Meu artigo mais recente publicado:
"A posição bizarra do Brasil na economia mundial, por Paulo Roberto de Almeida".
Mundorama - Revista de Divulgação Científica em Relações Internacionais, [acessado em 09/03/2016]. Disponível em: <
http://www.mundorama.net/2016/03/09/a-posicao-bizarra-do-brasil-na-economia-mundial-por-paulo-roberto-de-almeida/>.
A posição bizarra do Brasil na economia mundial
Paulo Roberto de Almeida
O Brasil ocupa hoje uma posição
sui-generis na economia internacional: situado entre as dez primeiras economias
do mundo, pela dimensão de seu PIB, de seus recursos naturais e da sua
população, ele se distancia no entanto do pelotão de vanguarda por sua fraca
inserção no comércio internacional, numa classificação que o coloca acima do 25o.
lugar, devido ao seu baixo coeficiente de abertura externa. Paradoxalmente,
também, a despeito de ser um dos grandes recebedores mundiais de investimentos
estrangeiros – tanto diretos quanto capitais de portfólio –, sua contribuição
ao estoque global de inovações e, portanto, ao incremento da produtividade, é
propriamente pífio, mesmo tendo aumentado significativamente o volume de
publicações científicas (ainda que mais “volumetricamente” do que
qualitativamente, ou seja, artigos “citáveis e usáveis” na elaboração de outras
pesquisas). Mais ainda: há uma enorme desconexão entre os esforços, e os
recursos, dispendidos na pesquisa básica e a sua materialização, sob a forma de
patentes, isto é, inovações suscetíveis de entrar na linha de produção.
A razão aqui está numa
grande desconexão entre P e D, ou seja, entre os centros produtores de
conhecimento aplicado e o chão da fábrica, uma vez que os empresários preferem
importar a tecnologia disponível do que desenvolvê-la por seus próprios meios. Aparentemente,
as universidades e os laboratórios de pesquisa sob fomento do Estado também são
muito pouco produtivos, pois o mesmo volume de insumos e de recursos investidos
em outros ambientes produzem um número significativamente maior de resultados
práticos (ou seja, de patentes). Nesse tipo de contradição entre o desempenho
da economia doméstica e o funcionamento da economia mundial residem alguns dos
principais problemas econômicos (e sociais) brasileiros, feitos de grandes
possibilidades potenciais, mas de fraco, extremamente débil, aproveitamento das
oportunidades oferecidas pelo meio ambiente internacional, o da globalização.
A verdade é que, para todos
os efeitos práticos, o Brasil é um país introvertido, tradicionalmente
protecionista e irracionalmente avesso a capitalistas estrangeiros, ainda que
possa apreciar o capital externo, como expresso nos altos índices de
endividamento estrangeiro desde o início da nação independente. Nisso ele não
se diferencia muito de vários outros países da América Latina, mesmo se esta
apresenta uma diversificação crescente nas duas últimas décadas. De um lado,
temos aqueles países que poderiam ser chamados de “globalizadores”, por acaso
hoje agrupados na Aliança do Pacífico, menos relevante pelo que ela possa representar
em termos de integração recíproca entre seus membros – Chile, Peru, Colômbia e
México – e mais importante quanto à possibilidade de inserção na região mais
dinâmica da economia mundial atualmente: a Ásia Pacífico, em vias de suplantar
o Atlântico norte como o grande centro dos intercâmbios mundiais nos mais
diversos tipos de fluxos econômicos: comércio, investimentos, tecnologia, know-how,
financiamentos e, sobretudo, capital humano. No outro extremo podemos situar os
chamados “bolivarianos”, que conseguiram exacerbar todas as taras do nosso
passado: dirigismo estatal, manipulações cambiais, nacionalismo míope,
mercantilismo comercial, governança errática, irresponsabilidade fiscal, e
aversão à globalização; seu destino não parece muito brilhante, a julgar pelo
desastre venezuelano. No meio dos dois grupos, podemos colocar os “reticentes”,
entre eles Brasil e Argentina, que sinalizaram comportamentos erráticos e
contraditórios nas políticas econômicas nas últimas duas décadas. A Argentina, agora,
parece querer escapar desse “bloco”.
