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quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Oliveira Lima: o meu "depoimento" sobre o historiador e sua obra - Paulo Roberto de Almeida

Tendo recebido algumas questões de jornalistas pernambucanos a propósito do lançamento do meu livro, com o André Heráclio do Rêgo, colega e igualmente estudioso de Oliveira Lima, respondi extensivamente às perguntas feitas, alguns trechos tendo sido aproveitados nas matérias transcritas na postagem anterior.
Paulo Roberto de Almeida 
Recife, 13 de dezembro de 2017
(59 anos do AI-5, em 1968)



Entrevista sobre Oliveira Lima: livro publicado pela CEPE

Paulo Roberto de Almeida

Questões:
1) Como surgiu a ideia de escrever o livro?
PRA: Há muito tempo que eu e meu colega de carreira André Heráclio do Rêgo, legítimo pernambucano, lemos e admiramos Oliveira Lima, em sua qualidade de maior historiador diplomático brasileiro, e um dos poucos, senão o último, a conhecer também (e profundamente) a história de Portugal, o que poucos brasileiros, mesmo acadêmicos, conhecem depois da conquista da independência. Essa característica, obviamente, ocorreu por circunstâncias fortuitas, devido ao fato de sua família, de origem portuguesa, ter retornado a Portugal em sua infância, o que resultou em sua educação basicamente portuguesa, ainda que bastante ligada ao Brasil. Tanto André quanto eu lemos muito Oliveira Lima e aprendemos a admirar seu estilo historiográfico, aliás revolucionário em sua época, pois que combinando os métodos próprios da história com uma análise sociológica do contexto econômico e social dos processos focados por ele (ligados muito à história diplomática, mas também o desenvolvimento social dos povos americanos), e com uma interpretação de cunho psicológico, como revelado em vários trabalhos, como em D. João VI no Brasil, por exemplo, mas em diversos outros textos também, até em artigos de jornal.
O livro surgiu de repente, ao aproximar-se a data dos 150 anos do nascimento de Oliveira Lima, mas não foi escrito rapidamente. Ele resultou de vários trabalhos preliminares que André Heráclio e eu vínhamos fazendo em torno das obras e do pensamento de Oliveira Lima ao longo dos anos. Ambos já tínhamos escrito trabalhos sobre diversas obras dele e para este livro, dedicado ao “historiador das Américas”, selecionamos trabalhos nossos que se ativessem a essa dimensão: André analisou as famosas conferências que Oliveira Lima, pouco antes de se afastar definitivamente do serviço diplomático, fez em visitas e conferências às universidades americanas, comparando o desenvolvimento da parte anglo-saxã do hemisfério com sua parte ibérica, ou hispano-americana, incluindo a brasileira. De minha parte focalizei a carreira do diplomata-historiador em paralelo com a do Barão do Rio Branco, destacando, em outro trabalho, suas crônicas sobre os Estados Unidos do final do século XIX, quando serviu em Washington nas presidências de McKinley. Um trabalho final fixou-se numa conferência feita nos EUA pelo primeiro embaixador brasileiro, Joaquim Nabuco, com quem Oliveira Lima tinha diferenças substanciais no modo de julgar o papel da grande nação no hemisfério e no mundo.

2) Por que o Barão de Rio Branco é um caso único na história da diplomacia?
PRA: Rio Branco, ou Paranhos Júnior, tornou-se uma figura maior da diplomacia brasileira por ter sido o diplomata que, dadas suas virtudes de grande historiador do passado, seu estudo de velhos mapas e manuscritos, soube, como poucos, negociar todas as fronteiras pendentes do Brasil, ao final do século XIX, tanto pela via das arbitragens acordadas bilateralmente, quanto por meio de negociações diretas. Mas essas foram circunstâncias excepcionais, ao ter a diplomacia brasileira o homem certo no momento certo, quando todos os países fronteiriços, na região platina ou nas profundezas da Amazônia, buscavam delimitar os seus limites ainda incertos. Antes, talvez tivesse sido prematuro, depois provavelmente esses casos pendentes teriam sido conduzidos pela via arbitral, com resultados incertos a cada vez, como por acaso ocorreu no caso da Guiana inglesa, quando o rei italiano concedeu à Grã-Bretanha mais território a que ela teria direito pelos documentos que o próprio Rio Branco preparou e repassou a Joaquim Nabuco, que era o defensor do Brasil neste caso arbitral.
Mas o pai do Barão, o Visconde do Rio Branco, foi um diplomata excepcional, talvez até mais bem preparado do que o filho, mas teve de ocupar-se dos conflitos nos quais o Brasil esteve envolvido na região do Prata, no Uruguai, contra Rosas, o ditador argentino, e depois a guerra do Paraguai, deslanchada pelo ditador paraguaio, Solano Lopez. Ademais de grande jornalistas – autor das Cartas do Amigo Ausente –, ele também foi um exímio parlamentar, retratado em crônica clássica de Machado de Assis.
O Barão, portanto, não é um caso único, mas ocorreu com ele essa coincidência extraordinária de ser o mais preparado dos homens – independentemente de ser apenas um cônsul, o que ele era até o caso de Palmas, ou das Missões, com a Argentina – para resolver difíceis pendências de fronteiras, que requeriam não só habilidade negociadoras mas também um conhecimento profundo da história e da cartografia coloniais.

