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quarta-feira, 22 de abril de 2015

O Brasil e a agenda economica internacional 2: como se insere o Brasil? - Paulo Roberto de Almeida



O Brasil e a agenda econômica internacional: como o Brasil se insere no cenário mundial, agora e no futuro próximo? , por Paulo Roberto de Almeida


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O Brasil, como qualquer outro país, precisa estar sempre atento à evolução – ou seja, às transformações, às mudanças – do cenário internacional, em especial na área econômica, para definir, fixar, manter ou reorientar, pelo menos tentativamente, suas grandes opções de inserção ou atuação nesse cenário, em função de uma visão própria que possa ter dos desafios colocados a ele – como economia, como nação – e dos instrumentos de que dispõe para retirar as melhores vantagens desse ambiente cambiante, por vezes surpreendente, que é o cenário internacional ou regional.
Estar atento significar, em primeiro lugar, ter um responsável primeiro e último pelos destinos do país – nosso rei supostamente republicano, eleito, ou reeleito, a cada quatro anos (mas já tivemos por prazos maiores, sem reeleição, alguns que até se prolongaram indevidamente) –, um mandatário dotado de poderes legítimos e cercado de assessores próximos, em especial na área econômica e nas relações exteriores. Estes não devem ser apenas as antenas e os conselheiros de confiança do dirigente oficial, mas também chefes de equipe comandando assistentes competentes. Esse trabalho de prospecção, de diagnóstico, de previsão e de prescrição quanto ao que deve ser feito, ou seja, de políticas públicas, deve ser conduzido de maneira constante e meticulosa, praticamente o tempo todo. Estas são tarefas básicas de qualquer governo que se pretenda responsável pelos destinos da nação, ao assumir temporariamente as rédeas do Estado. Nas democracias de mercado, funcionando segundo o sistema representativo, são os partidos que disputam as preferências dos eleitores para exercer essas funções.
As tarefas da governança já foram discutidas ao longo dos séculos, de diversas formas, desde Aristóteles e suas descrições do corpo estatal e dos regimes políticos, passando por Maquiavel, e suas recomendações sinceras e brutais sobre como se deve conquistar, manter e monopolizar o poder sobre os homens, até os cientistas políticos funcionalistas da atualidade, em geral americanos. Estes últimos já tabularam todas as correlações existentes e possíveis entre os poderes, os agentes e suas motivações, por meio de elegantes curvas de regressão sobre os processos decisórios, tudo isso complementado por análises sobre a eficiência das instituições e suas ramificações.
Não é o caso, portanto, de retomar aqui esses princípios gerais, e sim de examinar como o Brasil se insere no cenário internacional, o atual, o do passado recente, e o de um provável futuro, para estabelecer algumas constatações muito simples, sobre como temos reagido, ou como temos suportado o cenário mundial e seus desdobramentos regionais. Nesta quesito, pode-se deixar de lado a conjuntura imediata e passar a examinar as tendências de médio e longo prazo, para aferir como o Brasil vem se adequando, se ajustando, se adaptando às mudanças no cenário internacional, em especial o econômico, uma vez que não se espera que ele consiga moldar esse cenário, um empreendimento que atualmente foge ao alcance mesma das maiores potências econômicas. Hipoteticamente, EUA e China seriam capazes de, agindo conjuntamente, influenciar decisivamente a economia política e os dados econômicos do atual cenário, mas essa perspectiva não é nem plausível, nem possível, por uma série de razões que caberia tratar em análise específica.
Vamos nos concentrar, portanto, no caso do Brasil, e a principal pergunta que deve ser feita a este respeito seria esta: estaria o Brasil bem inserido na região e no mundo, seus estadistas – se ele os possui – têm controle sobre os vetores principais de nossa inserção, eles têm, ao menos, consciência sobre os principais desafios que enfrentamos e os grandes problemas que precisamos superar para nos tornarmos não apenas uma nação mais próspera, mas também mais participante dessa coisa chamada comunidade mundial? Resumido: como o país trata, sofre ou “negocia” com o atual cenário internacional?
Vamos por partes, seguindo, para tanto, o roteiro delineado nas perguntas acima enunciadas. A primeira tem a ver com a nossa região, a mais suscetível de ser “influenciada” por esse gigante que faz metade do continente, nas suas diversas dimensões: demográfica, econômica, territorial, industrial, talvez científica e, ainda talvez, tecnologicamente (seria preciso compulsar estatísticas relativas a produção de artigos científicos, registro de patentes, produção industrial, mas vamos supor, para fins deste exercício, que o Brasil represente aproximadamente a metade do potencial sul-americano). A pergunta é, portanto: o Brasil está bem inserido na região?
