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segunda-feira, 30 de novembro de 2020

O Brasil e a agenda econômica internacional: 2015-2018 - Paulo Roberto de Almeida

 Revisando alguns trabalhos anteriores que possam ainda apresentar alguma validade nos tempos atuais. Não sei se progredimos em algo, ou se tudo permaneceu mais ou menos parado...

A versão mais recente, de meados de 2018, está aqui: 

3279. “O Brasil e a agenda econômica internacional: uma revisão 3 anos depois (abril de 2015)”, Brasília, 1 junho 2018, 30 p. Disponibilizado em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/36757538/O_Brasil_e_a_agenda_economica_internacional_uma_revisao_3_anos_depois_abril_de_2015) e divulgado no blog Diplomatizzando (https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/06/o-brasil-e-agenda-economica.html).

Vou tentar atualizar esses trabalhos para a fase atual.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 30 de novembro de 2020


2807. “O Brasil e a agenda econômica internacional, 1: como se apresenta o cenário econômico internacional da atualidade?”, Hartford, 6 abril 2015, 4 p. Análise da situação econômica atual do mundo, em preparação para a discussão da posição e dos desafios para o Brasil. Mundorama (15/04/2015). Academia.edu (link: https://www.academia.edu/12159703/2807_O_Brasil_e_a_agenda_economica_internacional_1_como_se_apresenta_o_cenario_economico_internacional_da_atualidade). Republicado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2015/04/o-brasil-e-agenda-economica.html). Relação de Publicados n. 1172.


2808. “O Brasil e a agenda econômica internacional, 2: como o Brasil se insere no cenário mundial, agora e no futuro próximo?”, Hartford, 10 abril 2015, 6 p.; revisto em 15/04/2015. Continuidade da série, tratando das questões internas ao Brasil. Mundorama (22/04/2015). Republicado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2015/04/o-brasil-e-agenda-economica_22.html). Academia.edu (link: https://www.academia.edu/12159816/2808_Como_o_Brasil_se_insere_no_cenario_mundial_agora_e_no_futuro_proximo). Relação de Publicados n. 1175.


2814. “O Brasil e a agenda econômica internacional, 3: como e qual seria uma (ou a) agenda ideal para o Brasil?”, Hartford, 18 abril 2015, 7 p. Continuidade da série, no seguimento dos trabalhos 2807 e 2808, tratando de uma possível agenda de reformas internas e de novas posturas externas para fazer o Brasil se inserir na globalização. Mundorama (29/04/2015). Republicado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2015/04/o-brasil-e-agenda-economica_29.html). Academia.edu (link: https://www.academia.edu/12159844/2814_Como_e_qual_seria_uma_ou_a_agenda_ideal_para_o_Brasil_2015_). Relação de Publicados n. 1176.


2815. “O Brasil e a agenda econômica internacional, 4: o que o Brasil deveria fazer para maximizar a “sua” agenda?”, Hartford, 19 abril 2015, 11 p. Continuidade, e fim, da série de artigos sobre a agenda de reformas internas. Mundorama (06/05/2015). Republicado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2015/05/o-brasil-e-agenda-economica.html). Relação de Publicados n. 1177.


3279. “O Brasil e a agenda econômica internacional: uma revisão 3 anos depois (abril de 2015)”, Brasília, 1 junho 2018, 30 p. Junção de quatro artigos escritos em abril de 2015 (sob os números 2807, 2808, 2814 e 2815), publicados em Mundorama tratando dos temas seguintes: 1. Como se apresenta o cenário econômico internacional da atualidade? (15/04/2015); 2: como o Brasil se insere no cenário mundial, agora e no futuro próximo? (22/04/2015); 3: como e qual seria uma (ou a) agenda ideal para o Brasil? (29/04/2015) e 4: o que o Brasil deveria fazer para maximizar a “sua” agenda? (06/05/2015), unificados em um bloco sequencial, disponibilizado em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/36757538/O_Brasil_e_a_agenda_economica_internacional_uma_revisao_3_anos_depois_abril_de_2015) e divulgado no blog Diplomatizzando (https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/06/o-brasil-e-agenda-economica.html). 


Pode ser complementado por este trabalho intermediário: 


3096. “O que esperar de 2017: economia e política internacional”, Brasília, 20 março 2017, 14 p. Notas para participação em seminário na Assembleia Legislativa do RS, em 23/03/2017. Postado no mesmo dia em Mundorama (21/03/2017) e no Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/03/o-que-esperar-de-2017-economia-e.html).


terça-feira, 20 de novembro de 2018

RBPI: artigos econômicos, de 1958 a 1988 - Paulo Roberto de Almeida

Revista Brasileira de Política Internacional

versão impressa ISSN 0034-7329versão On-line ISSN 1983-3121

Rev. bras. polít. int. v.41 n.spe Brasília  1998

http://dx.doi.org/10.1590/S0034-73291998000300006 

ARTIGOS DE RESENHA

Economia internacional e desenvolvimento econômico: a RBPI na vanguarda do pensamento brasileiro

Paulo Roberto de Almeida
Editor Adjunto da RBPI


A despeito do foco primordial inscrito em seu título, que poderia supostamente restringi-la aos temas vinculados à politologia acadêmica e à diplomacia profissional, a Revista Brasileira de Política Internacional tratou intensamente, durante toda a sua existência, de questões econômicas, com forte ênfase, como seria óbvio, nos problemas de economia internacional em geral, dando ainda grande atenção — como também seria natural, em razão de um certo "determinismo" geográfico — aos diversos aspectos vinculados aos processos de desenvolvimento econômico e tecnológico do Brasil, em especial em sua interação com discussões e negociações internacionais em curso nos foros econômicos multilaterais e regionais.
Essa preocupação transparece, aliás, desde seu número inaugural, em março de 1958, no qual o jurista e político Hermes Lima fazia uma apresentação da Conferência Econômica Interamericana, realizada em agosto e setembro de 1957 em Buenos Aires, enquanto a seção de documentos trazia os textos das resoluções aprovadas. Ela continuou de forma reiterada e persistente durante toda a sua existência, no Rio de Janeiro e em Brasília, como se pode comprovar em seu número 1997/2, publicado quando da preparação deste volume comemorativo, pois que seu Editor, Amado Luiz Cervo, comparece com um artigo sobre a experiência histórica da política de comércio exterior e o desenvolvimento brasileiro, ao passo que este autor, Editor-Adjunto da RBPI, apresenta um ensaio, também de caráter histórico, sobre a evolução de longo prazo do multilateralismo econômico e o envolvimento internacional do Brasil, entre 1815 e 1997.
Tal constância é reveladora não só da importância que os temas econômicos sempre assumiram na definição da política editorial da revista, voltada precipuamente para a inserção internacional do Brasil, vale dizer de sua incorporação à economia mundial e de seu papel protagônico nos processos de integração regional, como também confirma uma característica básica da política exterior do Brasil desde o início da era Vargas, ou pelo menos nos últimos 40 ou 50 anos, que é também o horizonte histórico de existência da revista: a de que esse política se apresenta, fundamentalmente, como uma diplomacia do desenvolvimento e é, indiscutivelmente, na busca incessante do desenvolvimento econômico e social que pode e deve ser encontrada a chave mestra da atuação da política externa governamental durante todo esse largo período.
RBPI pode, assim, orgulhar-se de ter não apenas refletido esse itinerário "existencial" da moderna diplomacia brasileira — através de seus inúmeros artigos informativos e analíticos sobre questões diversas relativas à economia internacional e ao desenvolvimento e da publicação dos mais relevantes documentos divulgados nessas áreas — como também, e isto deve ser ressaltado, contribuído de maneira substantiva para os esforços de reflexão e de análise em torno dos caminhos abertos ao desenvolvimento brasileiro, tal como visto em ensaios, comentários e notas críticas elaborados por diplomatas e economistas profissionais que foram seus colaboradores ao longo desses 40 anos. Assim, não há um só grande tema relativo à inserção externa e ao desenvolvimento econômico do Brasil — comércio, finanças, investimentos, modernização tecnológica, política nuclear, mar territorial, recursos naturais, produtos de base, industrialização, informática, patentes, integração regional, cooperação técnica, recursos humanos e, last but not least, globalização — que não tenha merecido não só um, mas vários artigos, resenhas, notas, documentos, todos voltados para a informação de qualidade e a análise crítica de sua importância para o Brasil e sua política exterior.
Uma consulta, mesmo perfunctória, aos sumários compilados no final deste volume confirma a afirmação peremptória que acabo de fazer. Os comentários alinhados a seguir visam tão somente destacar contribuições de relevo em algumas rubricas de relativo impacto para a inserção econômica internacional do Brasil.

