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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sexta-feira, 1 de junho de 2018

O Brasil e a agenda economica internacional - Paulo Roberto de Almeida

Redescubro agora, num momento de novos balanços e projetos para o futuro, um conjunto de quatro artigos que elaborei sobre a agenda econômica externa do Brasil, que talvez ainda apresente alguma validade, mais de três anos depois de escritos e publicados.
Vejamos a série, toda ela enfeixada sob o mesmo título:


O Brasil e a agenda econômica internacional  



2807. “O Brasil e a agenda econômica internacional, 1: como se apresenta o cenário econômico internacional da atualidade?”, Hartford, 6 abril 2015, 4 p. Análise da situação econômica atual do mundo, em preparação para a discussão da posição e dos desafios para o Brasil. Mundorama (15/04/2015; link: http://www.mundorama.net/?p=15722). Academia.edu (link: https://www.academia.edu/12159703/2807_O_Brasil_e_a_agenda_economica_internacional_1_como_se_apresenta_o_cenario_economico_internacional_da_atualidade). Republicado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2015/04/o-brasil-e-agenda-economica.html). Relação de Publicados n. 1172.

2808. “O Brasil e a agenda econômica internacional, 2: como o Brasil se insere no cenário mundial, agora e no futuro próximo?”, Hartford, 10 abril 2015, 6 p.; revisto em 15/04/2015. Continuidade da série, tratando das questões internas ao Brasil. Mundorama (22/04/2015; link: http://www.mundorama.net/?p=15758). Republicado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2015/04/o-brasil-e-agenda-economica_22.html). Academia.edu (link: https://www.academia.edu/12159816/2808_Como_o_Brasil_se_insere_no_cenario_mundial_agora_e_no_futuro_proximo). Relação de Publicados n. 1175.

2814. “O Brasil e a agenda econômica internacional, 3: como e qual seria uma (ou a) agenda ideal para o Brasil?”, Hartford, 18 abril 2015, 7 p. Continuidade da série, no seguimento dos trabalhos 2807 e 2808, tratando de uma possível agenda de reformas internas e de novas posturas externas para fazer o Brasil se inserir na globalização. Mundorama (29/04/2015; link: http://www.mundorama.net/?p=15785). Republicado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2015/04/o-brasil-e-agenda-economica_29.html). Academia.edu (link: https://www.academia.edu/12159844/2814_Como_e_qual_seria_uma_ou_a_agenda_ideal_para_o_Brasil_2015_). Relação de Publicados n. 1176.

2815. “O Brasil e a agenda econômica internacional, 4: o que o Brasil deveria fazer para maximizar a “sua” agenda?”, Hartford, 19 abril 2015, 11 p. Continuidade, e fim, da série de artigos sobre a agenda de reformas internas. Mundorama (06/05/2015; link: http://www.mundorama.net/?p=15787). Republicado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2015/05/o-brasil-e-agenda-economica.html). Relação de Publicados n. 1177

quarta-feira, 6 de maio de 2015

O Brasil e a agenda economica internacional, 4: o que fazer para maximizar as oportunidades? - Paulo Roberto de Almeida (Mundorama)



O Brasil e a agenda econômica internacional: o que o Brasil deveria fazer para maximizar a “sua” agenda? , por Paulo Roberto de Almeida