Quem observa os movimentos diplomáticos, os fluxos de comércio de bens e de serviços, os investimentos diretos, os empréstimos realizados e, sobretudo, as ações diplomáticas e as iniciativas tomadas nos últimos cinco anos (este é o prazo médio das conjunturas econômicas) tem a impressão que o Brasil tem, sim, algum peso na região, e algum grau de influência sobre certos países, talvez mais por inércia do passado do que propriamente por indução ou capacidade de atuação deliberadamente direcionada. A despeito de contar com um grande banco que realiza operações externas, de manter um fluxo regular de intercâmbios econômicos dentro da região, é um fato que o Brasil vem perdendo espaços no continente, não apenas em favor da China – o grande ator emergente não só nesta região, como em quase todos os cenários continentais – mas também como resultado de iniciativas independentes adotadas por outros países, mesmo sendo parceiros relevantes.
O grande vetor da construção de um espaço econômico integrado na América do Sul, como tal pensado desde sua concepção, deveria ser o Mercosul, um projeto de mercado comum – enfim, fiquemos na união aduaneira, que deveria ser pelo menos completa e acabada, mas leva o nome de “incompleta” há mais de vinte anos – que tinha vocação a ser o núcleo organizador de uma rede regional de acordos de liberalização comercial (nas suas diversas modalidades operacionais) e podendo servir de base para o que foi chamado, uma vez, de Alcsa, a Área de Livre Comércio Sul-Americana, em lugar de aderir ao projeto americano da Alca (consoante nossa indisfarçável rejeição a qualquer projeto que tivesse os EUA como centro, isso em qualquer governo, mesmo um “neoliberal”). Ora, não é preciso ser nenhum gênio da análise política e econômica, ou dispor de uma central de informações, para constatar que o Mercosul é, hoje, uma sombra do que foi, um esquema quase moribundo de trocas comerciais, no qual os grandes parceiros parecem ter abdicado de sequer fazer menção aos objetivos sempre inconclusos (e cada vez mais distantes) do artigo 1o. do Tratado de Assunção, cada vez que se reúnem para exercícios repetidos de retórica vazia.
O outro grande esquema favorecido em 2004 pelo Brasil, a Comunidade Sul-Americana de Nações, e que deveria ter sede no Rio de Janeiro – mas depois convertida em Unasul, com sede em Quito, por manobras do ex-caudilho da Venezuela – tornou-se praticamente um instrumento de fácil manipulação pelos países ditos bolivarianos, e não é capaz de sequer observar sua própria cláusula democrática ante situações de clara, e grave, deterioração da democracia num dos maiores membros da organização. Não se pode dizer, tampouco, que o Brasil possua alavancas próprias que possam fazer com que essa entidade sirva, pelo menos, para cumprir seu outro objetivo estatutário, que são projetos de integração física no continente. Não se tem notícia de nenhum grande empreendimento que tenha resultado do planejamento ou da ação da Unasul, embora tenham sido criadas diversas novas entidades – inclusive uma supostamente de defesa – que todas tem o objetivo implícito de retirar os países da área de influência dos EUA.
Se essa diminuição de estatura e de influência ocorre no plano regional, não parece claro que o panorama seja mais positivo no plano mundial, não necessariamente universal, mas o do mundo que pode receber impulsos relevantes por parte do Brasil. Esse mundo é o do Ibas (com Índia e África do Sul), o do Brics, juntando mais a Rússia e a gigantesca China (que sozinha faz mais da metade de tudo o que representa o Brics), o de alguns países africanos de expressão portuguesa – onde existe algum espaço para a cooperação bilateral e plurilateral no âmbito da CPLP – e, talvez, o “mundo” do G20, em princípio comprometido com a coordenação de políticas econômicas em escala global, mas que aparece cada vez como mero esforço de coreografia para discursos bem intencionados dos principais líderes mundiais, sem grandes consequências práticas. Em todos esses cenáculos o Brasil aparece com um discurso em favor da “democratização das relações internacionais”, que é o slogan politicamente correto para sua reivindicação de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas que não parece dispor de apoios suficientes atualmente (sequer dentro do próprio Brics) para se concretizar no futuro previsível.
Durante muito tempo, desde o início da década passada, o Brasil – ou, para ser mais exato, sua direção política – insistiu numa tal de diplomacia Sul-Sul, como sendo o vetor privilegiado de sua inserção internacional, e assim foi feito e agitado, nos vários continentes daquilo que outrora se chamava de Terceiro Mundo. Não se tem um balanço honesto, independente, de como essa diplomacia com nítido determinismo geográfico conseguiu, realmente, realçar a capacidade de influência do país no mundo, ou de como isso reforçou nossa presença econômica nas diversas interfaces de relacionamento no plano externo, em especial no campo econômico. O Brasil continua a exibir a mesma modesta participação no comercio internacional – pouco mais de 1% desde sempre – e se situa num patamar inferior – menos de 50% da média mundial – em termos de coeficiente de abertura externa, o que é um resultado inteiramente determinado por nossa própria política econômica, em especial a comercial e a industrial.
