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sábado, 28 de abril de 2018

Marcos Jank: o conflito do frango com a Europa

O conflito do frango com a Europa

Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 28/04/2018

Marcos Sawaya Jank (*)
Marília Rangel Campos (**)

Crise de imagem é arma dos produtores europeus de carne para tentar banir o Brasil. 

A União Europeia acaba de embargar as exportações de carne de frango de vinte plantas brasileiras, alegando falta de confiança nos controles oficiais.

O Brasil é o maior exportador de frango para a Europa (quase metade do total importado), suprindo a grande demanda do bloco por peito de frango, que gera quase US$ 800 milhões. 

Apesar de representarem só 3% do consumo, essas exportações sempre foram uma pedra no sapato dos produtores europeus, que há décadas buscam motivos para bloqueá-las.

Até 2000 as exportações de peito desossado ocorriam numa classificação aduaneira sobre a qual incidia uma tarifa de importação de € 1.024/ton, equivalente a 75% do valor do produto na época.

Essa tarifa proibitiva fez com que as empresas optassem por exportar peito de frango congelado com adição de 1,2% de sal, o chamado “peito salgado”, gravado com tarifa bem menor, de 15,4% e sem a limitação de cotas. Com essa manobra, o Brasil passou a responder por 6% do consumo europeu.

A reação dos produtores europeus foi imediata: determinaram que o peito salgado deveria ser reclassificado como frango congelado in natura, ainda que o produto fosse outro. Em 2002, o Brasil recorreu à OMC (Organização Mundial do Comércio). E saiu vitorioso.

Mas, como tudo é complicado nas relações comerciais com a Europa, o bloco aplicou um velho dispositivo que permitia renegociar concessões sobre tarifas consolidadas e impor cotas tarifárias restritivas sobre o peito salgado. Foi nesse momento, em 2007, que nasceu o problema que estamos vivendo hoje e que já está afetando a rentabilidade de toda a cadeia avícola no Brasil, que tem 130 mil avicultores e gera 3,6 milhões de empregos.

A legislação europeia de carne de aves adota critérios microbiológicos que claramente beneficiam o produto local. No frango in natura, sem adição de sal, só dois tipos mais graves de salmonela levam à recusa sumária dos produtos.

Mas no caso do frango salgado a legislação determina a recusa imediata de produtos que contenham qualquer um dos mais de 2.600 tipos de salmonela, inclusive os que não são de preocupação para a saúde pública. Lembramos que esse patógeno é virtualmente eliminado com o cozimento da carne de frango. Ou seja, trata-se de exigência incabível e desmedida que atinge apenas o produto importado.

Foi a aplicação desse sistema de dois pesos e duas medidas que resultou na suspensão das 20 unidades brasileiras. Uma barreira que não visa a proteção do consumidor local, mas a redução drástica do volume importado do Brasil, causando forte impacto negativo dentro do Brasil e no resto do mundo.

Basicamente a UE se aproveitou da crise de imagem que abalou o setor avícola brasileiro após as operações Carne Fraca e Trapaça para impor sanções comerciais arbitrárias sob pretexto técnico. Os lobbies europeus mais radicais querem banir o país como um todo e até retirar as carnes das negociações EU-Mercosul.

O ministro Blairo Maggi anunciou que o Brasil vai à OMC contra essa arbitrariedade, mas sabemos que o resultado final pode levar até três anos. E, mesmo assim, uma vitória no painel nem sempre leva a um resultado final exitoso. Ganhamos o contencioso do frango salgado em 2005, mas perdemos com a limitação do mercado com cotas e, depois, com a discriminação sanitária que se seguiu.

Infelizmente a cadeia de aves e suínos enfrenta hoje crescentes dificuldades na Europa, na Rússia, na China e na Arábia Saudita. É hora de melhor organizar a articulação público-privada, com estratégia sólida, engajamento efetivo de aliados locais nos países, diálogo construtivo e firmeza na contestação.

(*) Marcos Sawaya Jank é engenheiro-agrônomo e especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.
(**) Marília Rangel Campos é especialista em comércio internacional. Email: marilia.rangel@gmail.com

domingo, 26 de novembro de 2017

Brasil: protecionista e com orgulho de ser - Marcos S. Jank

A 'mão do gato' ameaça as exportações brasileiras

Marcos Sawaya Jank (*)
Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 25/11/2017

Geopolítica e interesses protecionistas afetam a nossa expansão global.

Não me lembro de um período com tantas turbulências e incertezas no mundo como o atual. As questões geopolíticas voltaram à ordem do dia: grandes levas de refugiados, novas formas de terrorismo, conflitos no Oriente Médio, disputas no entorno da China e o jeito Trump de governar.

O multilateralismo consensual do pós-guerra dá lugar às ameaças via Twitter e porrete. E, como era de esperar, já começa a afetar as correntes de comércio e investimentos no mundo.

No início do mês, Trump passou pela Ásia para discutir a questão da Coreia do Norte e reequilibrar o deficit comercial dos EUA com países-chave da região, incluindo, se necessário, a oportuna venda de armas americanas.

No total, os EUA importam quase US$ 1 trilhão da Ásia, acumulando o gigantesco deficit comercial de US$ 533 bilhões com o continente. O deficit americano varia de US$ 13 bilhões a US$ 33 bilhões com países como Indonésia, Taiwan, Tailândia, Índia, Malásia, Coreia do Sul e Vietnã. Chega a US$ 70 bilhões com o Japão e a incríveis US$ 347 bilhões com a China. Trump está obcecado com isso e ameaça: abram-se para os EUA ou haverá retaliações.

Na mesma linha, multiplicam-se os contenciosos comerciais. Novas regulações desenhadas "ad hoc" e contenciosos de impacto começam a atingir as exportações brasileiras nos setores em que somos mais competitivos. No agronegócio, estamos enfrentando conflitos no acesso do açúcar e da carne de frango à China, etanol para o Japão e questões complexas com Rússia, Hong Kong, Indonésia, União Europeia e EUA.

