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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Economia politica do intelectual - Paulo Roberto de Almeida (2006)

Reproduzindo um artigo de 13 anos atrás, talvez ainda válido.


Economia política do intelectual

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de julho de 2006
Revista digital Espaço Acadêmico (ano 6, n. 63, agosto 2006)


Pretendo, nestas breves considerações em torno da economia política dos intelectuais, oferecer uma visão cética, ou pelo menos crítica, sobre alguns dos mitos da nossa época, entre eles o do intelectual público enquanto figura de proa dos movimentos vanguardistas, ou progressistas, e portanto, uma figura isenta que encarna, supostamente, os melhores valores da racionalidade e do humanismo. Ainda que tudo isso possa ser justificado, em bases racionais, ou legitimado socialmente, nenhuma restrição de ordem conceitual ou filosófica deveria nos impedir de examinar essa figura ímpar da modernidade – mas, na verdade, eles não são tão modernos assim, nem tão excepcionais quanto se quer fazer acreditar –, tendo como base analítica essencial a relação de custo-benefício que eles costumam apresentar para a sociedade e como único critério de avaliação, a dissecação sem compaixão desse obscuro objeto de admiração (por vezes indevida).

1. Certidão de nascimento ou temporalidade difusa?
Não é verdade que o intelectual público seja um produto da nossa época, como pretendem alguns. Obviamente, os que defendem tal posição adotam a visão francesa do intelectual e têm até uma data para esse “nascimento”: a publicação do panfleto J’accuse, na verdade uma carta aberta que o escritor francês Émile Zola enviou ao presidente Félix Faure a propósito do processo Dreyfus. Publicado no jornal L’Aurore, em 13 de janeiro de 1898, o panfleto acusava o comando militar francês de conivência com erros criminosos no processo instaurado contra o capitão Alfred Dreyfus, injustamente condenado por traição à pátria e espionagem a serviço do inimigo alemão. Aí teria nascido, segundo os defensores dessa versão “moderna” do personagem, o intelectual público contemporâneo.
Altamente questionável essa visão e monopólio gauleses do intelectual. Talvez devêssemos recuar um pouco esse nascimento e falar, por exemplo, dos enciclopedistas do século XVIII, ou dos ingleses e escoceses do período da guerra civil, John Locke ou Thomas Hobbes, ou então do protótipo do conselheiro do príncipe, isto é, Maquiavel em pessoa. Mais um pouco – passando pela Idade Média, com tantos personagens brilhantes, como Avicena, Averroes, Maimonides e Tomás de Aquino – chegaríamos à antiguidade clássica, com Sócrates e Platão. Existem muitos outros exemplos, é claro, mas minha intenção não é a de retraçar as origens e desenvolvimento dos intelectuais ao longo da história, mas tão simplesmente a de fazer uma breve análise econômica das condições de produção, reprodução, circulação, acumulação e eventual falsificação desse personagem, nas condições modernas e brasileiras e também numa perspectiva crítica em relação aos possíveis defeitos desse “produto”, que está quase virando uma commodity, sob o império – é o caso de se aplicar o conceito – da globalização avassaladora.