Para sermos absolutamente sinceros, e precisos no diagnóstico, é importante reconhecer que todos os nossos problemas – esses que impedem uma maior presença e participação, e capacidade de influência do Brasil nos assuntos regionais e mundiais – derivam de causas essencialmente internas, e de nenhuma maneira se devem a um ambiente hostil no plano externo ou a uma hipotética “crise internacional”. Enquanto os estadistas – se os há, como já questionado – nacionais não forem capazes de equacionar, com realismo, a origem dos nossos problemas, e eles são todos de natureza interna, o país vai ter dificuldades em empreender as reformas necessárias para ter uma maior capacidade de inserção internacional e de influenciar a agenda econômica mundial.
A realidade atual, sem qualquer disfarce ou desculpa, é esta aqui: o Brasil não possui nenhuma grande estratégia de inserção global, pelo menos uma que se desdobre em ações concretas, para além dos discursos meramente retóricos com que dirigentes e ministros enganam a si mesmos, e tentam enganar os demais, nos cenáculos abertos ao engenho e arte de nossa diplomacia. Se existem alguns projetos parciais – que vão sendo desenhados pela proverbial excelência de nossa diplomacia, se ela de fato existe – eles vão se adaptando aos desafios de cada momento, como podem ser as questões do meio ambiente, da segurança na internet, das negociações comerciais multilaterais e de alguns poucos outros temas nos quais os profissionais da diplomacia conseguem se elevar acima da introversão também proverbial de nossa burocracia governamental.
Na verdade, os desafios brasileiros, como já afirmado, são basicamente internos, e o mundo tem sido leniente, bastante generoso para com o Brasil; o comércio mundial, a despeito da “reprimarização” da economia brasileira, tem permitido saldos positivos nos terrenos em que somos competitivos. Se não conseguimos fazer mais, foi porque uma política econômica totalmente equivocada retirou competitividade das empresas brasileiras vinculadas ao comércio exterior. No plano das finanças globais, não se pode dizer que o mundo esteja carente de capitais, e o Brasil não precisaria, de nenhuma forma, aderir a bancos ad hoc – Banco del Sur, Banco dos Brics (NDB), ou o novo banco asiático de investimento em infraestrutura – para poder atrair todos os capitais de que necessita para impulsionar seus próprios projetos de desenvolvimento.
Quando não existe confiança na qualidade da política econômica, pode-se cair rapidamente numa fuga de capitais, o que leva inevitavelmente a uma desvalorização cambial, um cenário já bem conhecido pelo Brasil e outros países latino-americanos. O que se observa na conjuntura recente, são ajustes erráticos tanto no plano das contas internas – um ajuste fiscal feito de mais impostos e encargos – quanto no plano das transações correntes, infelizmente na direção de mais protecionismo. Os investimentos diretos, que já colocaram o Brasil nos primeiros lugares do ranking nos últimos anos, podem se retrair progressivamente, à medida em que se confirme a retração – a palavra correta é recessão – da economia interna e a morosidade na região.
O mais relevante, porém, deriva de uma inacreditável característica da psicologia nacional, traço ainda mais reforçado depois de uma década e meia de dominação de uma vertente do keynesianismo rústico que vigora ainda na América Latina, a que transforma medidas anticíclicas típicas de conjunturas emergenciais em políticas  de desenvolvimento: os brasileiros, em geral, aderem a um tipo de nacionalismo canhestro que os faz ser receptivos ao capital estrangeiro, mas profundamente adversos ao capitalista estrangeiro, o que parece ser esquizofrênico. É esse tipo de crença que sustenta medidas de preferência nacional, leis de conteúdo local, exclusões reiteradas a investimentos estrangeiros em determinados setores e históricos controles de capitais e de transações cambiais. Não há perspectiva, na atual conjuntura, que esse tipo de mentalidade possa reverter no futuro próximo.
O Brasil tem condições de se projetar de maneira mais afirmada nos cenários econômicos e diplomáticos  mundiais? Talvez, mas muito depende, de um lado, de reformas internas que possa ser capazes de apoiar um processo dinâmico e sustentado de crescimento e de participação nos intercâmbios globais e, do outro, do surgimento de lideranças políticas que se alcem à condição de estadistas responsáveis, uma hipótese aparentemente distante na presente conjuntura. Em conclusão: a despeito de sua presença relativamente importante entre as grandes economias do mundo, o Brasil exibe uma capacidade limitada de influenciar o cenário internacional, seja pela via econômica, seja pela via diplomática. Sem ser irrelevante, o Brasil carece de maiores alavancas materiais ou políticas para construir uma força própria no plano global.