Vale destacar ainda o impacto da proteção à indústria doméstica brasileira, o que inclui o próprio agronegócio. Continuamos sendo um dos países mais fechados do mundo ao comércio. Aço, trigo, café, bananas, camarão e pescados são exemplos de produtos nos quais a proteção contra importações de pequena monta já prejudica grandes volumes de exportações potenciais.

Falamos das nossas grandezas, queremos acessar o mundo, mas na hora de negociar não oferecemos quase nada em troca aos nossos parceiros. Estaremos perdendo cada vez mais oportunidades de exportação em razão disso.

Isso sem contar a crise de imagem que vivemos, gerada pela percepção de um país tomado pela corrupção, violência e instabilidade política, incapaz de se explicar de forma simples e didática. O mundo tem dificuldade de entender o que está acontecendo no Brasil.

Nesse contexto, noto que a "mão do gato" contra as nossas exportações se faz cada vez mais presente, dentro do próprio país ou escondida atrás da porta, na concorrência nos países-destino.

Já se foi o tempo em que exportávamos simplesmente porque havia demanda e éramos competitivos. Num mundo dominado pelo mercantilismo do "toma lá dá cá", com interesses geopolíticos exacerbados e arbitrariedades regulatórias se multiplicando, é fundamental manter um olho no peixe e o outro no gato.

A complexidade do mundo exige uma melhor definição do interesse público do país, tomando decisões com base no impacto socioeconômico das medidas, e não em favor de quem grita mais alto.

Exige estratégias bem montadas para lidar com a crescente agressividade geopolítica e comercial do mundo.

Exige maior coordenação dentro do governo e entre este e o setor privado, para não perder mercados e oportunidades. Precisamos também estar mais presentes no cenário internacional, muito além da representação oficial do governo, construindo relacionamentos estáveis e duradouros com nossos parceiros comerciais, que aumentem a confiança entre as partes.

Estratégia, representação e organização são a única receita de sucesso ante a imensa complexidade do mundo atual.

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.

sábado, 16 de setembro de 2017

Uma outra China fora da China: Sudeste Asiatico - Marcos Jank

O Sudeste Asiático como rota alternativa à China

Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 16/09/2017

Marcos Sawaya Jank (*)

O Sudeste Asiático é ótima alternativa para reduzir nossa dependência da China em comércio e investimentos.

Marcos Sawaya Jank[1]

Aproveitando a visita do presidente Temer à China, o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, realizou uma missão a Malásia, Singapura e Vietnã, no Sudeste Asiático. Há um ano o ministro Blairo Maggi também esteve em quatro países da região.

Quando se fala em Ásia no Brasil, todo o mundo pensa em China, tamanha a influência que esse gigante exerce hoje na geopolítica, no comércio e nos investimentos globais. Quando não é a China, as nações asiáticas mais presentes no imaginário brasileiro são a Índia e o Japão.

Mas no campo do comércio quem, de fato, rivaliza com a China é a desconhecida Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático), um bloco formado por países que somam 640 milhões de habitantes e um PIB de US$ 2,6 trilhões que cresce 6% ao ano: Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura, Tailândia, Brunei, Camboja, Laos, Vietnã e Mianmar.

Basta dizer que hoje exportamos US$ 35 bilhões ao ano para a China, mas 75% da pauta é composta por só duas commodities: soja em grãos e minério de ferro. Já a Asean compra US$ 11 bilhões do Brasil, mas a pauta é bem mais diversificada, ainda que fortemente concentrada no agronegócio: soja e derivados, milho, açúcar, algodão, carnes, celulose e outros.

O potencial dos países da Asean para comércio e investimentos do Brasil é evidentemente inferior ao da China, mas é mais fácil fazer negócios naquela região. 

As oportunidades são imensas. Por exemplo, as importações totais de produtos agropecuários e alimentos da Asean passaram de US$ 30 bilhões para US$ 90 bilhões ao ano nos últimos dez anos, superando o Japão e perdendo apenas para a China, que importou US$ 120 bilhões.

O Brasil responde por apenas US$ 6 bilhões anuais, valor muito pequeno que nos posiciona atrás de EUA, China e Austrália como supridor.

Trata-se de região com alto potencial para diversificar produtos e mercados-destino, adicionar valor e marcas aos produtos exportadores e realizar ou receber grandes investimentos. Singapura, por exemplo, tem dois fundos soberanos com presença e imenso interesse de investimento no Brasil: GIC e Temasek.

Vejo o Sudeste Asiático como ótima alternativa para reduzir nossa crescente dependência da China em comércio e investimentos. 

Talvez não consigamos construir acordos comerciais mais ambiciosos na região, mas claramente esses países buscam alternativas de parceria após a retração dos EUA de Trump e da União Europeia do "brexit". Basta dizer que a Asean já é o segundo bloco econômico do planeta e que os 11 países da TPP (Parceria Transpacífica) querem seguir com o bloco sem os EUA.

Mesmo que não consigamos fechar acordos comerciais ambiciosos, deveríamos ao menos tentar construir parcerias estratégias com todo país asiático que conta com população superior a 50 milhões. Só no Sudeste Asiático são cinco países.

Os portugueses foram visionários quando se lançaram ao mar nas grandes navegações, por volta de 1500. Vasco da Gama descobriu a rota marítima para a Índia, chegando a Calicute em 1498.

Em 1510, Afonso de Albuquerque conquista Goa e logo depois a cidade de Malaca (na atual Malásia), situada no centro de um dos estreitos de mar mais estratégicos do planeta, rota obrigatória dos navios que vão do Índico para o Pacífico e a China

De Malaca eles foram para o reino do Sião (Tailândia), Java (Indonésia) e Angkor (Camboja), sempre em busca das famosas especiarias asiáticas.

A China é importante, mas agir além dela na Ásia é absolutamente crucial. Há mais de cinco séculos os portugueses foram pioneiros nas suas incursões pelo Sudeste Asiático. É hora de o Brasil fazer o mesmo, mas desta vez não para buscar, mas sim para levar nossas especiarias tropicais.

