Perguntas de uma investigação tentativa
Nos últimos 80 anos, ou seja, desde os anos 1930, o Brasil deixou de ser um país “essencialmente agrícola”, como então se dizia, para engajar um dos mais bem sucedidos processos de industrialização da América Latina, e do conjunto de países em desenvolvimento. Com a aceleração do crescimento, sobretudo a partir dos anos 1950 e nos anos 1970, diminuiu a distância econômica, tecnológica e de nível de renda, entre o Brasil e os EUA, embora em escala bem modesta: de apenas um décimo da renda per capita dos americanos, no início do século 20, os brasileiros alcançaram um patamar de quase 30% do PIB per capita dos EUA em torno de 1980. Infelizmente, muito desse esforço se perdeu, nos anos de crise econômica, de hiperinflação e de desequilíbrios externos. Atualmente, mesmo depois de ter conseguido estabilizar a economia – ainda que caindo novamente numa fase de crescimento medíocre, que não se sabe até quando irá – a distância que nos separa dos níveis de bem-estar na América do Norte continua muito alta: cerca de um quinto, apenas, da renda per capita daquela região, com uma distância similar, talvez maior, em termos de produtividade total de fatores, devido ao péssimo desempenho educacional, como revelado pelos indicadores setoriais.
O que falta ao Brasil fazer para que ele possa realizar todo o seu potencial? Existiriam barreiras ao seu progresso que estariam ligadas ao sistema internacional? O comércio mundial por acaso tem sido um fator negativo no desempenho econômico do país? O acesso a tecnologias de ponta tem sido cerceado por razões políticas, ligadas a algum “projeto secreto” de países avançados de limitar nossos avanços nessa área, como acreditam alguns, ou estariam eles “chutando a escada” que poderia nos levar a níveis mais elevados de desenvolvimento material? O Brasil se sente prejudicado por não integrar o chamado “inner core”, o círculo restrito de potências que possui poder de decisão sobre a agenda da maior parte das instituições econômicas mais relevantes do multilateralismo contemporâneo? Em resumo: quão relevante é a agenda econômica internacional para os objetivos prioritários de desenvolvimento do Brasil?
Uma recapitulação sumária da história econômica contemporânea
O ano de 1929 representa um marco na história econômica mundial, não tanto pela queda dos valores dos ativos negociados em bolsa e nos mercados de bens reais (um fenômeno já conhecido em ciclos anteriores), quanto pelo que representou de implementação de medidas equivocadas pelos governos nacionais, na tentativa de cada um se resguardar dos efeitos mais perniciosos da degringolada e de buscar “empurrar a crise para o seu vizinho” (beggar-thy-neighbour), como se dizia então. De fato, a começar pelo Congresso americano, que aprovou um aumento nas tarifas de importação, passando pelos demais governos, que desvincularam suas respectivas moedas do padrão ouro, como forma de desvalorizá-las, e assim ganhar alguma vantagem competitiva, a atitude mais comum foi a de tentar isolar cada um dos países dos efeitos eventualmente nefastos que estavam em curso em praticamente todos eles. O resultado de todas essas políticas erradas foi que, em lugar de uma simples crise de mercados, o que se teve foi uma depressão geral que se estendeu durante anos a fio, carregando para baixo todos os indicadores econômicos e sociais.
As lideranças mais esclarecidas dos Estados Unidos aprenderam a lição e, em plena guerra, começaram a traçar planos para uma reorganização da ordem econômica mundial, baseada no multilateralismo, na não-discriminação, no acesso igualitário aos mercados, na reciprocidade de tratamento e em diversas outras cláusulas que deveriam ser fundadas na cooperação e na coordenação de políticas. Daí nasceram Bretton Woods e os princípios do sistema multilateral de comércio, por meio século regido unicamente por um acordo provisório, o Gatt, que foi sendo mantido, até passar a ser administrado pela OMC, o terceiro pé do sistema concebido em 1944 para regular cooperativamente as relações econômicas internacionais. De certa forma, o tripé resultou bem sucedido, levando a economia mundial a patamares jamais conhecidos de crescimento e de prosperidade, até que os choques do petróleo dos anos 1970 e os abusos cometidos pelos governos nos terrenos fiscal e monetário levaram às crises de estagflação – algo não previsto nos modelos keynesianos – e a uma profunda revisão das políticas econômicas. Os vinte anos seguintes foram de profundos ajustes nessas políticas, tanto nas economias avançadas, quanto nos países em desenvolvimento, processo que ficou conhecido no jornalismo superficial como sendo dominado pelo “neoliberalismo”, e que de fato implicou, em todos esses países, a revisão dos mecanismos de intervenção dos Estados na vida econômica, geralmente num sentido redutor e privatizador.