Mundorama, 6/05/2015


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Perguntas de uma investigação tentativa
Nos últimos 80 anos, ou seja, desde os anos 1930, o Brasil deixou de ser um país “essencialmente agrícola”, como então se dizia, para engajar um dos mais bem sucedidos processos de industrialização da América Latina, e do conjunto de países em desenvolvimento. Com a aceleração do crescimento, sobretudo a partir dos anos 1950 e nos anos 1970, diminuiu a distância econômica, tecnológica e de nível de renda, entre o Brasil e os EUA, embora em escala bem modesta: de apenas um décimo da renda per capita dos americanos, no início do século 20, os brasileiros alcançaram um patamar de quase 30% do PIB per capita dos EUA em torno de 1980. Infelizmente, muito desse esforço se perdeu, nos anos de crise econômica, de hiperinflação e de desequilíbrios externos. Atualmente, mesmo depois de ter conseguido estabilizar a economia – ainda que caindo novamente numa fase de crescimento medíocre, que não se sabe até quando irá – a distância que nos separa dos níveis de bem-estar na América do Norte continua muito alta: cerca de um quinto, apenas, da renda per capita daquela região, com uma distância similar, talvez maior, em termos de produtividade total de fatores, devido ao péssimo desempenho educacional, como revelado pelos indicadores setoriais.
O que falta ao Brasil fazer para que ele possa realizar todo o seu potencial? Existiriam barreiras ao seu progresso que estariam ligadas ao sistema internacional? O comércio mundial por acaso tem sido um fator negativo no desempenho econômico do país? O acesso a tecnologias de ponta tem sido cerceado por razões políticas, ligadas a algum “projeto secreto” de países avançados de limitar nossos avanços nessa área, como acreditam alguns, ou estariam eles “chutando a escada” que poderia nos levar a níveis mais elevados de desenvolvimento material? O Brasil se sente prejudicado por não integrar o chamado “inner core”, o círculo restrito de potências que possui poder de decisão sobre a agenda da maior parte das instituições econômicas mais relevantes do multilateralismo contemporâneo? Em resumo: quão relevante é a agenda econômica internacional para os objetivos prioritários de desenvolvimento do Brasil?
Uma recapitulação sumária da história econômica contemporânea
O ano de 1929 representa um marco na história econômica mundial, não tanto pela queda dos valores dos ativos negociados em bolsa e nos mercados de bens reais (um fenômeno já conhecido em ciclos anteriores), quanto pelo que representou de implementação de medidas equivocadas pelos governos nacionais, na tentativa de cada um se resguardar dos efeitos mais perniciosos da degringolada e de buscar “empurrar a crise para o seu vizinho” (beggar-thy-neighbour), como se dizia então. De fato, a começar pelo Congresso americano, que aprovou um aumento nas tarifas de importação, passando pelos demais governos, que desvincularam suas respectivas moedas do padrão ouro, como forma de desvalorizá-las, e assim ganhar alguma vantagem competitiva, a atitude mais comum foi a de tentar isolar cada um dos países dos efeitos eventualmente nefastos que estavam em curso em praticamente todos eles. O resultado de todas essas políticas erradas foi que, em lugar de uma simples crise de mercados, o que se teve foi uma depressão geral que se estendeu durante anos a fio, carregando para baixo todos os indicadores econômicos e sociais.
As lideranças mais esclarecidas dos Estados Unidos aprenderam a lição e, em plena guerra, começaram a traçar planos para uma reorganização da ordem econômica mundial, baseada no multilateralismo, na não-discriminação, no acesso igualitário aos mercados, na reciprocidade de tratamento e em diversas outras cláusulas que deveriam ser fundadas na cooperação e na coordenação de políticas. Daí nasceram Bretton Woods e os princípios do sistema multilateral de comércio, por meio século regido unicamente por um acordo provisório, o Gatt, que foi sendo mantido, até passar a ser administrado pela OMC, o terceiro pé do sistema concebido em 1944 para regular cooperativamente as relações econômicas internacionais. De certa forma, o tripé resultou bem sucedido, levando a economia mundial a patamares jamais conhecidos de crescimento e de prosperidade, até que os choques do petróleo dos anos 1970 e os abusos cometidos pelos governos nos terrenos fiscal e monetário levaram às crises de estagflação – algo não previsto nos modelos keynesianos – e a uma profunda revisão das políticas econômicas. Os vinte anos seguintes foram de profundos ajustes nessas políticas, tanto nas economias avançadas, quanto nos países em desenvolvimento, processo que ficou conhecido no jornalismo superficial como sendo dominado pelo “neoliberalismo”, e que de fato implicou, em todos esses países, a revisão dos mecanismos de intervenção dos Estados na vida econômica, geralmente num sentido redutor e privatizador.
Combinada à crise final e derrocada dos sistemas socialistas, o mundo entrou no que foi chamado de terceira onda de globalização – sendo as duas anteriores a dos descobrimentos do século 16, que unificaram o mundo pela primeira vez, e a da segunda revolução industrial, no final do século 19, quando intercâmbios de todos os tipos se expandiram enormemente – caracterizada pela integração progressiva de todos os mercados, em escala nunca vista até então. O Brasil também enfrentou as duas crises do petróleo, e depois uma ainda mais grave, derivada do seu endividamento excessivo, provocado justamente pela tentativa de continuar seguindo o mesmo modelo de expansão exagerada da economia, sem fazer os ajustes requeridos pela nova situação. O resultado foi a aceleração da inflação, a moratória sobre os pagamentos externos, e uma queda geral nos indicadores de crescimento e de emprego, a chamada “década perdida” dos anos 1980, que na verdade estendeu-se até meados da década seguinte.
Feita a estabilização, pelo Plano Real, o Brasil começou novamente a trilhar o caminho das políticas econômicas responsáveis, embora sem resolver adequadamente o problema das despesas públicas, sempre em excesso em relação ao nível de receitas. A solução veio pela manutenção de uma taxa de juros muito elevada, de forma a permitir o financiamento público. A desconfiança quanto à capacidade do governo em honrar seus compromissos, aliada a uma nova onda de crises financeiras – iniciada pelo México, em 1994, prolongada na Ásia, a partir de 1997, e culminando na moratória da Rússia, em agosto de 1998 – engolfou novamente o Brasil em sérios desequilíbrios de balanço de pagamentos, o que o obrigou a negociar acordos emergenciais de empréstimo junto às instituições de Bretton Woods e outros credores institucionais. A crise ainda voltou a se manifestar no momento da derrocada argentina, no final de 2001, e quando das eleições presidenciais de 2002, quando os valores dos títulos brasileiros negociados internacionalmente chegaram a seus níveis mais baixos, e o dólar ascendeu a alturas inéditas. Os desafios eram importantes, mas eles foram sendo vencidos.
