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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida

Site pessoal: www.pralmeida.net.
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quinta-feira, 6 de novembro de 2025

O Mundo Segundo Trump e o Ocaso da Ordem Liberal Internacional: Nacionalismo, Transacionalismo e o Futuro do Multilateralismo” - Carlos Pio, Erica Resende, Paulo Roberto de Almeida e Antonio Carlos Lessa

Recebido do organizador, prof. A.C. Lessa:


🦅 Amanhã! Realizaremos o seminário “O Mundo Segundo Trump e o Ocaso da Ordem Liberal Internacional: Nacionalismo, Transacionalismo e o Futuro do Multilateralismo”, com Carlos Pio, Erica Resende, Paulo Roberto de Almeida e Antonio Carlos Lessa.
Impactos sobre a ordem internacional e a política externa brasileira.
📅 7 de novembro | 🕓 Horário: 15h ____
📺 https://youtube.com/@estudosglobais
🔗 https://public.amplenote.com/C2a8E77LdNzcw8xnKJg3oxbP

terça-feira, 4 de novembro de 2025

Escola de Relações Internacionais - Semana Universitária da Universidade de Brasília - 2025: Seminário sobre O Mundo Segundo Trump e o ocaso da Ordem Liberal Internacional: Nacionalismo, Transacionalismo e o Futuro do Multilateralismo

Um dos eventos terá a minha participação:


Escola de Relações Internacionais - Semana Universitária da Universidade de Brasília - 2025

A Escola de Relações Internacionais é uma iniciativa acadêmica dedicada à formação, atualização e difusão de conhecimentos sobre a política internacional e os desafios da inserção externa do Brasil.
Estruturada em um ciclo de 13 masterclasses e 2 seminários científicos, se insere na programação da Semana Universitária de 2025 (3 a 8 de novembro) da Universidade de Brasília, e oferece ao público universitário e à comunidade interessada um percurso formativo que combina rigor conceitual, clareza didática e orientação à prática. Todos os eventos serão realizados exclusivamente online.

Todos os eventos serão realizados online, transmitidos pelo Canal do Centro de Estudos Globais no YouTube e a participação dos inscritos ensejará a emissão de Certificado de Extensão da Universidade de Brasília.
A Escola é uma iniciativa é do Centro de Estudos Globais , um laboratório do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade de Brasília, em parceria com a Editora Contexto.
O Centro reúne grupos de pesquisa avançada dedicados ao estudo, debate e investigação de excelência sobre os temas e questões das Relações Internacionais contemporâneas. O Centro empreende ações de pesquisa, extensão, formação, publicação e divulgação científica sobre Governança e Antropoceno, Poderes Globais e Desenvolvimento Global, em parceria com centros especializados em Relações Internacionais no Brasil e no exterior

"Meu" evento:
EV1375-2025:
🎓Seminário - O Mundo Segundo Trump e o ocaso da Ordem Liberal Internacional: Nacionalismo, Transacionalismo e o Futuro do Multilateralismo
Debatedores:
Antonio Carlos Lessa, Carlos Pio, Erica Resende, Paulo Roberto de Almeida
Sexta, 07/11, 15hs
https://public.amplenote.com/CRrE1sWEJrBWR8ZQTLnDu3W7

Apresentação
Vivemos um momento de inflexão na política mundial, marcado pelo progressivo ocaso da Ordem Liberal Internacional e pela consolidação de uma agenda norte-americana centrada no nacionalismo e no transacionalismo. Sob a égide da doutrina America First — agora em sua nova fase, frequentemente caracterizada como Trump 2.0 —, a política externa dos Estados Unidos tem privilegiado uma lógica de poder de curto prazo, orientada por interesses nacionais imediatos, em detrimento das alianças tradicionais e do sistema multilateral construído no pós-Segunda Guerra Mundial. O uso instrumental do poder econômico, exemplificado pela ameaça de um “tarifaço universal”, revela a adoção de uma diplomacia coercitiva, voltada à redefinição das interdependências globais sob parâmetros bilaterais e competitivos.

Este seminário reúne três especialistas de referência para analisar as implicações desse realinhamento estratégico e suas repercussões para a política internacional e para o Brasil. O debate abordará os fundamentos ideológicos da atual visão de mundo emanada de Washington, seus efeitos sobre a arquitetura de segurança global e as consequências geoeconômicas decorrentes da reconfiguração das relações comerciais e tecnológicas.

Destinado a uma audiência interessada em compreender as transformações estruturais da ordem internacional contemporânea, o evento oferecerá uma análise crítica sobre o futuro do multilateralismo e as perspectivas de atuação de potências médias em um ambiente internacional crescentemente fragmentado e transacional.