Combinada à crise final e derrocada dos sistemas socialistas, o mundo entrou no que foi chamado de terceira onda de globalização – sendo as duas anteriores a dos descobrimentos do século 16, que unificaram o mundo pela primeira vez, e a da segunda revolução industrial, no final do século 19, quando intercâmbios de todos os tipos se expandiram enormemente – caracterizada pela integração progressiva de todos os mercados, em escala nunca vista até então. O Brasil também enfrentou as duas crises do petróleo, e depois uma ainda mais grave, derivada do seu endividamento excessivo, provocado justamente pela tentativa de continuar seguindo o mesmo modelo de expansão exagerada da economia, sem fazer os ajustes requeridos pela nova situação. O resultado foi a aceleração da inflação, a moratória sobre os pagamentos externos, e uma queda geral nos indicadores de crescimento e de emprego, a chamada “década perdida” dos anos 1980, que na verdade estendeu-se até meados da década seguinte.
Feita a estabilização, pelo Plano Real, o Brasil começou novamente a trilhar o caminho das políticas econômicas responsáveis, embora sem resolver adequadamente o problema das despesas públicas, sempre em excesso em relação ao nível de receitas. A solução veio pela manutenção de uma taxa de juros muito elevada, de forma a permitir o financiamento público. A desconfiança quanto à capacidade do governo em honrar seus compromissos, aliada a uma nova onda de crises financeiras – iniciada pelo México, em 1994, prolongada na Ásia, a partir de 1997, e culminando na moratória da Rússia, em agosto de 1998 – engolfou novamente o Brasil em sérios desequilíbrios de balanço de pagamentos, o que o obrigou a negociar acordos emergenciais de empréstimo junto às instituições de Bretton Woods e outros credores institucionais. A crise ainda voltou a se manifestar no momento da derrocada argentina, no final de 2001, e quando das eleições presidenciais de 2002, quando os valores dos títulos brasileiros negociados internacionalmente chegaram a seus níveis mais baixos, e o dólar ascendeu a alturas inéditas. Os desafios eram importantes, mas eles foram sendo vencidos.
O governo empreendeu, durante essa fase de desequilíbrios, diversas reformas importantes nas políticas econômicas, o que preparou o país para uma nova etapa de crescimento econômico. A começar pela adoção da flutuação cambial e do regime de metas de inflação, complementada, logo em seguida, pela Lei de Responsabilidade Fiscal – que deveria impedir os dirigentes políticos de assumirem despesas sem indicar precisamente as fontes de receitas – e pelo compromisso assumido no orçamento de se liberar todo ano um superávit fiscal (para o pagamento dos juros da dívida pública), essas medidas deveriam manter o Brasil no caminho da estabilidade e das políticas econômicas responsáveis, condição de qualquer processo sustentado de crescimento econômico. O chamado tripé macroeconômico – flutuação cambial, metas de inflação e responsabilidade fiscal – foi de certa forma preservado durante a primeira metade da década do novo milênio, mas importantes reformas estruturais em regimes regulatórios e na modernização da infraestrutura deixaram de ser empreendidas, em favor de uma nova política de redistribuição de rendas que ultrapassou em muito as possibilidades de sua sustentação, por não ter correspondência com o ritmo de crescimento da economia e os seus níveis, medíocres de produtividade. Em feliz coincidência, o Brasil beneficiou-se de um crescimento inédito na economia mundial, em especial em países emergentes.
