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sábado, 13 de abril de 2013

Educacao:utopia e realidade - Gustavo Ioschpe

Artigo
A utopia sufoca a educação de qualidade

"Se a diferença que mais impacta a qualidade de vida das pessoas é a de renda, e se a fonte principal de renda é o trabalho, então precisamos de um sistema educacional que coloque ricos e pobres em igualdade de condições para concorrer no mercado de trabalho"

Gustavo Ioschpe
Revista Veja, 13/04/2013

A missão da boa escola é ensinar as disciplinas fundamentais aos alunos, e não tentar corrigir as desigualdades do Brasil.

Um dos males que assolam nossa educação é a esperança vã de pensadores e legisladores de que uma escola que mal consegue ensinar o básico resolva todos os problemas sociais e éticos do país. Eles criaram um sistema com um currículo imenso, sistemas de livros didáticos em que o objetivo até das disciplinas científicas é formar um cidadão consciente e tolerante. Responsabilizaram a escola pela formação de condutas que vão desde a preservação do meio ambiente até os cuidados com a saúde; instituíram cotas raciais e forçaram as escolas a receber alunos com necessidades especiais. A agenda maximalista seria uma maneira de sanar desigualdades e corrigir injustiças. O Brasil deveria questionar essa agenda.

Primeira pergunta: nossas escolas conseguem dar conta desse recado? A resposta é, definitivamente, não. Estão aí todas as avaliações nacionais e internacionais mostrando que a única igualdade que nosso sistema educacional conseguiu atingir é ser igualmente péssimo. Copiamos o ponto final de programas adotados nos países europeus sem termos passado pelo desenvolvimento histórico que lhes dá sustentação.

Segunda pergunta: esse desejo expansionista faz bem ou mal ao nosso sistema educacional? Será um caso em que mirar no inatingível ajuda a ampliar o alcançável ou, pelo contrário, a sobrecarga faz com que a carroça se mova ainda mais devagar? Acredito que seja o último. Por várias razões. A primeira é simplesmente que essas demandas todas tornam impossível que o sistema tenha um foco. Perseguir todas as ideias que aparecem -- mesmo que sejam todas nobres e excelentes -- é um erro. Infelizmente, a maioria dos nossos intelectuais e legisladores não tem experiência administrativa, e acredita ser possível resolver qualquer problema criando uma lei. No confronto entre intenções e realidade, a última sempre vence. A segunda razão para preocupação é que, com uma agenda tão extensa e bicéfala -- formar o cidadão virtuoso e o aluno de raciocínio afiado e com conhecimentos sólidos --, sempre é possível dizer que uma parte não está sendo cumprida porque a prioridade é a outra: o aluno é analfabeto, mas solidário, entende? (Com a vantagem de que não há nenhum índice para medir solidariedade.) E, finalmente, porque quando as intenções ultrapassam a capacidade de execução do sistema o que ocorre é que o agente -- cada professor ou diretor -- vira um legislador, cabendo a ele o papel de decidir quais partes das inatingíveis demandas vai cumprir. Uma medida que deveria estimular a cidadania tem o efeito oposto: incentiva o desrespeito à lei, que é a base fundamental da vida em sociedade.