O governo empreendeu, durante essa fase de desequilíbrios, diversas reformas importantes nas políticas econômicas, o que preparou o país para uma nova etapa de crescimento econômico. A começar pela adoção da flutuação cambial e do regime de metas de inflação, complementada, logo em seguida, pela Lei de Responsabilidade Fiscal – que deveria impedir os dirigentes políticos de assumirem despesas sem indicar precisamente as fontes de receitas – e pelo compromisso assumido no orçamento de se liberar todo ano um superávit fiscal (para o pagamento dos juros da dívida pública), essas medidas deveriam manter o Brasil no caminho da estabilidade e das políticas econômicas responsáveis, condição de qualquer processo sustentado de crescimento econômico. O chamado tripé macroeconômico – flutuação cambial, metas de inflação e responsabilidade fiscal – foi de certa forma preservado durante a primeira metade da década do novo milênio, mas importantes reformas estruturais em regimes regulatórios e na modernização da infraestrutura deixaram de ser empreendidas, em favor de uma nova política de redistribuição de rendas que ultrapassou em muito as possibilidades de sua sustentação, por não ter correspondência com o ritmo de crescimento da economia e os seus níveis, medíocres de produtividade. Em feliz coincidência, o Brasil beneficiou-se de um crescimento inédito na economia mundial, em especial em países emergentes.
No bojo de uma nova crise financeira internacional, iniciada em 2007 nos sistemas imobiliário e bancário dos Estados Unidos, e disseminada internacionalmente a partir de 2008 e 2009, o Brasil reagiu de forma adequada, tanto porque vinha de uma fase de crescimento satisfatório, puxado pela demanda voraz da China por seus produtos de exportação: foi uma época em que a tonelada de soja chegou a valer 600 dólares, e a de minério de ferro quase 200. Depois de uma mini-recessão em 2009, o crescimento em 2010 registrou uma taxa praticamente “chinesa”: mais de 7%, inclusive com uma diminuição notável do desemprego. Infelizmente, a nova administração que teve início em 2011 atuou de forma totalmente irresponsável, como se pretendesse destruir os fundamentos do tripé econômico, e de certa maneira conseguiu: manipulando câmbio e juros, expandindo o crédito e aumentando de forma exagerada as despesas – pois que partindo de um diagnóstico errado de que o crescimento econômico deveria ser puxado pela demanda e não pelo investimento e pela oferta – e intervindo do modo totalmente improvisado em diversos setores da indústria, conseguiram produzir mais inflação, menos crescimento, volta do desemprego, aumento da dívida pública, déficits duplos no orçamento e nas transações externas, enfim, um desastre econômico completo.
Este era o estado lastimável da economia ao início da mesma administração, reconduzida nas eleições de outubro de 2014, mas fortemente contestada por uma oposição cívica que não aceita mais as falsas explicações do governo para o atual quadro de dificuldades de toda sorte. No início do segundo trimestre de 2015, não se tem certeza quanto à trajetória do governo atual, e do seu partido de sustentação, envolvidos nos mais clamorosos casos de corrupção jamais vistos na história do país.
O que tudo isso tem a ver com a agenda econômica internacional, é o caso de se perguntar? Em princípio muito pouco, ou nada, a despeito dos esforços das lideranças políticas, de forma canhestra, em tentar explicar o péssimo desempenho econômico por causa de uma alegada “crise internacional”, quando a maior parte dos países já enveredou novamente pela retomada do crescimento. EUA e UE, as duas economias avançadas mais atingidas pela crise, apresentam níveis razoáveis de recuperação, e os emergentes dinâmicos continuam a exibir saudáveis taxas de crescimento econômico. Cabe examinar, então, o que o Brasil poderia fazer para maximizar a sua agenda, em face dos atuais desafios que o país enfrenta.
O que uma agenda econômica adequada poderia fazer pelo Brasil?
Não existe, obviamente, uma única agenda econômica internacional que atenda às necessidades do Brasil e aos seus requerimentos de desenvolvimento. Existe, em contrapartida, uma diversidade de agendas setoriais, de organismos multilaterais, ou de entidades regionais que podem, se combinadas, contribuir para que o Brasil tenha um mix de políticas públicas adequadas, cobrindo tanto as reformas internas quanto a sua política econômica externa. Vamos repassar, portanto, os principais requisitos de um processo sustentado de desenvolvimento econômico, com transformações estruturais e distribuição social dos benefícios do crescimento, e que cobrem cinco frentes principais: a estabilidade macroeconômica, a competitividade microeconômica, a boa governança institucional, a qualidade do capital humano e a inserção na interdependência global.
Estabilidade macroeconômica: esta é composta dos componentes usuais nessa área, mas encontráveis mais facilmente nos países de economia avançada e estabilizada: uma inflação baixa (e a média mundial das economias desenvolvidas tem se situado entre 1,5% e 2% ao ano); câmbio e juros o mais possível dentro dos níveis fixados pelos próprios mercados, e não por manipulações dos governos; equilíbrio nas contas públicas (ou um déficit orçamentário inferior a 3% do PIB) e uma dívida interna não superior a um montante que permita o seu serviço também numa faixa inferior a 3% do PIB como pagamento de juros. A fiscalidade deve incidir antes sobre o consumo do que sobre os investimentos, o trabalho ou o lucro das empresas, e mais sobre o fluxo de rendas do que sobre o patrimônio, para evitar elisão fiscal ou diversas formas de fuga de capitais. As alíquotas também precisam ser moderadas, sobretudo sobre os bens de consumo popular, inclusive para evitar fraudes fiscais e contrabando. Os diversos comitês de trabalho da OCDE possuem uma larga experiência em todas essas matérias, e uma aproximação mais estreita do Brasil a essa entidade com sede em Paris poderia contribuir enormemente para a melhoria de qualidade de suas políticas macroeconômicas. Mas tudo isso, obviamente, em circunstâncias normais, o que não parece ser o caso do Brasil atualmente, que necessita antes passar por um sério ajuste em todas as suas contas públicas, e por uma rigorosa correção de todos os equívocos cometidos por meio de políticas mal concebidas e improvisadas.
Competitividade microeconômica: está se falando aqui de políticas setoriais, e o princípio básico é melhorar o ambiente de negócios para as empresas, o que também passa pela correção de alguns atavismos governamentais, como o caráter extorsivo da política tributária. Não é preciso desfilar o imenso rol de medidas a serem tomadas, bastando, para isso, consultar um relatório anual do Banco Mundial: Doing Business. Esse estudo detalha, com rigor, todas as esquizofrenias cometidas no Brasil, que tornam a vida dos empresários um verdadeiro inferno em dose dupla, ou tripla: na constituição de empresas, sua gestão e até no seu fechamento. Basta dizer que a classificação do país no ranking geral se situa em torno de 125 entre 187 países, mas isto apenas porque o empresariado, acostumado a um ambiente de hostilidade governamental, faz milagres para garantir um mínimo de eficiência gerencial, o que reduz a componente “micro” do estudo para níveis inferiores a 90; se formos considerar, no entanto, os critérios que dependem de medidas governamentais (tributação, infraestrutura, regulação, legislação laboral, etc.), o ranking do Brasil despenca para algo acima de 150. O ideal para o Brasil seria adotar o Doing Business como benchmark absoluto em todas as áreas, e estudar o que fizeram todos os países que possuem rankings setoriais abaixo de 60, o que já seria um progresso notável para o país. Não é difícil identificar as medidas a serem implementadas; se o Brasil não tiver técnicos competentes em todas as áreas do Doing Business, o Banco Mundial pode organizar um programa em torno dele.