Este é o segundo de uma série de quatro artigos. Os próximos serão os seguintes: 
  • Como e qual seria uma (ou a) agenda ideal para o Brasil?
  • O que o Brasil deveria exatamente fazer para maximizar a “sua” agenda?
Leia o primeiro artigo da série: 
Paulo Roberto de Almeida é diplomata e professor do Centro Universitário de Brasília – Uniceub (@pauloalmeida53).

quarta-feira, 15 de abril de 2015

O Brasil e a agenda economica internacional: cenario atual - Paulo Roberto de Almeida

Ficha do mais recente trabalho publicado:
2807. “O Brasil e a agenda econômica internacional, 1: como se apresenta o cenário econômico internacional da atualidade?”, Hartford, 6 abril 2015, 4 p. Análise da situação econômica atual do mundo, em preparação para a discussão da posição e dos desafios para o Brasil. Mundorama (15/04/2015; link). Relação de Publicados n. 1172. 
Para outros artigos meus em Mundorama, ver: http://mundorama.net/?s=Paulo+Roberto+de+Almeida+
Paulo Roberto de Almeida  

O Brasil e a agenda econômica internacional: Como se apresenta o cenário econômico internacional da atualidade?, por Paulo Roberto de Almeida


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Depois de oito anos de deslanchada a crise imobiliária e bancária nos Estados Unidos, da qual eles se recuperam lenta mas seguramente, os demais países avançados (o Japão certamente, os países europeus em ritmo mais diversificado) continuam a trilhar o caminho da superação dos piores problemas acumulados na passagem da década, mas ainda no baixo crescimento e enfrentando a tradicional irresolução de políticos timoratos em conduzir um programa consistente de reformas estruturais. O mundo só não está pior porque uma parte das economias emergentes dinâmicas serve de motor limitado para a economia global. Aquela expectativa de que, funcionando de maneira simbiótica, EUA e China poderiam representar uma poderosa locomotiva de expansão contínua do comércio e dos investimentos internacionais não se confirmou, e a própria China parece acumular alguns desequilíbrios – nas áreas financeira e imobiliária justamente – que podem prolongar a atual lentidão na retomada de um ritmo mais sustentado da economia global.
Todos os países desenvolvidos podem ter exagerado nas medidas de “estímulo econômico” – ou seja, a velha injeção keynesiana de liquidez nos mercados – e de incentivo ao investimento – reduzindo as taxas de juros a praticamente zero, quando não são negativas em alguns – o que promete continuar desestimulando a poupança e agregar aos níveis já altos, até exagerados, de endividamento público. O consolo é que o custo dessas dívidas ainda é relativamente baixo, mas o retorno a condições normais de juros, combinado ao declínio demográfico em vários deles, não augura um futuro brilhante para a atual geração de entrantes no mercado e suas respectivas aposentadorias.
Uma eventual recessão na China – aparentemente improvável, mas não de todo impossível, ou descartável – pode piorar, e bastante, o cenário de médio prazo para os países que se tornaram parceiros comerciais privilegiados, em especial os exportadores de produtos primários da África e da América Latina, que se beneficiaram bastante bem do boom das commodities dos anos fastos, quando a China absorvia entre um quarto e um terço de várias mercadorias e insumos de base. O Brasil – o governo Lula em especial – foi um desses felizardos que se locupletaram de dólares com a soja a 600 dólares e o minério de ferro a 200 dólares a tonelada; ao que parece, esse tempo já passou, embora os preços dos agrícolas e das carnes não tenham declinado para profundezas tão tenebrosas quanto as dos fósseis e de alguns metálicos. Em todo caso, o mundo pode se beneficiar do petróleo barato e da nova demanda de manufaturados por parte das novas “classes médias” pipocando aqui e ali em diversos continentes (alô Apple, alô Samsung!).
No terreno do comércio internacional, as perspectivas não são entusiasmantes: as negociações da Rodada Doha estão em crise, seus resultados até aqui foram mais do que decepcionantes e não se vislumbra sua conclusão próxima ou mesmo hipotética, muito embora se tenha registrado a preservação do básico, que é um respeito mínimo pelas regras multilaterais, com salvaguardas e antidumping registrando estatísticas mais ou menos “normais” (com exceção de alguns recalcitrantes e protecionistas renitentes, como pode ser o caso aqui mesmo na América Latina); mas, pela primeira vez em décadas, a taxa de crescimento do comércio mundial fica abaixo da expansão do produto, ainda que com grandes desigualdades regionais (na Ásia Pacífico, por exemplo, a expansão comercial se mantém em ritmo razoável dentro da própria região).
No terreno das finanças e das moedas não se registraram as catástrofes que alguns profetas do apocalipse do passado – o da repetição da Grande Depressão dos anos 1930 – tinham anunciado quando das crises bancárias de 2008 e 2009, mas vários economistas falam da atual Grande Recessão com um prazer quase mórbido. Tensões e conflitos localizados se manifestam aqui e ali, a descoordenação é garantida nas políticas macroeconômicas dos integrantes do G20, mas não se tem mais a acrimônia de uma suposta “guerra cambial” do yuan contra as principais moedas ocidentais; aqueles que falavam de “tsunami financeiro” se preocupam agora com a retração dos fluxos de dinheiro fácil que, jorrando, alimentavam alguns belos déficits de transações correntes aqui e ali (não é keynesianos de botequim de conhecidos países equilibristas bêbados?).