Cooperação econômica interamericana
O número inaugural contém, como se disse, pequena nota de Hermes Lima com comentários à conferência econômica de Buenos Aires, em 1957. Os países latino-americanos vinham insistindo em sua realização desde o final dos anos 40, iludidos com a idéia de que os Estados Unidos poderiam reproduzir em seu favor um segundo "Plano Marshall". Mas, já em Bogotá, em 1948, o próprio Marshall recusava tal iniciativa, insistindo por medidas que abrissem as possibilidades de investimentos diretos da parte de capitais privados, ao passo que os latino-americanos manifestavam sua preferência por capitais públicos. As divergências continuaram nos dez anos seguintes e, em Buenos Aires, não se logrou aprovar uma "Carta Econômica Americana", mas tão simplesmente uma "Declaração", com vagas declarações de intenção e algumas resoluções tendentes a incrementar as atividades de cooperação técnica no âmbito da OEA.
Os resultados foram, como se sabe, mitigados, mas uma explosão de descontentamento e de manifestações populares na região contra o "imperialismo yankee", representado na figura do vice de Eisenhower, Richard Nixon, deu a Juscelino Kubitscheck a oportunidade de propor um vasto programa de cooperação econômica interamericana, como forma de promover o desenvolvimento latino-americano e aproximar ainda mais as duas partes desiguais do hemisfério. Tratou-se, como se sabe, da Operação Pan-Americana, a primeira proposta brasileira, no campo da política externa, verdadeiramente multilateralista. Recebida com frieza pelos Estados Unidos, que esperavam ser consultados antes de o Governo brasileiro enviar notas e propostas de reuniões aos demais governos, ela não chegou de fato a prosperar, mas deu origem a outras iniciativas de caráter político ou econômico, como mais adiante a "Aliança para o Progresso" e, em caráter mais imediato, o Banco Interamericano de Desenvolvimento.
O processo, bastante difícil, de criação do BID está enfocado em artigo de Cleantho Leite no nº 6 (junho de 1959) da RBPI, no qual aquele que seria um dos futuros diretores da instituição financeira interamericana traça o quadro de negociações desde seus primórdios — de fato desde a Primeira Conferência Internacional Americana, de 1889-1890 — até os momentos decisivos que acompanharam o desenrolar da própria OPA, caracterizada pelo Governo brasileiro não como "uma ação delimitada no tempo, com objetivos a serem atingidos no curto prazo, mas uma reorientação da política continental", não "um simples programa, mas toda uma política". A RBPI sempre realizou extensa cobertura das atividades do BID, criado na mesma época em que se afirmava a revista e onde trabalhou Cleantho de Paiva Leite, que seria, durante longos anos à frente, o diretor do IBRI e o responsável editorial — e financiador generoso — desta revista, enquanto ela foi publicada no Rio de Janeiro.
Curiosamente, no início, a postura do Governo brasileiro a esse projeto basicamente impulsionado pelo Chile era, como informa Cleantho, então diretor do BNDE, "de excessiva cautela e de frio realismo". Embora vários círculos governamentais fossem simpáticos à idéia — com exceção do ortodoxo Ministro da Fazenda Eugenio Gudin, em 1955 —, o Brasil via poucos motivos de otimismo para a concretização da idéia, uma vez que o país que seria seu principal acionista se colocava frontalmente contra a iniciativa, continuando os Estados Unidos a alegar que os fluxos de capitais privados e os recursos oficiais do BIRD e do Eximbank poderiam prover a região do financiamento necessário ao seu desenvolvimento. A incorporação do projeto no âmbito da OPA, en julho de 1958, obrigou no entanto a uma tomada de posição oficial por parte de todos os governos da região, o que conduziu, no devido momento, a uma redefinição radical da postura norte-americana. Depois de inúmeras reuniões, certamente muito calor e alguma luz, o BID emerge ao cabo de uma conferência de três meses em Washington, no primeiro semestre de 1959.
Cleantho, que foi o chefe da delegação brasileira à conferência constitutiva, concluía seu artigo dizendo que "Depois de tantos anos de esperanças frustradas, os países da América Latina iniciarão uma grande experiência no campo da finança internacional". A ação da nova instituição não permitiu, de fato, mudar o cenário socio-econômico da região, tanto quanto o desejavam os homens de governo e seus técnicos, mas não se pode tampouco dizer que a história operacional do banco tenha sido uma coleção de insucessos, muito pelo contrário. Mas, no momento de sua criação o clima era efetivamente de muitas esperanças, sobretudo numa outra vertente da cooperação que também recebeu toda a atenção da RBPI, o da integração regional.
Quanto à "Aliança para o Progresso", ela foi discutida na conferência econômica interamericana realizada no Uruguai, em agosto de 1961, da qual resultou uma "Carta de Punta del Este", assinada por todos os países membros da OEA, à exceção de Cuba, ali presente na pessoa de Ernesto Che Guevara, então presidente do Banco Nacional de Cuba. Como informa a resenha publicada no nº 15 da RBPI (setembro de 1961), o Governo brasileiro atuou no sentido de "conseguir uma reaproximação entre os Estados Unidos (...) e a República do Cuba". A reunião promoveu igualmente a idéia da integração econômica na região, da qual a zona de livre comércio recém proclamada seria o primeiro passo.