2. Natureza do produto e valor agregado: ativos tangíveis e intangíveis
O intelectual pode ser definido como sendo, essencialmente, um produtor de saber ou, pelo menos, de ideias (nem sempre originais). Não qualquer saber, nem quaisquer ideias, que estariam disponíveis ao comum dos universitários – que eles, sim, são uma commodity –, mas um saber especializado e ideias supostamente únicas e aparentemente originais, pretensamente refinadas e dotadas de virtudes eventualmente “explicativas” do mundo real e “propositivas” de novas vias para se abordar os problemas do mundo real.
Seria isso verdade? Provavelmente não, ou então sim, mas de uma forma muito restritiva, pois a maior parte dos pretensos intelectuais não produz qualquer saber original – no sentido de elevar o estoque de conhecimento humano a patamares superiores de criatividade e inovação –, atuando mais como “porta-vozes” dos setores educados da população, sendo, por isso mesmo, requisitados pelos meios de comunicação para pontificar sobre esta ou aquela matéria. Estou obviamente referindo-me a alguns dos ilustres pontífices das ciências humanas, uma vez que os cientistas, que são os verdadeiros inovadores em nossa civilização tecnológica, não são habitualmente considerados como intelectuais, mas como meros produtores de um “saber instrumental”. Fiquemos, portanto, nesse estamento mais reduzido de “processadores de ideias humanísticas” para traçarmos uma breve economia política do intelectual.
O intelectual é um produto do seu meio, mas ele traz um valor agregado, o que os marxistas chamariam de “mais valia”, no sentido em que ele é capaz de acrescentar novos significados a velhos saberes, travestindo conceitos antigos sob novas roupagens, o que o transforma em um personagem próximo do prestidigitador. Atenção!: ele não um mero enganador, um embromador com ideias alheias. Não!: ele apenas recupera parte do conhecimento disponível em seu meio social e ambiente cultural e o apresenta de maneira relativamente inédita, o que em latim – sim, os intelectuais deveriam, em princípio, saber latim, tanto quanto grego antigo e inglês, essa novilíngua dos bárbaros da globalização – se traduz por “non nova, sed nove”, ou seja, não inteiramente novo, mas de forma nova.
A maior parte dos ativos do intelectual, o que seria o seu valor agregado pessoal, é constituída de intangíveis, matéria volátil como o calor dos sentidos e a luz das ideias, ainda que não se possa excluir que o intelectual também ande armado de um grande porrete, para eventualmente melhor enfiar suas ideias nas cabeças dos adversários. Nos tempos de Niccolò Machiavelli, por exemplo, a adaga era um instrumento fundamental de trabalho, tanto quanto os venenos pouco perceptíveis e as bolsas com ducados e fiorinos: a defesa pessoal, as conspirações e a compra de espiões, ou mesmo de possíveis adversários, figuravam no arsenal “intelectual” de qualquer condottiere ou candidato a príncipe por um dia. As armas enferrujam, venenos desaparecem, o dinheiro é dilapidado, mas o que fica são as ideias intangíveis dos intelectuais, que movimentaram líderes políticos ambiciosos, que por sua vez mobilizaram exércitos inteiros de mercenários – ou seriam militantes? – para defender suas causas, ou, mais exatamente, suas propriedades (que ainda não foram conquistadas, obviamente).

3. Volatilidade e imperfeição dos mercados intelectuais
Nosso intelectual atua em mercados imperfeitos, como são, aliás, a maior parte dos mercados de bens e serviços. Esse mercado é dominado por um número menor de “vacas sagradas” e muitos outros candidatos a um nicho nesse mercado altamente volátil, mas caracterizado por alguns ciclos perfeitamente definíveis. Esses ciclos obviamente têm a ver com a oferta e a demanda de “ideias úteis” para a sociedade. Nem todas as ideias são úteis o tempo todo, nem as supostas “utilidades” que se possa extrair de certas propostas “intelectuais” conformam, de fato, ideias originais que configurem uma melhor situação de “bem estar” para o conjunto da sociedade. Determinadas “ideias” de intelectuais reputados podem aparentar uma promessa de bem estar superior, mas na verdade representam, no entrechoque de sua implementação prática, uma diminuição do retorno real, aquilo que os economistas chamam de “maximização da satisfação”. 
O mercado dos intelectuais “marxistas”, por exemplo, já conheceu tempos melhores, quando as ações cotadas no nome do criador da seita – que digo?, uma religião, com todos os rituais a que ela têm direito – conheciam grande demanda e um alto “valor de troca”, valorizando-se indevidamente, portanto (pelo menos em relação ao seu “valor de uso” real, sobretudo nas sociedades do capitalismo avançado). Depois, elas saíram de moda, seus papéis despencaram – as ações do socialismo de tipo soviético, por exemplo, deixaram de ter cotação – e só tinham procura nos mercados periféricos, onde as ideias aparentemente circulam tardiamente ou estão sempre fora do lugar. A manutenção da demanda agregada para esse tipo de papel, em todo caso, só ocorreu nas universidades públicas, conhecidas pela imperfeição ainda maior dos seus mercados de ideias.
Os papéis liberais, em contrapartida, chegaram ao fundo do poço durante a longa dominação do keynesianismo doutrinal e do planejamento indicativo em quase todas as economias de mercado desenvolvidas. Durante o longo período que vai dos anos 1940 aos 80 do século XX, eles praticamente não tiveram cotação nas bolsas do pensamento econômico, ficando restritos – e basicamente escondidos – em alguns poucos bastiões do academicismo conservador, como Chicago ou a escola de Viena, limitada a alguns saudosistas da belle époque. Voltaram em peso no pregão das ideias na moda a partir dos anos 1980, sob o travestimento de “papéis neoliberais”, mas, de fato, as ações mais procuradas ainda pertenciam ao liberalismo clássico, como os títulos “Von Mises” ou os blue chips “Friedrich Hayek”.
Quanto às regras do “consenso de Washington”, contrariamente ao que parecem crer alguns neófitos do mercado de ideias – sempre existem inexperientes ou aventureiros nesse tipo de negócio –, elas não representam, na verdade, ações “neoliberais”, mas tão simplesmente um conjunto de propostas pragmáticas, visando oferecer prescrições macro e microeconômicas para ajudar os turbulentos mercados latino-americanos a superar as duras tarefas dos ajustes emergenciais e a encontrar novos patamares de estabilidade. O mercado para elas foi ingrato, submetidas que foram a fortes ataques especulativos dos antiglobalizadores – alguns preferindo ser chamados de “desenvolvimentistas” –, o que fez oscilar erraticamente os seus preços, trazendo pouca demanda a esse nicho restrito do mercado de ideias práticas.