Nos principais países desenvolvidos se observa, nesse capítulo, a continuidade da livre movimentação de capitais, com os controles esperados nos emergentes, e com as paridades cambiais evoluindo gradualmente, embora surpresas desagradáveis não sejam de se descartar (o tango dólar-euro é um dos mais interessantes). A inflação baixa está garantida nos principais países responsáveis, e só malucos localizados conhecem taxas a dois dígitos (mas esses são casos terminais de esquizofrenia econômica); inovadores monetários – como alguns que achavam que uma expansão irrefletida do crédito poderia sustentar um boom de consumo e de investimentos – se encontram hoje em maus lençóis, tendo de suportar greves e o descontentamento dessa classe média alimentada na ilusão do crediário “sem juros”. Aprendizes de feiticeiros econômicos acabam aprendendo da pior maneira, tendo de administrar a velha conhecida estagflação, ou seja, a combinação da estagnação econômica, com baixo crescimento e alto desemprego e uma inflação persistente, como tinha sido o caso nas principais economias avançadas pós-choques do petróleo dos anos 1970. Seria agora a vez do Brasil?
Keynes deve ter escrito em algum lugar que nunca se é profeta duas vezes, mas tem gente que não lê nem orelhas dos manuais econômicos, quanto mais as obras completas do mais irreverente professor de Cambridge. Seus atuais seguidores de araque se contentam com as platitudes neo-Prebischianas de um coreano da mesma universidade, que também acha que existe um complô dos ricos contra os pobres, aqueles chutando a escada pela qual deveriam subir os novos desenvolvimentistas. Alguns até continuam repetindo as mesmas bobagens dos anos 1990 contra o Consenso de Washington, como se essas simples regras de bom senso reformista tivessem algo a ver com as agruras passadas ou com as angustias presentes dos neo-estagnacionistas.
A despeito de todos esses percalços, o regime econômico multilateral se mantém mais ou menos intacto, tal como concebido em Bretton Woods mais de setenta anos atrás e reformado aqui e ali com remendos de ocasião por quem podia fazê-los. Outros países se contentam em absorver os choques e aproveitam para dar continuidade às mesmas políticas oportunistas que foram as suas nas fases de industrialização triunfante, o que de toda forma lhes assegurou certo aumento no bolo da interdependência global. Alguns certamente avançaram, como os emergentes da Ásia Pacífico, bem mais, em todo caso, do que os saudosistas da América Latina, que parecem não sair do lugar, ou retroceder.
No terreno da segurança, que também tem impactos econômicos, em lugar da diminuição gradual dos focos de tensão entre as grandes potências, observa-se o que alguns chamam de retorno à Guerra Fria, não se sabe se como farsa, ou se como simples sobressaltos de suspiros imperiais, na antiga periferia soviética. O Oriente Médio nunca decepciona em confirmar as piores expectativas que sempre marcaram aquela região, com o longo impasse entre Israel e Palestina, e os novos problemas do fundamentalismo islâmico agora convertido em califado expansionista e guerreiro. Com isso, o rebrote de tensões e de conflitos civis ou inter-religiosos, em estados semifalidos (ou por completo, como parece ser o caso da Síria e do Iêmen) promete dar continuidade a velhos problemas de pobreza, de miséria e de desesperança em sociedades já de ordinário martirizadas – se o termo se aplica – por intratáveis contradições entre a manutenção da tradição e as explosões de modernidade na população juvenil e conectada.
No meio ambiente, finalmente, os compromissos são frágeis, as reconversões são difíceis e todos os atores prefeririam ter os custos da adaptação transferidos, segundo os casos, para os mais ricos, para os emergentes, para os poluidores históricos, para os novos poluidores, para os destruidores de florestas, etc. Se e quando alguns acordos forem ratificados, eles já estarão superados pelos esforços adaptativos dos agentes primários da globalização ambiental, que são as empresas de consumo de massa, no caso pressionadas pela opinião pública (atuando mais em função do politicamente correto do que de sólidos princípios econômicos relativos a preços de mercados de bens escassos).
Alguma esperança nisso tudo? Talvez. Afinal de contas, o novo papa, que parece ser peronista em economia, promete ao menos fazer um aggiornamento necessário nos “costumes” da sua Igreja e continuar o diálogo com as outras comunidades de fé, o que talvez suscite algum avanço por parte de certos representantes do Islã no sentido de dar início a um também necessário trabalho de exegese da palavra do profeta. Nunca é demais esperar um pouco de racionalidade da raça humana. Mas não façam apostas…