No bojo de uma nova crise financeira internacional, iniciada em 2007 nos sistemas imobiliário e bancário dos Estados Unidos, e disseminada internacionalmente a partir de 2008 e 2009, o Brasil reagiu de forma adequada, tanto porque vinha de uma fase de crescimento satisfatório, puxado pela demanda voraz da China por seus produtos de exportação: foi uma época em que a tonelada de soja chegou a valer 600 dólares, e a de minério de ferro quase 200. Depois de uma mini-recessão em 2009, o crescimento em 2010 registrou uma taxa praticamente “chinesa”: mais de 7%, inclusive com uma diminuição notável do desemprego. Infelizmente, a nova administração que teve início em 2011 atuou de forma totalmente irresponsável, como se pretendesse destruir os fundamentos do tripé econômico, e de certa maneira conseguiu: manipulando câmbio e juros, expandindo o crédito e aumentando de forma exagerada as despesas – pois que partindo de um diagnóstico errado de que o crescimento econômico deveria ser puxado pela demanda e não pelo investimento e pela oferta – e intervindo do modo totalmente improvisado em diversos setores da indústria, conseguiram produzir mais inflação, menos crescimento, volta do desemprego, aumento da dívida pública, déficits duplos no orçamento e nas transações externas, enfim, um desastre econômico completo.
Este era o estado lastimável da economia ao início da mesma administração, reconduzida nas eleições de outubro de 2014, mas fortemente contestada por uma oposição cívica que não aceita mais as falsas explicações do governo para o atual quadro de dificuldades de toda sorte. No início do segundo trimestre de 2015, não se tem certeza quanto à trajetória do governo atual, e do seu partido de sustentação, envolvidos nos mais clamorosos casos de corrupção jamais vistos na história do país.
O que tudo isso tem a ver com a agenda econômica internacional, é o caso de se perguntar? Em princípio muito pouco, ou nada, a despeito dos esforços das lideranças políticas, de forma canhestra, em tentar explicar o péssimo desempenho econômico por causa de uma alegada “crise internacional”, quando a maior parte dos países já enveredou novamente pela retomada do crescimento. EUA e UE, as duas economias avançadas mais atingidas pela crise, apresentam níveis razoáveis de recuperação, e os emergentes dinâmicos continuam a exibir saudáveis taxas de crescimento econômico. Cabe examinar, então, o que o Brasil poderia fazer para maximizar a sua agenda, em face dos atuais desafios que o país enfrenta.
O que uma agenda econômica adequada poderia fazer pelo Brasil?
Não existe, obviamente, uma única agenda econômica internacional que atenda às necessidades do Brasil e aos seus requerimentos de desenvolvimento. Existe, em contrapartida, uma diversidade de agendas setoriais, de organismos multilaterais, ou de entidades regionais que podem, se combinadas, contribuir para que o Brasil tenha um mix de políticas públicas adequadas, cobrindo tanto as reformas internas quanto a sua política econômica externa. Vamos repassar, portanto, os principais requisitos de um processo sustentado de desenvolvimento econômico, com transformações estruturais e distribuição social dos benefícios do crescimento, e que cobrem cinco frentes principais: a estabilidade macroeconômica, a competitividade microeconômica, a boa governança institucional, a qualidade do capital humano e a inserção na interdependência global.