4. Um tipo específico de intelectual: a “vaca sagrada”
Volto, agora, ao problema das “vacas sagradas” e às suas ideias eventualmente nocivas à sociedade em que vivem ou a que servem. Contrariamente ao que alguns podem crer, eles não são naturais da Índia, nem têm algo a ver com o planejamento estatal que foi a característica mais marcante daquele país durante suas décadas de baixo crescimento e de isolamento dos mercados globais. Nossa vaca sagrada também pode ser um planejador, mas ele é, sobretudo, um vendedor de ideias mortas. Qual é a minha noção de “vaca sagrada”?
Vacas-sagradas são aquelas pessoas que atingiram tal grau de excelência em suas áreas respectivas, que elas se tornam verdadeiras referências para o campo de estudos ou de atividades a que elas se dedicam. Viram mitos, pessoas inatingíveis e inatacáveis e tudo o que elas dizem – o que pode eventualmente incluir coisas anódinas ou até besteiras completas – é acatado com todo o respeito, vem repetido na imprensa e acaba sendo aceito com toda a reverência que essas vacas-sagradas merecem, por vezes indevidamente, e que elas exibem com certa arrogância na vida diária.
Eu – anarquista e iconoclasta que sempre fui – considero pessoalmente uma pena esse respeito indevido de que gozam as “vacas sagradas”, uma vez que esse acatamento reverencial por parte dos “candidatos” a intelectuais pode ser nefasto à “circulação” de novas ideias. Sim, pela boa e simples razão de que as verdadeiras vacas sagradas, por definição, ostentam velhas ideias, congeladas no tempo, que elas (as vacas, não as ideias) continuam a estender e dispensar aos discípulos como quem se esforça por espalhar os últimos restos do pote de geleia num pedaço muito grande de pão. Com isso, algumas dessas vacas-sagradas podem fazer muito mal a um país.
Considerem, por exemplo, este depoimento de uma das maiores vacas sagradas de todos os tempos, o finado economista Celso Furtado, no qual ele diz que o Brasil está dominado pelo neoliberalismo e que a “coisa microeconômica é um disparate completo”. Em depoimento prestado em agosto de 2004, poucos meses antes de morrer, ele disse exatamente o seguinte: “A hegemonia do pensamento neoclássico-neoliberal acabou com a possibilidade de pensarmos um projeto nacional; em planejamento governamental, então, nem se fala... O Brasil precisa se pensar de novo, partir para uma verdadeira reconstrução. Para mim, o que preza é a política. Essa coisa microeconômica é um disparate completo.” (Maria Inês Nassif, “O CDES e o consenso que não é neoliberal”, jornal Valor Econômico, 13/07/2006).
É realmente uma pena que a nossa maior vaca sagrada pensasse assim, pois o dinheiro da sua aposentadoria, o de todas as outras aposentadorias, aliás, todo o dinheiro que movimenta e sustenta o governo, assim como a qualquer outra pessoa no Brasil e no mundo, toda a riqueza que movimenta as relações, em quaisquer instâncias que se possa conceber, tudo isso deriva dessa “coisa microeconômica” tão desprezada e vilipendiada por Celso Furtado. Sem ela, não haveria empregos, renda e riqueza, pois é evidente que é a microeconomia que produz todo e qualquer valor na sociedade – o que Marx sabia muito bem – uma vez que a famosa macroeconomia – tão apreciada pelos keynesianos e por toda a torcida de economistas desenvolvimentistas – apenas se dedica, pura e simplesmente, à singela organização das melhores condições possíveis para o exercício de uma boa microeconomia pelos agentes econômicos. Não acredito que os economistas keynesianos pensem que governos sejam capazes de criar valor, ou que eles retiram dinheiro a partir do nada, como se fosse de uma lâmpada mágica. Até os economistas desenvolvimentistas sabem perfeitamente que são os produtores diretos, os agentes microeconômicos, tão desprezados por Celso Furtado, os ÚNICOS que criam valor numa sociedade.
Mas deixemos as vacas sagradas em paz para voltarmos aos nossos intelectuais de mercado. Nossa economia política ainda não acabou...