Cabe referir, incidentalmente, que o melhor remédio para a competitividade microeconômica é justamente a abertura à competição, o que recomenda liquidar com todos os monopólios indevidos – a começar do setor de energia e combustíveis – e com todos os carteis em determinados serviços coletivos (telefonia e telecomunicações, em geral, mas também em todos os tipos de transportes). Não é preciso dizer que compras governamentais limitadas a fornecedores nacionais, beneficiados ainda por um prêmio abusivo de sobre-preço aceitável (25%, ao que parece) são um convite aberto a práticas viciadas e sujeitas a corrupção. O nacionalismo pernicioso no setor da construção civil, mas também vigente em outras áreas (saúde e educação, por exemplo) é um dos casos mais nefastos de anti-competitividade, além de inerentemente promíscuo e corruptor.
Boa governança: este é o núcleo das reformas estruturais, e que não se limita, e nem deveria começar pela “metafísica” da reforma política, ainda que os critérios de representação eleitoral e de presença no parlamento estejam totalmente deformados no Brasil atual. Dar início a um processo de reforma política pode significar a paralisia de todas as demais reformas setoriais indispensáveis à estabilidade econômica e aos ganhos de competitividade de que o Brasil necessita: pode-se limitar o processo ao voto distrital misto e a cláusulas de barreira para a atividade parlamentar (atualmente, apenas cinco ou seis partidos ultrapassam o limite de 5% do eleitorado, e se deveria ficar por aí, sem exceções para os partidos de aluguel ou minúsculos); não é preciso dizer que nada justifica o financiamento público de partidos ou de campanhas eleitorais, uma vez que se trata de entidades de direito privado, cabendo aos militantes e apoiadores essa tarefa.
O núcleo da boa governança passa pela reforma do Estado – com uma redução radical do ogro famélico e suas centenas, ou milhares, de órgãos associados –, por uma reforma administrativa que reduza e limite severamente a estabilidade do funcionalismo (e o recurso a diferentes formas de contratação em setores abertos ao mérito individual, como na educação e na saúde, por exemplo), e por uma urgente reforma previdenciária que corrija as distorções ainda remanescentes nos tratamentos (inclusive os privilégios vinculados ao setor público). O Judiciário, extremamente moroso nos processos, precisa passar por uma reforma nos procedimentos, com vistas a agilizar o seu término, hoje se estendendo, na média, por até oito anos. A área trabalhista é a que necessita de amplas reformas, basicamente no sentido do contratualismo, da livre negociação direta e da solução de pendências por via arbitral; a justiça do trabalho é um órgão antes causador do que solucionador de conflitos e deveria simplesmente ser extinta.
A própria federação é um mito, tendo em vista a concentração de recursos na União, o que faz surgir “jabuticabas” absurdas como um “ministério das cidades” no âmbito federal. Esse estado republicano “unitário” cria distorções contínuas no plano da repartição de recursos e competências, o que obriga deputados a se converterem em vereadores federais, mendigando financiamento federal para programas paroquiais. A emenda constitucional que torna impositivo o orçamento unicamente reservado aos projetos dos parlamentares é um absurdo político de tal monta que por si só explica a “desgovernança” absoluta a que chegou o Brasil no terreno das práticas federativas: coexiste a chantagem recíproca do governo federal e dos parlamentares em torno da negociação orçamentária e da atribuição efetiva desses recursos para fins paroquiais.
Qualidade do capital humano: o Brasil é um país terrivelmente penalizado pela péssima qualidade do ensino, em todos os níveis, o que se reflete na produtividade medíocre da mão-de-obra, em geral, e nos níveis anormalmente baixos de inovação tecnológica em face do seu grau relativamente avançado de industrialização. Não é preciso dizer que em termos de cobertura da educação formal – ensino compulsório – já acumulamos um atraso quantitativo absurdo em termos de taxa de matrículas em face de países mais avançados (mais de um século de atraso, e ainda carentes nos níveis médio e superior), mas o mais grave se refere mesmo à qualidade do ensino, cujo estado deplorável se reflete de forma recorrente nos exames do PISA (programa de avaliação internacional da educação média, conduzido pela OCDE), onde invariavelmente ocupamos os últimos lugares, na companhia de países com renda per capita inferior à nossa diversas vezes. O Brasil, na verdade, não necessita de uma reforma educacional, e sim de uma revolução nesse setor, o que passa basicamente pela formação adequada de mestres nos vários níveis; atualmente, a pedagogia educacional está contaminada por uma ideologia nefasta identificada ao “patrono” da área, o deseducador Paulo Freire e seu imenso rol de bobagens pedagógicas. Enquanto o Brasil não se libertar de quimeras e adotar o critério do rendimento nos estudos básicos, com aferição rigorosa de metas e critérios de progressão no ensino, e com remuneração de professores também vinculada ao mérito e aos resultados, não haverá progresso possível. O isonomismo-igualitarismo radical pregado pelos sindicatos é especialmente nefasto na tarefa de soerguimento da qualidade dos mestres empregados no setor. A OCDE também possui excelentes estudos nessa área, e o Brasil tem aí uma excelente agenda para seguir.
Inserção na interdependência global: estamos falando aqui, basicamente, de abertura a investimentos estrangeiros e ao comércio internacional. Trata-se, como nos demais casos, de uma agenda essencialmente interna, pois que não é preciso esperar nenhuma rodada multilateral de negociações, no plano internacional ou regional, para conduzir, por decisão própria, um amplo programa de abertura econômica unilateral e uma liberalização comercial compatível com os requisitos de upgrade tecnológico, para melhorar os padrões de competitividade das empresas exportadoras brasileiras. Nem é preciso esperar por acordos de livre comércio bilaterais – se o Mercosul for reformulado – ou do bloco para tais objetivos; basta reduzir as barreiras para-tarifárias, e reduzir as alíquotas da Tarifa Externa Comum (como exceção para baixo ou decisão conjunta) para que o Brasil se aproxime, idealmente, dos coeficientes de abertura externa vigentes no resto do mundo (na média, o dobro dos praticados atualmente pelo país).
Tanto a OCDE, quanto os bancos multilaterais, assim como a própria OMC, possuem o know-how em todas essas matérias comerciais e de investimentos, e bastaria comparar, por exemplo, nosso exercício periódico de revisão da política comercial no âmbito da OMC e compará-lo, em todos os critérios, aos dos países melhor situados no grau de abertura externa. O fato é que o Brasil recuou nos últimos doze anos, tanto em matéria de protecionismo comercial – junto com a Argentina, no Mercosul, diga-se de passagem – quanto no terreno dos investimentos estrangeiros, uma vez que o partido no poder continua recusando até hoje ratificação a mais de uma dúzia de tratados bilaterais de proteção a investimentos que foram assinados pelo Brasil.
