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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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terça-feira, 30 de maio de 2017

Real - O Plano por Trás da História - Filme 2016 - breve avaliacao (PRA)

Fomos assistir, Carmen Lícia eu eu, o filme Real: o Plano Por Trás da História, do diretor Rodrigo Bittencourt, lançado no dia 25 de maio, tratando do lançamento e da defesa da nova (aliás ainda conosco) moeda, o Real, estrelado por Emílio Orciollo Neto (como Gustavo Franco), Bemvindo Sequeira (Itamar Franco), Norival Rizzo (FHC) e Tato Gabus Mendes.
O filme tem roteiro baseado no livro do jornalista Guilherme Fiuza, 3.000 dias no Bunker, que eu já havia resenhado em 2006, quando ele foi lançado, afirmando que ele tinha um jeito cinematográfico, mas não acreditando que um plano de estabilização pudesse fornecer matéria conveniente para um filme.
Vejam aqui a minha resenha desse livro:

http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/05/real-o-livro-de-guilherme-fiuza-antes.html

Minha opinião sobre o filme. Para entendê-lo bem é preciso um mínimo de conhecimento sobre como se desenvolveu a história econômica (e política) brasileira desde a redemocratização, com o furor inflacionista desencadeado desde o governo Sarney, e agravado nos dois governos seguintes.
Mas, um filme didaticamente adequado nesse sentido não seria um filme adequado ao grande público, onde emoções e paixões devem estar presentes para ser minimamente aceitável.
Os melhores atores deste filme são indubitavelmente Orciollo, que faz o protagonista principal, Gustavo Franco, e Sequeira, que mostra perfeitamente como Itamar era um presidente que nunca entendeu, realmente, como foi feito o Real, e por isso mesmo está fiel ao original (o único, aliás).
Lamento pelo papel desempenhado pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan, que aparece no filme numa postura indigna de seu grande papel durante todos os oito anos do governo FHC.
O próprio FHC não aparece muito bem no filme, mas isso não tem a menor importância.
O líder do PT é imaginado, muito mais articulado como deveria ter sido na realidade.
Com todas as suas qualidades e defeitos, recomendo, ainda assim, o filme, pois se trata do segundo plano mais importante do Brasil, depois do PAEG (1964-66), que foi ao mesmo tempo um plano de estabilização e de reformas econômicas e de retomada do crescimento.


 Um filme de Rodrigo Bittencourt com Emílio Orciollo Neto, Bemvindo Sequeira, Norival Rizzo, Tato Gabus Mendes.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Real: o livro de Guilherme Fiuza, antes de ser o roteiro de um filme - resenha de Paulo Roberto de Almeida

Ainda não reli, para verificar o que escrevi, mais de dez anos atrás, quando li o eletrizante livro do jornalista Guilherme Fiuza, autor deste livro (que já era um bom roteiro de filme) que serviu de base ao filme recém lançado nos cinemas.
Ainda não vi o filme, mas preciso achar o livro, entre milhares de outros em minha kit-biblioteca, para reler, antes de ver a obra filmada.


O bunker voador: a aventura eletrizante do Plano Real

Paulo Roberto de Almeida
  
Guilherme Fiuza:
3.000 dias no bunker: um plano na cabeça e um país na mão
Rio de Janeiro: Record, 2006, 331 p.; ISBN: 85-01-07342-3