5. Intelectuais de marca ou genéricos?
Existem muitos modelos de intelectuais, alguns ostentando marcas de prestígio, outros sendo simples genéricos, como ocorre, aliás, com a maior parte dos universitários. Os primeiros custam mais caro, ou melhor, cobram mais caro do que a média do mercado para trabalhadores não-manuais, mas, como no caso das ações “marxistas”, seu valor de troca encontra-se indevidamente valorizado em relação ao seu efetivo “valor de uso”. Et pour cause: poucas de suas “ideias” são implementáveis de fato, consistindo, no mais das vezes, de prescrições quiméricas – só imagináveis por quem vive na torre de marfim, sem qualquer contato com as linhas de montagem ou as seções de contabilidade das firmas –, além de considerações genéricas do tipo “o que falta ao país é um projeto estratégico nacional” (proposição tão ingênua quanto inexequível, em condições democráticas).
Os intelectuais “genéricos”, em contrapartida, não costumam propor um “projeto nacional” pronto e acabado, contentando-se com comentários pretensamente profundos sobre temas do momento, a partir de frases de colegas de “marca” ou de algumas figuras do passado (as “vacas sagradas”, justamente, que se tornam ainda mais míticas do que já eram). Com os progressos da globalização, e a disseminação fácil das ideias geniais – a maior parte agora disponível num simples clicar de “cut-and-paste” – os intelectuais de marca se tornam cada vez mais genéricos – pois que amplamente disseminados nas engrenagens da tecnologia da informação – e os genéricos, por sua vez, podem aspirar a ter seus quinze minutos de fama, como se fossem uma marca legítima.
Atenção: se você pretende ser um legítimo intelectual de marca, não generalize as suas ideias, em todo caso, não antes de registrá-las em algum suporte comercial, devidamente protegido pela legislação de propriedade intelectual, o que lhe poderá assegurar não apenas o monopólio de continuar explorando aquelas ideias – ou pelo menos a forma em que foram expressas – durante bastante tempo, recolhendo no caminho alguns bons royalties pela circulação dessas ideias porventura geniais (não precisam ser, basta que tenham um ar de sê-lo). 

6. A substituição de importações intelectuais no caso brasileiro
O intelectual, no Brasil, sempre foi um produto importado, não vindo no porão dos navios, como o bacalhau, o azeite e vinho, mas na coberta das caravelas, veleiros e outros transportes que faziam o trajeto da metrópole, que era onde se dispensavam os saberes d’antanho. Muito antigamente eles vinham de Coimbra, depois essas importações foram amplamente diversificadas, com muitos saberes em várias línguas, mas com a predileção especial por Paris e seus modismos intelectuais. Apesar da decadência francesa em todas as coisas mais vis que possa haver no mundo, commodities, mercadorias ordinárias e outras bugigangas, é da França, e mais especificamente de Paris, que ainda provêm, junto com perfume e as roupas da moda burguesa, as ideias que constituem le dernier cri dos nossos intelectuais.
Aparentemente, toda a filosofia uspiana é uma demoiselle que aqui aportou depois de um long séjour parisien, como se estivesse num département d’outre mer. N’importe, o fato é que nós já fizemos nossa substituição de importações no terreno das ciências sociais, aliás com ideias, conceitos e metodologias que falavam inglês – vindas com os famosos brazilianists dos anos 1960 e 1970 – e não precisaríamos mais importar essas ideias francesas que só servem mesmo para a França, pois são tão específicas daquela cultura como o foie-gras, o camembert, o reblochon. Aliás, desde que aqui começou a se fazer o legítimo conhaque – sim, com “que”, sem “c” – de alcatrão de São João da Barra, no distante século XIX, que não precisaríamos mais importar ideias francesas, superadas que elas deveriam estar por nossa genialidade adaptativa e imensa capacidade de digerir e reproduzir o que há de mais avançado no mundo das ideias.
Mas, qual o quê! Nossos intelectuais são preguiçosos: eles não se dedicam a criar ideias próprias e continuam a consumir ideias francesas que na atualidade vêm mais em modelos prêt-à-porter do que sob a forma elegante do fait-à-la-main. É por isso que nossos alunos universitários continuam a ser torturados pelos Derridas de aluguel, pelos Lacan de contrabando, pelos Foucault de um imaginário que não tem muita imaginação. Vejam vocês que eu já encontrei estudos sociológicos sobre os nossos garimpeiros – sim, aqueles seres brutos que despejam mercúrio na natureza e usam as pepitas para comprar o amor das donzelas disponíveis – elaborados com a mais refinada técnica foucaultiana, como se não fosse possível analisar o imaginário rude desses seres singulares das nossas fronteiras da civilização, a não ser com tecnologia importada de Paris. Épatant, n’est-ce-pas?
Quero crer que a substituição de importações já se completou no caso das nossas ciências sociais e que não precisaríamos mais estar pagando royalties e serviços técnicos por essas contribuições dispensáveis ao nosso universo mental, e que só não o fazemos por absoluta preguiça conceitual e vagabundagem metodológica dos nossos intelectuais. Ao trabalho, rapazes e moças: libertem-se do que é importado, do que é supérfluo, para diminuir esse “passivo externo”, essa terrível dependência intelectual do estrangeiro, que só agrava a nossa “vulnerabilidade externa”, pesando indevidamente em nosso balanço de pagamentos do setor universitário.