As aulas de ciências e as de português e matemática são as que vão fazer diferença positiva na vida dos jovens quando eles chegarem ao mercado
Terceira pergunta: mesmo que todas essas nobres intenções fossem exequíveis, sua execução cumpriria as aspirações de seus mentores, construindo um país menos desigual? Eu diria que não apenas não cumpriria esses objetivos como iria na direção oposta. Deixe-me dar um exemplo com essas novas matérias inseridas no currículo do ensino médio -- música, sociologia e filosofia. A lógica que norteou a decisão é que não seria justo que os alunos pobres fossem privados dos privilégios intelec-tuais de seus colegas ricos. O que não é justo, a meu ver, é que a adição dessas disciplinas torna ainda mais difícil para os pobres se equiparar aos alunos mais ricos nas matérias que realmente vão ser decisivas em sua vida. A desigualdade entre os dois grupos tende a aumentar. A triste realidade é que, por viverem em ambientes mais letrados e com pais mais instruídos, alunos de famílias ricas precisam de menos horas de instrução para se alfabetizar. É pouco provável que um aluno rico saia da 1ª série sem estar alfabetizado, enquanto é muito provável que o aluno pobre chegue ao 3º ano nessa condição. O aluno rico pode, portanto, se dar ao luxo de ter aula de música. Para nivelar o jogo, o aluno pobre deveria estar usando essas horas para se recuperar do atraso, especialmente nas habilidades basilares: português, matemática e ciências. É o domínio dessas habilidades que lhe será cobrado quando ingressar na vida profissional. Se esses pensadores querem a escola como niveladora de diferenças, se a diferença que mais impacta a qualidade de vida das pessoas é a de renda, e se a fonte principal de renda é o trabalho, então precisamos de um sistema educacional que coloque ricos e pobres em igualdade de condições para concorrer no mercado de trabalho. O que, por sua vez, presume uma educação desigual entre pobres e ricos, fazendo com que a escola dê aos primeiros as competências intelectuais que os últimos já trazem de casa. Estou argumentando baseado em uma lógica supostamente de esquerda (digo supostamente porque, nesse caso, é transparente que as boas intenções dos revolucionários de poltrona só aprofundam as desigualdades que eles pretendem diminuir).

O mercado de trabalho valoriza mais as habilidades cognitivas e emocionais não porque os nossos empregadores sejam mesquinhos, mas porque, em um mercado competitivo, precisam remunerar seus trabalhadores de acordo com sua produtividade. Essa é a lógica inquebrantável do sistema de livre-iniciativa. Não adianta pedir ao gerente de recursos humanos que seja “solidário” na hora da contratação e leve em conta que os candidatos à vaga vêm de origens sociais diferentes, porque, se o recrutador selecionar o funcionário menos competente, o mais certo é que em breve ambos estejam solidariamente no olho da rua. Não conheço nenhum estudo que demonstre o impacto de uma educação filosoficamente inclusiva sobre o bem-estar das pessoas. Mas há vários estudos empíricos sobre a desigualdade no Brasil. O que eles informam é assustador: o fator número 1 na explicação das desigualdades de renda é, de longe, a desigualdade educacional (disponíveis em twitter.com/gioschpe). Ao criarmos uma escola sobrecarregada com a missão de não apenas formar o brasileiro do futuro mas corrigir as desigualdades de 500 anos de história, nós nos asseguramos de que ela se tornará um fracasso. A escola não pode fracassar, pois é a alavanca de salvação do Brasil.

O tipo de escola pública que queremos é uma discussão em última instância política, e não técnica. É legítimo, embora estúpido, que a maioria dos brasileiros prefira uma educação que fracasse em ensinar a tabuada mas ensine bem a fazer um pagode. Acrescento apenas uma indispensável condição: que a população seja informada, de modo claro e honesto, sobre as consequências de suas escolhas. Quais as perdas e os ganhos de cada caminho. O que é, aí sim, antidemocrático e desonesto é criar a ilusão de que não precisamos fazer escolhas, de que podemos tudo e de que conseguiremos obter tudo ao mesmo tempo, agora. Infelizmente, é exatamente isso que vem sendo tentado. Nossas lideranças se valem do abissal desconhecimento da maioria da população sobre o que é uma educação de excelência para vender-lhe a possibilidade do paraíso terreno em que professores despreparados podem formar o novo homem e o profissional de sucesso. Essa utopia, como todas as outras, acaba em decepção e atraso. Essa pretensa revolução, como todas as outras, termina beneficiando apenas os burocratas que a implementam.