Estabilidade macroeconômica: esta é composta dos componentes usuais nessa área, mas encontráveis mais facilmente nos países de economia avançada e estabilizada: uma inflação baixa (e a média mundial das economias desenvolvidas tem se situado entre 1,5% e 2% ao ano); câmbio e juros o mais possível dentro dos níveis fixados pelos próprios mercados, e não por manipulações dos governos; equilíbrio nas contas públicas (ou um déficit orçamentário inferior a 3% do PIB) e uma dívida interna não superior a um montante que permita o seu serviço também numa faixa inferior a 3% do PIB como pagamento de juros. A fiscalidade deve incidir antes sobre o consumo do que sobre os investimentos, o trabalho ou o lucro das empresas, e mais sobre o fluxo de rendas do que sobre o patrimônio, para evitar elisão fiscal ou diversas formas de fuga de capitais. As alíquotas também precisam ser moderadas, sobretudo sobre os bens de consumo popular, inclusive para evitar fraudes fiscais e contrabando. Os diversos comitês de trabalho da OCDE possuem uma larga experiência em todas essas matérias, e uma aproximação mais estreita do Brasil a essa entidade com sede em Paris poderia contribuir enormemente para a melhoria de qualidade de suas políticas macroeconômicas. Mas tudo isso, obviamente, em circunstâncias normais, o que não parece ser o caso do Brasil atualmente, que necessita antes passar por um sério ajuste em todas as suas contas públicas, e por uma rigorosa correção de todos os equívocos cometidos por meio de políticas mal concebidas e improvisadas.
Competitividade microeconômica: está se falando aqui de políticas setoriais, e o princípio básico é melhorar o ambiente de negócios para as empresas, o que também passa pela correção de alguns atavismos governamentais, como o caráter extorsivo da política tributária. Não é preciso desfilar o imenso rol de medidas a serem tomadas, bastando, para isso, consultar um relatório anual do Banco Mundial: Doing Business. Esse estudo detalha, com rigor, todas as esquizofrenias cometidas no Brasil, que tornam a vida dos empresários um verdadeiro inferno em dose dupla, ou tripla: na constituição de empresas, sua gestão e até no seu fechamento. Basta dizer que a classificação do país no ranking geral se situa em torno de 125 entre 187 países, mas isto apenas porque o empresariado, acostumado a um ambiente de hostilidade governamental, faz milagres para garantir um mínimo de eficiência gerencial, o que reduz a componente “micro” do estudo para níveis inferiores a 90; se formos considerar, no entanto, os critérios que dependem de medidas governamentais (tributação, infraestrutura, regulação, legislação laboral, etc.), o ranking do Brasil despenca para algo acima de 150. O ideal para o Brasil seria adotar o Doing Business como benchmark absoluto em todas as áreas, e estudar o que fizeram todos os países que possuem rankings setoriais abaixo de 60, o que já seria um progresso notável para o país. Não é difícil identificar as medidas a serem implementadas; se o Brasil não tiver técnicos competentes em todas as áreas do Doing Business, o Banco Mundial pode organizar um programa em torno dele.
Cabe referir, incidentalmente, que o melhor remédio para a competitividade microeconômica é justamente a abertura à competição, o que recomenda liquidar com todos os monopólios indevidos – a começar do setor de energia e combustíveis – e com todos os carteis em determinados serviços coletivos (telefonia e telecomunicações, em geral, mas também em todos os tipos de transportes). Não é preciso dizer que compras governamentais limitadas a fornecedores nacionais, beneficiados ainda por um prêmio abusivo de sobre-preço aceitável (25%, ao que parece) são um convite aberto a práticas viciadas e sujeitas a corrupção. O nacionalismo pernicioso no setor da construção civil, mas também vigente em outras áreas (saúde e educação, por exemplo) é um dos casos mais nefastos de anti-competitividade, além de inerentemente promíscuo e corruptor.
Boa governança: este é o núcleo das reformas estruturais, e que não se limita, e nem deveria começar pela “metafísica” da reforma política, ainda que os critérios de representação eleitoral e de presença no parlamento estejam totalmente deformados no Brasil atual. Dar início a um processo de reforma política pode significar a paralisia de todas as demais reformas setoriais indispensáveis à estabilidade econômica e aos ganhos de competitividade de que o Brasil necessita: pode-se limitar o processo ao voto distrital misto e a cláusulas de barreira para a atividade parlamentar (atualmente, apenas cinco ou seis partidos ultrapassam o limite de 5% do eleitorado, e se deveria ficar por aí, sem exceções para os partidos de aluguel ou minúsculos); não é preciso dizer que nada justifica o financiamento público de partidos ou de campanhas eleitorais, uma vez que se trata de entidades de direito privado, cabendo aos militantes e apoiadores essa tarefa.