A Escola de Relações Internacionais
A Escola de Relações Internacionais constitui uma iniciativa acadêmica voltada à formação, atualização e difusão de conhecimentos fundamentais sobre a política e a sociedade internacional. A Escola s insere nas atividades da Semana Universitária da Universidade de Brasília de 2025, e se apresenta como um espaço de aprendizado aberto, interdisciplinar e crítico. A iniciativa é promovida pelo Centro de Estudos Globais da Universidade de Brasília (CEG/UnB), em parceria com a Editora Contexto, fortalecendo a integração entre produção editorial, ensino superior e difusão científica em Relações Internacionais.

Objetivo
O objetivo deste seminário é introduzir os participantes aos fundamentos conceituais e estratégicos da atual política externa norte-americana, sintetizada na doutrina America First 2.0. Busca-se oferecer um panorama interpretativo sobre seus eixos estruturantes — o nacionalismo e o transacionalismo —, avaliando seus impactos sobre a rivalidade com a China, a erosão das instituições multilaterais e a reconfiguração da economia global.

A reflexão será conduzida com ênfase nos desdobramentos para o Brasil, examinando riscos, oportunidades e possíveis estratégias de inserção em um cenário caracterizado pela incerteza e pela desinstitucionalização das normas internacionais.

Resultados Esperados
Compreensão da Doutrina America First 2.0 - Os participantes serão capazes de identificar os princípios ideológicos e pragmáticos que orientam a política externa norte-americana contemporânea, distinguindo-a das tradições liberal-internacionalistas do pós-Guerra Fria.

Análise dos Impactos Geopolíticos e Geoeconômicos - Ao término do seminário, espera-se que os participantes compreendam as principais implicações da política Trump 2.0 sobre a rivalidade com a China, as dinâmicas de segurança global e o comércio internacional, com especial atenção à política tarifária e às suas repercussões sobre o Brasil.

Reflexão Crítica sobre o Futuro do Multilateralismo - Os participantes desenvolverão uma visão crítica sobre os desafios impostos à ONU, à OMC e a outros organismos multilaterais, reconhecendo a emergência de arranjos alternativos — como os BRICS — e as disputas normativas que moldam a transição para uma ordem internacional pós-liberal.

Data e Horário
07 de novembro de 2025 — 15h00 às 17h00

Programação
Abertura e Contextualização
Antonio Carlos Lessa — Professor Titular de Relações Internacionais, Universidade de Brasília (UnB)
Boas-vindas e introdução ao tema: o desafio imposto pela doutrina America First aos fundamentos da ordem liberal do pós-Guerra Fria.

Nacionalismo e Transacionalismo: A Doutrina por Trás do Ocaso Liberal
Erica Simone Almeida Resende — Professora Associada, Escola Superior de Guerra (ESG)
Análise dos fundamentos ideológicos e estratégicos da política externa norte-americana contemporânea, com ênfase na ruptura com o paradigma liberal-institucionalista e na ascensão de um realismo de caráter identitário e transacional.

Geopolítica da Desordem: A Rivalidade com a China e o Abandono da Segurança Coletiva
Paulo Roberto de Almeida — Embaixador e Pesquisador Independente
Discussão sobre como a abordagem America First reconfigura a competição sino-americana e enfraquece os mecanismos de segurança coletiva, com implicações diretas para a gestão de crises internacionais, como as da Ucrânia e de Gaza.

O “Tarifaço” como Instrumento: A Geoeconomia do Nacionalismo e os Efeitos para o Brasil
Carlos Roberto Pio da Costa Filho — Professor Associado, Instituto de Relações Internacionais, Universidade de Brasília (UnB)
Exame das dimensões geoeconômicas da política tarifária dos Estados Unidos, abordando seus efeitos estáticos e dinâmicos sobre o comércio internacional e as estratégias brasileiras de inserção global.

Debate e Interação com o Público
Início do debate com a questão: É possível preservar o multilateralismo em um sistema internacional moldado pela lógica transacional?
Interação entre os palestrantes e participação da audiência.

Encerramento
Síntese final do moderador(a), destacando os principais dilemas e perspectivas para a ordem internacional no contexto do “Mundo Segundo Trump”.

Informação geral sobre a Semana:
https://public.amplenote.com/Da3jfj3ic4fbVbZBxb8SctfL


Post Scriptum pessoal (PRA):
Preparei um texto a respeito do seminário como um todo, que guarda o título do seminário, e que vou divulgar no momento oportuno.

domingo, 2 de novembro de 2025

Mercosul: a visão dos primeiros vinte anos e as perspectivas futuras: Prefácio PRA e livro sobre o Mercosul em 2012

 Devo participar, na próxima sexta-feira 7/11, de um seminário organizado pelo Prof. Antonio Carlos Lessa (IREL-UnB) sobre temas correntes da atualidade internacional, como já anunciei aqui mesmo. Constato agora, que além do Prof. Carlos Pio, velho amigo, estará presente ao evento a Profa. Erica Resende, co-organizadora de um livro sobre o Mercosul para o qual fui honrado em preparar um prefácio, como registro abaixo.