Como o antigo refrigerante Grapette ou o atual achocolatado Nescau, este livro tem sabor de aventura. Uma aventura que se prolonga no tempo e que ainda não acabou. Marcos Sá Corrêa, na orelha, resume a trajetória do Plano Real: “Começa num governo desmiolado e sem rumo, o do presidente Itamar Franco. E não acabou ainda em outro governo desmiolado e sem rumo, o do presidente Lula”. O mesmo jornalista também registra que se trata de um livro de repórter, com nenhuma fórmula e muita intriga: “Tem pouco mercado e muito ringue de luta livre. Nenhuma tabela e rasteira de ponta a ponta”. Da maneira como está construído e redigido, o livro daria um bom filme, se planos de estabilização fornecessem roteiros interessantes para a sétima arte.
De fato, a reportagem de Guilherme Fiuza se aproxima mais de um roman à clefs do que de uma história linear do Plano Real, ao estilo, por exemplo, da Real História do Real, de Maria Clara do Prado. O jovem jornalista carioca do NoMínimo retraça, em estilo cinematográfico, as diferentes etapas da concepção, implementação e defesa da nova moeda, sem fazer, em nenhum momento, história monetária. São incursões propriamente teatrais aos episódios mais relevantes de um processo que transcendeu, na verdade, a simples introdução de um novo meio circulante no Brasil, para expor, de maneira viva, toda a trajetória macroeconômica do Brasil nas últimas décadas. Trata-se de uma inside story, que se insere numa great history, cujo cenário principal é dado pelo próprio substantivo que fornece o título ao livro: um bunker.
O conceito militar de bunker é, obviamente, o de uma posição ou posto defensivo, não necessariamente fortificado, mas isolado ou protegido dos ataques inimigos pela sua estrutura de aço e concreto, geralmente escondido ou subterrâneo. Meu adjetivo “voador” se deve a que a capa do livro é a de uma planície desolada com o perfil de Brasília ao fundo e um avião solitário num imenso céu em tonalidade ocre. O bunker a que se refere Fiuza foi de fato voador, ou móvel, e é aplicado à pequena equipe de valorosos combatentes da estabilidade macroeconômica que tomou forma a partir da assunção de FHC como ministro da Fazenda, em maio de 1993. “Como era uma metáfora”, explica o autor, “o bunker podia ser em qualquer lugar. E durante um bom tempo a equipe de Fernando Henrique trabalhou de forma totalmente subterrânea...” (p. 44).
O grupo se decompôs ao longo do tempo, mas seu legado, inegavelmente positivo, está conosco ainda hoje, sob a forma de uma economia menos esquizofrênica do que aquela que conhecemos ao longo das últimas décadas do século passado. Os economistas Pedro Malan, Gustavo Franco, Winston Fritsch, Edmar Bacha, André Lara Resende e Persio Arida, mais o administrador Clovis Carvalho foram os integrantes mais intimamente ligados ao poder político do novo ministro da Fazenda. Eles conceberam, implementaram e defenderam o novo plano de estabilização contra os ataques de vários exércitos inimigos, geralmente políticos fisiológicos, economistas românticos, sindicalistas corporativistas (mas isso é uma redundância) e industriais protecionistas.
Existem vários outros personagens, evidentemente, que interagiram a diversos títulos e em diferentes momentos com o bunker, dentre os quais poderiam ser citados: Sérgio Besserman Vianna, o “comunista” do BNDES convertido às virtudes de uma economia competitiva; Marcelo de Paiva Abreu, que entrou e saiu do governo Collor logo no primeiro dia, ao descobrir que o seu chefe de gabinete, já designado, era um homem de PC Farias; David Zylbersztajn, outro antigo comunista que aprendeu que o socialismo não funcionava e montou o esquema paulista das privatizações e o modelo federal das agências reguladoras; Murilo “Mãos de Tesoura” Portugal, o homem que fechou o caixa do Tesouro ao apetite voraz de gastadores contumazes; José Serra, que chegou, viu, mas não se convenceu, sobretudo pelo lado cambial; além de vários outros, economistas de passagem ou funcionários da burocracia permanente do Estado.
Ator central nessa trama, além de Pedro Malan – o mais longo ministro econômico da história do Brasil, com exceção de Souza Costa, que serviu à ditadura Vargas –, foi o jovem economista da PUC Gustavo Franco, sucessivamente Secretário Adjunto de Política Econômica, diretor de Assuntos Internacionais e presidente do BC. Estrategista econômico, articulador das principais medidas que estiveram na base do lançamento da URV, operador prático – e defensor corajoso – da nova moeda, Gustavo Franco representou, por assim dizer, a verdadeira alma do Plano Real, o que está refletido em seus muitos livros de ensaios e crônicas, desde O Plano Real e Outros Ensaios (1995), até o mais recente Crônicas da Convergência (2006), passando por O Desafio Brasileiro: ensaios sobre desenvolvimento, globalização e moeda (1999), além de várias outras contribuições a livros coletivos ou artigos em periódicos de grande tiragem.