7. Regulação e concorrência do mercado de intelectuais
            Todos os intelectuais dizem amar a liberdade, as pugnas intelectuais, o combate de ideias, a liberdade de expressão e a livre circulação das opiniões. Na verdade, como várias outras categorias sociais, sempre temerosas da livre concorrência, eles adoram uma boa reserva de mercado, um nicho garantido por um título de exclusividade, uma licença régia qualquer que lhe garanta a exploração monopólica de um serviço qualquer.
            Existiria outra razão para o jornalismo ser exercido por “intelectuais” portadores de certificado? Ou eles não são intelectuais os jornalistas? Pela nossa definição, eles se encaixam: lidam com conceitos, opiniões, argumentos, produzem ideias, informações, dicas úteis à sociedade, ao corpo e ao espírito, quem vai dizer que eles não são o que pretendem ser? Eles vivem, em última instância, da palavra escrita e, portanto, se encaixam na definição.
            Ainda que não fossem: os que se pretendem verdadeiros intelectuais são uma espécie de jornalistas universitários: vivem processando informações, elaborando dados em novas apresentações externas, remodelando o conteúdo daquelas ideias que possam ter fabricado no passado, aplicando um Lavoisier em outras que são recicladas de colegas porventura falecidos, enfim, fazem aquilo que se faz nas redações, apenas que eles têm um público cativo, e o mais das vezes passivo, ao passo que os outros, os intelectuais da imprensa precisam, pelo menos, fazer com que a clientela compre a sua produção como condição de sobrevivência física.
            O intelectual universitário não: ele dispõe de uma reserva de mercado, que pode explorar à vontade – stricto et lato sensi – e não precisa nem mesmo se preocupar com a satisfação do consumidor: as condições estão dadas pela estabilidade, uma tenure que em outros países – que exibem intelectuais mais competitivos – só se alcança ao cabo de longos e longos anos de produtividade desenfreada, segundo o velho princípio do publish or perish, e que é aferida regularmente para fins de patrocínio ou financiamento quanto a seus resultados efetivos, não os proclamados pela própria casta. Na verdade, nosso intelectual não quer concorrência, ele não gosta de concorrência, ele aprecia mesmo um bom monopólio, de preferência público, que explora privadamente.
Querem um exemplo?: O projeto de lei que cria o escritor de carteirinha. Trata-se do projeto de lei nº 4641, apresentado em setembro de 1998 pelo deputado Antônio Carlos Pannunzio (PSDB-SP) e que “dispõe sobre o exercício da profissão de escritor”. Será que esse escritor profissional terá de trabalhar 8 horas por dia, vai descontar imposto sindical, terá férias remuneradas, direito a FGTS, essas coisas?