Integração econômica, multilateral e sub-regional
São inúmeras as contribuições publicadas na revista sobre o tema da integração. Já no segundo número (junho de 1958) aparecia um artigo pioneiro de Garrido Torres sobre as etapas iniciais do processo de integração na América Latina, significativamente intitulado "Por que um mercado regional latino-americano?". Não se tratava apenas de informação: era, por assim dizer, a própria História in the making, o que sempre distinguiu sobremaneira esta revista. O tema da integração foi, aliás, um dos mais recorrentes em toda a sua existência, cumprindo ela o papel de registrar e analisar os processos em curso de intensificação da cooperação econômica regional. Depois da criação da ALALC — devidamente documentada pela RBPI (vide texto do Tratado de Montevidéu no nº 10, junho de 1960) —, diplomatas com envolvimento direto nas negociações, como Henrique Valle e Mozart Gurgel Valente, publicam análises críticas sobre os primeiros passos da ALALC, sobre as características, condições e limites do processo de integração regional, bem como sobre as próprias relações internacionais da América Latina.
O primeiro, em artigo intitulado "O Brasil e a ALALC" (nº 21, março de 1963), consoante o conhecido pragmatismo do Brasil, já alertava realisticamente para uma redução apenas gradual das tarifas alfandegárias intra-zona, mas enfatizava a urgente necessidade de coordenação política de molde a reforçar o poder de barganha da América Latina no cenário internacional. O mesmo diplomata, então Diretor Executivo do IBRI — e nessa qualidade editor da RBPI — retomava o assunto em 1963, no artigo "ALALC: realizações e perspectivas" (nº 23), registrando as dificuldades do processo e apoiando a idéia de criação de um mecanismo de consulta entre os chanceleres, com vistas a dar respaldo política à entidade. Um dos principais complicadores à unificação do espaço econômico no continente era obviamente o fato de se ter adotado uma perspectiva uniformemente multilateralista, englobando países de níveis diferentes de desenvolvimento num mesmo processo de liberalização. Daí a razão de o pragmático Brasil e os demais países do Cone Sul terem manifestado interesse, no início, por uma arquitetura mais restrita geograficamente, baseada num esquema de simples preferências tarifárias, o que, no entanto (antes da aceitação em 1979 da cláusula de habilitação), não era permitido pelo GATT). Essa dificuldade era no entanto menos importante do que as características estruturais das economias latino-americanas — sua histórica excentricidade, por exemplo — ou do que dificuldades mais prosaicas, como a ausência quase completa de ligações físicas entre os países ou a falta de financiamento às exportações locais, que tinham de ser saldadas em dólar e a curto prazo.
O próprio ministro da Fazenda, em 1964, Francisco de San Tiago Dantas empenhou-se por obter, junto ao BID, uma linha de crédito para financiar as exportações intra-zona, como ele relatou em palestra de janeiro de 1964 a empresários paulistas, devidamente registrada na RBPI: "A ALALC e o neo-subdesenvolvimento" (nº 27, setembro 1964). O problema só seria parcialmente resolvido, como se sabe, mediante o estabelecimento de um sistema de clearing regional, ao qual tinha se oposto o FMI, por motivos de defesa da conversibilidade plena e de multilateralização dos pagamentos, mas cujos argumentos foram derrotados por Raul Prebisch, que inspirou-se na experiência da União Européia de Pagamentos. De fato, com o funcionamento do CCR, a partir de 1965 — que, instituindo um mecanismo de créditos recíprocos, permitiu aos países uma poupança substancial de seus parcos recursos em divisas —, o comércio intrarregional começa a apresentar cifras crescentes de valor e volume, até que as crises do petróleo nos anos 70 e, sobretudo, a da dívida externa, na década seguinte, provocam verdadeira hecatombe nas cifras de intercâmbio recíproco.
A ALALC, sem ter logrado alcançar o objetivo do livre comércio no prazo inicialmente fixado (1972), foi substituída, depois de nova prorrogação, pela ALADI, em 1980. A RBPI continuou a cobrir os percalços desse processo, que foi, de certa forma, subregionalizado pelas iniciativas de grupos ou parcerias estratégicas desenhadas no continente ao longo do período. O primeiro exemplo foi o Grupo Andino — hoje Comunidade Andina —, constituído em 1969 como subgrupo dentro da ALALC; o segundo, já em meados da década de 80, foi obviamente o processo Brasil-Argentina, que se desdobrou, no início dos anos 90, no projeto Mercosul, incorporando ainda o Paraguai e o Uruguai.
Uma reflexão sobre as dificuldades — distância entre o discurso e a prática — do processo multilateral regional de integração foi oferecida em artigo do primeiro titular da Secretaria Executiva da ALALC, Romulo de Almeida (XXX, 117-118, 1987/1), no qual ele reconhece que a viabilização da integração dependeria de um consenso em torno de regras de liberalização comercial de aplicação automática. A automaticidade do desarme tarifário foi assegurada no processo Brasil-Argentina, cujas primeiras etapas foram enfocadas em artigo (no mesmo número) de Hélio Jaguaribe, pioneiro dos estudos de integração e ativo promotor do processo bilateral.
A perspectiva analítica, nesse e em vários outros trabalhos sobre a integração regional, é mais político-diplomática — como se espera de um veículo com esse nome — do que propriamente econômica, mas esta particularidade sempre foi uma das "vantagens comparativas" da RBPI: pensar politicamente os grandes temas do desenvolvimento econômico brasileiro. Mais adiante, em 1991 e 1992, o Emb. Rubens Barbosa, então representante do Brasil na ALADI e logo em seguida encarregado dos temas econômicos e de integração no Itamaraty, publicou artigos sobre a experiência da ALADI e os primeiros momentos do Mercosul. Em seu período de Brasília, igualmente, a revista continuou a divulgar inúmeros estudos e análises sobre os processos de integração na região, inclusive a partir de uma perspectiva sindical, como evidenciado nos sumários dos números recentes.
Finalmente, a revista também refletiu as diversas iniciativas tomadas no âmbito regional para impulsar os esforços de coordenação e de cooperação política e econômica entre os países da América Latina. Sem pretender a um levantamento completo desse material — uma vez que ele compreenderia os diferentes esquemas integracionistas e as organizações hemisféricas, regionais e subregionais, vale mencionar a matéria de João Paulo de Almeida Magalhães, uma vez que ela trata de um dos foros de coordenação que se considerou, em seu início, que ele poderia desempenhar, para a América Latina, o mesmo papel que, para os países desenvolvidos, desempenha a OCDE: "O SELA e a cooperação entre os países latino-americanos" (XXVIII, 111-112, 1985/2).

Capitais e investimentos estrangeiros: tradicionais obsessões brasileiras
Uma das grandes questões do relacionamento econômico externo do Brasil, ainda antes do início da publicação da RBPI, era o tratamento a ser concedido aos fluxos de capital estrangeiro em geral e o regime aplicado aos investimentos diretos em particular. Essas questões sempre foram motivo de fortes controvérsias na opinião pública em geral e no Parlamento em especial, sobretudo depois que, em seu segundo governo, Vargas acusou demagogicamente o capital estrangeiro de "provocar uma sangria" nas contas da Nação, sem sequer considerar a parte de responsabilidade da taxa cambial irrealista ou aspectos defasados da legislação pertinente.
A presença do capital estrangeiro nos anos 50 e começo dos 60 não era, provavelmente, mais importante do que atualmente, mas ela era mais visível, talvez, depois de décadas de fechamento externo por causa da crise do entre-guerras e da própria guerra mundial. Até a criação das grandes empresas estatais em áreas consideradas estratégicas, muitos serviços públicos, em especial na oferta de energia e nas comunicações, por exemplo, eram oferecidos por empresas estrangeiras, situação que vinha praticamente desde o Império. Algumas delas, como o "polvo" da Light ou as telefônicas, detinham um verdadeiro monopólio sobre a oferta, auferindo desse fato altos lucros decorrentes dessa exploração em condições privilegiadas, como alegavam os nacionalistas.
A situação de desconforto e mesmo de tensão agravou-se em 1959, quando da nacionalização — ou "estadualização" — da concessionária de energia elétrica Bond and Share, pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. Esse movimento foi seguido pela expropriação e estatização de outras empresas estrangeiras em vários estados — como a Companhia Telefônica "Brasileira", por exemplo — e a emergência subsequente de um contencioso com os Estados Unidos a propósito dos valores de indenização. A RBPI não esteve ausente do debate sobre as condições da nacionalização e o pagamento de compensações aos proprietários estrangeiros, como se pode comprovar pelo artigo de Barbosa Lima Sobrinho, "O Brasil e a encampação de concessionárias estrangeiras" (V, nº 18, 1962), que tomava resolutamente partido por um escrutínio detalhado de todas as operações e contabilidade dessas concessionárias, antes de fixar-se seu preço de aquisição pelo Estado. Esse debate foi intenso, atravessando mesmo a mudança de regime em março de 1964: em 1965, a revista dedica dois números inteiros (30 e 31/32) à compra das concessionárias estrangeiras — entre elas a American and Foreign Power — pelo Governo brasileiro, publicando os relatórios das comissões parlamentares de inquérito, as notas trocadas entre os governos dos Estados Unidos e do Brasil, inúmeros discursos de ministros (antes e depois do golpe militar) e pronunciamentos de parlamentares.
Logo adiante, a questão do capital estrangeiro volta novamente ao primeiro plano da atualidade política, quando se discute, precisamente, um acordo bilateral de garantia de investimentos — ou seja, de proteção contra expropriações abusivas — entre o Brasil e os Estados Unidos: a RBPI publica novamente, em 1966, dois números completos (33/34 e 35/36) sobre as negociações, o teor do acordo e sua difícil aprovação, depois de "ululantes" debates parlamentares. O tema continuaria sensível, pois já em 1977, em seu vigésimo aniversário, a RBPIdedicaria novo número especial (77/80) à CPI das multinacionais e do capital estrangeiro, que agitou o Congresso em plena "distensão política" do Governo Geisel, sendo talvez um dos motivos indiretos de seu fechamento e da cassação de parlamentares da oposição, em abril daquele ano.
No período recente, a palavra chave vinculada aos fluxos de capitais estrangeiros — e que continua a despertar reações diversas na comunidade acadêmica brasileira — é a da "globalização", sobretudo em sua vertente financeira. A RBPI também vem dando a essa questão a devida atenção, como atestam diversos artigos já publicados na sua série de Brasília, assim como ela sempre cobriu com razoável intensidade, no passado, os principais eventos e processos nessa área, como comprovado na próxima seção deste artigo de resenha.