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terça-feira, 11 de outubro de 2011

Educacao no Brasil: a extensao da tragedia - Gustavo Ioschpe (Veja)


Educação no Brasil
Gustavo Iospchpe
Revista Veja, 09 de outubro de 2011
  
Se o Brasil tivesse a mesma relação professor/funcionário dos países desenvolvidos, haveria 706000 funcionários públicos na educação - e não os 2,4 milhões que efetivamente temos, um óbvio excedente no sistema

O rombo da educação é o cabide de empregos de 46 bilhões de reais
Há uns dois meses, quis descobrir o total de funcionários do setor da educação no Brasil. O número de professores é bem conhecido dos pesquisadores. pois está na casa dos 2 milhões há alguns anos, mas não sabia quantos seriam os funcionários do setor que não suo docemos.
Tenho um verdadeiro arsenal de dados estatísticos sobre a educação brasileira e internacional. Procurei em todos, inclusive em algumas sinopses estatísticas da educação básica, que são arquivos com mais de 200 planilhas, que informam até quantas turmas do ensino fundamental com menos de 4 horas/aula por dia há no Acre. Mas o número de funcionários não aparece em nem um único documento. Não está disponível para consulta em lugar algum. Fiz então uma consulta direta ao Inep. órgão do MEC responsável por avaliações e estatísticas. A resposta solícita veio no mesmo dia: incluindo professores, são mais de 5 milhões de funcionários na área da educação no Brasil, pouco mais de 4 milhões deles na rede pública.
Fiquei embasbacado com esse dado. Não apenas pelo gigantismo do número total - seus 5 milhões de membros fazem com que essa seja a quarta maior categoria profissional do Brasil, atrás apenas dos agricultores, vendedores e domésticas -, mas especialmente pelo fato de termos 3 milhões de funcionários longe da sala de aula, um número 50% maior do que o de professores.
Imaginei que essa relação entre funcionários e professores seria menor em países com sistemas de educação mais eficientes. Dito e feito. até em um nível maior do que eu imaginara.
Segundo os dados mais recentes do Education at a glande. levantamento feito pela OCDE (disponível em twitter.com/ gioschpe), a relação entre funcionários e professores em seus países-membros é de 0.43.
No Brasil, falando apenas do setor público, essa relação é de 1.48. Ou seja, enquanto lá há um funcionário para cada dois professores, aqui a relação é quase três vezes e meia maior. Isso significa que. se o Brasil tivesse a mesma relação professor/funcionário dos países desenvolvidos, haveria 706000 funcionários públicos no setor, em vez dos 2,4 milhões que temos. Como é difícil imaginar que precisemos de mais funcionários que as bem sucedidas escolas dos países desenvolvidos, isso faz com que tenhamos 1.7 milhão de pessoas excedentes no sistema educacional, recebendo todo mês salários que vêm do nosso bolso. Se presumirmos que os funcionários recebem o mesmo salário médio que os professores
(infelizmente não há dados oficiais a respeito do país todo, mas a conversa com alguns secretários da Educação me sugere que essa é uma hipótese válida), isso significa um desperdício de inacreditáveis 46 bilhões de reais, ou 1.3% do PIB, todo ano, o que certamente é mais do que todos os escândalos de corrupção da última década somados. E simples chegar a esse número: basta saber quanto o Brasil investe em educação por ano e que porcentagem disso é investida em folha salarial. Ambos os dados estão disponíveis no Education at a glande, e o cálculo completo está disponível no meu Twitter.
A importância desse dado, porém, vai muito além da simples montanha de recursos que são desperdiçados. Ele ajuda a explicar algo ainda mais importante para o futuro do Brasil: a razão pela qual nossa educação vai tão mal.