8. As finanças dos intelectuais: transparência e recursos não-contabilizados
Assunto nebuloso este, aliás como tudo o que diz respeito a renda e pagamento de impostos em nosso país. O intelectual detesta ser um mero assalariado, o que ele acaba frequentemente sendo, geralmente do Estado. O intelectual assalariado não consegue ter liberdade para dispor de seus recursos. Se for para ser um assalariado, melhor ser como aqueles antigos artistas e intelectuais sustentados por mecenas endinheirados – o que é uma tautologia, obviamente – ou príncipes ainda não decadentes de cortes europeias, com castelos funcionais (com quadras de tênis, banheiros modernos e ar condicionado). Ser um Da Vinci, um Voltaire, e levar uma vida de palácio, de doces tertúlias na verdura suave de uma tarde de verão, isso é que é vida. Stop o sonho e voltemos à realidade.
O intelectual precisa, como qualquer mortal, se preocupar com o supermercado, o salário da empregada – sim, eles ainda não aboliram totalmente a escravidão – e o avanço do fisco sobre seus rendimentos não declarados. Claro que eles têm esse tipo de renda extra: quantas palestras, quantos artigos ou resenhas, quantas crônicas para essas revistas corporativas não surgem assim do nada e não é que “pinga”, em contrapartida, algum dinheiro ocasional para o choppinho da sexta-feira? Mais importante: quantos projetos e seminários, e visitas e convites, e livros coletivos e tantas outras oportunidades mais não surgem na vida do intelectual, sobretudo quando o seu preço de mercado já subiu por força de alguma ideia poderosa que encontrou muitos tomadores no mercado?
Como todo e qualquer brasileiro, intelectual também é gente, assim que, ao lado dos rendimentos declarados, e mesmo dos investimentos de portfólio, sempre existe uma parte de recursos não contabilizados e de “seguro de risco”. De preferência bem discreto, pois como todo mundo sabe, transparência demais é burrice. Mas aqui não vai nenhuma distinção especial, nenhuma exclusividade do intelectual. Ele é simplesmente como qualquer um de nós...
9. Uma lei de responsabilidade social para os intelectuais?
Seria bem vinda, sobretudo para aplicar naqueles que pretendem revender ideias alheias, métodos não testados, sugestões que não funcionam, problemas que estão longe de problematizar adequadamente, anomalias conceituais, paralaxes cognitivas, enfim, num conceito popularizado por Alain Sokal et Jean Bricmont, “imposturas intelectuais”.
Existem muitas imposturas intelectuais em nossas universidades, algumas até não percebidas como tais e que passam pelo mais puro produto do espírito que anda. (Ou alguém já conseguiu matar a praga do Foucault, que continua a torturar nossos aluninhos mesmo muitos anos depois de morto?) Difícil terminar com todas elas, sobretudo porque as ideias e seus criadores não se submetem a um simples teste da verdade, já não digo a falsificabilidade popperiana, mas um simples teste de sua adequação à realidade, de verificação empírica, de comprovação de laboratório, de validação socrática pela lógica das aproximações sucessivas. Elas são pragas renitentes.
Uma lei de responsabilidade social para os intelectuais os obrigaria a trazer a prova de suas afirmações, a fazer um simples cálculo de custo-benefício para verificar o retorno social de suas propostas de reforma da natureza e de transformação da sociedade. Os intelectuais parecem ser como a Emília, naquela história homônima de Monteiro Lobato: eles saem por aí com uma varinha mágica sociológica, um pó de pirlimpimpim filosófico, e se dispõem a oferecer a políticos incautos – sobretudo em épocas eleitorais – grandes projetos nacionais, a custo quase zero (no papel, mas as comissões são à parte), e uma indefinição absoluta quanto aos resultados. São tão traficantes quanto políticos que oferecem empregos na máquina pública, com a diferença que depois eles não precisam mourejar para produzir algum resultado tangível a partir de suas ideias malucas.
Uma lei dessas viria a calhar, mas não é provável que ela venha a existir any time soon: intelectuais são como cartomantes, eles oferecem um futuro qualquer, mas não garantem exatamente quando ele vai se realizar, e não admitem cobranças a respeito. Se calhar, eles até vendem suas ideias em dez vezes “sem juros”. Querem apostar?

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de julho de 2006


sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Russia, URSS, Russia: a trajetoria da economia politica - Adam Leeds

Se eu tivesse tempo, faria o download do podcast, que deve durar mais de uma hora (talvez o faça), mas fica o registro para os interessados:
https://ceterisneverparibus.net/wp-content/uploads/2018/12/012-CnP_Episode_Adam-Leeds.mp3
Paulo Roberto de Almeida

Adam Leeds on the Development of Soviet and Russian Economics, Episode 12

Podcast: Play in new window | Download (Duration: 1:16:28 — 46.7MB)
Subscribe: Apple Podcasts | Android | Email | Google Podcasts | Stitcher | TuneIn | RSS | More



In this episode, Adam Leeds talks with Reinhard about his thesis “Spectral Liberalism: On the Subject of Political Economy in Moscow”, for which Adam won the 2018 “Joseph Dorfman Best Dissertation Prize” awarded by the History of Economics Society. We talk about the development of Soviet and Russian economics and its relationship with politics starting from the late tsarist era, the Soviet Union under first Lenin and Stalin, the post-Stalin era, Gorbachev’s reforms, ending with the development in the 1990s and early 2000s. The topics we discuss include Adam’s research approach of oral history, methodological issues about conducting interviews in Russia, and the relationship between anthropology and the history of economic thought.
Adam is an anthropologist (with an interest in the history of economics) and an assistant professor at Department of Slavic Languages at Columbia University.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

O que aconteceu com a Economia Politica? - Call for papers e conferencia, Genova, junho 2018

The 15th Annual STOREP Conference will be held at the Università di Genova, Dipartimento di Scienze Politiche (Piazzale E. Brignole, 3a canc.), on June 28-30, 2018
The title of the conference is
 “Whatever Has Happened to Political Economy?”.
Here follows the call for papers, which you can also find here attached in pdf format. 
We are looking forward to receiving your submissions. 