Finanças, dívida externa e foros de coordenação econômica
Com efeito, outro aspecto intimamente ligado ao dos capitais de risco, é o do fluxo dos capitais de empréstimo — e sua contrapartida sob a forma de amortizações e juros —, que sempre integrou o planejamento das contas públicas no Brasil, tanto por necessidades orçamentárias, como para fins de investimento produtivo. Foi tradicional, durante todo o Império, a dependência da — isto é, o endividamento junto à — casa bancária Rothschild, agente oficial do Tesouro brasileiro na Europa, então o world's banker. Os capitais privados passaram a ser complementados, no século XX, por créditos concedidos por agências públicas — como o Eximbank americano — e, depois da Segunda Guerra, por instituições financeiras multilaterais.
Esses fluxos financeiros de "cooperação ao desenvolvimento", alguns deles verdadeiramente concessionais, também atendiam interesses dos países doadores, sendo objeto de programas bilaterais ou multilaterais de "assistência técnica", como revelado em interessante artigo de Georges Landau: "Política internacional e assistência técnica" (II, 6, junho de 1959). A descolonização, em 1960, coincidiu, não por acaso, com a instituição de um braço altamente concessional do Banco Mundial, a Associação Internacional de Desenvolvimento (ver artigo de Cleantho Leite, III, 10, junho de 1960).
O Brasil, como a maioria dos países em desenvolvimento, complementava sua escassa poupança interna com recursos externos, a ponto de tornar-se inadimplente em algumas raras ocasiões. Pode-se mesmo argumentar que, tendo solicitado a renegociação de créditos bilaterais na segunda metade dos anos 50, o País está na origem da constituição do Clube de Paris, foro informal dos governos credores para a renegociação de créditos oficiais, que começou a funcionar de maneira efetiva em princípios dos anos 60. Também em Paris, nessa mesma ocasião, passou a funcionar, em estreita vinculação com a AID, o Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento, foro de coordenação dos países doadores, logo colocado no âmbito da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos (OCDE), que acabava de ser reorganizada a partir da antiga OECE (exclusivamente européia). Dois dos instrumentos essenciais exigidos como requisitos de acesso a novos países candidatos — normalmente economias capitalistas desenvolvidas, mas algumas nem tanto, como Portugal e Turquia — eram, ademais da plena adesão ao próprio Convênio constitutivo — cujo texto em português foi publicado no nº 15, de setembro de 1961 —, os Códigos de liberalização das operações invisíveis (transações correntes) e de movimentos de capitais, várias vezes aperfeiçoados desde então, sendo que este último constitui a base do Acordo Multilateral sobre Investimentos (MAI/OCDE), atualmente em processo de negociação no foro parisiense com a participação do Brasil.
A OCDE era, então, a mais jovem das organizações multilaterais criadas no pós-guerra para administrar, de forma consensual, a nova ordem econômica caracterizada pela interdependência mundial e pela afirmação do multilateralismo, processo iniciado em Bretton Woods em 1944. O tripé organizacional concebido na pequena cidade do New Hampshire deveria contar, ademais das entidades dedicadas aos problemas monetário e financeiro — FMI e BIRD, respectivamente —, uma organização voltada especificamente para o comércio, efetivamente criada na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Emprego (1948), mas que jamais viu a luz do dia por insuficiência de ratificações (e também por inúmeras contradições internas da Carta de Havana). Em seu lugar, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), de 1947, teve de se desempenhar sozinho, continuando "provisoriamente" em vigor até sua substituição pelo GATT-94 e sua incorporação na nova Organização Mundial do Comércio que começou a funcionar em janeiro de 1995.
Todas essas organizações estão voltadas para a liberalização das trocas e dos pagamentos internacionais. Mas, o fato é que o mundo do século XIX era bem mais liberal do que o do século XX, como encarregou-se de lembrar o Professor José Maria Gouveia Vieira em artigo sobre "A Economia Internacional no século XX" (VI, 22, junho de 1963). "Acaso somos menos inclinados", perguntava ele ao constatar como tinham sido suprimidas as liberdades das transações comerciais, dos capitais e dos investimentos, "a expandir as relações comerciais internacionais que nossos antepassados? Cumpre que voltemos às práticas do passado? Ou os controles devem ser mantidos e até mesmo aprimorados?" De fato esses controles permaneceram em vigor em algumas economias capitalistas avançadas, na maior parte dos países em desenvolvimento e em todas as economias socialistas até que as grandes transformações econômicas dos anos 80 e princípios dos 90 liquidaram praticamente com estas últimas e começaram a incorporar vários dos segundos à economia de mercado "interdependente" dominada pelas economias avançadas. Trata-se de uma volta ao laissez-faire do século XIX, de um retorno ao velho mundo de desigualdades estruturais "naturais"?
Uma consulta aos sumários da RBPI demonstra como ela soube acompanhar essa evolução internacional, mesmo em aspectos ignorados pela maior parte dos pesquisadores atuais. Ainda no terreno financeiro, por exemplo, poucos se lembrarão, hoje, que o Rio de Janeiro abrigou, em 1967, uma reunião conjunta das instituições de Bretton Woods (RBPI X, 39/40, setembro/dezembro de 1967), quando teve início o processo de criação de um novo instrumento de liquidez internacional, os Direitos Especiais de Saque do FMI, que ainda hoje permanece como um padrão de referência na gestão dos desequilíbrios temporários de balanças de pagamentos (cuja composição deverá no entanto ser revista em função da criação do euro). O mundo vivia então — a despeito da criação dos "General Arrangements to Borrow" em 1961, com a participação de dez países — uma fase de inquietações quanto ao baixo nível das reservas internacionais.
Ao abrir as reuniões diria o Presidente Costa e Silva: "Conquanto houvesse o sistema monetário internacional funcionado com grande eficiência no pós-guerra, existe hoje a convicção de haver chegado o instante em que o nível de reservas internacionais não mais pode ser o resultado imprevisto das contingências da produção do ouro, tampouco de deliberações fortuitas ou de medidas aleatórias, mas deve ser objeto de decisão consciente, tal como ocorrerá no curso desta Reunião, transcorridos 23 anos dos trabalhos iniciados em Bretton Woods". O Diretor-Gerente do FMI, Pierre-Paul Schweitzer, confirmou a introdução do que seria a primeira emenda ao Convênio constitutivo do Fundo, autorizando a criação dos DES, proporcionais às cotas dos países membros, enquanto que o Ministro brasileiro da Fazenda, Delfim Netto, saudou a introdução dos novos ativos de reserva, mas reclamou uma melhoria dos processos de ajustamento dos balanços de pagamentos: ele achava que a responsabilidade pela aplicação de políticas corretivas deveria recair "tanto sobre os países deficitários quanto sobre os superavitários". Ele também sugeria que o Fundo aproveitasse a oportunidade da reforma para considerar "sua provável contribuição para apoiar os movimentos de integração econômica regional", refletindo talvez a preocupação da ALALC com o financiamento dos fluxos intrarregionais de comércio e com a sustentação dos meios de pagamentos (o que na Europa tinha sido feito, recorde-se, com o apoio financeiro norte-americano na criação da União Européia de Pagamentos, numa fase de inconversibilidade das moedas nacionais e de "penúria de dólares", aliás problemas constantes na América Latina).
Na mesma ocasião, o Secretário do Tesouro dos Estados Unidos confirmava que o "compromisso norte-americano de conversão do dólar em ouro, a US$35, continua firme. Isto tem sido e continuará a ser um fator central no sistema monetário". Mas ele também advertia que "o crescimento da reserva no futuro não pode repousar, como no passado, nos déficits de pagamentos dos Estados Unidos". Quatro anos depois, como se sabe, os EUA, confrontados a déficits crescentes e sem dispor da quantidade de ouro necessária para honrar o compromisso de 1944, rompiam unilateralmente o contrato de Bretton Woods e precipitavam o mundo no "não-sistema financeiro internacional", mediante o regime de paridades flutuantes que exigiu uma segunda emenda no Convênio do FMI.
Esse mesmo número duplo de setembro de 1967 trouxe — como homenagem por seu falecimento prematuro — importante artigo de caráter didático do Embaixador Otávio Dias Carneiro sobre "Estruturas econômicas nacionais e relações internacionais". Esse texto, produzido em 1958 para conferências e aulas no Instituto Rio Branco e na Escola Superior de Guerra, mantinha a maior parte de seus conceitos e análises — sobre o GATT, o FMI, o multilateralismo, a integração e o planejamento econômico — e suas conclusões — sobre a racionalidade econômica do "internacionalismo" e a justificativa "sociológica" do nacionalismo econômico e do planejamento — plenamente válidos quase dez anos depois. Dias Carneiro foi uma presença constante nos primeiros anos da RBPI, como poderá ser comprovado na próxima seção deste artigo-resenha.