Numa perspectiva
macro-histórica, o destino dos países não é imutável, nem imune a retrocessos
ou à estagnação. O exemplo mais evidente é a própria China, a maior economia
mundial até o final do século 18, mas que se fechou, a partir de certo momento,
ao comércio mundial e aos intercâmbios com parceiros externos, assim condenando-se
a uma lenta estagnação por mais de dois séculos, até, praticamente, o maoísmo
delirante dos anos 1960. Hoje, ainda sob a mesma governança autocrática, mas
dispondo de “mandarins” mais esclarecidos, ela conhece um notável renascimento
econômico e ocupa posições cada vez mais relevantes na economia mundial. Mais
perto do Brasil, a Argentina sinaliza um exemplo também raro de decadência
econômica contínua durante várias décadas: um dos países mais ricos do mundo um
século atrás, o país começou a declinar a partir da “década infame”, nos anos
1930, sucedendo-se a partir daí uma série de experimentos desastrosos em
economia e em política, seja sob o tacão dos militares, seja sob governos
populistas de corte peronista ou mesmo radical (os socialdemocratas). A
recente, de certa forma surpreendente, ascensão de um empresário à sua
presidência, pode sinalizar uma inflexão do país em direção de um liberalismo
econômico mais próximo da Aliança do Pacífico do que do Brasil atual, e
certamente bem mais distante do bolivarianismo relutante que florescia sob os
Kirchner.
Mas o Brasil também
evidencia uma recorrência de políticas conflitantes entre si, entre exercícios
de estabilização econômica e demonstrações de distributivismo populista, e uma alternância
de fases de crescimento com outras de crise e de recessão. Esse foi o padrão
“normal” – digamos assim – num itinerário de inflação persistente e de
episódios de estrangulamento externo que o Brasil conheceu desde o final do
regime militar. O que é diferente, na presente fase, é uma recessão profunda,
caminhando para uma possível depressão econômica, a pior de toda a nossa
história, não só a econômica, mas também a político-institucional (dada a
prevalência de comportamentos rentistas, ou até mesmo criminosos, em parte do
establishment político). Longe de ser o efeito de uma suposta crise
internacional sobre o tecido econômico brasileiro, a atual recessão-depressão representa
o resultado de anos de inépcia econômica – corrupção à parte –, combinada a uma
gestão comprometida com objetivos totalmente contrários ao que representaria
uma agenda consensual, no seio das elites e em largos estratos de sua classe
média; essa agenda seria feita de crescimento sustentado, com transformações
estruturais e com distribuição social dos resultados do desenvolvimento
econômico.
O fato é que o Brasil
vinha apresentando esses altos e baixos em sua trajetória de crescimento
econômico, causados seja por estrangulamentos externos (dois choques do
petróleo nos anos 1980, crise da dívida externa nos 80), seja por graves
episódios de descontroles internos (aceleração da inflação, déficits
orçamentários, desequilíbrios fiscais nos anos 90), mas mantendo, a despeito de
tudo, taxas positivas, maiores ou menores, de crescimento econômico. O que
passou a ocorrer desde meados dos anos 2000 – com um recrudescimento agudo
desse processo a partir de 2011 – foi uma deterioração geral dos principais
indicadores macroeconômicos (inflação, juros, fiscalidade, câmbio), ou seja, da
qualidade das principais políticas econômicas, e uma erosão dramática no
ambiente microeconômico, levando ao fechamento ou insolvência de muitas
empresas, que já vinham perdendo competitividade desde muito tempo, por causa
da tributação extorsiva exercida pelo Estado, provocando, em consequência, um
aumento gradativo dos níveis de desemprego. Bem mais grave, o governo federal, entre
2011 e 2015, cometeu erros graves de políticas macroeconômicas e setoriais,
atuando em total infração às normas mais elementares da contabilidade pública e
maquiando as contas domésticas numa proporção jamais vista na história
econômica do país.