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.
 

[1]. Marcos S. Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas. Email: marcos@jank.com.br

sábado, 19 de agosto de 2017

Fabio Chaddad e o Agronegocio - Marcos Sawaya Jank

Fabio Chaddad e o Agronegócio

Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 19/08/2017

Marcos Sawaya Jank (*)

Como o empreendedorismo e formas organizacionais eficientes criaram um player global.


Na última quinta-feira, o INSPER organizou evento para lançar a edição em português do livro Economia e Organização da Agricultura Brasileira, do professor Fabio Ribas Chaddad, e batizou uma das salas de aula da instituição com o seu nome.

Em setembro passado, já muito debilitado por uma doença, mas com inacreditável energia e lucidez, Fabio veio ao Brasil para lançar a versão original do livro em inglês. Ele faleceu logo depois, aos 47, em Missouri, onde lecionava estratégias, organizações e agronegócio.

Fabio combinava características difíceis de serem encontradas em uma única pessoa: o rigor acadêmico, o ouvido sempre aberto e interessado nas pessoas e nas experiências do mundo real e uma invejável capacidade de síntese em inglês.

Seu livro traz a melhor narrativa existente sobre a evolução do agronegócio brasileiro desde os anos 1970, uma experiência de sucesso infelizmente ainda pouco reconhecida no país e desconhecida no resto do mundo. Fabio desenvolve uma abordagem microanalítica em cima de estatísticas precisas, descrições factuais e estudos de caso para explicar como o Brasil se tornou uma potência no agronegócio mundial, com ganhos de produtividade total superiores a 3% ao ano no período, quase o dobro dos EUA e o triplo do mundo. Isso colocou o Brasil entre os cinco maiores produtores de 36 commodities de origem agropecuária.

Ele chama de "condições capacitadoras" os fatores de geração de competitividade mais conhecidos e citados:
a) disponibilidade de recursos naturais (terra, água e clima);
b) investimentos públicos e privados em tecnologias tropicais;
c) políticas públicas estratégicas, não só as que apoiaram diretamente o agro —crédito rural, preços mínimos, estoques reguladores e programas sociais— mas também, e principalmente, as que o libertaram das garras excessivas do governo: fim dos controles de preços, desregulamentação, liberalização e enfrentamento da concorrência global.

Mas o lado mais inovador da obra é uma minuciosa descrição das formas organizacionais que marcaram a expansão do agro brasileiro e que talvez sejam os elementos mais sólidos para explicar os fortes ganhos de produtividade.

Fabio mistura histórias individuais de empreendedores que desbravaram o Brasil com a consolidação de robustas cooperativas (Coodetec, Castrolanda, Agrária), associações setoriais (OCB, Ocepar, Unica, Aprosoja) e notáveis instituições de pesquisa (Embrapa, CTC, Esalq, Fundação MT etc.).

Ele identifica três modelos distintos de organização das cadeias de valor do agro:

- Região Sul: integração de pequenos e médios produtores em sólidas cooperativas e arranjos contratuais com processadores de grãos, suínos, aves, lácteos e fumo.

- Região Sudeste: consolidação de sistemas verticalmente integrados de produção, apoiados por contratos a montante e a jusante, como no exemplo das indústrias da cana-de-açúcar, celulose e laranja, fortemente voltadas à exportação.

- Regiões Centro-Oeste e Centro-Norte: emergência de grandes grupos familiares e corporações empresariais, que inauguram sistemas que aproveitam economias de escala e escopo em grãos, algodão e carnes, mas com desafios a vencer na organização das cadeias de suprimento.

Fabio mostra que recursos naturais, tecnologia e subsídios foram condições relevantes, mas não suficientes, para fazer a festa acontecer no agronegócio. Na verdade, o sucesso do modelo brasileiro nasce de milhares de empreendedores anônimos que desbravaram o país, se organizando por meio de sistemas agroindustriais inovadores que geraram aumentos de produtividade sem paralelo no mundo. 

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.

domingo, 1 de maio de 2016

A agenda perdida da area internacional - Marcos Sawaya Jank (FSP)

A agenda perdida da área internacional


 
É dramática a situação das representações brasileiras no exterior. Atrasos nos salários e benefícios dos funcionários, cortes de água e luz, dificuldade para custear viagens de trabalho e um inaceitável atraso nas contribuições para as Nações Unidas e outras organizações internacionais são exemplos de problemas correntes das 225 representações do país no exterior.
Após o aumento de mais de 40% no número de representações desde o governo Lula, o Brasil se vê hoje na constrangedora situação de ter de fechar postos e reduzir despesas correntes para não ser despejado em alguns países.
Acompanho o trabalho dos diplomatas brasileiros há mais de 20 anos e posso afirmar, com segurança, que a nossa diplomacia se posiciona entre as melhores do mundo. Trata-se de uma das poucas carreiras de Estado bem estruturadas no Brasil, marcada pela seleção criteriosa, pela formação sólida e pela reputação reconhecida no mundo todo.
Mas, apesar dos bons serviços prestados no exterior, muitas vezes de forma heroica e voluntária, a coordenação do governo como um todo deixa a desejar.
Os Ministérios das Relações Exteriores, Indústria e Comércio Exterior, Agricultura e a Apex (Agência de Promoção de Exportações e Investimentos) precisam juntar esforços de forma mais eficiente, definindo claramente as suas atribuições e limites, somando recursos e evitando duplicidades.
Missões esporádicas ao exterior são necessárias, principalmente em nível presidencial e ministerial, mas datas e horários precisam ser respeitados e o follow-up do que foi acordado precisa ser cumprido. Falhas homéricas têm ocorrido –além de sucessivos cancelamentos e atrasos, quase sempre há muito barulho no momento da visita, mas pouco preparo prévio e uma execução deficiente na sequência.
Deveríamos reduzir a busca por holofotes passageiros em megaeventos de custo astronômico e cuidar melhor da relação cotidiana com nossos parceiros comerciais. Por exemplo, na Ásia, região mais dinâmica do mundo, a nossa presença física é tímida e desconectada, menos expressiva do que a de países bem menores do que o Brasil.
No caso das commodities, que representam dois terços das nossas exportações, mais importante do que participar esporadicamente de feiras e rodadas de negócios é direcionar recursos para a labuta diária nos órgãos reguladores dos países-chave: redução das barreiras comerciais, entrega rápida de questionários de habilitação de unidades produtivas, organização de visitas e missões, negociação de acordos bilaterais –sanitários, contra a dupla tributação, de facilitação de comércio e investimentos etc.
Precisamos ultrapassar a fase das demandas unilaterais de acesso ao país-alvo e desenvolver parcerias estratégicas de longo prazo que beneficiem os dois lados. As oportunidades de cooperação bilateral são imensas.
Mas nada disso é novidade, porque já estivemos em melhor posição no passado, inclusive no vasto universo das negociações para a formação de megablocos comerciais, à semelhança dos que hoje proliferam pelo mundo afora.
Não faltam no Brasil cabeças brilhantes para enfrentar o jogo internacional com desenvoltura. O que falta, sim, é organização e foco, envolvendo não apenas os diversos órgãos do governo como também as associações e as empresas do setor privado. É hora de recuperar a agenda perdida da área internacional.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Brasil: grande produtor agricola, obstaculizado por problemas "made in Brazil" - Marcos Sawaya Jank