Ademais de um gosto incomum pela história, para um economista, Gustavo Franco tem um dom também incomum para a polêmica e o debate de idéias, este, infelizmente, muito pouco cultivado no Brasil, reduzindo-se, na maior parte das vezes, a uma troca ácida de acusações entre os contendores. Conhece-se, aliás, no Brasil, a ofensiva invulgar deslanchada pelos economistas ditos desenvolvimentistas contra os fundamentos do plano de estabilização, que foi por eles equiparado a nada menos do que uma operação de rendição ideológica e de submissão prática aos ditames de Washington, aos cânones de neoliberalismo e a não se sabe qual, exatamente, das regras do chamado Consenso de Washington, tão desprezado quanto desconhecido nessas hostes. Fiuza reproduz parte da crítica de uma conhecida professora da USP, marxista, a um artigo de Gustavo Franco sobre as virtudes da abertura comercial para o crescimento econômico: ela parte do “capital mundializado” para condenar o “absoluto domínio do credo liberal”, entre outras bobagens. Franco, em resposta, perguntou apenas por que a professora estava tão zangada: ela “fala da ‘atual etapa do sistema capitalista’ com um verdadeiro nojo, como se estivesse segurando um rato nas mãos” (p. 214). Em outros artigos, ele não deixava de fustigar os “parnasianos” da Unicamp, com sua prosa rebuscada, plena de fetichismos e de financeirização.
Mas, esse é o lado prosaico, digamos assim, do combate diário pela sobrevivência da nova moeda, atacada à direita e à esquerda com igual desenvoltura e inacreditável insensibilidade em relação aos cofres públicos. Havia outros aspectos, preocupantes, da sabotagem, consubstanciada, justamente, na gastança generalizada das estatais e das agências públicas de modo geral. Fiuza relata o caso ocorrido com David Zylbersztajn, levado à direção da Eletropaulo: encontrou um fabuloso contrato com uma empresa de vigilância no qual cada hora de trabalho de um vigilante representava o inacreditável valor de 28 dólares. “O responsável explicou-lhe que, infelizmente, não existiam no mercado seguranças confiáveis por um valor inferior àquele. Zylbersztajn não prolongou a conversa: ‘— Não tem mais barato? Ok, então rescinde todos os contratos. Acabou a segurança. Por esse preço, prefiro o ladrão’” (p. 170).
O essencial da reportagem de Fiuza está voltado aos ataques especulativos ao real, no bojo das crises financeiras internacionais. Esses ataques tinham pouco a ver, no entanto, com alienígenas de Wall Street, como gosta de acreditar a esquerda, e sim com os espertos capitalistas nacionais, sempre prontos a arbitrar as pequenas diferenças de cotação no valor da moeda, como resultado das suas próprias operações concertadas. Gustavo Franco, atento ao jogo pesado desses brokers, comandou pessoalmente, das mesas de câmbio do BC, operações defensivas e ofensivas, dobrando o mercado com lances ousados e algumas táticas inesperadas. O real sobreviveu a esses ataques especulativos “clássicos”, mas não foi capaz de resistir a uma operação mais singela, consistindo na suspensão do pagamento, em janeiro de 1999, da dívida estadual de Minas Gerais, determinada pelo então governador, e ex-presidente, Itamar Franco: no espaço de poucos dias as reservas se tinham volatilizado, resultando na saída de Gustavo Franco da direção do BC e na própria mudança do regime cambial. Vários lances dramáticos desses dias estão perfeitamente reconstituídos no livro de Fiuza, numa espécie de crônica dos eventos correntes em tempo real. 
Ainda segundo a orelha, 3.000 dias no bunker foi escrito em três meses, quase sempre de madrugada, às vezes virando a noite. Acredito: eu também passei uma madrugada inteira lendo este livro, sem o largar um minuto, com a boca seca e os olhos piscando, impossível largar. A história é muito importante: ela fala do nosso país, como ele foi reconstruído em sua dignidade monetária, que há muito tinha deixado de existir. E não se trata de história documental, insossa, em economês ou juridiquês: é uma história real do real, feita por homens em carne e osso, idéias e sentimentos, conquistas e frustrações. Uma história que estava esperando ser contada.
Poucos sabem, por exemplo, que a inspiração para a URV foi retirada por Gustavo Franco da experiência do rentenmark, a moeda indexada com a qual o “mago das finanças” Hjalmar Schacht salvou a Alemanha da hiperinflação nos anos 1920. Fiuza conseguiu traduzir muito bem os sentimentos do enfant terrible do BC na concepção, montagem e defesa da nova moeda brasileira. Sua obra, o real, ainda está de pé. Seus inimigos de outrora devem a ele o atual sucesso eleitoral. Uma simples palavra de agradecimento, por essa obra de estadista, não seria descabida. Este livro dá todas as razões para esse beau geste...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 dezembro 2006