CALL FOR PAPERS

There is considerable discussion on the current state of the economic discipline, on the relevance of its theories and models to the contemporary world, as well as on the appropriateness of economists’ toolkits. Held under scrutiny is the conception of economics as axiomatic science of rational choice, promoted by Lionel Robbins’ systematization in the early Thirties. According to its critics, the inadequacy of economics in the times of the global crisis may have to do exactly with the roads not taken after winning the competition with the alternative, and preceding approach of political economy.

What happened to political economy is therefore a nontrivial question, for today’s practitioners in economics. The 15th Annual STOREP Conference will bring together historians of economic thought, economists and other social scientists to explore the tensions between political economy and economics in historical perspective, with an eye to present times. The conference will address the main lines of evolution of political economy, from its advent in the 18th century to its consolidation as field of study devoted to the analysis of the relationships between individuals and society, markets and the state, to, finally, its surrender in the Thirties, with the separation between economics and moral considerations, and the progressive diffusion of the formalist approach in economics.

The historical perspective wherewith the Conference will look at such developments is necessary for two main reasons. First, the comparison between political economy and the approach of economics as we now understand it allows identifying the principal turning points in the evolution of the economic discipline and its mainstream (the advent of econometrics, the progress of economics imperialism, and others), but also in the plot of the evolving lively debate between various heterodox schools of thought. Second, this perspective helps appreciate the (changing) extent of variety intrinsic to both mainstream and heterodox economics in their developments until the last part of the 20th century.

By attempting to discover what has been lost in the passing from political economy to economics, the Conference aims at retracing the origins of the current “political economy” (presumably or so) approaches in economics – from “political economics” to “international political economy”. But it has also the ambition to provide insights on the current state of economics, on its more and more fragmented nature, as well as on the revival of various dimensions of (and issues broadly related to) the “political economy” perspective in a series of (mainstream) research programs at the frontier.

Possible topics for the conference sessions include, but are not limited to:
  • The history of political economy
  • From political economy to economics: what has been lost?
  • Competing views on the definition and boundaries of economics
  • Turning points and roads not taken in the evolution of economic theory
  • Individuals, relationships, and the social system
  • Social structures, power, interests, and ideas
  • The economy as instituted process
  • Old and new political economy
  • Evolutionary and institutional perspectives
  • Economics in relation to other social sciences
Besides plenary sessions, some parallel sessions will focus on the main topic of the conference; proposals of papers on all fields of the history of economic thought are also welcome.

STOREP welcomes special sessions jointly organized with other scientific associations, and invites these latter to submit proposals.

We are pleased to announce that distinguished colleague Professor Geoffrey Hodgson (University of Hertfordshire) will join the conference as keynote speaker.
Professor Harro Maas (University of Lausanne) will deliver the second “Raffaelli lecture”.

As in 2017, the 2018 STOREP conference will jointly organize initiatives and special sessions with the students and researchers of the international network “Rethinking Economics”.

Selected papers on the main topic of the conference will be published in a special issue of History of Economic Ideas.

Proposals submission
The deadline for abstract and session proposals is March 15, 2018. Notification of accepted and rejected abstracts and sessions will be sent by March 30, 2018.
Abstract proposals (with keywords, JEL codes, and affiliation) must not exceed 400 words. Session proposals (general description of not more than 600 words) should include the abstract of the three scheduled papers.
Proposals must be uploaded on the Submission website of the 15th Annual STOREP conference at: conference.storep.org (follow instructions by clicking on “INFORMATION. For authors” in the right column menu).

Registration
May 15, 2017: Deadline for early registration (early fees).
May 30, 2017: Deadline for late registration (late fee) and for submitting full papers.

All participants, including young scholars who apply for the awards, must become STOREP members or renew their membership.

All relevant information concerning registration fees, accommodation and programme will soon be published on both the conference (conference.storep.org) and the Association (www.storep.org) websites.

Young Scholars STOREP Awards
1) Scholarships for young scholars (under 40 years of age, non tenured). In order to be eligible, the applicant is required to submit a Curriculum Vitae and an extended abstract (2,000 words ca., both to be uploaded on the Submission website) on any topic relevant to the history of political economy, by March 15, 2018. The final version of the papers must be uploaded within May 15, 2018. Applicants will be informed about the result of the evaluation process no later than May 30, 2018. The authors of the papers selected will be awarded free STOREP Conference registration, including the social dinner and the association’s annual membership fee, as well as, if possible, a lump sum contribution to travel and staying expenses.
2) The STOREP Award (of 500.00 €) for the best article presented at the Annual Conference by young scholars under 40 years of age. All applications, with CV and the final version of the papers, should be sent to segretario@storep.org no later than September 15, 2018.