Entendendo a queda de preço das commodities

21 de agosto de 2013 | 2h 11
Marcos Sawaya Jank * - O Estado de S.Paulo
Fala-se cada vez mais do impacto da desaceleração do crescimento da China e de outros países emergentes sobre o valor das exportações brasileiras de commodities. O fim do atual ciclo de alta de preços vem novamente acompanhado da surrada ladainha sobre uma suposta inadequação da nossa pauta de exportações, excessivamente dependente de commodities sensíveis à queda dos preços.
Em primeiro lugar, é fundamental separar as diferenças entre commodities agropecuárias, minerais e energéticas. No caso das energéticas, tivemos uma alta dos preços reais da ordem de 1.000% ao longo dos últimos 60 anos, puxada pela crescente escassez de petróleo barato. Nos minerais e metais, a alta foi da ordem de 100% no mesmo período, porém mais concentrada na última década por causa do forte consumo desses produtos no mundo em desenvolvimento.
Já no agronegócio, os últimos 60 anos foram marcados por uma redução de preços reais da ordem de 25%, chegando a mais de 50% de queda na virada do século. Portanto, ao contrário das commodities energéticas e minerais, na última década os produtos agropecuários apenas recuperaram parte da queda de preços reais ocorrida no século 20. Essa queda secular derivou basicamente da incorporação de novas tecnologias no campo por meio do modelo capital-intensivo de produção nascido nos EUA (genética, mecanização, irrigação, etc.), posteriormente reproduzido nas "revoluções verdes" da Ásia e na conquista dos Cerrados brasileiros.
Em segundo lugar, é fundamental separar movimentos estruturais e conjunturais. Conjunturalmente, os preços das commodities podem cair em 2013/14 por motivos semelhantes aos que ocorreram em 2008/09. Naquele momento, a queda momentânea de preços foi provocada pela crise financeira nos países desenvolvidos; neste, as quedas decorrem da desaceleração das economias em desenvolvimento combinada com supersafras em alguns países-chave, como EUA e Brasil.
Estruturalmente, no médio e no longo prazos, que é o que realmente interessa, a conversa é outra. As commodities energéticas e minerais podem, de fato, viver uma queda mais duradoura após os picos de preços da última década. Alguns fatores que motivariam essa queda são o surgimento de novas tecnologias para a produção de energia - como o gás de xisto nos EUA - e o redirecionamento da China para investimentos em consumo, em detrimento dos investimentos em infraestrutura.
Já no caso das commodities agropecuárias, uma análise mais minuciosa mostra que os preços continuarão elevados no médio e no longo prazos, em função de mudanças estruturais na demanda dos países em desenvolvimento que tendem a superar sua capacidade de oferta. Três fatores explicam essa tendência: 1) o forte crescimento da população mundial, que vai passar de 7 para 9,6 bilhões de pessoas entre hoje e 2050, de acordo com as ultimas revisões da ONU; 2) a migração do campo para a cidade, da ordem da 1,6 bilhão de pessoas no mesmo período, sendo que a maioria deixa a agricultura de subsistência para entrar no mercado de consumo; 3) o aumento da renda per capita nos países em desenvolvimento, ainda bastante elevado, apesar da desaceleração econômica. Por exemplo, no caso da China a constatação é matemática: 7,5% de crescimento sobre um PIB de US$ 9 trilhões este ano representa um valor 37% maior que 14% de crescimento sobre o PIB de US$ 3,5 trilhões de 2007.
Portanto, crescimento populacional, urbanização acelerada e aumento da renda per capita, combinados com as crescentes restrições de terra e água do planeta, são mudanças estruturais que beneficiarão o Brasil. Para ilustrar o potencial basta verificar que o consumo per capita de carne bovina na China é apenas 10% do observado no Brasil; de leite, 16%; de frango, 20%; e de açúcar, 21%.
Outro movimento importante é a mudança dos hábitos alimentares na direção do maior consumo de proteínas animais. Porém, em função das barreiras tarifárias e não tarifárias que dificultam nossas exportações para a Europa, os EUA e as grandes economias emergentes, infelizmente ainda não conseguimos aproveitar amplamente essa oportunidade. A China, por exemplo, vem abrindo cada vez mais o seu mercado para soja e milho, principais componentes das rações animais, mas mantém proteções cirúrgicas para carnes e lácteos. Em 2050 a produção chinesa vai representar apenas 38% do consumo doméstico de soja e 71% do de milho, movimento que tem impulsionado fortemente nossas exportações de grãos. Mas em aves e suínos a China aparentemente fará de tudo para manter sua autossuficiência alimentar.
É por isso que o agronegócio brasileiro, um dos únicos setores globais da economia brasileira, paga caro pela ausência de acordos comerciais do País com os grandes importadores. Nos últimos dez anos nossa política comercial ficou engessada pelos sucessivos impasses do Mercosul. Ficamos à margem e vamos sofrer importantes "desvios de comércio" com a consolidação de duas grandes alianças comerciais: a Parceria Transatlântica entre EUA e União Europeia (TTIP) e a Parceria Trans-Pacífico, entre EUA, Canadá, México, Peru, Chile e pelo menos seis países da Ásia e da Oceania (TPP).
Em suma, ao contrário de energia e minerais, a eventual queda de preços das commodities agropecuárias seria apenas um movimento conjuntural. Estruturalmente, o apetite global por produtos alimentares vai continuar mostrando muito vigor e beneficiando o Brasil. Mas nossos maiores desafios estão aqui dentro: redução de custos (já que não somos mais um país de custo baixo na agricultura), investimentos em logística, agilidade nas políticas de defesa sanitária e negociação de acordos comerciais com os grandes importadores mundiais de commodities.
*Marcos Sawaya Jank é sócio-diretor da Plataforma Agro (www.plataformaagro.com.br) e foi presidente da Unica. E-mail: marcos@jank.com.br