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

O Real vai continuar caindo, diz o Financial Times

Brazil's real: how low can it go?
Joe Leahy and John Paul Rathbone
Financial Times, February 8, 2016

Currency has further to fall given the state of the economy, analysts say
When Dilma Rousseff attended the 2016 opening session of Brazil's congress this week, she appealed to lawmakers to approve tax increases to tackle a widening gap in the country's public finances.
Most critically, the president called for the reintroduction of a tax on financial transactions, known as the CPMF, that was abandoned in 2007 after objections from business. Opposition congressmen booed her.
But with Brazil reporting a budget deficit last year that was the biggest among emerging economies except for Saudi Arabia at over 10 per cent, unpopular measures are needed to save the country from a deepening fiscal hole, analysts say.
Indeed, some economists argue that given Brazil's growing political and budget crises, its currency, the real, should be trading at closer to R$5 against the dollar than today's level of around R$4. Only intervention by the central bank with its large reserves and Brazil's high interest rates are keeping hedge funds at bay, they say.
"Most of us think that if it were just based on fundamentals, the real should be closer to R$5 to the dollar not R$4," said a senior banker with a foreign institution in São Paulo.
Ms Rousseff made a rare appearance in congress because she will need all the support she can get in 2016. Not only is the economy heading into its worst recession in more than a century but lawmakers will resume an impeachment process against her after the annual carnival festivities end next week.
A central bank survey of economists shows most predicting gross domestic product will contract by more than 3 per cent this year, compounding what is expected to have been a more than 3 per cent fall in 2015. They are also forecasting inflation of 7.3 per cent, above the central bank's target range of 4.5 per cent plus or minus 2 percentage points and carrying on from last year's blowout rise in prices of 10.7 per cent.
The survey also shows economists predicting the real will end the year at R$4.35 to the dollar compared with about R$3.90 on Wednesday.
However, even though a rate of R$4.35 would be a record nominal low for the currency, it could have much further to fall, economists say. In spite of the much more negative economic situation today, Brazil's currency remains stronger against the dollar in real terms than when it last hit record lows in 2002. At that time, the currency was struck by pessimism over the election of a leftwing firebrand president, Luiz Inácio Lula da Silva, who later turned out to be more market-friendly than expected.
On a real effective exchange rate basis, the real today is trading at about 15-25 per cent below its historical average while in 2002 it fell as much as 50 per cent below its average. Indeed, the currency's "equilibrium" - the level at which it would represent fair value in real terms - would be R$5.45 if it were allowed to float without intervention, said Marcos Casarin, economist with Oxford Economics.
"This [R$5.45 to the dollar] is where the model says OK now your external adjustment is done and now this rate will ensure you have some capacity for your export industry to be competitive in external markets," Mr Casarin said.
This fact has not been lost on hedge fund managers. Just before the Christmas break, Brazilian hedge fund, Verde Asset Management, led by Luis Stulhberger, known for his long history of market outperformance, said in a report it saw the currency as overvalued.
"The time will come to have much higher exposure in US dollars [versus the real]," Verde said. "We remain very attentive."
The obstacle facing hedge funds is the prospect of central bank intervention to defend the currency. Brazil has one of the largest foreign exchange reserves in the world at about $369bn. Betting against the real by going short is also expensive given Brazil's high interest rates, with the central bank's benchmark Selic rate at 14.25 per cent.
"I think it [the real] will be held back by central bank intervention and also by those fat interest rates they offer, which discourage shorting of the real," said Mr Casarin of Oxford Economics.
Another factor potentially helping the real is a collapse in trade, with imports contracting faster than exports in recent months. This has generated a positive trade balance - a factor that could curb depreciation of the Brazilian currency, Nomura said in a report.
However, most analysts say that even if the real can withstand Brazil's internal problems, it is extremely vulnerable to an external event, such as a significant devaluation of the renminbi. China is one of Brazil's most important trading partners. Such a shock could open the currency up for attack.
"There are a lot of mines along the way, external and internal, so the real, as much as it has moved down, probably hasn't seen its bottom yet," said Jorge Mariscal, emerging markets chief investment officer with UBS Wealth Management.