Conclusões não conclusivas: precisamos de uma agenda global para avançar?
Do rol de medidas elencadas nos parágrafos precedentes, se deduz que todos os problemas do país são de origem doméstica, e que nenhum é causado por um ambiente externo negativo ou pouco cooperativo para nossos requisitos de desenvolvimento. O Brasil enfrenta aquilo que os economistas institucionalistas chamam de altos custos de transação, e estes são causados essencialmente – para não dizer deliberadamente – por um Estado disfuncional e por regras e normas totalmente prejudiciais ao funcionamento de um ambiente de negócios minimamente satisfatório para as empresas nacionais (e as estrangeiras aqui instaladas, obviamente, o que diminui a atratividade do investimento).
Custos de transação são, em princípio, aferíveis, identificáveis e quantificáveis no plano técnico, ou seja, para o estabelecimento de um diagnóstico seguro, para em seguida merecer um conjunto de prescrições corretivas que deveriam colocar o país no caminho do crescimento sustentado e sustentável. Se o Brasil conseguir cumprir, por exemplo, pelo menos a metade do rol de recomendações constantes do Doing Business já terá feito enormes progressos nesse caminho. Mas muito mais é possível fazer num plano estritamente técnico de políticas setoriais recomendáveis, inclusive a decisão de não ter nenhuma política setorial, em certos casos: na área industrial, por exemplo, em lugar de estímulos generosos – via BNDES – ou de proteção tarifária absurda para as empresas instaladas no Brasil, se poderia começar por uma regulação liberalizadora e pela baixa geral da absurda carga fiscal a elas impostas, para que o ambiente se tornasse mais respirável e mais propenso à reconquista da competitividade externa. Não existem obstáculos culturais nessa área, apenas comportamentos atávicos e antiquados.
Existem, sim, idiossincrasias nacionais que serão mais difíceis de serem contornadas, e elas têm a ver com o atavismo estatal profundamente entranhado nos mais diversos estratos sociais do país: tanto trabalhadores quanto capitalistas pedem, esperam, imploram, todos os dias, por “políticas públicas” em uma área qualquer, em todas elas aliás, e tudo precisa ser constitucionalizado, ou tornado obrigatório, para que algo se faça, como se um fiat legislativo fosse capaz de resolver problemas estruturais. Essa cultura nefasta do estatismo, junto com seu irmão siamês, o nacionalismo rústico, constituem poderosos fatores de atrasos materiais, quando não são viseiras mentais a impedir soluções pelo lado dos mercados livres, da abertura econômica de modo geral.
Alguns simples exemplos devem bastar. Por que a Anvisa precisa proibir as farmácias de vender chiclete? Seria ele um perigo tão grande à saúde pública? Por que a Ancine tem de regular cotas mínimas para exibição de filmes nacionais? Seria para elevar a qualidade da filmografia à disposição do público? Por que pena de prisão para carona remunerada? A ANTT pretende proibir cidadãos de disporem de seus carros livremente, ou está defendendo carteis de transportadores mancomunados a políticos? Por que os motéis são obrigados a fornecer camisinhas aos seus clientes? Por que o cidadão comum é cotidianamente enganado pela mentira dos “dez vezes sem juros”, quando todas as lojas escondem o custo do financiamento no crediário? Enfim, haveria uma infinidade de exemplos absurdos que apenas comprovaria que o Brasil não é um país normal, definitivamente.
Um grande esforço de transformação, inclusive mental, precisaria ser feito, para aproximá-lo, um pouco que fosse, dos padrões de liberdades econômicas vigentes na maioria dos países. Aliás, uma consulta ao relatório anual das liberdades econômicas no mundo (http://www.freetheworld.com/) revelaria quão atrasados estamos nesses quesitos: chegamos a perder inclusive da China comunista em diversos requisitos setoriais – embora não o geral – de liberdades empresariais. O país não apenas se situa em posições humilhantes em diversos rankings econômicos internacionais, como vem recuando ano após ano nos de competitividade microeconômica e nos de liberdades econômicas de modo geral. Não apenas nossa desigualdade distributiva apresenta níveis africanos no coeficiente de Gini, mas os níveis de corrupção são também africanos, num país que tem uma renda per capita superior à média daquele continente. Existe algo de muito errado no Brasil, como comprovam todos os indicadores comparativos no plano mundial. Na maior parte deles, uma simples consulta aos relatórios produzidos por essas entidades oficiais e privadas nos indicaria o caminho para melhorar nossos índices.
Mais uma vez se constata que as reformas dos problemas internos passam por soluções absolutamente domésticas, ainda que elas possam ser guiadas por métodos e prescrições retirados das experiências nacionais de outros países, e que conformam um roteiro de boas práticas à disposição de qualquer administração engajada nos princípios e metas da boa governança. O que existe, finalmente, de internacional, na ampla gama de medidas que tornariam o Brasil um país melhor para si mesmo e para a comunidade internacional? Talvez começar por uma política externa promotora das democracias e dos direitos humanos, e não defensora de ditaduras e de regimes deploráveis nesses dois quesitos; já seria um progresso enorme em relação ao que assistimos nos últimos doze ou treze anos.
Em síntese, nossa agenda para avançar nas reformas pode até ser global, ou internacional, mas apenas nos princípios e nas orientações básicas, uma vez que o mundo abunda em exemplos positivos e negativos de governança, o que se reflete claramente em todos os indicadores de qualidade de vida. Sem ser um desastre completo em todos os quesitos, o Brasil deixa claramente a desejar – até recuando – em vários deles, e os diagnósticos não são difíceis eles também se encontram em todos esses relatórios, à disposição de qualquer administração esclarecida, aberta, e disposta a empreender reformas (partimos do princípio evidente que todos os países necessitam de reformas, o tempo todo). Poderá o Brasil empreendê-las?
Um simples julgamento de circunstância, com base no exame da situação em abril de 2015, indica claramente que não. O Brasil se arrasta penosamente no caminho de um sério ajuste em suas contas públicas, o que constitui uma condição preliminar, e indispensável, a qualquer processo de reformas estruturais e institucionais. Se e quando ele for bem sucedido na tarefa preliminar, e dependendo da qualidade de suas lideranças políticas, ele poderá começar a discutir o conjunto de reformas aqui elencadas. Antes disso, parece utópico ou simplesmente inútil. Oitenta anos atrás, o escritor, folclorista e musicólogo Mário de Andrade já tinha chegado a uma conclusão relativamente frustrante para os nossos brios: “progredir, progredimos um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade” (poema “O Poeta Come Amendoim”, 1924). Se nada for feito, em tempo hábil, vamos continuar, no futuro previsível, progredindo um tiquinho, por saltos e recuos, como no espaço das duas últimas décadas.
Pode-se fazer melhor? Certamente, mas isso depende de estadistas…
Leia os demais artigos da série: 
Paulo Roberto de Almeida é diplomata e professor do Centro Universitário de Brasília – Uniceub (@pauloalmeida53).