O núcleo da boa governança passa pela reforma do Estado – com uma redução radical do ogro famélico e suas centenas, ou milhares, de órgãos associados –, por uma reforma administrativa que reduza e limite severamente a estabilidade do funcionalismo (e o recurso a diferentes formas de contratação em setores abertos ao mérito individual, como na educação e na saúde, por exemplo), e por uma urgente reforma previdenciária que corrija as distorções ainda remanescentes nos tratamentos (inclusive os privilégios vinculados ao setor público). O Judiciário, extremamente moroso nos processos, precisa passar por uma reforma nos procedimentos, com vistas a agilizar o seu término, hoje se estendendo, na média, por até oito anos. A área trabalhista é a que necessita de amplas reformas, basicamente no sentido do contratualismo, da livre negociação direta e da solução de pendências por via arbitral; a justiça do trabalho é um órgão antes causador do que solucionador de conflitos e deveria simplesmente ser extinta.
A própria federação é um mito, tendo em vista a concentração de recursos na União, o que faz surgir “jabuticabas” absurdas como um “ministério das cidades” no âmbito federal. Esse estado republicano “unitário” cria distorções contínuas no plano da repartição de recursos e competências, o que obriga deputados a se converterem em vereadores federais, mendigando financiamento federal para programas paroquiais. A emenda constitucional que torna impositivo o orçamento unicamente reservado aos projetos dos parlamentares é um absurdo político de tal monta que por si só explica a “desgovernança” absoluta a que chegou o Brasil no terreno das práticas federativas: coexiste a chantagem recíproca do governo federal e dos parlamentares em torno da negociação orçamentária e da atribuição efetiva desses recursos para fins paroquiais.
Qualidade do capital humano: o Brasil é um país terrivelmente penalizado pela péssima qualidade do ensino, em todos os níveis, o que se reflete na produtividade medíocre da mão-de-obra, em geral, e nos níveis anormalmente baixos de inovação tecnológica em face do seu grau relativamente avançado de industrialização. Não é preciso dizer que em termos de cobertura da educação formal – ensino compulsório – já acumulamos um atraso quantitativo absurdo em termos de taxa de matrículas em face de países mais avançados (mais de um século de atraso, e ainda carentes nos níveis médio e superior), mas o mais grave se refere mesmo à qualidade do ensino, cujo estado deplorável se reflete de forma recorrente nos exames do PISA (programa de avaliação internacional da educação média, conduzido pela OCDE), onde invariavelmente ocupamos os últimos lugares, na companhia de países com renda per capita inferior à nossa diversas vezes. O Brasil, na verdade, não necessita de uma reforma educacional, e sim de uma revolução nesse setor, o que passa basicamente pela formação adequada de mestres nos vários níveis; atualmente, a pedagogia educacional está contaminada por uma ideologia nefasta identificada ao “patrono” da área, o deseducador Paulo Freire e seu imenso rol de bobagens pedagógicas. Enquanto o Brasil não se libertar de quimeras e adotar o critério do rendimento nos estudos básicos, com aferição rigorosa de metas e critérios de progressão no ensino, e com remuneração de professores também vinculada ao mérito e aos resultados, não haverá progresso possível. O isonomismo-igualitarismo radical pregado pelos sindicatos é especialmente nefasto na tarefa de soerguimento da qualidade dos mestres empregados no setor. A OCDE também possui excelentes estudos nessa área, e o Brasil tem aí uma excelente agenda para seguir.
Inserção na interdependência global: estamos falando aqui, basicamente, de abertura a investimentos estrangeiros e ao comércio internacional. Trata-se, como nos demais casos, de uma agenda essencialmente interna, pois que não é preciso esperar nenhuma rodada multilateral de negociações, no plano internacional ou regional, para conduzir, por decisão própria, um amplo programa de abertura econômica unilateral e uma liberalização comercial compatível com os requisitos de upgrade tecnológico, para melhorar os padrões de competitividade das empresas exportadoras brasileiras. Nem é preciso esperar por acordos de livre comércio bilaterais – se o Mercosul for reformulado – ou do bloco para tais objetivos; basta reduzir as barreiras para-tarifárias, e reduzir as alíquotas da Tarifa Externa Comum (como exceção para baixo ou decisão conjunta) para que o Brasil se aproxime, idealmente, dos coeficientes de abertura externa vigentes no resto do mundo (na média, o dobro dos praticados atualmente pelo país).