Como creio que esse prefácio ainda possui certo valor substantivo (uma vez que o Mercosul não fez praticamente progresso algum, desde 2012), permito-me postar novamente este registro e depois o próprio Prefácio. (PRA, 2/11/2025)

2420. “Mercosul: a visão dos primeiros vinte anos e as perspectivas futuras”, Brasília, 23 agosto 2012, 6 p. Prefácio ao livro Mercosul: 21 anos: Maturidade ou Imaturidade?; Organização: Erica Simone Almeida Resende (UFRRJ) e Maria Izabel Mallman (Puc-RS). (Curitiba: Editora Appris, 2013, 350 p.; ISBN: 978-85-8192-111-2; p. 5-12); disponível no blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2012/11/mercosul-21-anos-prefacio-uma-obra.html). Relação de Publicados n. 1079.

Mercosul: a visão dos primeiros vinte anos e as perspectivas futuras

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor de Economia Política no
Centro Universitário de Brasília (Uniceub)
In: Erica Simone Almeida Resende e Maria Izabel Mallman (org.):
Mercosul: 21 anos: Maturidade ou Imaturidade?
(Curitiba: Editora Appris, 2012, 350 p.; ISBN: 978-85-8192-111-2; p. 5-12). Relação de Publicados n. 1079.