quarta-feira, 29 de abril de 2015

O Brasil e a agenda economica internacional 3: qual seria a agenda ideal? - Paulo Roberto de Almeida


O Brasil e a agenda econômica internacional: como e qual seria uma (ou a) agenda ideal para o Brasil?, por Paulo Roberto de Almeida

Mundorama, 29/04/2015


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A agenda econômica externa do Brasil concerne, basicamente, a dimensão multilateral, pois esta é a principal plataforma negociadora internacional na área econômica desde Bretton Woods e a criação do Gatt, depois incorporado à OMC. Mas essa agenda também compreende as relações que se estabelecem no âmbito regional, pois este é o locus dos acordos de integração econômica, que são essencialmente comerciais, mas que nos últimos doze anos de reino dos companheiros acabou se transformando num aglomerado de compromissos políticos e sociais que pouca relação guardam com os tratados originais. Finalmente, também coexiste com essas duas dimensões, uma agenda no plano bilateral, mas seus componentes estão constituídos por acordos de cooperação, que também têm sua importância na capacitação de recursos humanos e na implementação de projetos setoriais, que geralmente complementam os acordos alcançados nos dois primeiros planos, mas que podem também ser ainda mais ambiciosos do que aqueles (cooperação nuclear, espacial, tecnológica, por exemplo).
Pois bem, vejamos qual poderia ser uma agenda, talvez não ideal, mas pelo menos necessária para que o Brasil realize um enorme potencial hoje represado pelo peso enorme que o Estado exerce sobre cidadãos e empresas, potencial que também foi desviado de um curso que seria quase “natural” em função de uma agenda esdrúxula e exótica, imposta ao país nos últimos doze anos, quando os interesses nacionais foram sacrificados em favor de opções estritamente ideológicas e partidárias, que hoje se revelam estar igualmente vinculadas ao mais gigantesco processo de corrupção jamais visto em nosso país. A “importação” indevida de milhares de “médicos” cubanos, por exemplo, não obedece exatamente a um grande plano de prevenção em saúde da população brasileira, mas tem muito a ver com a situação falimentar da ilha-prisão dos irmãos Castro, que hoje depende de aliados obsequiosos por mantê-la à tona.
O plano multilateral apresenta inúmeras facetas, mas as principais são as de caráter comercial e de tipo financeiro. Neste último capítulo, não existem propriamente negociações a serem feitas, uma vez que o Brasil – depois de enfrentar historicamente crises de insolvência externa, e até uma ou duas moratórias – parece ter aprendido a respeitar os fundamentos de seus equilíbrios nas transações correntes e na balança de capitais; a despeito de déficits constantes nas transações externas, estas têm sido compensadas por investimentos diretos e, em situações normais, por saldos superavitários na frente comercial, o que contudo foi revertido nos últimos anos. A origem dos déficits atuais não é, entretanto, alguma deterioração do cenário mundial – mesmo se alguns keynesianos de botequim vivem alegando um ambiente de crise externa para justificar sua péssima condução da política econômica nacional – e sim a perda lamentável de competitividade por parte das empresas brasileiras vinculadas à exportação. Elas não são tão penalizadas pelo câmbio – uma variável que pode ser contornada por contratos de hedge – quanto pela absurda carga  fiscal que é imposta às empresas brasileiras por um Estado extrator e extorsivo.
Esta questão nos remete ao plano comercial multilateral, hoje totalmente paralisado pela incapacidade dos principais atores em dar continuidade à Rodada Doha, nas premissas otimistas em que foi lançada, no início da década passada. Mesmo que, por um milagre, se lograsse concluir essa rodada de negociações com compromissos mais ou  menos moderados de liberalização recíproca de mercados e com padrões ainda mais moderados na regulação do acesso às demais áreas – serviços, investimentos, propriedade intelectual, etc. – o Brasil talvez não esteja preparado para desfrutar com maior vigor dessa abertura, tendo em vista sua já mencionada perda de competitividade por razões de ordem inteiramente doméstica. Trata-se de um dever de casa que ninguém e nenhuma negociação multilateral pode cumprir em seu lugar, ou seja, no do governo.
Mesmo na área em que ele é notoriamente competitivo, que é a grande agricultura de exportação – ou seja, commodities agrícolas e carnes, mas podendo evoluir para alimentos processados – os produtores e exportadores brasileiros são penalizados por deficiências ainda mais notórias, a jusante, em sua infraestrutura, como na própria cadeia produtiva, a montante, portanto, em função da tributação generalizada aplicada a praticamente todos os insumos do setor. Como se sabe, a alta produtividade na produção de grãos (mas em outras linhas produtivas também) é neutralizada pelos altos custos, e perdas, no transporte, por uma infraestrutura portuária lamentável, ou por diversos outros aspectos regulatórios e impositivos que fazem com que o produto brasileiro, mais barato do que o dos concorrentes diretos na porteira da fazenda, chegue ao porto de embarque ou de destino bem mais caro em vista dessas deficiências. Sobre isso, se agregam as dificuldades do setor em termos de seguro agrícola e as conhecidas lacunas no rastreamento e prevenção de epizootias e outras endemias típicas da produção comercial primária, sempre mendigando recursos de um governo que tem uma nítida inclinação ideológica por invasores de terras e outros pretensos agricultores familiares (na verdade de subsistência, e sempre assistidos por um ministério espelho ao da agricultura de exportação, que defende uma agenda totalmente diversa deste último).