Relações econômicas internacionais, produtos de base
Durante a gestão do historiador José Honório Rodrigues à frente do IBRI e da RBPI, em meados dos anos 60, foram publicados sucessivos números temáticos — experiência editorial que certamente valeria a pena repetir nesta fase de Brasília — sobre as relações econômicas internacionais em geral, em especial sobre a UNCTAD, sobre os produtos de base ou sobre a política nuclear brasileira, este tema objeto de vários artigos subsequentes em diversos números. José Honório continuou a prática de seus antecessores de convidar diplomatas economistas como Otávio Dias Carneiro — um dos primeiros "gattianos" da história do Itamaraty — a escrever extensa e intensamente sobre comércio internacional e desenvolvimento e sobre os problemas específicos dos países exportadores de produtos de base, como então se classificava o Brasil. Citem-se os seguintes artigos: "Organização econômica nacional e economia internacional" (II, 8, 1959), "O comércio internacional de produtos de base" (V, 19, 1962 e VI, 23, 1963) e "Problemas de comércio internacional de produtos de base" (VII, 25, 1964).
Ele também convidou os "unctadianos" do Itamaraty — Georges Álvares Maciel, por exemplo — a exporem nas páginas da revista seus argumentos sobre o desenvolvimentismo e estes os fizeram defendendo posições que alinhavam o Brasil com as teses desafiadoras de Raul Prebisch, que foi o primeiro Secretário-Geral daquele foro onusiano. Ademais do número especialmente dedicado à primeira "Conferência das Nações Unidas sobre comércio e desenvolvimento" (vide Nota liminar" de José Honório Rodrigues em VII, 27, 1964) e da intervenção do próprio Raul Prebisch nessa ocasião ("Significado da UNCTAD", VII, 29, 1965), vale a pena mencionar (e pesquisar) as seguintes matérias:
XI, 43-44, 1968: "A posição do Brasil na II UNCTAD" (MRE);
XIII, 49-50, 1970: "Política brasileira de comércio exterior", Mário Gibson Barbosa;
XIII, 51-52, 1970: "Mercado internacional de produtos de base", Ronaldo Costa;
XV, 57-58, 1972: "III UNCTAD: uma avaliação", Gilberto C. Paranhos Velloso; Discurso do Chefe interino da delegação brasileira, Emb. Georges Alvares Maciel;
XVI, 61-62, 1973: "Participação dos países em desenvolvimento no comércio internacional", Ronaldo Costa;
XVI, 63-64, 1973: "Transferência de tecnologia", Álvaro Gurgel de Alencar.
José Honório tinha atuado intensamente como "publicista" em política externa durante a fase "nacionalista" e "desenvolvimentista" do Brasil. Pouco depois do início de sua gestão na revista e no IBRI, afirmava-se em toda a sua pujança no País a "ideologia industrial", já no contexto do regime militar que, embora modificando de maneira fundamental os dados da equação institucional, retomou, sem maiores restrições "ideológicas", o ciclo desenvolvimentista inaugurado pelo nacionalismo de Vargas e continuado, com uma certa abertura externa, por Kubitschek. A RBPI, nascida em plena era de afirmação da "política externa independente", adaptou-se, tant bien que mal, às novas circunstâncias políticas, passando a publicar matérias de interesse declaradamente "nacionalista", como foi o caso, por exemplo, de inúmeros artigos em defesa da Amazônia, num momento em que — já então, como a provar que a História se repete — ela parecia ameaçada de "internacionalização" em virtude de grandes projetos de desenvolvimento territorial e de infra-estrutura física, como os propostos "grandes lagos amazônicos" de Herman Kahn e Robert Panero, do Hudson Institute. Exemplo dessa postura é o artigo de Arthur Cezar Ferreira Reis, "Porque a Amazônia deve ser brasileira" (XI, 41-42, 1968), que, com vários outros nesse número especial, faz a defesa das teses "soberanistas" brasileiras que sempre encantaram políticos, militares e diplomatas, para não dizer os militantes de esquerda de modo geral.
Uma visão prospectiva e de certa forma futurística sobre as tendências econômicas fundamentais — ou pelo menos consideradas como tais — do desenvolvimento brasileiro tampouco esteve ausente das páginas da RBPI, muito embora o jogo fosse aqui bem mais arriscado. Assim, tentando justificar, em 1974, a absoluta necessidade de implementar-se uma abrangente política nuclear brasileira — cobrindo portanto todas as etapas do ciclo atômico — Eduardo Pinto afirmava, em seu artigo "Brasil: os difíceis caminhos da energia nuclear" (XVII, nºs 65-68), que não apenas ela era a "energia do futuro", mas também que não havia alternativas a essa modalidade de geração energética, pois que "no ano 2000 todas as fontes de combustíveis fósseis [estariam] esgotadas". Mais do que simples futurologia, se tratava obviamente de uma legitimação econômica para a política nuclear conduzida pelo regime militar, cujas previsões exageradas sobre a demanda energética no Brasil sustentaram um dos mais ambiciosos programas de desenvolvimento industrial e tecnológico do ciclo nuclear de que se tem notícia no mundo.
Nos anos 70 avultam os temas do mar territorial, da política nuclear, do meio ambiente — Conferência de Estocolmo, onde se distinguiu um "diplomata-economista" dos mais respeitados, Miguel Osório —, do petróleo — vários artigos seminais de Amaury Porto de Oliveira, como por exemplo "Natureza política do preço do petróleo" (XXII, 85-88, 1979) ou, mais tarde, "A mercantilização (temporária) do mercado internacional de petróleo" (XXVIII, 111-112, 1985/2) —, ao lado de outros mais tradicionais como os produtos de base e o comércio internacional. Já nos anos 80, paralelamente aos esforços brasileiros para lograr plena autonomia na área de informática e impulsar um programa espacial, ganham preeminência os temas relativos à transferência de tecnologia, como se pode constatar nos artigos de Oscar Lorenzo Fernandes: "O desenvolvimento tecnológico do Brasil e a cooperação internacional" (XXXI, 123-124, 1988/2) e no do então chefe da área econômica do Itamaraty, Celso Amorim, "Perspectivas da cooperação internacional" (idem).
Mas, os anos 80 são também marcados, de fato dominados, pela crise da dívida externa e pelo esforço agônico em torno de uma "nova ordem econômica internacional". Encontramos na RBPI contribuições de economistas e diplomatas que deixaram sua marca e ainda hoje influenciam a política econômica externa do Brasil, como Mário Henrique Simonsen, Pedro Malan ("Sistema econômico internacional: lições da história" XXV, 97-100, 1982), Paulo Nogueira Batista ("A dívida externa dos Estados", XXIX, 113-114, 1986/1) e vários outros como Paulo Tarso Flecha de Lima e Rubens Ricupero. Este último, atual Secretário-Geral da UNCTAD, teve publicadas na revista algumas de suas reflexões elaboradas na época em que exercia o cargo de representante brasileiro junto ao GATT e demais organizações em Genebra, como por exemplo: "O Brasil e o mundo no século XXI" (XXIX, 115-116, 1986/2) e "O Brasil e o futuro do comércio internacional" (XXXI, 121-122, 1988/1).
O ciclo do Rio de Janeiro se conclui com contribuições de diplomatas ainda na ativa, como Celso Amorim abordando a difícil questão da autonomia tecnológica ("Quem tem medo de Stefan Zweig?, ou os caminhos da autonomia tecnológica", XXXV, 137-138, 1992/1) ou Rubens Antonio Barbosa em torno da integração regional e o Mercosul, ao lado de outros já aposentados, como Geraldo Holanda Cavalcanti ou Luiz Augusto Souto Maior — este ainda ativo na fase atual —, nos quais a análise político-econômica se combina com uma visão própria da diplomacia brasileira. Outros, infelizmente já desaparecidos, deixaram entretanto uma marca indelével na diplomacia econômica do Brasil, como foi o caso do Emb. Paulo Nogueira Batista, do qual pode ser selecionada, no campo econômico, uma contribuição da fase na qual ele exercia o cargo de representante brasileiro na ONU: "Mudanças estruturais e desequilíbrio na economia mundial: suas implicações na cooperação econômica internacional" (XXXII, 127-128, 1989/2).