Organizing Committee
Angela Ambrosino (Università di Torino)
Anna Bottasso (Università di Genova)
Stefano Bonabello (Università di Genova)
Mario Cedrini (Università di Torino)
Luca Gandullia (Università di Genova)
Enrico Ivaldi (Università di Genova)
Monica Penco (Università di Genova)
Riccardo Soliani (Università di Genova)

Scientific Committee
Angela Ambrosino (Università di Torino)
Mario Cedrini (Università di Torino)
Amedeo Fossati (Università di Genova)
Maria Cristina Marcuzzo (Università di Roma La Sapienza)
Giovanni Battista Pittaluga (Università di Genova)
Mariastella Rollandi (Università di Genova)
Riccardo Soliani (Università di Genova)

The Conference is sponsored by
​:
Università degli Studi di Genova
Dipartimento di Scienze Politiche, Università di Genova
Scuola di Scienze SocialiUniversità di Genova

Mario Cedrini
STOREP Secretary
Associazione Italiana per la Storia dell'Economia Politica / Italian Association for the History of Political Economy

www.storep.org
www.facebook.com/STOREP.org
Università di Torino 

Dipartimento di Economia e Statistica "Cognetti de Martiis" 
Campus Luigi Einaudi, Lungo Dora Siena 100, 10153 - Torino (Italy) 
+39 011 6704975 (office)
+39 011 6703895 (fax)
mario.cedrini@unito.it 

Web page on Unito
My Page on Repec
Annals of the Fondazione Luigi Einaudi, editor (website)
Just published

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

James Steuart merece um coloquio, 250 anos depois? Em Sevilha, certamente...

Please note that the deadline for abstract submission for the conference,
JAMES STEUART AND AN ECONOMY WITHOUT INVISIBLE HANDS
Seville, 26-27 October 2017
has been extended to 15 February 2017.
https://www.upo.es/econ/Steuart/

Abstract submission is now open for a conference to be held in Seville on the 26-27 October 2017, to commemorate the 250th anniversary of the publication of An Inquiry into the Principles of Political Œconomy (1767). Please send an abstract of no more than 500 words to José Manuel Menudo, at jmmenpac@upo.es no later than 15 February 2017 (extended deadline).

The decision on acceptances will be sent to authors by 15 March 2017. The deadline for submission of full papers is 15 September 2017. Papers may be written in English, in Spanish or in French. The scientific committee offers a number of grants to young scholars interested in participating at the Conference.

James Steuart (1713 -1780) published An Inquiry into the Principles of Political Œconomy in 1767, the first systematic treatise on economics as a science, nine years before Adam Smith’s Wealth of Nations.  The conference aims at discussing different approaches to the analysis of Steuart’s oeuvre within the context of the writings of other 18th-century authors (1680 to 1830). Steuart’s economic thought will be presented as an alternative approach to many key developments in economic theory.

Authors are invited to examine various aspects of the life, works and influence of James Steuart, including his links to other authors who conceive – as Steuart did – the economic system of “natural liberty” as an artificial creation.  Submissions are welcome in areas such as:
−    James Steuart and the World of the Enlightenment. The bank of Amsterdam, the East India Company, the Scottish parliament or the House of Stuart.
−    James Steuart and the physiocrats. Similarities and contrasts or the relationship between Steuart and the members of Quesnay's group/movement.
−    The diffusion of James Steuart’s works around the world. The reception of Steuart’s ideas and the translation of his works.
−    The authors opposed to Adam Smith's apologetic stance (in particular the theorists of the 18th and 19th centuries), that there is an invisible hand which coordinates needs and which underpins the unintended social benefits of individual actions.
−    James Steuart and Money. Real price and money price, the anti-quantity theory of money, fiat money and payment systems.
−    James Steuart's statesman. Subordination and dependence in hierarchical societies, response to social relations that are in continual flux, the duties of an active statesman, the imbalance between supply and demand, and the plan of political economy.

Scientific Committee: Manuela Albertone (Università di Torino), Christopher Berry (University of Glasgow), Jean Cartelier (Université de Paris X), Yutaka Furuya (Tohoku University), Rebeca Gomez Betancourt (Université Lyon 2), Claudia Jefferies (City, University of London), Alexandre Mendes Cunha (Universidade Federal de Minas Gerais), José M. Menudo (Universidad Pablo de Olavide), Bertram Schefold (Goethe University), Claire Silvant (Université Lyon 2), André Tiran (Université Lyon 2), Keith Tribe (Independent Scholar) and Ramón Tortajada (Université Grenoble-Alpes)