3) Foi no discurso na Academia Pernambucana de Letras que Oliveira Lima recebeu o apelido de Dom Quixote Gordo?
PRA: Não creio, pois Gilberto Freyre chamou-o por esse carinhoso apelido em circunstâncias posteriores ao conhecimento travado reciprocamente por ambos, em Washington, nos anos 1920, uma vez que o livro do sociólogo da lusotropicologia foi elaborado muitos anos depois da morte de Oliveira Lima. Não conheço o discurso do historiador ao tomar posse na cadeira cujo patrono é o General Abreu e Lima, e o site da Academia Pernambucana de Letras não traz essa informação.

4) O Barão de Rio Branco era mais versado no trato diplomático do que Oliveira Lima?
PRA: Seus estilos eram bem diferentes, inclusive por formação familiar. Paranhos Júnior acompanhou o pai em missões no Prata desde muito jovem, quando Oliveira Lima estava ainda estudando em Lisboa, dada a diferença de mais de vinte anos entre ambos. Quando o pernambucano ingressa na carreira diplomática, no início da República, o cônsul Paranhos Jr. já servia desde longos anos no Consulado em Liverpool, e tinha uma convivência estreita com a nobreza do regime imperial, o que provavelmente explica seu maior tato diplomático do que Oliveira Lima, mais voltado para os trabalhos de pesquisa e escrita de seus brilhantes livros de história, desde o inicial sobre o desenvolvimento social de Pernambuco, o que lhe abriu, antes de Rio Branco, as portas da Academia Brasileira de Letras. Oliveira Lima se chocou com o próprio Rio Branco, com Joaquim Nabuco em diversas ocasiões, por motivos que não tinham exatamente a ver com a carreira diplomática, e provavelmente mais com ciúmes intelectuais e disputas políticas no âmbito da “república das letras”, mas também por diferenças de opinião quanto à política externa que melhor conviria ao Brasil.

5) Qual a grande importância de Oliveira Lima como historiador em relação ao Brasil?
PRA: À diferença de Varnhagen, que é considerado o patrono da historiografia brasileira, Oliveira Lima ultrapassou a simples pesquisa em arquivos, superou o mero recurso aos documentos, para fazer aquilo que no século XX ficou conhecido como história social total, tal como praticado pela Escola francesa dos Annales. Ele pode, aliás, ser considerado um precursor dessa análise abrangente, combinando fontes primárias, visão sociológica, percepções antropológicas e finas análises psicológicas. Suas obras históricas constituem, verdadeiramente, uma síntese abrangente dos processos históricos, não apenas pela sua formação na pesquisa histórica, mas também pelo exercício constante do jornalismo o que torna o seu estilo de escrita muito mais fascinante do que o vocabulário pouco atraente de Varnhagen. Em história do Brasil, ele foi o único a ter uma percepção mais ampla do mundo português, que marcou o Brasil durante boa parte do século XIX, até praticamente o início do século XX. De resto, ele foi o verdadeiro iniciador da história diplomática brasileira, mesmo se os predecessores também trataram dessa vertente, mas sem a sua visão global e metodologicamente diversificada.

6) Quais são as obras mais importantes de Oliveira Lima?
PRA: Depois de uma história de Pernambuco (1895), a coletânea de crônicas sobre os Estados Unidos (1899) impressiona pela visão de futuro da grande potência ainda nascente; ele também foi o primeiro a visualizar a ascensão do Japão a potência emergente (1903), mas no intervalo compôs o seu primeiro livro de história diplomática (O Reconhecimento do Império, 1901). Ele fez vários livros, muitos artigos, dezenas, senão centenas de textos para jornais e conferências, antes de consolidar sua fama como o maior historiador brasileiro da transição para a independência com Dom João VI no Brasil (1908). Seguiram suas palestras na Sorbonne, publicadas em francês sob o título de Formation Historique de la Nationalité Brésilienne (1911), obra verdadeiramente magnífica, ao lado das outras conferências pronunciadas nos Estados Unidos e que são igualmente clássicas, pelo comparatismo de grande densidade histórica: The evolution of Brazil compared with that of Spanish and Anglo-Saxon America (1912), publicadas dois anos depois no Rio de Janeiro: América Latina e América Inglesa: a evolução brasileira comparada com a Hispano-Americana e a Anglo-Americana. Sua história diplomática do Brasil se completa com O Movimento da Independência, 1821-1822 (1922), mas entre essas obras, e depois, existe uma pletora de trabalhos de grande valor histórico, sociológico ou jornalístico.