A "economia política" do desenvolvimento brasileiro
A etapa de Brasília, finalmente, está ainda muito próxima de nós para ser julgada com isenção, inclusive porque vários dos que poderiam ser aqui apontados são seus colaboradores habituais. Seria de toda forma impossível resumir aqui toda a riqueza fatual, a densidade analítica e a importância documental, para fins de pesquisa histórica, da RBPI enquanto instrumento "veiculador" e "debatedor" das principais questões — se não todas — que interessam ao desenvolvimento do Brasil e sua inserção econômica internacional, cabendo tão somente remeter ao índice remissivo — in fine — de seus primeiros quarenta anos. Nele pode ser verificado, ainda que de forma não linear, um verdadeiro racconto storico sobre a "economia política" do desenvolvimento desde o final dos anos 50.
A seleção aqui operada, talvez pouco representativa do conjunto de temas aqui evocados ou da reflexão original conduzida nestas páginas entre 1958 e 1992, não pretende, nem sequer poderia, prestar justiça a essa diversidade e multiplicidade de contribuições de valor feitas ao longo de quatro décadas de reflexão crítica sobre os caminhos do desenvolvimento brasileiro. Que ela possa, ao menos, oferecer uma pequena amostra da importância da RBPIpara a identificação e o mapeamento de suas principais tendências e problemas numa perspectiva propriamente histórica e internacional.
A economia, como diria Marx, é a chave da vida social. Ela também é um dos principais sustentáculos, em mais de um sentido, da vida exemplar da Revista Brasileira de Política Internacional. Que os leitores contemporâneos possam usufruir, como seus predecessores das últimas quatro décadas, das "vantagens comparativas" oferecidas no campo econômico pela RBPI e obtenham, agora e no futuro, significativos "ganhos de bem estar intelectual" com a consulta aos números pregressos e a leitura atenta das incontáveis páginas que encerram muito da história do desenvolvimento brasileiro.
Muitos outros veículos editoriais, novos ou velhos, permitem acompanhar, hoje em dia, o "estado da arte" em matéria de relações econômicas internacionais do Brasil, a começar por uma companheira velha de meio século como é a Conjuntura Econômica. Da mesma forma, com a capacitação institucional e projeção internacional de outras agências públicas que tratam da economia brasileira (inclusive como sua responsabilidade primária), com a extraordinária expansão da Internet e de outros meios eletrônicos de recuperação e de disseminação da informação, pode-se afirmar que as relações econômicas externas do Brasil estão atualmente muito bem mapeadas, documentadas e analisadas em um número elevado de suportes físicos, das mais diversas tendências políticas e econômicas. Pode-se afirmar, contudo, sem margem de erro, que seria impossível escrever-se a história da diplomacia econômica brasileira do último meio século sem uma consulta cuidadosa às páginas da Revista Brasileira de Política Internacional. A esperança formulada por este Editor Adjunto, é a de que, ao completar-se o primeiro centenário da revista, no ainda longínquo ano de 2058, tal tipo de afirmação continue tão verdadeira quanto hoje.

sexta-feira, 1 de junho de 2018

O Brasil e a agenda economica internacional - Paulo Roberto de Almeida

Redescubro agora, num momento de novos balanços e projetos para o futuro, um conjunto de quatro artigos que elaborei sobre a agenda econômica externa do Brasil, que talvez ainda apresente alguma validade, mais de três anos depois de escritos e publicados.
Vejamos a série, toda ela enfeixada sob o mesmo título:


O Brasil e a agenda econômica internacional  



2807. “O Brasil e a agenda econômica internacional, 1: como se apresenta o cenário econômico internacional da atualidade?”, Hartford, 6 abril 2015, 4 p. Análise da situação econômica atual do mundo, em preparação para a discussão da posição e dos desafios para o Brasil. Mundorama (15/04/2015; link: http://www.mundorama.net/?p=15722). Academia.edu (link: https://www.academia.edu/12159703/2807_O_Brasil_e_a_agenda_economica_internacional_1_como_se_apresenta_o_cenario_economico_internacional_da_atualidade). Republicado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2015/04/o-brasil-e-agenda-economica.html). Relação de Publicados n. 1172.

2808. “O Brasil e a agenda econômica internacional, 2: como o Brasil se insere no cenário mundial, agora e no futuro próximo?”, Hartford, 10 abril 2015, 6 p.; revisto em 15/04/2015. Continuidade da série, tratando das questões internas ao Brasil. Mundorama (22/04/2015; link: http://www.mundorama.net/?p=15758). Republicado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2015/04/o-brasil-e-agenda-economica_22.html). Academia.edu (link: https://www.academia.edu/12159816/2808_Como_o_Brasil_se_insere_no_cenario_mundial_agora_e_no_futuro_proximo). Relação de Publicados n. 1175.

2814. “O Brasil e a agenda econômica internacional, 3: como e qual seria uma (ou a) agenda ideal para o Brasil?”, Hartford, 18 abril 2015, 7 p. Continuidade da série, no seguimento dos trabalhos 2807 e 2808, tratando de uma possível agenda de reformas internas e de novas posturas externas para fazer o Brasil se inserir na globalização. Mundorama (29/04/2015; link: http://www.mundorama.net/?p=15785). Republicado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2015/04/o-brasil-e-agenda-economica_29.html). Academia.edu (link: https://www.academia.edu/12159844/2814_Como_e_qual_seria_uma_ou_a_agenda_ideal_para_o_Brasil_2015_). Relação de Publicados n. 1176.

2815. “O Brasil e a agenda econômica internacional, 4: o que o Brasil deveria fazer para maximizar a “sua” agenda?”, Hartford, 19 abril 2015, 11 p. Continuidade, e fim, da série de artigos sobre a agenda de reformas internas. Mundorama (06/05/2015; link: http://www.mundorama.net/?p=15787). Republicado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2015/05/o-brasil-e-agenda-economica.html). Relação de Publicados n. 1177

quarta-feira, 9 de março de 2016

A posicao bizarra do Brasil na economia mundial - Paulo Roberto de Almeida

Meu artigo mais recente publicado:

"A posição bizarra do Brasil na economia mundial, por Paulo Roberto de Almeida". Mundorama - Revista de Divulgação Científica em Relações Internacionais, [acessado em 09/03/2016]. Disponível em: <http://www.mundorama.net/2016/03/09/a-posicao-bizarra-do-brasil-na-economia-mundial-por-paulo-roberto-de-almeida/>.