O Mercosul atingiu, ao que parece, a sua maioridade – convencionalmente fixada aos 21 anos – em meio ao que constitui, possivelmente, a sua mais grave crise, passadas duas décadas de sua criação e implementação progressiva, a partir de 1991. A crise, para todos aqueles que seguem os assuntos correntes do bloco do Cone Sul, foi constituída pela “suspensão” da participação do Paraguai de suas reuniões formais e pela “admissão plena” da Venezuela no que parece constituir uma “união aduaneira em implementação”, segundo a designação usualmente empregada para caracterizar o grupo. Ambas medidas foram adotadas na reunião de cúpula ocorrida em Mendoza, em junho de 2012, na ausência de qualquer delegação – técnica, ministerial ou presidencial – do Paraguai, a despeito do fato de que os principais instrumentos constitutivos do Mercosul, e até o Protocolo de Ushuaia sobre a cláusula democrática do bloco, sempre explicitaram a necessidade de consenso, ou da presença plena de todos os membros, para quaisquer decisões a serem adotadas formalmente pelo grupo. Ora, não foi exatamente isso que ocorreu na reunião de Mendoza (a três membros), ou nos encontros subsequentes entre os membros “remanescentes”, em presença da Venezuela (que não tinha ratificado nenhum dos instrumentos relevantes do bloco até essa data, a despeito de compromisso firmado por meio de seu protocolo de acesso em 2006).
Na verdade, a crise do Mercosul data de pelo menos uma década atrás, quando os mecanismos de liberalização comercial intra-bloco e de coordenação das medidas de política comercial, em relação a terceiras partes, foram sendo erodidos pela inadimplência dos países membros em relação aos dispositivos principais da zona de livre comércio – que deveria vigorar desde 1995 – e da união aduaneira, que deveria ter realizado as derradeiras convergências das exceções nacionais admitidas anteriormente nos cinco ou seis anos decorridos desde sua institucionalização pelo Protocolo de Ouro Preto de 1994, ou seja, ao início deste milênio. Essa crise apenas formalmente pode ser atribuída à crise cambial e financeira vivida pelo Brasil em 1999 – e que redundou na mudança de seu regime cambial de um sistema de bandas para um de flutuação – uma vez que a Argentina, prisioneira de seu regime cambial de livre conversibilidade e de rigidez na paridade com o dólar, estabelecido em 1991, já vinha enfrentando sérios desequilíbrios nos intercâmbios comerciais dentro e fora do bloco e, de forma geral, na sua conta de transações correntes. O Brasil, justamente, era possivelmente um dos poucos países com os quais a Argentina conseguia ainda realizar um superávit bilateral, em grande medida em função do comércio administrado no petróleo, no trigo e no setor automotivo, e tinha revelado, desde antes, notável tolerância em relação aos sucessivos descumprimentos argentinos com respeito ao livre comércio intra-bloco.
O Mercosul tinha alcançado, então (ou seja, em 1998), o máximo de comércio intra-bloco desde sua criação em formato quadrilateral em 1991 – embora este formato derivasse inteiramente do esquema bilateral Brasil-Argentina em curso desde meados da década anterior, consolidado no Tratado de Integração de 1988, cujas cláusulas de liberalização comercial e de constituição de um mercado comum foram reformuladas e aceleradas na Ata de Buenos Aires, de 1990 –, em patamares de intercâmbio não restabelecidos até bem adentrada a primeira década do milênio, mas já numa situação de erosão institucional, e de não cumprimento de suas regras comerciais básicas, da qual ele ainda parece não ter se recuperado. Ao adentrar em sua segunda década, o Mercosul parecia ter perdido o estímulo inicial para avançar a fases mais exigentes do desejado objetivo do mercado comum, estabelecido em seus instrumentos constitutivos.
Em resumo, as rupturas comerciais e cambiais demarcadas pela crise brasileira de 1999 e pela crise geral da economia argentina de 2001 romperam um movimento ascensional de integração seguido na década anterior e são, provavelmente, muito mais graves do que a pretensa “ruptura democrática” ocorrida no Paraguai, em junho de 2012, seguida da “ruptura institucional” que foi a admissão irregular da Venezuela no seguimento da sanção unilateral imposta pelos três outros membros plenos ao Estado guarani. Mais graves porque a “ruptura democrática” supostamente ocorrida no Paraguai será, provavelmente, superada pela realização de novas eleições em abril de 2013, ao passo que a inadimplência registrada em relação aos dispositivos básicos do Mercosul, em sua feitura comercial e econômica, não parece perto de ser superada pela adesão de todos os membros, e principalmente pela Venezuela, às regras essenciais do bloco no futuro previsível. A dinâmica integracionista perdida entre 1999 e 2001 não está perto de ter sido recuperada desde então; ao contrário: como ilustrado na velha canção de roda, o que era vidro se quebrou. O Mercosul certamente não foi feito de aço...
Estaria o Mercosul, nessas condições, destinado ao fracasso e a seu eventual desaparecimento? Provavelmente não, inclusive porque construções burocráticas desse porte, sustentadas politicamente, raramente vão à falência ou desaparecem, podendo, no máximo, subsistir em meio à indiferença geral e ao total descompromisso com seu mandato original, ainda que continuando a drenar recursos e energias de seus membros por um bom tempo antes de sua decadência efetiva. Mas este não é certamente o caso do Mercosul, que deve subsistir como um importante foro de coordenação política dos países membros, ainda que suas promessas comercialistas originais tenham sido gradativamente abandonadas em favor de uma configuração de natureza essencialmente política a partir das posses respectivas do presidente Lula, no Brasil, e de Nestor Kirchner, na Argentina, em 2003. Se algo deve ocorrer a partir da admissão formal da Venezuela, se ela for de fato confirmada institucionalmente e na prática, será, na verdade, um reforço ainda maior de seus componentes políticos, em detrimento de seus fundamentos econômicos, ou especificamente comerciais.
Essa evolução certamente não corresponde aos objetivos originais do Mercosul, embora ele deva continuar representando um importante processo de integração no contexto regional que é o seu – ou seja, o da América do Sul – e mantenha, do ponto de vista do relacionamento externo, excelentes oportunidades de investimentos diretos estrangeiros, dadas a dimensão de seu mercado, os recursos naturais existentes, as fontes de energia disponíveis (agora reforçadas pela “adesão” da Venezuela) e outros fatores atraentes do ponto de vista dos empresários locais e de terceiros países. Esse desvio de objetivos e, possivelmente, essa mudança de perfil institucional não devem obstar a que o Mercosul continue a ser um dos mais importantes blocos econômicos (e políticos, sublinhe-se) do hemisfério sul, o que provavelmente é mais devido à soma conjunta de suas potencialidades reais (ou seja, dos países membros, em especial do Brasil) do que propriamente em função da excelência de sua organização interna ou adequação às normas do sistema multilaterais de comércio.