terça-feira, 26 de março de 2013

Apagao logistico e a soja que fica no caminho - Marcos Jank

Apagão Logístico – Crônica de uma morte anunciada
Marcos Sawaya Jank (*)
O Estado de S.Paulo, 26/03/2013

Volto hoje à carga a respeito do caos na logística de produtos agrícolas que vamos viver este ano. A gravidade da situação está perfeitamente ilustrada na fila de 25 quilômetros de caminhões na Rodovia Cônego Domênico Rangoni, esperando 70 horas para descarregar no Porto de Santos e infernizando também a vida dos que vão para o Guarujá ou para o Litoral Norte.

Não dá para dizer que esse caos seja uma surpresa conjuntural imprevisível. Nos últimos 12 anos a safra brasileira de grãos dobrou de tamanho, enquanto a logística praticamente nada mudou. O que estamos assistindo é à "crônica de uma morte anunciada", após duas décadas de descaso, legislação anacrônica, instalações precárias, burocracia infernal, reserva de mercado e corporativismo endêmico. Enquanto no Brasil o principal modal é o caminhão rodando milhares de quilômetros em estradas esburacadas (55% da distribuição de grãos), nos EUA, nosso maior concorrente, hidrovias construídas há mais de 80 anos nos Rios Mississippi, Missouri e outros respondem por 60% do transporte de grãos.

Hoje nosso maior gargalo está nos portos. A logística portuária começou mal este ano, com 27 dias parados por causa de chuvas - o carregamento dos navios é feito a céu aberto e qualquer indício de chuva interrompe a operação. Além disso, em decorrência da quebra da safra americana, o Brasil tornou-se o maior exportador mundial de milho - com 25 milhões de toneladas exportadas, ante 8,5 milhões na safra passada. Esse imenso volume de milho está atrasando os embarques de soja, que, por sua vez, vão afetar os embarques de açúcar a partir de abril e de milho-safrinha a partir de julho. Na semana passada a fila para carregar soja nos portos brasileiros superou 200 navios, 80 mais do que no mesmo período do ano passado.

De março a julho vamos ter de escoar 7,2 milhões de toneladas por mês de soja e milho pelos portos, valor 25% superior ao do mesmo período do ano passado. Não é difícil prever que esses quatro meses serão um caos, principalmente se chover demais, já que estaremos operando muito próximos da capacidade máxima dos portos. Outra agravante é a nova lei dos caminhoneiros - que determina paradas obrigatórias dos caminhões a cada quatro horas, com jornada máxima diária de 11 horas -, além da falta de caminhoneiros, estimada em 50 mil a 100 mil profissionais. Isso sem contar a deficiência de armazéns, uma vez que só conseguimos estocar 65% dos grãos produzidos no País. Ao contrário do que ocorre nos nossos principais competidores, no Brasil o caminhão tornou-se um "armazém sobre rodas", porque não tem onde colocar o produto e no auge da safra a única solução é a carreta na fila de espera para o porto.

A conclusão é que no curto prazo a única variável de ajuste possível serão novos aumentos de fretes, destruindo a rentabilidade dos produtores e dos traders. Dez anos atrás, o custo de frete no Brasil era duas vezes superior ao da Argentina e dos EUA. Este ano, numa visão otimista, será, no mínimo, quatro vezes superior (mais de US$ 100/t, ante cerca de US$ 25/t nos nossos concorrentes), chegando a ser cinco a sete vezes maior para as regiões mais distantes do Cerrado.

Não é de espantar, portanto, que um grande importador chinês tenha cancelado o carregamento de 33 navios de soja, trocando o suprimento brasileiro pelo da Argentina. Os chineses são extremamente oportunistas nessa hora e, obviamente, utilizam esse recurso para renegociar os seus contratos em melhores termos. Mas a culpa não é deles, é nossa!

A única solução para o caos logístico encontra-se no médio e longo prazos e se chama investimento maciço. Precisaríamos investir pelo menos R$ 40 bilhões no sistema portuário, montante quase três vezes maior que a soma prevista nos programas PAC-1 e PAC-2. Um dos caminhos mais importantes para isso seria a aprovação da Medida Provisória 595, a "Lei dos Portos", ora em tramitação no Congresso Nacional. No entanto, diversos itens do projeto ainda mostram fortes controvérsias entre os vários grupos de interesse envolvidos.

São eles: 1) A distinção entre os terminais dentro da área do "porto organizado" e os terminais de uso privado fora dela, incluindo a redefinição dos limites geográficos de cada porto, chamados de “poligonal”, um tema extremamente polêmico; 2) a redefinição das licitações para concessões ou arrendamentos, agora com base no critério de modicidade tarifária (maior movimentação com a menor tarifa); 3) o tratamento a ser dado aos terminais de uso privativo hoje existentes dentro de portos organizados, principalmente o dilema do encerramento versus prorrogação dos atuais contratos de arrendamento; 4) o fim da distinção entre movimentação de "carga própria" e "carga de terceiros" como elemento essencial para a exploração das instalações portuárias autorizadas; 5) a nova organização institucional dos portos e a redefinição do poder concedente nas concessões; 6) o compartilhamento de infraestruturas; e 7) o tratamento diferenciado para trabalhadores portuários.