A posição bizarra do Brasil na economia mundial

Paulo Roberto de Almeida

O Brasil ocupa hoje uma posição sui-generis na economia internacional: situado entre as dez primeiras economias do mundo, pela dimensão de seu PIB, de seus recursos naturais e da sua população, ele se distancia no entanto do pelotão de vanguarda por sua fraca inserção no comércio internacional, numa classificação que o coloca acima do 25o. lugar, devido ao seu baixo coeficiente de abertura externa. Paradoxalmente, também, a despeito de ser um dos grandes recebedores mundiais de investimentos estrangeiros – tanto diretos quanto capitais de portfólio –, sua contribuição ao estoque global de inovações e, portanto, ao incremento da produtividade, é propriamente pífio, mesmo tendo aumentado significativamente o volume de publicações científicas (ainda que mais “volumetricamente” do que qualitativamente, ou seja, artigos “citáveis e usáveis” na elaboração de outras pesquisas). Mais ainda: há uma enorme desconexão entre os esforços, e os recursos, dispendidos na pesquisa básica e a sua materialização, sob a forma de patentes, isto é, inovações suscetíveis de entrar na linha de produção.
A razão aqui está numa grande desconexão entre P e D, ou seja, entre os centros produtores de conhecimento aplicado e o chão da fábrica, uma vez que os empresários preferem importar a tecnologia disponível do que desenvolvê-la por seus próprios meios. Aparentemente, as universidades e os laboratórios de pesquisa sob fomento do Estado também são muito pouco produtivos, pois o mesmo volume de insumos e de recursos investidos em outros ambientes produzem um número significativamente maior de resultados práticos (ou seja, de patentes). Nesse tipo de contradição entre o desempenho da economia doméstica e o funcionamento da economia mundial residem alguns dos principais problemas econômicos (e sociais) brasileiros, feitos de grandes possibilidades potenciais, mas de fraco, extremamente débil, aproveitamento das oportunidades oferecidas pelo meio ambiente internacional, o da globalização.
A verdade é que, para todos os efeitos práticos, o Brasil é um país introvertido, tradicionalmente protecionista e irracionalmente avesso a capitalistas estrangeiros, ainda que possa apreciar o capital externo, como expresso nos altos índices de endividamento estrangeiro desde o início da nação independente. Nisso ele não se diferencia muito de vários outros países da América Latina, mesmo se esta apresenta uma diversificação crescente nas duas últimas décadas. De um lado, temos aqueles países que poderiam ser chamados de “globalizadores”, por acaso hoje agrupados na Aliança do Pacífico, menos relevante pelo que ela possa representar em termos de integração recíproca entre seus membros – Chile, Peru, Colômbia e México – e mais importante quanto à possibilidade de inserção na região mais dinâmica da economia mundial atualmente: a Ásia Pacífico, em vias de suplantar o Atlântico norte como o grande centro dos intercâmbios mundiais nos mais diversos tipos de fluxos econômicos: comércio, investimentos, tecnologia, know-how, financiamentos e, sobretudo, capital humano. No outro extremo podemos situar os chamados “bolivarianos”, que conseguiram exacerbar todas as taras do nosso passado: dirigismo estatal, manipulações cambiais, nacionalismo míope, mercantilismo comercial, governança errática, irresponsabilidade fiscal, e aversão à globalização; seu destino não parece muito brilhante, a julgar pelo desastre venezuelano. No meio dos dois grupos, podemos colocar os “reticentes”, entre eles Brasil e Argentina, que sinalizaram comportamentos erráticos e contraditórios nas políticas econômicas nas últimas duas décadas. A Argentina, agora, parece querer escapar desse “bloco”.
Numa perspectiva macro-histórica, o destino dos países não é imutável, nem imune a retrocessos ou à estagnação. O exemplo mais evidente é a própria China, a maior economia mundial até o final do século 18, mas que se fechou, a partir de certo momento, ao comércio mundial e aos intercâmbios com parceiros externos, assim condenando-se a uma lenta estagnação por mais de dois séculos, até, praticamente, o maoísmo delirante dos anos 1960. Hoje, ainda sob a mesma governança autocrática, mas dispondo de “mandarins” mais esclarecidos, ela conhece um notável renascimento econômico e ocupa posições cada vez mais relevantes na economia mundial. Mais perto do Brasil, a Argentina sinaliza um exemplo também raro de decadência econômica contínua durante várias décadas: um dos países mais ricos do mundo um século atrás, o país começou a declinar a partir da “década infame”, nos anos 1930, sucedendo-se a partir daí uma série de experimentos desastrosos em economia e em política, seja sob o tacão dos militares, seja sob governos populistas de corte peronista ou mesmo radical (os socialdemocratas). A recente, de certa forma surpreendente, ascensão de um empresário à sua presidência, pode sinalizar uma inflexão do país em direção de um liberalismo econômico mais próximo da Aliança do Pacífico do que do Brasil atual, e certamente bem mais distante do bolivarianismo relutante que florescia sob os Kirchner.
Mas o Brasil também evidencia uma recorrência de políticas conflitantes entre si, entre exercícios de estabilização econômica e demonstrações de distributivismo populista, e uma alternância de fases de crescimento com outras de crise e de recessão. Esse foi o padrão “normal” – digamos assim – num itinerário de inflação persistente e de episódios de estrangulamento externo que o Brasil conheceu desde o final do regime militar. O que é diferente, na presente fase, é uma recessão profunda, caminhando para uma possível depressão econômica, a pior de toda a nossa história, não só a econômica, mas também a político-institucional (dada a prevalência de comportamentos rentistas, ou até mesmo criminosos, em parte do establishment político). Longe de ser o efeito de uma suposta crise internacional sobre o tecido econômico brasileiro, a atual recessão-depressão representa o resultado de anos de inépcia econômica – corrupção à parte –, combinada a uma gestão comprometida com objetivos totalmente contrários ao que representaria uma agenda consensual, no seio das elites e em largos estratos de sua classe média; essa agenda seria feita de crescimento sustentado, com transformações estruturais e com distribuição social dos resultados do desenvolvimento econômico.
O fato é que o Brasil vinha apresentando esses altos e baixos em sua trajetória de crescimento econômico, causados seja por estrangulamentos externos (dois choques do petróleo nos anos 1980, crise da dívida externa nos 80), seja por graves episódios de descontroles internos (aceleração da inflação, déficits orçamentários, desequilíbrios fiscais nos anos 90), mas mantendo, a despeito de tudo, taxas positivas, maiores ou menores, de crescimento econômico. O que passou a ocorrer desde meados dos anos 2000 – com um recrudescimento agudo desse processo a partir de 2011 – foi uma deterioração geral dos principais indicadores macroeconômicos (inflação, juros, fiscalidade, câmbio), ou seja, da qualidade das principais políticas econômicas, e uma erosão dramática no ambiente microeconômico, levando ao fechamento ou insolvência de muitas empresas, que já vinham perdendo competitividade desde muito tempo, por causa da tributação extorsiva exercida pelo Estado, provocando, em consequência, um aumento gradativo dos níveis de desemprego. Bem mais grave, o governo federal, entre 2011 e 2015, cometeu erros graves de políticas macroeconômicas e setoriais, atuando em total infração às normas mais elementares da contabilidade pública e maquiando as contas domésticas numa proporção jamais vista na história econômica do país.
O resultado foi propriamente desastroso, como já analisei num artigo publicado neste mesmo espaço: “The Great Destruction in Brazil: How to Downgrade an Entire Country in Less Than Four Years”, Mundorama (n. 102, 1/02/2016, disponível: http://www.mundorama.net/2016/02/01/the-great-destruction-in-brazil-how-to-downgrade-an-entire-country-in-less-than-four-years-by-paulo-roberto-de-almeida/). A obra destruidora não foi obviamente construída em apenas quatro anos, mas representa o resultado de um período bem mais largo de equívocos de política econômica, alguns dos quais constituem verdadeiros crimes econômicos contra o país, como a indicar a sua intencionalidade de realmente oferecer oportunidade para comportamentos rentistas, quando não para o saque direto dos recursos públicos, isto é, o dinheiro de todos nós.
O problema central do Brasil dispensa grandes elaborações a respeito, pois já está plena e suficientemente evidenciado em todos os índices econômicos disponíveis em quaisquer bases de dados que se consulte. Não se pode, em todo caso, escapar do diagnóstico simples, mas irrecusável, da ausência completa de governança, o que é um problema político incontrolável por qualquer personagem político em particular: trata-se de uma deformação de nosso sistema político, cuja evolução é impossível determinar ex-ante, na falta de lideranças claras que ofereçam uma visão clara dos problemas e suas prescrições de resolução ou de encaminhamento. Mas cabe ainda discorrer sobre as questões vinculadas à interface do Brasil com a economia mundial, que constituem, mesmo secundariamente, um dos vetores da recuperação econômica futura do país.
A política econômica é tão esquizofrênica, em seu formato atual, que o Brasil só poderá retomar um novo rumo se aderir às boas regras da governança econômica de corte tradicional, ou seja, ao estilo da OCDE, organização com a qual o ex-ministro Joaquim Levy buscou elevar o padrão do relacionamento e de cooperação por parte do Brasil, com a assinatura de dois acordos sucessivos de trabalho conjunto (ao final de cujo processo, a própria OCDE já sinalizou sua postura simpática a uma adesão do Brasil). Não é provável que o governo atual continue dando impulso a essa agenda de reformas e de melhoria da qualidade das políticas econômicas, sobretudo setoriais. Mas é preciso que reformas sejam empreendidas, não na direção dos keynesianos de botequim – como foi o caso dos anos recentes – mas na linha das políticas preconizadas pela OCDE, pelas instituições de Bretton Woods ou pelo consenso do G7, o que é obviamente diferente das banalidades conceituais, e totalmente inócuas, veiculadas por grupos artificiais como o Brics, ou seus equivalentes na América Latina (tipo Unasul ou Celac).
Justamente, em relação à América Latina e seus diferentes processos de integração regional, as perspectivas não são nada promissoras, em que pese a recorrente transpiração da retórica política dos presidentes, mas dotada de muito pouca inspiração no plano substantivo. Tanto o Mercosul quanto a Comunidade Andina de Nações são hoje uma sombra do que foram no passado; a Alba, projeto bolivariano do finado presidente Chávez, não consegue sobreviver sem os petrodólares venezuelanos; a própria Aliança do Pacífico, como já se antecipou, vale menos pelo que possa contribuir para a integração recíproca de seus membros e mais pela ponte de diálogo e pelos canais de imbricação que firmas desses países possam construir e manter com os grandes parceiros econômicos da região da Ásia Pacífico. Com o afastamento – por implosão deliberada – do projeto americano da Alca, amadores influenciando de forma canhestra a diplomacia comercial do Brasil esperavam obter um acordo fácil, ou rápido, entre o Mercosul e a União Europeia, o que, obviamente, revelou-se totalmente ilusório, pela mesma razão da falta de concorrência ou de “ameaça”. Não são tampouco viáveis as perspectivas de acordo entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico, pela grande distância que persiste entre as agendas negociadoras de cada um dos grupos, dada a notória falta de entusiasmo do Brasil por processos mais ousados de liberalização (algo que poderá mudar a partir de posições que possam ser assumidas pelo novo governo argentino).
Um grupo como o Brics continuará a existir – pois ele responde mais às metas políticas e aos objetivos de imagem dos seus dirigentes do que a uma agenda comum de iniciativas concretas – mas é pouco provável que suas reuniões de cúpula obtenham o sucesso de publicidade que vinham logrando até aqui, inclusive porque pelo menos três dos cinco enfrentam dificuldades econômicas de certa dimensão. Mesmo o novo banco de fomento criado no âmbito do Brics, o New Development Bank, pode representar uma saudável concorrência às instituições já existentes nessa área de financiamento de obras de infraestrutura em países em desenvolvimento, mas ele será uma estrutura bem menos positiva se a análise dos seus projetos obedecer mais a critérios políticos de compadrio entre as empresas estatais e de construção dos países membros e os dirigentes dos países receptores de seus empréstimos do que a cálculos objetivos de custo-benefício e de retorno assegurado sobre os investimentos.
Não é tampouco provável que o governo do Brasil tome novas iniciativas na frente diplomática, como foi o caso nos dois primeiros mandatos do ciclo lulopetista. O cenário externo para o Brasil é nitidamente negativo, num contexto em que as agências de classificação de risco continuam a posicionar o país em escalões ainda mais baixos do grau especulativo. Decisões desse tipo tornam difícil reverter a perda de atratividade do país para os investidores internacionais, não só aqueles empresários desejando iniciar negócios físicos, mas também fundos de investimentos atuando exclusivamente no setor financeiro (ações em bolsa, títulos governamentais, debêntures de empresas, etc.). Esse cenário já se materializou na elevação das taxas de spread – percepção de risco – que o Brasil passou a pagar em suas operações financeiras externas. A Petrobras representa, provavelmente, o exemplo-síntese dos desastres consumados na era lulopetista, ainda que ela não seja a única agência pública tomada de assalto pelos novos bárbaros.
Em síntese, a despeito de todo o seu potencial, do aparente sucesso acumulado nos anos fastos da bonança chinesa – quando as commodities exportadas alcançavam picos historicamente inéditos de valorização – e do prestígio correspondente, construído por uma diplomacia dita ativa e altiva, mas feita muito mais de pirotecnia do que de consistência, o papel do Brasil na economia mundial tende a diminuir em todas as frentes possíveis de interação com os parceiros externos: comércio, finanças, investimentos, cooperação em grandes projetos, ou até na assunção de suas obrigações já comprometidas com diversas organizações internacionais, cujas dotações orçamentárias não estão sendo cumpridas. A percepção de uma reincidência do país em velhos erros do passado – inflação em alta, medidas erráticas na política econômica, deterioração das contas fiscais, diminuição das oportunidades de investimento direto – pode até representar certo exagero por parte dos observadores externos, e como tal repercutido na imprensa financeira, mas quando esse tipo de fenômeno ocorre os investidores internacionais se retraem por um prazo médio de cinco anos, pelo menos.
Existe saída para o Brasil no cenário econômico internacional? Certamente, uma vez que o país possui ativos relevantes no quadro da economia real: recursos naturais abundantes, grande mercado interno, uma conformação geral de suas instituições que pode ser superior à de seus parceiros atuais no plano diplomático. Mas essa recuperação não se apresenta como de fácil implementação no atual quadro de governança política, que aliás não corresponde a esse conceito. A ausência de estadismo na classe política, de uma clara visão da urgência das reformas necessárias, o comportamento rentista de boa parte de suas elites dirigentes e o compadrio registrado em várias frações de sua classe capitalista não constituem ativos desejáveis nesse cenário. Uma conclusão parece, no momento, inevitável: o futuro não é para amanhã no horizonte do Brasil.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 17/02-2/03/2016