Em outros termos, a despeito das frustrações ocorridas em sua trajetória econômica e comercial, e dos fracassos relativos no acabamento de seus objetivos institucionais, o Mercosul deve continuar a ser um espaço econômico de relativa magnitude material, e de grande importância política, não apenas para seus membros efetivos, mas também para a região, como um todo, e possivelmente também no âmbito hemisférico e no contexto do sistema multilateral de comércio, a despeito do enorme peso representado pelo Nafta nesta parte do planeta, e pelos vínculos de seus membros, em especial os EUA, com a maior parte dos países latino-americanos (os quais estão, inclusive, ligados ao hemisfério setentrional por acordos de liberalização comercial bem mais abrangentes e ambiciosos do que, até agora, os esquemas mantidos pelos países do Mercosul e pela quase inexpressiva Comunidade Andina de Nações). Não obstante os percalços, portanto, o Mercosul deverá continuar exercendo certa força gravitacional em seu imediato entorno regional, bem como alguma atração do ponto de vista do comércio, dos investimentos e de projetos conjuntos de cooperação com ampla gama de parceiros externos, a começar pela União Europeia e outros protagonistas mundiais, a começar pela China e os emergentes da Ásia e das demais regiões.
As evidências acima, de puro realismo político e de grande relevância econômica, justificam plenamente, portanto, a oportunidade da publicação do presente livro como um balanço oportuno e uma avaliação ponderada, em torno dos sucessos e das frustrações do Mercosul, ao iniciar-se a terceira década de sua existência. Os capítulos constantes desta obra – sobre o desenvolvimento do Mercosul, suas vicissitudes comerciais, sua dimensão securitária (ou seja, de defesa), a representação parlamentar, o funcionamento de seu sistema de solução de controvérsias, as questões de direitos humanos e institucional, sua importância para o Brasil e para a região, além de diversos outros temas paralelos –contribuem para uma visão ampla, embora diversificada metodologicamente, do itinerário do bloco e de seu potencial integrador, em sua dimensão própria e para o continente como um todo.
Como esperado, ou inevitável, em toda e qualquer compilação coletiva de estudos individuais, a metodologia e as abordagens adotadas podem divergir entre si, e mesmo as perspectivas analíticas não exibem, necessariamente, unidade conceitual ou uniformidade de propósitos. Estas características não impedem, contudo, o fato de ser esta obra um compêndio útil e oportuno para uma visão abrangente quanto aos fundamentos históricos, o itinerário prático e o funcionamento operacional do bloco mais importante da América do Sul, quiçá do hemisfério sul. Os organizadores lograram realizar um equilíbrio satisfatório entre os temas mais gerais, e conceituais, da primeira parte, e aqueles mais voltados para os aspectos práticos, na segunda parte, a qual transcende, inclusive, o contexto puramente nacional para tecer considerações sobre o contexto regional e as implicações do Mercosul para o desempenho da integração latino-americana, de modo mais amplo. Apropriadamente, a obra se conclui com as interrogações suscetíveis de serem feitas em torno do futuro do Mercosul nos próximos vinte anos, uma perspectiva agora tornada mais aleatória, em função das desventuras do Paraguai e das incertezas legítimas associadas ao ingresso da Venezuela bolivariana no bloco.
No conjunto, os textos aqui compilados oferecem um vasto panorama sobre o Mercosul, em todos os seus estados e em várias de suas dimensões. Particularmente importantes são os capítulos que tratam dos fatos objetivos relativos ao Mercosul, seja no plano comercial, seja no âmbito de seu impacto sobre a diplomacia brasileira ou o funcionamento do sistema de solução de controvérsias. Embora os capítulos conceituais, ou mais especulativos, sejam igualmente relevantes, qualquer empreendimento político coletivo – como é o processo de integração do Mercosul – sempre oferece a possibilidade de interpretações diversas quanto aos seus elementos inerentemente deixados ao arbítrio das decisões políticas (e de sua consideração por acadêmicos trabalhando nesses temas).
Pode-se aderir, por exemplo, à interpretação de que o Mercosul em sua primeira fase era excessivamente comercialista – ou neoliberal, como pretendem alguns – e que sua “correção” de natureza mais política, ou “social” na segunda, ou terceira, fase (ou seja, pós crise dos anos 1999-2002) era não apenas desejável como também necessária. Mas deve-se reconhecer que o que realmente faz diferença, em qualquer processo, são os resultados práticos, ou efetivos, como aumento ou diminuição de comércio, melhoria das condições de produtividade interna e de competitividade externa, criação de mais riqueza e prosperidade para as pessoas comuns (ou seja, mais emprego, maiores salários, e aumento da disponibilidade de bens e serviços de qualidade e a preços convidativos). No caso em espécie, não há como não reconhecer uma transformação do Mercosul e sua passagem de uma vertente econômica e comercial da primeira década – que é, finalmente, a essência do que estava escrito nos seus tratados constitutivos – para suas inclinações mais políticas e sociais da segunda década, sem que se disponha, ainda, de um balanço objetivo quanto aos méritos respectivos de uma e outra abordagem para fins dos objetivos originais do esquema de integração.
O presente livro ajuda a ver mais claro o que foi de fato relevante no Mercosul, nas suas diversas dimensões, nestas duas primeiras décadas e contribui para a construção de uma avaliação ponderada do que foi possível alcançar, ou não, no período decorrido desde sua fundação. Na verdade, a grande pergunta a ser feita, após concluir a leitura deste livro, sobretudo de seus capítulos descritivos e de avaliação, é a de saber se, ao cabo destas primeiras duas décadas, a região meridional e o continente sul-americano encontram-se, atualmente, mais ou menos integrados, em melhores condições sociais e de bem-estar, comparativamente ao quadro anterior, e se o processo de integração contribui, positiva ou negativamente para o atual estado de coisas. Provavelmente vai se descobrir que os laços comerciais, os investimentos recíprocos e os fluxos de serviços e de pessoas se intensificaram e se diversificaram, ao longo do período, mas é também visível que os processos de integração, ou seus projetos institucionais, não caminharam, exatamente, para uma convergência de propósitos ou homogeneidade de procedimentos. Parece claro, por exemplo, que entre a metodologia econômica do Mercosul e a abordagem fundamentalmente política da Alba existem enormes diferenças de visão e de intenções.
O futuro de médio prazo – ou seja, ultrapassada a situação corrente de estagnação, ou longa recessão, nos países desenvolvidos – dirá se o Mercosul continuará como uma grande promessa de integração comercial, caminhando no sentido de seu aprofundamento econômico e reforço institucional, ou se ele vai tornar-se irrelevante, como outros experimentos latino-americanos do passado, que figuram apenas, nos registros históricos, como os precedentes dos processos atuais. Uma visão abrangente do passado recente pode ajudar a ver mais claro nas possibilidades futuras: este livro é um bom começo para esse empreendimento. Tenham bom proveito em sua leitura, como eu tive ao preparar este prefácio.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, agosto de 2012
Blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2012/11/mercosul-21-anos-prefacio-uma-obra.html