O resultado foi propriamente
desastroso, como já analisei num artigo publicado neste mesmo espaço: “The
Great Destruction in Brazil: How to Downgrade an Entire Country in Less Than
Four Years”, Mundorama
(n. 102, 1/02/2016, disponível: http://www.mundorama.net/2016/02/01/the-great-destruction-in-brazil-how-to-downgrade-an-entire-country-in-less-than-four-years-by-paulo-roberto-de-almeida/). A obra destruidora
não foi obviamente construída em apenas quatro anos, mas representa o resultado
de um período bem mais largo de equívocos de
política econômica, alguns dos quais constituem verdadeiros crimes econômicos
contra o país, como a indicar a sua intencionalidade de realmente oferecer
oportunidade para comportamentos rentistas, quando não para o saque direto dos
recursos públicos, isto é, o dinheiro de todos nós.
O problema central do
Brasil dispensa grandes elaborações a respeito, pois já está plena e
suficientemente evidenciado em todos os índices econômicos disponíveis em
quaisquer bases de dados que se consulte. Não se pode, em todo caso, escapar do
diagnóstico simples, mas irrecusável, da ausência completa de governança, o que
é um problema político incontrolável por qualquer personagem político em
particular: trata-se de uma deformação de nosso sistema político, cuja evolução
é impossível determinar ex-ante, na falta de lideranças claras que ofereçam uma
visão clara dos problemas e suas prescrições de resolução ou de encaminhamento.
Mas cabe ainda discorrer sobre as questões vinculadas à interface do Brasil com
a economia mundial, que constituem, mesmo secundariamente, um dos vetores da
recuperação econômica futura do país.
A política econômica é
tão esquizofrênica, em seu formato atual, que o Brasil só poderá retomar um
novo rumo se aderir às boas regras da governança econômica de corte
tradicional, ou seja, ao estilo da OCDE, organização com a qual o ex-ministro
Joaquim Levy buscou elevar o padrão do relacionamento e de cooperação por parte
do Brasil, com a assinatura de dois acordos sucessivos de trabalho conjunto (ao
final de cujo processo, a própria OCDE já sinalizou sua postura simpática a uma
adesão do Brasil). Não é provável que o governo atual continue dando impulso a
essa agenda de reformas e de melhoria da qualidade das políticas econômicas,
sobretudo setoriais. Mas é preciso que reformas sejam empreendidas, não na
direção dos keynesianos de botequim – como foi o caso dos anos recentes – mas
na linha das políticas preconizadas pela OCDE, pelas instituições de Bretton
Woods ou pelo consenso do G7, o que é obviamente diferente das banalidades
conceituais, e totalmente inócuas, veiculadas por grupos artificiais como o
Brics, ou seus equivalentes na América Latina (tipo Unasul ou Celac).
Justamente, em relação à
América Latina e seus diferentes processos de integração regional, as
perspectivas não são nada promissoras, em que pese a recorrente transpiração da
retórica política dos presidentes, mas dotada de muito pouca inspiração no
plano substantivo. Tanto o Mercosul quanto a Comunidade Andina de Nações são
hoje uma sombra do que foram no passado; a Alba, projeto bolivariano do finado
presidente Chávez, não consegue sobreviver sem os petrodólares venezuelanos; a
própria Aliança do Pacífico, como já se antecipou, vale menos pelo que possa
contribuir para a integração recíproca de seus membros e mais pela ponte de
diálogo e pelos canais de imbricação que firmas desses países possam construir
e manter com os grandes parceiros econômicos da região da Ásia Pacífico. Com o
afastamento – por implosão deliberada – do projeto americano da Alca, amadores influenciando
de forma canhestra a diplomacia comercial do Brasil esperavam obter um acordo fácil,
ou rápido, entre o Mercosul e a União Europeia, o que, obviamente, revelou-se totalmente
ilusório, pela mesma razão da falta de concorrência ou de “ameaça”. Não são
tampouco viáveis as perspectivas de acordo entre o Mercosul e a Aliança do
Pacífico, pela grande distância que persiste entre as agendas negociadoras de
cada um dos grupos, dada a notória falta de entusiasmo do Brasil por processos
mais ousados de liberalização (algo que poderá mudar a partir de posições que
possam ser assumidas pelo novo governo argentino).