O fato é que, no campo, fizemos muito bem a nossa lição de casa. A produtividade total dos fatores (terra, trabalho e capital) da agricultura brasileira é a que mais vem crescendo no mundo: 3,6% ao ano desde 2000. Mas a logística está destruindo tudo o que foi conquistado dentro das fazendas, não apenas no exemplo dos grãos, mas também do açúcar, das carnes e de outras commodities, hoje igualmente "engargaladas".

Infelizmente, temos de nos conformar com o fato de que o "apagão" da logística chegou. Neste momento, além de rezar para que ele não seja total, deveríamos concentrar-nos na aprovação urgente dos marcos regulatórios e dos investimentos necessários para escapar dessa calamidade. E isso ainda vai demorar alguns anos.

* Marcos Sawaya Jank é especialista em Agronegócio e Bioenergia. Foi presidente da UNICA e do ICONE. E-mail: marcos@jank.com.br

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Economia: tres posts ultra-pessimistas, helas - Estadao, esse jornalao derrotista

Coitados dos companheiros: parece que existe um complô, no PIG -- ou seja, o partido da imprensa golpista, esse monstro fantasmagórico que eles inventarem para não responder a acusações de malversações, corrupção, falcatruas e outros malfeitos, que são reais -- tendente a só publicar más noticias econômicas (já nem falo das contínuas denúncias de incompetências administrativas e falta de ética na política).
Mas, também o que podem fazer esses jornalões conservadores do PIG: inventar outros números, outros índices, quando os reais estão aí: baixo crescimento econômico, inflação em alta, déficits correntes e fiscais, introversão das políticas econômicas, protecionismo comercial aberto e ilegal, enfim, deterioração geral das condições econômicas, visíveis nas matérias e editoriais postadas abaixo...
Paulo Roberto de Almeida

Crise de produtividade

26 de fevereiro de 2013 | 2h 07
Editorial O Estado de S.Paulo
 
A economia brasileira está em crise e nenhuma bravata do governo mudará esse fato. Depois de dois anos de estagnação, o País continua incapaz de acompanhar o passo dos outros emergentes. Mesmo um resultado um pouco melhor em 2013 será insuficiente para o Brasil ganhar posições, de forma relevante, na corrida internacional. As autoridades tentam atribuir as dificuldades do País às condições externas, mas só convencem quem se dispõe a ser enganado. O fiasco brasileiro, por enquanto visível principalmente no baixo desempenho da indústria, reflete uma crise de eficiência produzida com ingredientes nacionais, a começar pelos graves equívocos da política econômica. O principal efeito da crise global foi evidenciar os pontos fracos do País em seu sistema produtivo.
Até agora, a indústria tem sido o setor mais afetado pela crise de eficiência. No ano passado, a produção física do setor encolheu 2,7%, enquanto a folha de pagamento médio aumentou 5,8%, o número de horas pagas caiu 1,9% e a produtividade recuou 0,8%. O custo da mão de obra, resultante da combinação desses fatores, cresceu 6,6% em 2012, segundo cálculos do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Foi a maior taxa em 11 anos, embora o pessoal ocupado tenha diminuído 1,4%.
O desempenho variou entre os 19 segmentos industriais considerados na pesquisa. Alguns conseguiram ganhos de produtividade, mas o custo do trabalho aumentou em 18 deles, reduzindo um poder de competição já em queda há alguns anos e sem perspectiva de recuperação a curto prazo. O desemprego no setor ainda é limitado, no entanto, porque o custo das demissões é alto e a reposição do pessoal será complicada, no quadro de escassez de mão de obra minimamente treinada ou passível de treinamento.
Com a queda de 2,7% no ano passado, depois de um crescimento de apenas 0,4% em 2011, a produção da indústria praticamente voltou ao nível de 2008, primeiro ano da crise internacional. Em 2010 a indústria havia aumentado 10,5%, mas havia diminuído 7,5% no ano anterior. A estagnação, portanto, já dura alguns anos. A paralisação das grandes economias e o baixo ritmo de expansão do comércio global tornaram mais dura a competição e deslocaram a indústria brasileira. A valorização do real sem dúvida agravou a situação, mas esse foi só um fator a mais.
A empresa brasileira já operava com desvantagens consideráveis, bem conhecidas e muito mais importantes. Mas o problema do câmbio - superestimado também por muitos empresários - deu ao governo um pretexto para descuidar das questões mais graves e esconder sua inépcia atrás da retórica inútil sobre a guerra cambial. Essa retórica se mantém, porque a instabilidade cambial continua e provavelmente continuará enquanto os bancos centrais do mundo rico sustentarem políticas monetárias frouxas. Nenhum deles mudará de rumo por causa dos protestos brasileiros.
Se cuidasse menos dessa questão e mais de outros desafios, muito mais importantes e passíveis de solução internamente, o governo daria uma boa contribuição para o desencalhe da economia nacional.
A presidente Dilma Rousseff e sua equipe conhecem pelo menos de nome esses problemas. Por isso decidiram no ano passado, com muito atraso, lançar um programa de investimento em logística. Têm tropeçado, no entanto, em detalhes tanto de formulação quanto de execução, por preconceitos ideológicos e por incompetência gerencial.
A direção, pelo menos, é correta. Mas repetem erros bem conhecidos. São incapazes de ir além de programas limitados e mal costurados de desoneração fiscal. Insistem nos estímulos ao consumo, quando os entraves estão do lado da produção. Falam em expansão do crédito, mas são incapazes de ir além das práticas de favorecimento a grupos e setores selecionados para lucrar e crescer. Ao mesmo tempo, o governo se atola em trapalhadas, intervindo na formação de preços, administrando índices em vez de combater as pressões inflacionárias e revelando uma assustadora tolerância à inflação. Diante dos resultados, como resistir à tentação de atribuir os males à tal guerra do câmbio?
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O Brasil fora das cadeias produtivas globais

Opinião, O Estado de S.Paulo, 26 de fevereiro de 2013
Rubens Barbosa *
Nem o governo nem o setor privado parecem perceber as transformações que ocorrem no comércio internacional, com profundas repercussões no Brasil. E os novos desafios são, em geral, minimizados pelos formuladores de decisão nos ministérios da área econômica e no Itamaraty.

