promoção por merecimento”, que envolve elementos subjetivos e cuja decisão final depende de apoios formais de colegas na alta direção do ministério, do ministro das Relações Exteriores e, legalmente, do presidente da República. Para além das críticas à influência de fatores como parentesco e relacionamentos pessoais, nossa pesquisa aponta que, sem critérios formais, a promoção também pode ser instrumentalizada para manter a subordinação ou o silêncio daqueles que, ainda que muito desconfortáveis com o retrocesso da política externa, temem que a defesa aberta da democracia, de princípios constitucionais ou de posicionamentos diplomáticos tradicionais os levem ao ostracismo no futuro.

Por fim, os resultados da pesquisa sugerem que o Palácio do Planalto, com a conivência de Ernesto Araújo, num primeiro momento, e agora de Carlos França, tem vetado número expressivo de diplomatas indicados para posições no ministério. A “caça às bruxas”, como tem sido descrita (não apenas no Itamaraty, aliás), afeta inclusive cargos de comissão de médio escalão, algo jamais vivenciado pelo Itamaraty, segundo relatos dos entrevistados. Há casos também de diplomatas que passam meses sem lotação ou atribuições definidas, num limbo funcional jocosamente conhecido como “Departamento de Escadas e Corredores”. Isso tudo sem que os servidores jamais conheçam as motivações para tanto. Os relatos indicam perseguições políticas motivadas, por exemplo, por posicionamentos pessoais de servidores em redes sociais, posições ocupadas em governos anteriores, ou proximidade com pessoas vistas com desconfiança.

Estes instrumentos, junto com outros que encontramos no restante da esplanada (como processos administrativos, assédio institucional e interferência política por meio de nomeações de atores externos, incluindo de militares, para cargos de chefia sem conhecimento técnico) explicam em grande medida como e por que o presidente foi capaz de impor uma mudança tão brusca nos rumos de uma organização que se vangloriava por suas tradições.

Último ano do governo. Hora de olharmos para tudo o que vivemos, aprender e tirar uma agenda de futuro que melhore nossa administração pública e fortaleça nossa democracia. O caso do Itamaraty nos mostra a importância de investir em organizações públicas fortes, capacitadas, e que tenham instrumentos transparentes, isonômicos e impessoais de gestão e carreira. E nos lembra que, para que a tradição da política externa brasileira seja preservada e o Brasil consiga retomar posições de equilíbrio e destaque internacional, é necessário avançar em prol de práticas internas mais republicanas. Talvez assim, as diplomatas e os diplomatas brasileiros não tenham que conviver mais com a dificuldade de em todos os lugares levar a memória da pátria.

https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/entre-o-passado-e-o-futuro-praticas-republicanas-e-desafios-da-diplomacia-brasileira/

Dia do Diplomata: algo a ser comemorado? - Paulo Roberto de Almeida


Dia do Diplomata: algo a ser comemorado?

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

Hoje, 20 de abril, é dia do Diplomata, assim estabelecido pois essa data corresponde ao dia do nascimento de José Maria da Silva Paranhos Jr., em 1845. Cem anos depois, por decreto da ditadura do Estado Novo, era criado o Instituto Rio Branco, encarregado de realizar o concurso de admissão à carreira diplomática, a única forma de ingressar no serviço exterior brasileiro desde então. Os exames de ingresso mantêm o mesmo alto padrão de exigências, com requerimentos praticamente impossíveis de serem alcançados facilmente por qualquer candidato que se apresente, daí o elevado conceito de grande qualidade do seu capital intelectual de que sempre gozou a diplomacia do Brasil, na comparação com serviços diplomáticos de outros países, até alguns desenvolvidos.

Mas a diplomacia, como todos sabemos, é apenas uma ferramenta técnica, um instrumento de trabalho, a ser moldado e orientado pelo chefe de Estado e de governo, no caso republicano o presidente. Sou parlamentarista, e preferia ver na chefia dos negócios da nação alguém que pudesse ser mais facilmente demitido do que um presidente, que requer um sempre traumático processo de impeachment. Digo isto por que um mau presidente, aliás, bem mais do que mau, péssimo, como é o caso atualmente, é capaz de contaminar, deformar, emporcalhar a política externa e a diplomacia, como infelizmente ocorre com as nossas relações exteriores e o seu instrumento de trabalho, o Itamaraty. 

Já fiz muitos balanços sobre a demolição da política externa e a miséria de nossa diplomacia, que aliás correspondem aos títulos de dois livros meus cobrindo, infelizmente, este mau momento da nossa imagem internacional, devido inteiramente ao inepto que nos desgoverna. Teríamos muito a comemorar, efetivamente, se nossa credibilidade externa fosse a mesma de alguns anos atrás, em que pesem todas as turbulências – corrupção e destruição econômica – da era do lulopetismo, que conduziu uma política externa razoável, a despeito de suas derivações partidárias extremamente medíocres (aliança com ditaduras execráveis, para mencionar apenas um aspecto).

Mas, já fomos mais respeitados no mundo, e voltaremos a sê-lo, mas isso vai exigir muito trabalho, a partir do momento em que conseguirmos nos desvencilhar do estrupício que infelicita a nação e constrange os diplomatas, com sua ignorância e desvio de caráter. Haverá um imenso trabalho a ser feito a partir de um governo mais ou menos normal (nunca se pode desejar perfeição no caso brasileiro, com o estamento político patrimonialista que temos), quando então teremos de reconstruir uma política externa decente e restaurar uma diplomacia profissional baseada na excelência do seu capital humano, deixando de lado as deformações ideológicas que atingiram tanto o lulopetismo diplomático, quando o horrível bolsonarismo lunático.

Aguardando chegar esse dia, desejo um bom dia do diplomata a todos os meus colegas, prometendo e confirmando que sempre estarei na linha de defesa de nossos valores e princípios hoje tão depreciados.

Adelante, pessoal. Temos muito a fazer, desde já, planejando nosso renascimento intelectual e nossa recuperação orgânica.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4133: 20 abril 2022, 2 p.