Tanto a OCDE, quanto os bancos multilaterais, assim como a própria OMC, possuem o know-how em todas essas matérias comerciais e de investimentos, e bastaria comparar, por exemplo, nosso exercício periódico de revisão da política comercial no âmbito da OMC e compará-lo, em todos os critérios, aos dos países melhor situados no grau de abertura externa. O fato é que o Brasil recuou nos últimos doze anos, tanto em matéria de protecionismo comercial – junto com a Argentina, no Mercosul, diga-se de passagem – quanto no terreno dos investimentos estrangeiros, uma vez que o partido no poder continua recusando até hoje ratificação a mais de uma dúzia de tratados bilaterais de proteção a investimentos que foram assinados pelo Brasil.
Conclusões não conclusivas: precisamos de uma agenda global para avançar?
Do rol de medidas elencadas nos parágrafos precedentes, se deduz que todos os problemas do país são de origem doméstica, e que nenhum é causado por um ambiente externo negativo ou pouco cooperativo para nossos requisitos de desenvolvimento. O Brasil enfrenta aquilo que os economistas institucionalistas chamam de altos custos de transação, e estes são causados essencialmente – para não dizer deliberadamente – por um Estado disfuncional e por regras e normas totalmente prejudiciais ao funcionamento de um ambiente de negócios minimamente satisfatório para as empresas nacionais (e as estrangeiras aqui instaladas, obviamente, o que diminui a atratividade do investimento).
Custos de transação são, em princípio, aferíveis, identificáveis e quantificáveis no plano técnico, ou seja, para o estabelecimento de um diagnóstico seguro, para em seguida merecer um conjunto de prescrições corretivas que deveriam colocar o país no caminho do crescimento sustentado e sustentável. Se o Brasil conseguir cumprir, por exemplo, pelo menos a metade do rol de recomendações constantes do Doing Business já terá feito enormes progressos nesse caminho. Mas muito mais é possível fazer num plano estritamente técnico de políticas setoriais recomendáveis, inclusive a decisão de não ter nenhuma política setorial, em certos casos: na área industrial, por exemplo, em lugar de estímulos generosos – via BNDES – ou de proteção tarifária absurda para as empresas instaladas no Brasil, se poderia começar por uma regulação liberalizadora e pela baixa geral da absurda carga fiscal a elas impostas, para que o ambiente se tornasse mais respirável e mais propenso à reconquista da competitividade externa. Não existem obstáculos culturais nessa área, apenas comportamentos atávicos e antiquados.
Existem, sim, idiossincrasias nacionais que serão mais difíceis de serem contornadas, e elas têm a ver com o atavismo estatal profundamente entranhado nos mais diversos estratos sociais do país: tanto trabalhadores quanto capitalistas pedem, esperam, imploram, todos os dias, por “políticas públicas” em uma área qualquer, em todas elas aliás, e tudo precisa ser constitucionalizado, ou tornado obrigatório, para que algo se faça, como se um fiat legislativo fosse capaz de resolver problemas estruturais. Essa cultura nefasta do estatismo, junto com seu irmão siamês, o nacionalismo rústico, constituem poderosos fatores de atrasos materiais, quando não são viseiras mentais a impedir soluções pelo lado dos mercados livres, da abertura econômica de modo geral.