O primeiro fator impactado por essa gastança é o salário do professor. Esse dado explica como o Brasil pode, ao mesmo tempo, investir tanto em educação e ter professores tão insatisfeitos com o seu rendimento. (A propósito, cruzando os dados da OCDE com o PIB brasileiro, o salário médio mensal do professor na rede pública é de 2262 reais. Cuidado com os discursos do pessoal que fala do "salário de fome".) Se se demitissem os funcionários excedentes e o salário deles fosse transferido aos professores, a remuneração destes aumentaria 73%, para 3906 reais mensais.
O segundo impacto 6 o poder político desse grupo. Se já seria difícil a algum político ir contra a vontade dos 2 milhões de professores, o que dizer então de um grupo que, na verdade, tem 5 milhões de membros, a grande maioria sindicalizada e politizada? Não é de espantar que os políticos dispostos a encarar a briga com a categoria tenham sido invariavelmente derrotados. Não é de espantar, também, que a categoria consiga fazer greves tão volumosas e barulhentas.
A terceira realidade claramente descortinada por esses dados 6 a utilização política do setor de educação. Não é possível chegar a esse nível sem que haja um esforço deliberado de contratações desnecessárias. Contratações que só ocorrem porque os profissionais da educação são frequentemente utilizados como instrumemo político de seus padrinhos. Muitos viram simples massa de manobra e fonte de votos, outros - especialmente nos cargos de direção e supervisão regional -- acabam se tornando verdadeiros cabos eleitorais de lideranças regionais.
A quarta conclusão 6 ainda mais séria. Ela diz respeito à relação em  gastos com educação e a qualidade do ensino ministrado. A maioria dos estudos sobre o tema demonstra não haver relação significativa entre o volume de recursos gastos em educação e a qualidade do ensino.
No Brasil, onde a maior parte do gasto é canalizada para aumentar o número de profissionais na rede e dar melhor remuneração àqueles que já estão nela, não 6 de surpreender que o constante aumento de gastos no setor nos últimos dez anos tenha sido acompanhado de estagnação. Os resultados do Sistema de
Avaliação da Educação Básica (Saeb) foram piores em 2007, último ano disponível, do que em 1997. Se já é difícil promover melhorias nos países em que o recurso é bem aplicado. imagine no Brasil, onde o dinheiro financia um gigantesco cabide de empregos. O mais desalentador é que, em meio a tão contundentes evidencias de que o aumento dos investimentos não tem trazido resultados na melhoria do aprendizado dos alunos, testemunhamos a todo momento a paidtica pregação para aumentar o valor investido em educação dos atuais 5% do PIB para 7% (o que já seria um fenomenal aumento de 40%. ou 73 bilhões de reais por ano, em valores de 2010). Não ocorre a ninguém que custa pouco o que realmente melhora o ensino: reformular os cursos universitários de formação de professores, profissionalizar a gestão das escolas, adotar um currículo nacional, permitir a criação de novas modalidades no ensino médio, melhorar o material didático e cobrar a utilização de práticas de sala de aula comprovadamente eficazes. É preciso disposição para encarar as tarefas que exigem trabalho e coragem para enfrentar as resistências corporativas. Mas sobre isso os bravos gastadores de plantão não querem nem ouvir falar. Não dá voto. Não sei exatamente como se sentiram os passageiros do Titanic que ouviam a orquestra a tocar enquanto o navio fazia água, mas suspeito que a minha estupefação e desalento sejam parecidos com o sentimento deles. Com a agravante de que, cada vez que compro algo ou pago impostos, estou financiando o iceberg.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