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Mercosul, 21 anos: Prefacio a uma obra coletiva

Transcrevo abaixo meu trabalho publicado mais recente, um Prefácio a uma obra coletiva:

“Mercosul: a visão dos primeiros vinte anos e as perspectivas futuras”
In: Erica Simone Almeida Resende e Maria Izabel Mallman (org.).
Mercosul: 21 anos: Maturidade ou Imaturidade? 
(Curitiba: Editora Appris, 2013, 369 p.; p. 5-12; ISBN: 978-85-8192-111-2).
Relação de Originais n. 2420.

 
Mercosul: a visão dos primeiros vinte anos e as perspectivas futuras

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor de Economia Política no
Centro Universitário de Brasília (Uniceub)

O Mercosul atingiu, ao que parece, a sua maioridade – convencionalmente fixada aos 21 anos – em meio ao que constitui, possivelmente, a sua mais grave crise, passadas duas décadas de sua criação e implementação progressiva, a partir de 1991. A crise, para todos aqueles que seguem os assuntos correntes do bloco do Cone Sul, foi constituída pela “suspensão” da participação do Paraguai de suas reuniões formais e pela “admissão plena” da Venezuela no que parece constituir uma “união aduaneira em implementação”, segundo a designação usualmente empregada para caracterizar o grupo. Ambas medidas foram adotadas na reunião de cúpula ocorrida em Mendoza, em junho de 2012, na ausência de qualquer delegação – técnica, ministerial ou presidencial – do Paraguai, a despeito do fato de que os principais instrumentos constitutivos do Mercosul, e até o Protocolo de Ushuaia sobre a cláusula democrática do bloco, sempre explicitaram a necessidade de consenso, ou da presença plena de todos os membros, para quaisquer decisões a serem adotadas formalmente pelo grupo. Ora, não foi exatamente isso que ocorreu na reunião de Mendoza (a três membros), ou nos encontros subsequentes entre os membros “remanescentes”, em presença da Venezuela (que não tinha ratificado nenhum dos instrumentos relevantes do bloco até essa data, a despeito de compromisso firmado por meio de seu protocolo de acesso em 2006).
Na verdade, a crise do Mercosul data de pelo menos uma década atrás, quando os mecanismos de liberalização comercial intra-bloco e de coordenação das medidas de política comercial, em relação a terceiras partes, foram sendo erodidos pela inadimplência dos países membros em relação aos dispositivos principais da zona de livre comércio – que deveria vigorar desde 1995 – e da união aduaneira, que deveria ter realizado as derradeiras convergências das exceções nacionais admitidas anteriormente nos cinco ou seis anos decorridos desde sua institucionalização pelo Protocolo de Ouro Preto de 1994, ou seja, ao início deste milênio. Essa crise apenas formalmente pode ser atribuída à crise cambial e financeira vivida pelo Brasil em 1999 – e que redundou na mudança de seu regime cambial de um sistema de bandas para um de flutuação – uma vez que a Argentina, prisioneira de seu regime cambial de livre conversibilidade e de rigidez na paridade com o dólar, estabelecido em 1991, já vinha enfrentando sérios desequilíbrios nos intercâmbios comerciais dentro e fora do bloco e, de forma geral, na sua conta de transações correntes. O Brasil, justamente, era possivelmente um dos poucos países com os quais a Argentina conseguia ainda realizar um superávit bilateral, em grande medida em função do comércio administrado no petróleo, no trigo e no setor automotivo, e tinha revelado, desde antes, notável tolerância em relação aos sucessivos descumprimentos argentinos com respeito ao livre comércio intra-bloco.
O Mercosul tinha alcançado, então (ou seja, em 1998), o máximo de comércio intra-bloco desde sua criação em formato quadrilateral em 1991 – embora este formato derivasse inteiramente do esquema bilateral Brasil-Argentina em curso desde meados da década anterior, consolidado no Tratado de Integração de 1988, cujas cláusulas de liberalização comercial e de constituição de um mercado comum foram reformuladas e aceleradas na Ata de Buenos Aires, de 1990 –, em patamares de intercâmbio não restabelecidos até bem adentrada a primeira década do milênio, mas já numa situação de erosão institucional, e de não cumprimento de suas regras comerciais básicas, da qual ele ainda parece não ter se recuperado. Ao adentrar em sua segunda década, o Mercosul parecia ter perdido o estímulo inicial para avançar a fases mais exigentes do desejado objetivo do mercado comum, estabelecido em seus instrumentos constitutivos.
Em resumo, as rupturas comerciais e cambiais demarcadas pela crise brasileira de 1999 e pela crise geral da economia argentina de 2001 romperam um movimento ascensional de integração seguido na década anterior e são, provavelmente, muito mais graves do que a pretensa “ruptura democrática” ocorrida no Paraguai, em junho de 2012, seguida da “ruptura institucional” que foi a admissão irregular da Venezuela no seguimento da sanção unilateral imposta pelos três outros membros plenos ao Estado guarani. Mais graves porque a “ruptura democrática” supostamente ocorrida no Paraguai será, provavelmente, superada pela realização de novas eleições em abril de 2013, ao passo que a inadimplência registrada em relação aos dispositivos básicos do Mercosul, em sua feitura comercial e econômica, não parece perto de ser superada pela adesão de todos os membros, e principalmente pela Venezuela, às regras essenciais do bloco no futuro previsível. A dinâmica integracionista perdida entre 1999 e 2001 não está perto de ter sido recuperada desde então; ao contrário: como ilustrado na velha canção de roda, o que era vidro se quebrou. O Mercosul certamente não foi feito de aço...