O governo declara ter uma "política comercial cautelosa" por não querer abrir mão de seu projeto nacional de desenvolvimento e por julgar que, tendo uma indústria diversificada, o Brasil não se deve engajar nos acordos de cadeias produtivas, que levariam a alguma especialização no contexto produtivo.

O processo de globalização vem sofrendo modificações aceleradas, com a tendência de concentração da produção de manufaturas em poucos países e a fragmentação da produção de bens industriais. Nos últimos 20 anos, o comércio das cadeias produtivas (supply chain trade) vem crescendo gradualmente. Trata-se do intercâmbio de bens, investimentos, serviços e tecnologia associado às redes internacionais de produção, que combinam a inovação dos países desenvolvidos com salários baixos dos países em desenvolvimento.

No comércio das cadeias de suprimento, o investimento produtivo dos países desenvolvidos só vai ocorrer desde que certas regras e reformas que garantem a proteção dos bens tangíveis e intangíveis das empresas sejam adotadas pelos países emergentes e em desenvolvimento e caso haja integração da cadeia produtiva no intercâmbio global.

As redes de inovação-produção-comercialização encontram-se dispersas em empresas e países. A ampliação das cadeias produtivas globais e o crescente intercâmbio de partes e componentes está mudando a forma de tratar as trocas tradicionais de bens e serviços. A industrialização e a produção de manufaturas dependerá da participação dos países em desenvolvimento nessas cadeias produtivas de maior valor agregado. Ao ficar de fora do circuito das cadeias produtivas globais, a maioria dos países em desenvolvimento, o Brasil incluído, passa a concentrar suas exportações em commodities e suas exportações de manufaturados tornam-se cada vez mais reduzidas.

A incorporação das cadeias de produção global nos mega-acordos de livre-comércio, como o eventual acordo EUA-União Europeia, representa um desafio adicional, pois traz de volta preocupações geopolíticas para o comércio internacional. Considerações de política externa levam as duas regiões a tentar superar diferenças comerciais em função de interesses comuns para a prevalência de normas internacionais e valores e para a contenção da China.

O mundo está se multipolarizando rapidamente e a produção e as cadeias produtivas estão se multilateralizando. A crescente aceitação desse novo modelo de desenvolvimento pelos países asiáticos e alguns latino-americanos representa um grande desafio para os países emergentes como a China, a Índia, o Brasil e a Rússia, que relutam em aceitar a lógica dos atuais fluxos de investimento e do comércio.

A Organização Mundial do Comércio (OMC) procura regular e facilitar o intercâmbio tradicional - que diz respeito a bens produzidos num determinado país e vendidos em outro - com regras que dificultem ou eliminem as barreiras na fronteira (tarifas) e visem a penalizar a competição desleal (subsídios e dumping) com medidas compensatórias. As novas regras do comércio das cadeias produtivas começam a ser definidas de forma ad hoc nos acordos de comércio regional (como os dos EUA com países da Ásia e com a Europa), tratados bilaterais de comércio e de investimento (como os dos EUA e da Europa com a Coreia do Sul e com o países da América Latina) e por meio de reformas unilaterais dos países em desenvolvimento.

Os acordos regionais de livre-comércio (10 acordos dos EUA, 11 do Japão e 58 da União Europeia, segundo a OMC) registram 52 regras, das quais 38 não estão incorporadas à OMC; 14 tocam em disciplinas cobertas pelas regras da OMC, mas vão além delas (OMC plus); 12 das 52 regras estão presentes em 80% dos acordos firmados pelos EUA. A maioria das disposições legalmente obrigatórias são uma ampliação das regras existentes na OMC sobre propriedade intelectual (Trips), garantia de investimento (Trim), serviços, movimentos de capital e cooperação aduaneira.

A nova governança global, portanto, está sendo formada à margem das discussões multilaterais da OMC, com profundas consequências para os países em desenvolvimento.

O Brasil, sem estratégia de negociação comercial e com dificuldades para criar um mercado regional para seus produtos, integrados numa cadeia produtiva regional com os demais países, a exemplo do que ocorre na Ásia e na Europa, está cada vez mais isolado e dificilmente poderá beneficiar-se dessas novas tendências do comércio internacional. Os países que integram a Aliança do Pacífico - México, Chile, Colômbia e Peru - firmaram acordos com os EUA, com a Europa e com a China e estão inseridos no contexto dinâmico dos acordos regionais de livre-comércio. A fragmentação da produção e a exclusão das negociações externas começam a afetar o comércio externo brasileiro de manufaturas pela perda de sua competitividade e pela concorrência da China.

Se a política do governo Dilma Rousseff visando ao fortalecimento da indústria nacional der certo, sem o Brasil estar integrado ao dinâmico intercâmbio da cadeia produtiva global, o máximo que o País pode almejar no longo prazo é manter a produção industrial para o mercado interno com medidas protecionistas, para compensar a maior competitividade dos produtos importados.

O mundo não vai esperar o Brasil. Ou o Brasil recupera o tempo perdido e reformula a sua estratégia de negociação comercial externa, ou vai tornar-se cada vez mais isolado no mundo real do comércio global e de investimentos.