De resto, no terreno do comércio internacional, qualquer ganho em termos de liberalização agrícola teria de ser barganhado contra uma oferta brasileira de redução do seu próprio protecionismo industrial – sem mencionar a adesão a códigos proprietários mais elevados – o que parece notoriamente difícil a um governo que seguidamente vem implementando “políticas industriais” (aparentemente já foram cinco, sucessivamente) cuja principal característica é a de isolar o Brasil dos circuitos produtivos internacionais. O exemplo mais notório é a indústria automobilística, que permanece “infante”, e portanto protegida, desde mais de meio século. Por fim, ainda nesse terreno, os grandes parceiros parecem ter abandonado de vez qualquer entusiasmo por acordos abrangentes no âmbito da OMC, preferindo em troca negociar acordos minilateralistas, ou seja, tratados plurilaterais de livre comércio engajando os “like-minded countries”, que podem, ou não, situar-se na mesma região geográfica (as distâncias encurtaram, de toda forma). Dois exemplos disso, são o acordo transatlântico – entre EUA e UE – e o trans-Pacífico, que reúne um número variado de países da Orla do oceano, inclusive sul-americanos como Peru e Chile.
O ideal, para o Brasil, e os brasileiros – empresas e trabalhadores – seria que o Brasil participasse ativamente de todas essas frentes de trabalho de maneira aberta e receptiva, mas a condição para isso seria uma alteração drástica de quase todas as suas políticas setoriais, industrial, comercial e de investimentos em infraestrutura, algo que parece fora do alcance do atual governo. A parte industrial e de infraestrutura compete inteiramente, e soberanamente, ao Brasil, podendo portanto ser implementada por uma decisão política de alta inteligência econômica (o que não necessariamente é assegurado pela coalizão de protecionistas atualmente no poder).
Mas a parte comercial não pode, simplesmente, ser sequer considerada sem um entendimento de princípio, e prévio, com os demais membros do Mercosul, essa frágil construção integracionista que, nos últimos doze anos, serviu mais para exercícios de retórica grandiloquente, ou para discursos vazios, do que para, pelo menos, voltar a dar importância aos objetivos básicos e fundamentais desse bloco. Sem isso, ficam carentes de conteúdo tanto as negociações multilaterais, quanto as regionais (de que é exemplo o longuíssimo processo negociador com a UE, que não parece ter pressa de concluí-lo, depois que os três grandes membros do Mercosul implodiram, de modo gratuito e voluntário, o projeto americano de uma área de livre comércio hemisférica).
No Mercosul, em lugar da liberalização recíproca – ou seja, a zona de livre comércio – e da coordenação de políticas macroeconômicas – desejável para o objetivo da união aduaneira –, o que se teve foi uma variedade não essencial de iniciativas secundárias, sobretudo em areas tidas por “sociais”, que não atenderam em nada aos requisitos da integração econômica, que permanece, ou deveria ser, o foco dos tratados originais. O bloco foi inclusive distorcido de sua arquitetura contratual – que requer a plena aceitação da Tarifa Externa Comum e das demais regras de política comercial – primeira pela adesão política, e altamente questionável, da Venezuela (que não cumpriu praticamente nenhum dos requisitos inerentes à união aduaneira), e logo em seguida pelas adesões também duvidosas de Bolívia e Equador, que tampouco parecem propensos a aceitar a estrutura regulatória comercial do Mercosul. Não é preciso mencionar, por outro lado, todas as infrações cometidas pela Argentina contra o espírito e a letra do Tratado de Assunção, ao impor salvaguardas e diversos outros tipos de barreiras contra produtos dos demais países membros, numa derrogação unilateral – e também contrária às próprias regras do Gatt – dos compromissos solenemente firmados.
O ideal, neste caso, seria que o Brasil liderasse um esforço – a ser concluído por nova conferência diplomática – de revisão completa do Mercosul, com vistas a determinar se ele deve continuar com seu atual perfil  de união aduaneira incompleta – ou em “implementação”, como pudicamente se proclama – ou se cabe fazê-lo retroceder a uma simples zona de livre comércio, concedendo, assim, liberdade, a cada um dos associados, para negociar acordos comerciais com quem lhes aprouvesse. O Chile, em lugar de ingressar no Mercosul, e ficar amarrado a uma institucionalidade precária, preferiu permanecer isento de qualquer compromisso mais “íntimo” com qualquer bloco – como aliás também é a prática dos Estados Unidos – o que lhe habilita a negociar esquemas de liberalização com ampla gama de parceiros: o país andino possui acordos de livre comércio com algo em torno de 80%, ou mais, do PIB mundial, assegurando ampla penetração de seus bens nos maiores mercados do mundo, compreendendo todo o hemisfério, a UE e boa parte da Ásia e Oceania).
Esse ideal, no entanto, parece difícil de ser concretizado nas atuais condições políticas e econômicas do Brasil, pois implicaria em séria revisão de toda a sua política comercial, industrial e em vasta gama de disposições setoriais regulatórias. Ademais, seria indispensável contar com lideranças políticas com visão de estadista, armadas de estudos econômicos da mais alta competência técnica, para poder decidir, em total conhecimento de causa, quais políticas de desenvolvimento e de relacionamento nessas diversas dimensões seria importante impulsionar na agenda econômica externa. O Brasil precisaria estar disposto a modificar aspectos importantes de seu sistema tributário, de modo a tornar suas empresas mais competitivas, assim como dispor-se a ficar sozinho, no Mercosul, por exemplo, quando decisões de estrita racionalidade econômica e de seu exclusivo interesse nacional assim o determinar.
Da mesma forma, mesmo acordos bilaterais de maior escopo econômico – como podem ser as áreas de tecnologias sensíveis: nuclear, espacial, militar – podem requerer uma mudança fundamental de postura, o que esteve longe de acontecer nos últimos doze anos (ou mesmo antes). O Brasil recusou, por exemplo, todos os acordos de proteção de investimentos estrangeiros, em nome de um vetusto, arcaico, ridículo soberanismo jurídico, que tende a negar soluções arbitrais independentes nessa área, ou que se opõe ao princípio mesmo das controvérsias investidor-Estado a respeito de um investimento qualquer, como se este devesse sempre confrontar interesses privados e se opor a normas por ele mesmo estabelecidas para regular a atividade dos empresários estrangeiros.