Alguns simples exemplos devem bastar. Por que a Anvisa precisa proibir as farmácias de vender chiclete? Seria ele um perigo tão grande à saúde pública? Por que a Ancine tem de regular cotas mínimas para exibição de filmes nacionais? Seria para elevar a qualidade da filmografia à disposição do público? Por que pena de prisão para carona remunerada? A ANTT pretende proibir cidadãos de disporem de seus carros livremente, ou está defendendo carteis de transportadores mancomunados a políticos? Por que os motéis são obrigados a fornecer camisinhas aos seus clientes? Por que o cidadão comum é cotidianamente enganado pela mentira dos “dez vezes sem juros”, quando todas as lojas escondem o custo do financiamento no crediário? Enfim, haveria uma infinidade de exemplos absurdos que apenas comprovaria que o Brasil não é um país normal, definitivamente.
Um grande esforço de transformação, inclusive mental, precisaria ser feito, para aproximá-lo, um pouco que fosse, dos padrões de liberdades econômicas vigentes na maioria dos países. Aliás, uma consulta ao relatório anual das liberdades econômicas no mundo (http://www.freetheworld.com/) revelaria quão atrasados estamos nesses quesitos: chegamos a perder inclusive da China comunista em diversos requisitos setoriais – embora não o geral – de liberdades empresariais. O país não apenas se situa em posições humilhantes em diversos rankings econômicos internacionais, como vem recuando ano após ano nos de competitividade microeconômica e nos de liberdades econômicas de modo geral. Não apenas nossa desigualdade distributiva apresenta níveis africanos no coeficiente de Gini, mas os níveis de corrupção são também africanos, num país que tem uma renda per capita superior à média daquele continente. Existe algo de muito errado no Brasil, como comprovam todos os indicadores comparativos no plano mundial. Na maior parte deles, uma simples consulta aos relatórios produzidos por essas entidades oficiais e privadas nos indicaria o caminho para melhorar nossos índices.
Mais uma vez se constata que as reformas dos problemas internos passam por soluções absolutamente domésticas, ainda que elas possam ser guiadas por métodos e prescrições retirados das experiências nacionais de outros países, e que conformam um roteiro de boas práticas à disposição de qualquer administração engajada nos princípios e metas da boa governança. O que existe, finalmente, de internacional, na ampla gama de medidas que tornariam o Brasil um país melhor para si mesmo e para a comunidade internacional? Talvez começar por uma política externa promotora das democracias e dos direitos humanos, e não defensora de ditaduras e de regimes deploráveis nesses dois quesitos; já seria um progresso enorme em relação ao que assistimos nos últimos doze ou treze anos.
Em síntese, nossa agenda para avançar nas reformas pode até ser global, ou internacional, mas apenas nos princípios e nas orientações básicas, uma vez que o mundo abunda em exemplos positivos e negativos de governança, o que se reflete claramente em todos os indicadores de qualidade de vida. Sem ser um desastre completo em todos os quesitos, o Brasil deixa claramente a desejar – até recuando – em vários deles, e os diagnósticos não são difíceis eles também se encontram em todos esses relatórios, à disposição de qualquer administração esclarecida, aberta, e disposta a empreender reformas (partimos do princípio evidente que todos os países necessitam de reformas, o tempo todo). Poderá o Brasil empreendê-las?
Um simples julgamento de circunstância, com base no exame da situação em abril de 2015, indica claramente que não. O Brasil se arrasta penosamente no caminho de um sério ajuste em suas contas públicas, o que constitui uma condição preliminar, e indispensável, a qualquer processo de reformas estruturais e institucionais. Se e quando ele for bem sucedido na tarefa preliminar, e dependendo da qualidade de suas lideranças políticas, ele poderá começar a discutir o conjunto de reformas aqui elencadas. Antes disso, parece utópico ou simplesmente inútil. Oitenta anos atrás, o escritor, folclorista e musicólogo Mário de Andrade já tinha chegado a uma conclusão relativamente frustrante para os nossos brios: “progredir, progredimos um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade” (poema “O Poeta Come Amendoim”, 1924). Se nada for feito, em tempo hábil, vamos continuar, no futuro previsível, progredindo um tiquinho, por saltos e recuos, como no espaço das duas últimas décadas.
Pode-se fazer melhor? Certamente, mas isso depende de estadistas…
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