* Rubens Barbosa é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp.
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Rumo ao pior ano da logística agrícola

Opinião, O Estado de S.Paulo, 26 de fevereiro de 2013
Marcos Sawaya Jank *
Este ano o Brasil está colhendo a maior safra da sua História. Serão 185 milhões de toneladas (MT) de grãos e oleaginosas, 11% mais do que na safra anterior. Viramos o primeiro produtor (84 MT) e exportador (41 MT) mundial de soja. Também tomamos dos americanos a posição de primeiro exportador mundial de milho (25 MT, ante 23 MT dos EUA), um fato inédito e surpreendente que decorre da terrível seca que atingiu aquele país em meados do ano passado e provocou uma quebra de safra superior a 110 milhões de toneladas de grãos.

Em recente evento de que participei nos EUA, a principal questão não era saber a estimativa de quanto o Brasil vai produzir nesta safra, mas sim os volumes de soja e milho que serão efetivamente escoados através de nossos portos até o início da próxima safra americana. Ninguém mais tem dúvida de que o Brasil consegue responder rapidamente na produção. Basta dizer que só na soja ampliamos a área plantada em quase 3 milhões de hectares em apenas um ano. A segunda safra de milho - erroneamente chamada de "safrinha" e plantada após a colheita de soja no mesmo ano agrícola - superou a safra de verão em mais de 6 MT nos dois últimos anos. Trata-se de uma notável vantagem competitiva da agricultura tropical, que jamais vai ocorrer em países de clima temperado.

Acontece que em apenas um ano aumentamos a nossa exportação "potencial" de milho e soja em 18 milhões de toneladas, 36% mais do que na safra passada. Vale notar que o grosso da expansão de soja e milho se dá nos Estados de Mato Grosso, Goiás e Bahia, em áreas que se situam entre 1.000 e 2.300 km de distância dos portos. Se somarmos ainda as exportações de 25 MT de açúcar e a importação de 18 MT de matérias-primas para fertilizantes, não é de espantar que este ano assistiremos, passivos e apavorados, à maior asfixia na logística de granéis da nossa História!

Neste momento, as filas de navios para atracar nos Portos de Santos e de Paranaguá estão duas a três vezes maiores do que há um ano. Na última quinta-feira havia 82 navios esperando para carregar grãos no Porto de Paranaguá, ante 31 nesta mesma época do ano passado. Em Santos havia 59 navios, ante 29 há um ano. O custo médio de demurrage de um navio parado esperando carga é de US$ 30 mil por dia. Em seminário do Banco Itaú-BBA realizado na semana passada, operadores relataram que para evitar 45 dias de fila de espera em Paranaguá eles decidiram mandar os caminhões para o Porto de Rio Grande, onde as filas duram menos de dez dias. Ou seja, depois de rodar 2.300 km do norte de Mato Grosso até Paranaguá, a soja ainda tem de rodar outros 1.100 km para pegar uma "fila mais rápida" no Rio Grande do Sul. Uma verdadeira insanidade!

Para complicar ainda mais, a Lei 12.619, que restringe a jornada de trabalho dos caminhoneiros e o tempo de condução dos veículos, teve o efeito prático de "retirar" mais de 500 mil carretas das estradas. Os fretes de cargas já subiram entre 25% e 50% este ano. Além disso, o processo de votação da Medida Provisória n.º 595 - a chamada MP dos Portos, que propõe novas regras para a modernização destes - tem produzido uma sucessão de greves em escala nacional, que só tende a piorar com o avanço das negociações.

Essa situação calamitosa nos leva a pelo menos três reflexões importantes. A primeira delas, e mais óbvia, é a necessidade urgente de votar os novos marcos regulatórios que modernizariam a logística brasileira, particularmente a MP dos Portos. Apesar da calamidade nas estradas, da insuficiência histórica de ferrovias e hidrovias e da falta de armazéns (nossa capacidade de armazenagem equivale a 72% da safra de soja e milho, ante 133% nos EUA), o pior gargalo do País neste momento, de longe, são os portos. É hora de vencer a reserva de mercado, a burocracia e o corporativismo de um dos setores mais atrasados da economia brasileira.

A segunda é a necessidade urgente de viabilização sistêmica da nova logística do Norte do País, traduzida no escoamento pelos Portos de Itacoatiara (Rio Madeira), Santarém (Amazonas), Marabá (Tocantins), Miritituba (Teles Pires/Tapajós) e Vila do Conde (confluência do Amazonas e do Tocantins, no Pará), na conclusão da pavimentação das rodovias BR-163 e BR-158 e das Ferrovias de Integração Norte-Sul (FNS), Centro-Oeste (Fico), Oeste-Leste (Fiol) e Transnordestina. Basta dizer que 60% da produção de grãos se concentra nos cerrados, que serão beneficiados pela nova logística, mas só 14% dela é hoje escoada pelos portos do Norte e Nordeste. A viabilização dos novos corredores permitiria exportarmos com navios Capesize, que transportam 120 mil toneladas de grãos, o dobro da capacidade dos navios Panamax, hoje utilizados. Com a futura passagem desses navios pelo Canal do Panamá, em 2014, será possível reduzir em pelo menos 20% o frete marítimo para a China, que já responde por 40% da nossa exportação de grãos, além da redução potencial dos fretes terrestres, pelo uso de ferrovias e hidrovias.

A terceira reflexão tem que ver com o longo prazo. Precisamos estudar qual seria o melhor modelo de inserção do Brasil no agronegócio global do futuro. Hoje estamos engargalados num sistema ineficiente de transporte de soja e milho por caminhões, portos velhos e caros e navios pequenos. Milho e soja servem basicamente para produzir ração para bovinos, suínos e aves, que vão produzir a proteína animal consumida por países que estão do outro lado do planeta.

Num momento em que vários países constroem políticas comerciais mais agressivas - vide o anúncio do novo acordo EUA-União Europeia e a miríade de acordos asiáticos -, não seria a hora de repensar as nossas cadeias de suprimento, buscando explorar a combinação de maior eficiência e valor dos grãos, carnes e lácteos que serão demandados no futuro?

* Marcos Sawaya Jank é especialista em Agronegócio e Bioenergia, e foi presidente da Unica e do Icone. E-mail: marcos@junk.com.br.