Algo semelhante ocorreu com o acordo de salvaguardas tecnológicas com os Estados Unidos, visando viabilizar o lançamento de satélites com componentes – próprios ou no foguete de lançamento – resguardados por segredos comerciais ou com tecnologias sensíveis, em nome, mais uma vez, de um soberanismo tecnológico totalmente equivocado; isso também acarretou imensas perdas tecnológicas ao país, e grandes prejuízos comerciais, pois inviabilizou totalmente a exploração comercial da base de lançamentos de Alcântara. Nessas duas áreas, o ideal seria que o Brasil – ou uma direção mais esclarecida – revisasse totalmente a postura restritiva que se manteve inalterada durante mais de uma década, atrasando de fato o país nesses campos.
A componente dos investimentos, assim como a dos movimentos de capitais também comportam aspectos multilaterais, mas a postura do Brasil infelizmente tem sido, invariavelmente, igualmente restritiva quanto a códigos multilaterais podendo enquadrar esses fluxos financeiros e cambiais (assim como intangíveis de modo geral). O Brasil se opôs, no passado, ao Acordo Multilateral de Investimentos, em negociação (frustrada) na OCDE, bem como sempre se opôs a qualquer regulação multilateral – ou seja, no âmbito do FMI – no tocante a capitais financeiros, ambos elementos possuindo aspectos sensíveis, é verdade, para as políticas monetárias, cambiais ou a respeito de ativos de não residentes. Moeda e finanças constituem os últimos redutos da soberania estatal, mas é preciso reconhecer que a abertura aos movimentos de capitais, a uma maior competição no sistema bancário nacional, a colaboração fiscal internacional (inclusive para prevenir crimes transnacionais, como lavagem de dinheiro e o próprio terrorismo internacional) fazem parte de um mesmo processo de elevação do grau de inserção do país na economia mundial, o que levará, em última instância, à plena conversibilidade do real, um aspecto que beneficiaria amplamente indivíduos e empresas (mas não necessariamente o Estado, que teria de ater-se a normas mais rígidas em todas essas áreas).
Em qualquer hipótese, o que está em consideração em todos esses capítulos, é o aumento das liberdades econômicas dos agentes primários da criação de riquezas, que são as empresas e os próprios indivíduos, uma evolução não apenas natura, como absolutamente necessária se o Brasil pretende se alçar ao batalhão de frente das nações economicamente avançadas e abertas à interdependência global. A recente assinatura de um acordo marco do Brasil com a OCDE, concluído por decisão do novo ministro da Fazenda – contrariando, nisso, a antiga orientação anacrônica de dirigentes econômicos anteriores – é um fato auspicioso, pois significa que o Brasil pode começar a se enquadrar numa moldura de políticas econômicas sólidas, estáveis, e confiáveis, deixando para trás a volatilidade implícita nas mudanças bruscas, improvisadas, setoriais, que costumavam caracterizar os keynesianos de botequim que comandaram a economia brasileira durante vários anos. A OCDE representa, justamente, um tipo de racionalidade econômica estrito senso que há muito faltava às políticas públicas – macro e setoriais – do Brasil, ainda que contrarie todo o arcabouço mental antiquado dos “economistas” que pontificaram no governo desde a década passada.
Amplas camadas de economistas, e de empresários, já se convenceram de que o que cria volatilidade no país não são os capitais externos, mas é o caráter errático das políticas econômicas e das medidas regulatórias, que traz insegurança aos investidores externos, assim como aos próprios domésticos, e torna o ambiente regulatório pouco transparente e previsível. Uma agenda de abertura e de atratividade aos investimentos, que possa maximizar as chances do Brasil nas negociações internacionais tem de começar primeiro pela estabilidade de regras no plano interno, o que esteve longe de ocorrer nos últimos anos. Em consequência de políticas altamente distorcidas e extremamente intrusivas na vida das empresas, a acumulação de capital e os ganhos de produtividade sofreram enorme queda no Brasil, ao mesmo tempo em que se aprofundaram os desequilíbrios orçamentários internos e os de transações correntes no plano externo, trazendo o atual quadro de alta inflação, baixo crescimento, paralisia dos investimentos e perspectivas sombrias de ajuste e de desemprego. Talvez até mais grave do que as dificuldades materiais do presente seja o atraso mental dos seus dirigentes, a falta de lideranças políticas esclarecidas que consigam colocar o Brasil em compasso com o mundo globalizado.
Daí a necessidade de o país adotar uma agenda de modernização em todas as áreas do terreno econômico, como condição para aproveitar as chances abertas pela globalização (como fizeram, aliás, desde muito tempo, o Chile, na América Latina, e diversos países asiáticos da franja do Pacífico). A adoção dessa agenda não depende do mundo, mas apenas de próprio Brasil ou de suas lideranças políticas e empresariais. Não se trata de empreendimento fácil, mas ele é absolutamente indispensável para que o país encontre seu espaço na interdependência global. Reformas são necessárias e elas são sempre controversas, colocando em confronto interesses diversos, como se vê ainda agora mesmo em países tão diversos quanto a França, o México, a própria China.
Pode ser que os mecanismos de governança global – ou seja, a agenda dos organismos econômicos multilaterais, como os de Bretton Woods e a OMC – nos induzam a isso, mas é muito pouco provável. O mais provável é que ameaças de crises internas, ou sobressaltos nos planos financeiro e de balanço de pagamentos nos induzam a correções de rota. Afinal de contas, todas as reformas internas são difíceis e os países só são levados a mudanças profundas e significativas em seu ordenamento econômico e social sob a pressão de eventos desafortunados. O Brasil já acumulou todo um pacote de equívocos sistêmicos (a começar pela sua Constituição) e de erros monumentais de política econômica (como o distributivismo exacerbado, e demagógico, da atual “república sindical”) que está simplesmente atrasando nosso desenvolvimento, ou pelo menos reduzindo as taxas de crescimento econômico. Romper com essas amarras mentais é indispensável para que o país recupere um processo sustentado de expansão de sua economia, única base possível para o aumento da prosperidade nacional.
Quanto antes melhor…
Este é o terceiro de uma série de quatro artigos. O próximo será o seguinte: 
  • O que o Brasil deveria exatamente fazer para maximizar a “sua” agenda?
Leia os demais artigos da série: 
Paulo Roberto de Almeida é diplomata e professor do Centro Universitário de Brasília – Uniceub (@pauloalmeida53).