A escola brasileira degringola, literalmente...

Minha atenção foi chamada para este artigo do Gustavo Ioschpe pelo meu colega de resistência anti-irracionalidades Orlando Tambosi, que o postou em seu blog.
Conheço outros trabalhos do autor, entre eles este seu livro, do qual fiz uma longa resenha publicada:

Gustavo Ioschpe:
A ignorância custa um mundo: o valor da educação no desenvolvimento do Brasil
(São Paulo: Francis, 2004, 234 p.)
Ver minha resenha neste blog Book Reviews, aqui.

Minha opinião sobre a situação da educação, e sobre a decadência das escolas brasileiras, é provavelmente bem mais pessimista do que a dele (qualquer um deles, talvez, não querendo exagerar no pessimismo).
Apenas um retrato para os retrocessos inacreditáveis que estão ocorrendo no Brasil. O pior, o catastrófico, é que as pessoas, os pais, professores e governantes, que deveriam ser os principais interessados no problema, sequer vêm isso como problema.
Acho que vamos direto para o brejo educacional e para o pântano intelectual (se o termo se aplica).
Paulo Roberto de Almeida

segunda-feira, 28 de junho de 2010
Escola é lugar de ciência. Ética se aprende em casa

O economista Gustavo Ioschpe, articulista da Veja, faz uma interessante reflexão sobre o ensino de ética e "cidadania" na escola em detrimento das ciências e do desenvolvimento cognitivo. Tem razão em apontar que a ética deve ser incumbência das famílias, já que a escola não recupera os eventuais delinquentes por elas criados. Ética e "cidadania", termos hoje bastante difusos, estão mais para ideologia do que para formação. A questão me traz à lembrança o que disse, no início dos anos 90, o filósofo italiano Carlo A. Viano (salvo engano meu): a ética tende a se tornar refúgio do esquerdismo, órfão da utopia comunista. Mais ou menos na mesma época, a escritora Doris Lessing disse que a doutrina "politicamente correta" era uma herança do comunismo destroçado pela história. O fato é que, na voz de muitos ideólogos, ética e "politicamente correto" já viraram sinônimos. Fica a ressalva, porém, de que há estudiosos sérios em relação aos temas éticos. Surrupio (Orlando Tambosi) o texto na íntegra:

Escola é lugar de ciência. Ética se aprende em casa
Gustavo Ioschpe
Revista Veja, 30 de junho de 2010

Estou começando a procurar escola para o meu filho, e fico impressionado com o que tenho ouvido e lido a respeito das escolas que procuro. Ouve-se falar pouco no desenvolvimento cognitivo, em aprendizagem, em ciências exatas. Menos ainda alguém se referindo a pesquisa empírica ou aos recentes achados de neurociência. Em compensação, dois temas são unanimidade: cidadania e ética. É uma distorção que me preocupa.

Em primeiro lugar, porque parece presumir que o ensino das matérias tradicionais é uma questão resolvida, e que se ater a elas seria algo menor, reducionista ou, como se diz com certo desdém: "conteudismo". Não é. O Brasil vai muito mal nessa área, como comprovam todos os testes internacionais comparativos. Vai mal não apenas nas escolas públicas. As escolas privadas brasileiras também são, em geral, ruins, mas salvam as aparências por ter suas deficiências mascaradas pelos problemas ainda mais graves das escolas públicas. No Ideb, indicador de qualidade da educação do MEC, as escolas privadas têm nota média 6, em uma escala que vai até 10. No Pisa, teste internacional de qualidade de ensino, descobrimos que os 25% mais ricos do Brasil têm desempenho educacional pior que os 25% mais pobres dos países desenvolvidos. Ainda nos falta muito, portanto, para que possamos considerar a transmissão de conhecimento como tarefa cumprida.

Sei que há uma corrente de pensamento no país que acha que podemos e devemos fazer tudo ao mesmo tempo, e que priorizar a ética não significa descuidar do conteúdo. Deixo esse assunto para outro artigo, mas já adianto que não acredito que isso seja possível com o nível de institucionalização a que chegou o tema no Brasil. Atualmente o MEC exige que os livros didáticos de matemática (sim, matemática) atuem na construção da cidadania, estimulando "o convívio social e a tolerância, abordando a diversidade da experiência humana". Seria melhor se esse espaço do livro e o tempo do professor fossem dedicados à atividade nada trivial de familiarizar o aluno com os conceitos básicos da disciplina. Mesmo quando conseguirem cumprir a função básica de ensinar matemática, português, ciências, não creio que os professores devam priorizar de forma ostensiva a pregação ética. São muitas as razões que me levam a essa conclusão. Em primeiro lugar, o desenvolvimento ético de uma criança é uma prerrogativa de seus pais. Acredito que um pai tem direito a infundir em seu filho padrões éticos divergentes do senso comum, que costuma nortear as escolas. Dou um exemplo claro. A questão da preservação ambiental virou um imperativo ético, e as escolas marretam esse tema insistentemente.

Para mim, conforme já expus em artigo aqui, o comportamento ético em um país com o nível de desenvolvimento brasileiro deveria ser privilegiar o desenvolvimento material humano, mesmo que isso implique algum desmatamento. O que me parece antiético é deixar gente sem renda para que árvores sejam preservadas. Não gostaria, portanto, que um professor ensinasse o contrário ao meu filho.

O segundo problema é que não acredito que os professores brasileiros estejam preparados para travar a discussão profunda e multifacetada que o tema da ética exige. O mais certo é que a questão desande para o discurso panfletário, rasteiro, frequentemente ideologizado. Não imagino que o utilitarismo, o hedonismo ou o epicurismo sejam ensinados em pé de igualdade com correntes filosóficas que pregam as vertentes mais clássicas da moralidade judaico-cristã. E, sem esse contraponto, não se está ensinando ética, mas sim fazendo doutrinamento.