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Minhas recomendacoes capitalistas ao novo governo (o que esta' ai, ja era...) - Paulo Roberto de Almeida


Desafios do novo governo na frente econômica externa

Paulo Roberto de Almeida

O governo que tomar posse em janeiro de 2015, qualquer que seja sua orientação política, tem pela frente uma série de desafios na área econômica externa.

1. Economia internacional: uma variável independente
O cenário externo se subtrai às possibilidades de atuação do governo, que poderá, se tanto, influenciar posições do Mercosul em negociações multilaterais ou inter-regionais. O panorama é mais benigno, com a retomada do crescimento nos EUA e a superação das crises mais graves na zona do euro. Assim, o novo governo não poderá alegar que a crise internacional prejudica o Brasil, o que não foi verdade mesmo quando as duas grandes economias estavam deprimidas. Tendo a China como principal parceiro – o que assegurou altos preços nas commodities – o Brasil navegou sem grandes percalços durante o pico da crise; se o crescimento declinou, na fase recente, tal não se deve ao cenário externo. Continuarão as conversas no âmbito do G20 (mas elas são só conversas) e as de foros como o Brics, mas esse grupo não vai resolver a deterioração das transações correntes. Cabe tirar as lições que nos veem de novos emergentes, todos eles empenhados em se inserir mais e mais nos circuitos produtivos internacionais, em lugar de recorrer ao protecionismo, como foi fartamente o caso aqui, ultimamente.

2. Negociações comerciais: entre o minilateralismo e o multilateralismo
Não se deve esperar muito delas, já que quase todos os países esperam que os demais sejam mais abertos do que eles próprios. A conclusão da Rodada Doha não é facilitada pelas reticências de alguns dos “melhores amigos” do atual governo brasileiro no G20 comercial, a exemplo da Índia, que continua a impedir um consenso mínimo em temas como estoques agrícolas de segurança, ou da Argentina, na frente industrial, em ambos casos atendendo interesses protecionistas. O mundo vai continuar com os seus exercícios minilateralistas, com a possível marginalização da OMC. O Mercosul só fez recuar nos últimos doze anos, o que caberia remediar mediante uma renegociação de seu formato como união aduaneira, passando-se, possivelmente, a um simples acordo de livre comércio. O Brasil ficaria livre para negociar acordos atendendo a seus interesses, o que não quer dizer que será fácil, pois a indústria continua perdendo competitividade.

3. Finanças: menos riscos, mais volatilidade?
Depois de um ciclo de “tempestades perfeitas” na área bancária, é possível que os grandes atores – EUA, UE, Japão, e a China – se engajem numa fiscalização mais atenta dos fluxos de capitais. Mas nunca foi tão grande a liquidez internacional, o que permite prever, aos tomadores de recursos externos como o Brasil, o atendimento de suas necessidades de financiamento a juros razoáveis. Não deixa de ser uma ironia que os Brics, que pretendem opor-se à “hegemonia do dólar”, tenham criado um banco com capital subscrito de US$ 50 bilhões e um fundo contingente de US$ 100 bilhões. Não faltarão dólares para isso.
Os aplicadores de curto prazo, porém, continuarão ariscos e prontos a bater asas ao menor sinal de volatilidade. Esta, ao contrário do que acreditam os ingênuos, é mais provocada por mudanças na regulação interna do que por uma suposta “especulação internacional”. Um governo sensato sabe que deve manter estabilidade nas regras. Assim, se espera que diminuam as bravatas contra a “guerra cambial internacional” e os “tsunamis financeiros”.

Em síntese, o Brasil deve continuar a receber investimentos diretos estrangeiros, com base na abertura regulatória e em novas concessões “privatizantes”; a integração regional precisa abandonar a retórica, para enfrentar seus verdadeiros desafios; por fim, seria bom deixar de lado o stalinismo industrial, e inserir decisivamente a economia brasileira na globalização. Na verdade, todo os problemas econômicos externos do Brasil estão mesmo dentro do país, como qualquer observador atilado pode perceber.
[Hartford, 17/07/2014]