Este é o primeiro de uma série de quatro artigos. Os próximos serão os seguintes: 
  • Como o Brasil se insere nesse cenário, agora e no futuro próximo?
  • Como e qual seria uma (ou a) agenda ideal para o Brasil?
  • O que o Brasil deveria exatamente fazer para maximizar a “sua” agenda?
Paulo Roberto de Almeida é diplomata e professor do Centro Universitário de Brasília – Uniceub (@pauloalmeida53).

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Brasil: agenda econômica em debate - CINDES, 5 anos (RJ, 10/06/2011)

Brasil: agenda econômica em debate

Na comemoração dos seus cinco anos, o Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes) realizará, no próximo dia 10, o seminário "A agenda econômica internacional do Brasil - desafios para os próximos anos".

O evento será realizado no Rio de Janeiro e contará com a presença de especialistas brasileiros e estrangeiros. Os debates abordarão o posicionamento do Brasil frente à agenda econômica internacional e os desafios para a competitividade brasileira impostos pelas novas tendências do comércio internacional.

Participarão do seminário os seguintes especialistas: Marcelo de Paiva Abreu (PUC); Eduardo Viola (UNB); Pedro da Motta Veiga (CINDES); Paulo Roberto de Almeida (UniCEUB); Régis Avanthay (OECD Development Center); Lia Valls (FGV-RIO); Emb. Valdemar Carneiro Leão (MRE); Mauricio Mesquita Moreira (BID), Daniel Lederman (Banco Mundial); José Guilherme Reis (Banco Mundial); José Roberto Mendonça de Barros (MB Associados); José Augusto Fernandes (CNI).

Confira aqui a agenda do evento e informações sobre inscrições.