Essa dinâmica está diretamente atrelada a outro problema, que é a relação hierárquica que caracteriza o ensino formal. Se uma escola fizesse uma disciplina de ética opcional ou não avaliada, creio que seria possível que houvesse alguma evolução verdadeira por parte do alunado. Mas, no momento em que esse tema virou transdisciplinar e vale nota, é óbvio que os alunos minimamente atilados saberão conformar suas respostas às expectativas e inclinações de seus professores. Quando eu estava na escola, era formada por marxistas a maioria dos professores de história, português, geografia e outras disciplinas da área de humanas. Isso fazia com que eu e muitos outros colegas nos certificássemos de que toda resposta em prova incluísse alguma lenhada na burguesia e uma conclamação à construção de um mundo mais fraterno. Não por convicção, mas porque o nosso falso esquerdismo rendia notas melhores. Tenho certeza de que os mensaleiros, anões do Orçamento, sanguessugas e demais patifes também pregavam a justiça universal em seus tempos de escola.

Surge aí mais um problema do ensino-cidadão, que é a sua total inutilidade. A psicologia evolutiva demonstra que há um substrato ético que é genético e comum à nossa espécie e a alguns primatas. Complementando essa camada, acredito que a formação de uma consciência ética está indissociavelmente atrelada às experiências de vida, não a ensinamentos acadêmicos. Essa consciência se forma através de um sistema de recompensas e punições trabalhado primordialmente pelos pais de uma criança, desde seus mais tenros anos. É o receio da perda do amor paterno que nos leva a agir de forma ética, em um mecanismo inconsciente. Posteriormente, somam-se a essa base a história de uma pessoa e a fortaleza institucional do local em que ela vive.

O psicólogo Steven Pinker relata o exemplo do que aconteceu, literalmente da noite para o dia, quando a polícia da sua Montreal entrou em greve: uma cidade até então pacata e segura viu-se engolfada por uma onda de criminalidade que só cessou com o fim da greve. A população não sofreu um desaprendizado coletivo naquele período: ela agiu como muitos de nós agiríamos em um cenário em que as violações éticas não fossem punidas. Conhecer Sócrates ou Nietzsche não deve alterar o comportamento da maioria das pessoas. Para ser íntegra, a criança precisa receber orientação de seus pais e, depois, saber que desvios antissociais serão punidos. Alguns professores acreditam que podem sanar, com sua atuação, as deficiências da família e do estado. É ilusão. Um estudo recente das pesquisadoras Fátima Rocha e Aurora Teixeira, da Universidade do Porto, investigou a cola em 21 países e apontou haver relação direta entre a desonestidade em sala de aula e o índice de corrupção do país.

Para aqueles que imaginam que este autor é um defensor de uma escola amoral, explico-me. Acredito, sim, que a ética tem papel vital na escola, mas não no discurso, e sim na ação. Cabe à escola criar um ambiente de total liberdade intelectual, mas sem esquecer de aplicar no seu dia a dia os princípios éticos que norteiam a vida em sociedade. Com coisas simples e em todas as matérias: as aulas devem começar no horário, os professores não devem faltar, os alunos violentos devem ser punidos, as regras da escola devem ser aplicadas a todos. E eis aí o busílis da questão: ao mesmo tempo em que são incompetentes e doutrinárias no ensino da ética, nossas escolas são antiéticas em sua prática. O exemplo mais claro: a cola. No estudo citado, descobre-se que 83% dos universitários brasileiros já colaram, um dos índices mais altos do mundo. Cem por cento dos alunos brasileiros já viram alguém colando.

Nos meus tempos de aluno, havia gente colando na grande maioria das provas. É difícil imaginar que os professores não percebessem o que estava acontecendo. Em vários casos, os professores notavam e então caminhavam pela sala, parando perto do "colador", ou às vezes chamavam seu nome. Mas, se não me falha a memória, em onze anos de escola jamais vi um único aluno perder a prova, a nota do bimestre ou sofrer sanção mais séria por um delito que é provavelmente o mais grave para um ambiente em que se preza o saber. O ensino da ética, em uma realidade assim, é um deboche. Mais do que um deboche, é um desserviço: quando nossas escolas falam sobre o tema e praticam o oposto, a mensagem implícita é que esse negócio de ética e cidadania é papo-furado, pois já na escola os trapaceiros se dão bem. Melhor seria não falar nada.