Estaria o Mercosul, nessas condições, destinado ao fracasso e a seu eventual desaparecimento? Provavelmente não, inclusive porque construções burocráticas desse porte, sustentadas politicamente, raramente vão à falência ou desaparecem, podendo, no máximo, subsistir em meio à indiferença geral e ao total descompromisso com seu mandato original, ainda que continuando a drenar recursos e energias de seus membros por um bom tempo antes de sua decadência efetiva. Mas este não é certamente o caso do Mercosul, que deve subsistir como um importante foro de coordenação política dos países membros, ainda que suas promessas comercialistas originais tenham sido gradativamente abandonadas em favor de uma configuração de natureza essencialmente política a partir das posses respectivas do presidente Lula, no Brasil, e de Nestor Kirchner, na Argentina, em 2003. Se algo deve ocorrer a partir da admissão formal da Venezuela, se ela for de fato confirmada institucionalmente e na prática, será, na verdade, um reforço ainda maior de seus componentes políticos, em detrimento de seus fundamentos econômicos, ou especificamente comerciais.
Essa evolução certamente não corresponde aos objetivos originais do Mercosul, embora ele deva continuar representando um importante processo de integração no contexto regional que é o seu – ou seja, o da América do Sul – e mantenha, do ponto de vista do relacionamento externo, excelentes oportunidades de investimentos diretos estrangeiros, dadas a dimensão de seu mercado, os recursos naturais existentes, as fontes de energia disponíveis (agora reforçadas pela “adesão” da Venezuela) e outros fatores atraentes do ponto de vista dos empresários locais e de terceiros países. Esse desvio de objetivos e, possivelmente, essa mudança de perfil institucional não devem obstar a que o Mercosul continue a ser um dos mais importantes blocos econômicos (e políticos, sublinhe-se) do hemisfério sul, o que provavelmente é mais devido à soma conjunta de suas potencialidades reais (ou seja, dos países membros, em especial do Brasil) do que propriamente em função da excelência de sua organização interna ou adequação às normas do sistema multilaterais de comércio.
Em outros termos, a despeito das frustrações ocorridas em sua trajetória econômica e comercial, e dos fracassos relativos no acabamento de seus objetivos institucionais, o Mercosul deve continuar a ser um espaço econômico de relativa magnitude material, e de grande importância política, não apenas para seus membros efetivos, mas também para a região, como um todo, e possivelmente também no âmbito hemisférico e no contexto do sistema multilateral de comércio, a despeito do enorme peso representado pelo Nafta nesta parte do planeta, e pelos vínculos de seus membros, em especial os EUA, com a maior parte dos países latino-americanos (os quais estão, inclusive, ligados ao hemisfério setentrional por acordos de liberalização comercial bem mais abrangentes e ambiciosos do que, até agora, os esquemas mantidos pelos países do Mercosul e pela quase inexpressiva Comunidade Andina de Nações). Não obstante os percalços, portanto, o Mercosul deverá continuar exercendo certa força gravitacional em seu imediato entorno regional, bem como alguma atração do ponto de vista do comércio, dos investimentos e de projetos conjuntos de cooperação com ampla gama de parceiros externos, a começar pela União Europeia e outros protagonistas mundiais, a começar pela China e os emergentes da Ásia e das demais regiões.
As evidências acima, de puro realismo político e de grande relevância econômica, justificam plenamente, portanto, a oportunidade da publicação do presente livro como um balanço oportuno e uma avaliação ponderada, em torno dos sucessos e das frustrações do Mercosul, ao iniciar-se a terceira década de sua existência. Os capítulos constantes desta obra – sobre o desenvolvimento do Mercosul, suas vicissitudes comerciais, sua dimensão securitária (ou seja, de defesa, a representação parlamentar, o funcionamento de seu sistema de solução de controvérsias, as questões de direitos humanos e institucional, sua importância para o Brasil e para a região, além de diversos outros temas paralelos –contribuem para uma visão ampla, embora diversificada metodologicamente, do itinerário do bloco e de seu potencial integrador, em sua dimensão própria e para o continente como um todo.