Um grupo como o Brics
continuará a existir – pois ele responde mais às metas políticas e aos objetivos
de imagem dos seus dirigentes do que a uma agenda comum de iniciativas
concretas – mas é pouco provável que suas reuniões de cúpula obtenham o sucesso
de publicidade que vinham logrando até aqui, inclusive porque pelo menos três
dos cinco enfrentam dificuldades econômicas de certa dimensão. Mesmo o novo
banco de fomento criado no âmbito do Brics, o New Development Bank, pode
representar uma saudável concorrência às instituições já existentes nessa área
de financiamento de obras de infraestrutura em países em desenvolvimento, mas
ele será uma estrutura bem menos positiva se a análise dos seus projetos
obedecer mais a critérios políticos de compadrio entre as empresas estatais e
de construção dos países membros e os dirigentes dos países receptores de seus
empréstimos do que a cálculos objetivos de custo-benefício e de retorno
assegurado sobre os investimentos.
Não é tampouco provável
que o governo do Brasil tome novas iniciativas na frente diplomática, como foi
o caso nos dois primeiros mandatos do ciclo lulopetista. O cenário externo para
o Brasil é nitidamente negativo, num contexto em que as agências de
classificação de risco continuam a posicionar o país em escalões ainda mais
baixos do grau especulativo. Decisões desse tipo tornam difícil reverter a
perda de atratividade do país para os investidores internacionais, não só
aqueles empresários desejando iniciar negócios físicos, mas também fundos de
investimentos atuando exclusivamente no setor financeiro (ações em bolsa,
títulos governamentais, debêntures de empresas, etc.). Esse cenário já se
materializou na elevação das taxas de spread – percepção de risco – que o
Brasil passou a pagar em suas operações financeiras externas. A Petrobras
representa, provavelmente, o exemplo-síntese dos desastres consumados na era
lulopetista, ainda que ela não seja a única agência pública tomada de assalto
pelos novos bárbaros.
Em síntese, a despeito
de todo o seu potencial, do aparente sucesso acumulado nos anos fastos da
bonança chinesa – quando as commodities exportadas alcançavam picos
historicamente inéditos de valorização – e do prestígio correspondente,
construído por uma diplomacia dita ativa e altiva, mas feita muito mais de pirotecnia
do que de consistência, o papel do Brasil na economia mundial tende a diminuir
em todas as frentes possíveis de interação com os parceiros externos: comércio,
finanças, investimentos, cooperação em grandes projetos, ou até na assunção de
suas obrigações já comprometidas com diversas organizações internacionais,
cujas dotações orçamentárias não estão sendo cumpridas. A percepção de uma
reincidência do país em velhos erros do passado – inflação em alta, medidas
erráticas na política econômica, deterioração das contas fiscais, diminuição
das oportunidades de investimento direto – pode até representar certo exagero
por parte dos observadores externos, e como tal repercutido na imprensa
financeira, mas quando esse tipo de fenômeno ocorre os investidores
internacionais se retraem por um prazo médio de cinco anos, pelo menos.
Existe saída para o
Brasil no cenário econômico internacional? Certamente, uma vez que o país
possui ativos relevantes no quadro da economia real: recursos naturais abundantes,
grande mercado interno, uma conformação geral de suas instituições que pode ser
superior à de seus parceiros atuais no plano diplomático. Mas essa recuperação
não se apresenta como de fácil implementação no atual quadro de governança
política, que aliás não corresponde a esse conceito. A ausência de estadismo na
classe política, de uma clara visão da urgência das reformas necessárias, o
comportamento rentista de boa parte de suas elites dirigentes e o compadrio registrado
em várias frações de sua classe capitalista não constituem ativos desejáveis
nesse cenário. Uma conclusão parece, no momento, inevitável: o futuro não é
para amanhã no horizonte do Brasil.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 17/02-2/03/2016