Postado por Orlando Tambosi às 19:20

(Bem, se alguém conseguir dormir depois disso, me avisa. PRA)

segunda-feira, 12 de abril de 2010

2081) Brasil: potencia economica de semiletrados

Há muito tempo, com base unicamente em minha experiência pessoal, venho insistindo no tema educacional, sem ser especialista no setor, e sem sequer fazer pesquisas nessa área. Trata-se de simples percepção pessoal: para mim, o Brasil é um gigante de pés de barro, e mais ainda, se trata de um gigante bobão, com uma classe política e supostas elites sumamente ignorantes, alguns ostentando mesmo o que se poderia chamar de "ignorância enciclopédica" (isto é, espalhando sua estupidez por vários campos do saber e das atividades humanas, e nem preciso lembrar quem é).
Pois bem, creio que este texto de um conhecido especialista no setor ajuda a explicar um pouco as raízes do problema e a agravar o alerta que venho sempre fazendo:
Em matéria de educação, estamos muito pior, mas muuuuiiiito piiiiior do que jamais ousaríamos imaginar, e a situação tende a se agravar, graças ao sindicalismo professoral, às pedagogas freirenas do MEC, às políticas absolutamente erradas do governo (de todos os governos, ou quase).
Acho que o Brasil tem um futuro muito ruim pela frente a persistir essa situação, que aliás não se corrige facilmente, mas exigiria pelos menos uma geração inteira de paciente reconstrução do sistema educacional.
A tragédia, contudo, é que sequer tomamos consciência da situação e ainda não começamos a corrigir o problema...
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 13.04.2010)

Brasil: a primeira potência de semiletrados?
Gustavo Ioschpe
Revista Veja, 14.04.2010

"Apesar do oba-oba, o Brasil está próximo de ser um colosso econômico e esquecer a formação de sua gente"