Como esperado, ou inevitável, em toda e qualquer compilação coletiva de estudos individuais, a metodologia e as abordagens adotadas podem divergir entre si, e mesmo as perspectivas analíticas não exibem, necessariamente, unidade conceitual ou uniformidade de propósitos. Estas características não impedem, contudo, o fato de ser esta obra um compêndio útil e oportuno para uma visão abrangente quanto aos fundamentos históricos, o itinerário prático e o funcionamento operacional do bloco mais importante da América do Sul, quiçá do hemisfério sul. Os organizadores lograram realizar um equilíbrio satisfatório entre os temas mais gerais, e conceituais, da primeira parte, e aqueles mais voltados para os aspectos práticos, na segunda parte, a qual transcende, inclusive, o contexto puramente nacional para tecer considerações sobre o contexto regional e as implicações do Mercosul para o desempenho da integração latino-americana, de modo mais amplo. Apropriadamente, a obra se conclui com as interrogações suscetíveis de serem feitas em torno do futuro do Mercosul nos próximos vinte anos, uma perspectiva agora tornada mais aleatória, em função das desventuras do Paraguai e das incertezas legítimas associadas ao ingresso da Venezuela bolivariana no bloco.
No conjunto, os textos aqui compilados oferecem um vasto panorama sobre o Mercosul, em todos os seus estados e em várias de suas dimensões. Particularmente importantes são os capítulos que tratam dos fatos objetivos relativos ao Mercosul, seja no plano comercial, seja no âmbito de seu impacto sobre a diplomacia brasileira ou o funcionamento do sistema de solução de controvérsias. Embora os capítulos conceituais, ou mais especulativos, sejam igualmente relevantes, qualquer empreendimento político coletivo – como é o processo de integração do Mercosul – sempre oferece a possibilidade de interpretações diversas quanto aos seus elementos inerentemente deixados ao arbítrio das decisões políticas (e de sua consideração por acadêmicos trabalhando nesses temas).
Pode-se aderir, por exemplo, à interpretação de que o Mercosul em sua primeira fase era excessivamente comercialista – ou neoliberal, como pretendem alguns – e que sua “correção” de natureza mais política, ou “social” na segunda, ou terceira, fase (ou seja, pós crise dos anos 1999-2002) era não apenas desejável como também necessária. Mas deve-se reconhecer que o que realmente faz diferença, em qualquer processo, são os resultados práticos, ou efetivos, como aumento ou diminuição de comércio, melhoria das condições de produtividade interna e de competitividade externa, criação de mais riqueza e prosperidade para as pessoas comuns (ou seja, mais emprego, maiores salários, e aumento da disponibilidade de bens e serviços de qualidade e a preços convidativos). No caso em espécie, não há como não reconhecer uma transformação do Mercosul e sua passagem de uma vertente econômica e comercial da primeira década – que é, finalmente, a essência do que estava escrito nos seus tratados constitutivos – para suas inclinações mais políticas e sociais da segunda década, sem que se disponha, ainda, de um balanço objetivo quanto aos méritos respectivos de uma e outra abordagem para fins dos objetivos originais do esquema de integração.
O presente livro ajuda a ver mais claro o que foi de fato relevante no Mercosul, nas suas diversas dimensões, nestas duas primeiras décadas e contribui para a construção de uma avaliação ponderada do que foi possível alcançar, ou não, no período decorrido desde sua fundação. Na verdade, a grande pergunta a ser feita, após concluir a leitura deste livro, sobretudo de seus capítulos descritivos e de avaliação, é a de saber se, ao cabo destas primeiras duas décadas, a região meridional e o continente sul-americano encontram-se, atualmente, mais ou menos integrados, em melhores condições sociais e de bem-estar, comparativamente ao quadro anterior, e se o processo de integração contribui, positiva ou negativamente para o atual estado de coisas. Provavelmente vai se descobrir que os laços comerciais, os investimentos recíprocos e os fluxos de serviços e de pessoas se intensificaram e se diversificaram, ao longo do período, mas é também visível que os processos de integração, ou seus projetos institucionais, não caminharam, exatamente, para uma convergência de propósitos ou homogeneidade de procedimentos. Parece claro, por exemplo, que entre a metodologia econômica do Mercosul e a abordagem fundamentalmente política da Alba existem enormes diferenças de visão e de intenções.
O futuro de médio prazo – ou seja, ultrapassada a situação corrente de estagnação, ou longa recessão, nos países desenvolvidos – dirá se o Mercosul continuará como uma grande promessa de integração comercial, caminhando no sentido de seu aprofundamento econômico e reforço institucional, ou se ele vai tornar-se irrelevante, como outros experimentos latino-americanos do passado, que figuram apenas, nos registros históricos, como os precedentes dos processos atuais. Uma visão abrangente do passado recente pode ajudar a ver mais claro nas possibilidades futuras: este livro é um bom começo para esse empreendimento. Tenham bom proveito em sua leitura, como eu tive ao preparar este prefácio.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, agosto de 2012