Quando voltei ao Brasil, depois de anos no exterior, queria montar meu escritório rapidamente. Contratei, então, um desses serviços de secretariado virtual para me ajudar enquanto iniciava o processo de busca por uma equipe permanente. Notei que a secretária virtual não era um gênio, mas achei que quebraria o galho. Certo dia, mandei um e-mail a ela pedindo que me conseguisse a informação de contato do cônsul brasileiro em Houston (EUA). Informação encontrável na internet em poucos minutos. Passaram-se cinco minutos, cinco horas, e nada.
Três dias depois, recebi um e-mail da fulana: "Sr. Gustavo, procurei na Cônsul e até na Brastemp, mas ninguém conhece esse tal de Houston". Pensei que fosse piada. Reli. Não era. Para quem havia ficado alguns anos construindo teses acadêmicas sobre a importância da educação para o desenvolvimento das nações, através do seu impacto na produtividade de uma população, estava ali o exemplo pronto e acabado de como é difícil produzir algo quando a ignorância campeia à volta. É assim para uma pessoa, uma empresa e um país.
Os economistas Gustav Ranis, Frances Stewart e Alejandro Ramirez ilustraram essa relação de forma clara. Analisaram 76 países durante um período de 32 anos. Dividiram-nos de acordo com dois critérios: crescimento econômico e desenvolvimento humano (nesse caso, medido através de uma combinação de indicadores de educação e saúde). Usando essas duas dimensões, você pode ter duas situações de equilíbrio (quando o lado humano e o econômico são igualmente altos ou baixos) e duas de desequilíbrio (quando o humano é alto e o econômico baixo, e vice-versa). Surgem algumas conclusões interessantes desse estudo.
A primeira é que as situações de desequilíbrio duram pouco. Se um país tem muito crescimento econômico e pouco capital humano (CH), ele tende a parar de crescer (caso, sim, do Brasil nas décadas de 60 e 70) ou a aumentar seu lado humano.
A segunda: é muito difícil sair de uma situação de equilíbrio negativo: mais da metade dos países que tinham baixo crescimento e baixo CH em 1960 permanecia empacada na mesma posição na década de 90.
A terceira é que o crescimento econômico, quando desacompanhado de evolução do lado humano, dura pouco: de todos os países que tinham alto crescimento econômico e baixo CH no início do período, nenhum conseguiu chegar ao equilíbrio em alto nível. Todos, sem exceção, terminaram o período com baixo crescimento e baixo CH.
A quarta, e mais importante, é que a estratégia de privilegiar o lado humano dá frutos muito melhores do que aquela que enfatiza só o lado econômico: dos países que começaram o período com alto CH e baixo crescimento econômico, um terço chegou ao nirvana da alta renda e alto nível humano; um terço continuou com um lado mais desenvolvido que o outro, e apenas um terço regrediu para o fim trágico do baixo crescimento e baixo CH.
O resumo da ópera é o seguinte: é muito difícil passar de uma situação de subdesenvolvimento e chegar ao chamado Primeiro Mundo. Mas, se o período 1960-92 servir de guia, das duas estratégias possíveis – privilegiar o crescimento econômico versus privilegiar o crescimento humano –, a primeira se mostrou um fracasso total, e só através da segunda é que um terço dos países chegou ao objetivo desejado.
Esse aprendizado é, hoje, especialmente importante para o Brasil. Apesar de todo o oba-oba com o país nas capas de revistas e jornais estrangeiros, o Brasil está, na verdade, perigosamente próximo de repetir a trajetória do fim da década de 60: ser um colosso em termos de crescimento econômico e esquecer a formação de sua gente. Essa estratégia tem destino certo: a falta de pessoas qualificadas faz com que o processo emperre e o crescimento acabe. Temo, inclusive, que seja tarde demais para evitar parte desse enredo: várias indústrias, especialmente as ligadas à engenharia, já têm seu crescimento cerceado pela impossibilidade de encontrar gente qualificada. O problema será muito pior nos próximos vinte anos, à medida que a demanda por pessoas qualificadas for aumentando e as escolas continuarem formando incompetentes.
Há três diferenças importantes entre o momento atual do Brasil e aquele da época do milagre econômico.
A primeira é que o atraso educacional brasileiro em relação aos países desenvolvidos aumentou consideravelmente. Há trinta anos, o ensino superior era um nível para poucos, mesmo nos países mais ricos. Levantamento feito em 2000 mostrou que a porcentagem de adultos com diploma universitário no Brasil era bastante parecida com a de outros países – 1 ou 2 pontos porcentuais abaixo de Chile e Argentina e 3 a 4 pontos abaixo de Itália e França, por exemplo. Quando se olha para a taxa de matrícula atual do ensino universitário, porém, nota-se que o Brasil tem uma diferença de 20 pontos porcentuais para nossos vizinhos latino-americanos e de 40 ou mais pontos para os países desenvolvidos. A maioria dos brasileiros não se dá conta de quão ruim é a educação nacional. Uma pesquisa de 2009 sobre alfabetização, feita pelo Instituto Paulo Montenegro, mostrou que apenas 25% da população adulta brasileira é plenamente alfabetizada. Deixe-me repetir: só um quarto dos brasileiros conseguiria ler e entender um texto como este. Nenhum país jamais se tornou potência com uma população de semianalfabetos. É improvável que o Brasil seja o primeiro, mesmo com todos os recursos naturais de que dispomos.
Segunda diferença: nos anos 60/70, pouquíssimo se falava sobre educação. Hoje, a questão está em pauta. O diacho é que a maior parte do discurso ainda é pré-científica (ou anticientífica) e continua insistindo em teses furadas e demagógicas: que o Brasil investe pouco e que o principal problema é o salário do professor.
A terceira e última é que naquela época éramos uma ditadura inserida no polo pró-americano em um contexto de Guerra Fria, e hoje somos uma democracia altiva em um mundo multipolar. Se então nossos males nos eram impostos por um regime autocrático, hoje temos liberdade e responsabilidade por nossos destinos. Os problemas e os erros são todos nossos, e as soluções também terão de ser.