7) Como foi escrever a quatro mãos?
PRA: O livro não resultou de uma colaboração a dois, mas sim de uma assemblagem de escritos independentes, que por acaso combinavam pela metodologia adotada e por enfoques relativamente similares: ou seja, a obra sociológica de Oliveira Lima sobre temas americanos, ou hemisféricos. São três textos meus, e um de André Heráclio, que trata do conjunto de sua obra, mas basicamente de um de seus melhores livros, o que comparou a evolução respectiva das três grandes civilizações americanas.

8) Qual a história mais intrigante que você conta sobre a personalidade de Oliveira Lima?
PRA: Sobre seus entreveros com o Barão do Rio Branco, justamente, quando este já era ministro e pretendeu designá-lo para a legação em Lima, quando o Barão tinha de resolver o delicado problema do Acre, ao lado das pretensões do Peru de reivindicar boa parte da Amazônia boliviana e brasileira, mas Oliveira Lima resiste a ir para Lima, mesmo já designado oficialmente. Ao ficar sem posto no Rio de Janeiro, o historiador pernambucano começa a escrever artigos de jornal expressando sua opinião provocadora sobre a melhor maneira de orientar a política externa brasileira. Esse tipo de atitude desafiadora de Oliveira Lima degradou as relações entre ambos, ao que se agregou, logo adiante, desacordos ainda mais sérios com Joaquim Nabuco, a quem Lima criticava por sua postura muito simpática aos Estados Unidos, quando ele próprio já temia a atitude arrogante da potência imperial em formação. Em tudo isso, sobressai-se também a personalidade difícil de Dona Flora, que achava que seu marido é quem merecia ser designado chanceler de um dos muitos presidentes a quem Rio Branco serviu como ministro das Relações Exteriores.

9) Qual a principal divergência entre Rio Branco e Oliveira Lima?
PRA: Oliveira Lima se julgava merecedor de um bom posto na Europa, depois de ter servido no longínquo Japão, pois pretendia continuar suas pesquisas históricas nos arquivos das principais potências europeias. Rio Branco o queria na América do Sul, num momento extremamente importante para as negociações de fronteiras com os vizinhos. Como castigo, pelo fato de o historiador não ter aceito ir para Lima, Rio Branco ainda o designou para o México (tampouco aceito) e depois para Caracas, o que deve ter sido considerado uma punição para quem se julgava merecedor de coisas melhores.

10) Há um trecho em que vocês falam das frases ferinas, ironias e críticas indiretas ao ministro. Pode citar algo?
PRA: Quando designado para o Peru, Oliveira Lima teria repetido uma frase atribuída ao longevo secretário-geral do Itamaraty, o Visconde de Cabo Frio: “Peru, só na mesa, e para quem gosta”, e ele acrescentou: “E eu não gosto.” Outras frases ferinas foram pronunciadas no discurso de posse de Oliveira Lima na Academia Brasileira de Letras, em 1903, quando ele tinha sido escolhido na primeira turma, em 1896, à frente de Rio Branco, que teve de esperar a morte de um antecessor; frases ao estilo de saber “fazer história” e outras do mesmo tipo.

11) Em que pontos Oliveira Lima divergiu dos EUA a favor do Brasil?
PRA: Ao ter vivido em Washington na segunda metade da última década do século XIX, no momento da guerra hispano-americana e da projeção dos EUA sobre territórios no Caribe e no Pacífico (Cuba, Haiti, Porto Rico, Filipinas), Oliveira Lima viu de perto o poder imperial na sua fase do “grande porrete” em construção, o que seria consagrado no início do século XX, por Theodore Roosevelt. Assim, quando da reunião pan-americana no Rio de Janeiro, em 1906, ele assume uma postura muito crítica dos EUA, contra a atitude simpática, até benevolente de Joaquim Nabuco. Mas, realista, ele reconhecia no tremendo progresso econômico americano um exemplo a ser seguido pelo Brasil, mesmo criticando a terrível segregação racial ali praticada. Ou seja, ele pretendia o desenvolvimento material americano combinado à suposta integração racial no Brasil. Ele também soube reconhecer os progressos feitos pela Argentina, e deixou um livro inteiro sobre o país vizinho (1919). Nos anos 1920, ele desejava construir um tipo de pan-americanismo inteiramente respeitador das soberanias latino-americanas, numa fase em que os EUA ainda não tinha renunciado à sua política de intervenções.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12 de dezembro de 2017

Livro: Oliveira Lima: um historiador das Américas, Paulo Roberto de Almeida, André Heráclio do Rêgo (Recife: CEPE, 2017, 175 p.; ISBN: 978-85-7858-561-7). Anunciado no Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/oliveira-lima-um-historiador-das.html).

Globalismo e globalização (ou vice-versa): Olavo de Carvalho e Paulo Roberto de Almeida - Youtube

Assisti agora a este debate, no qual compareço (sem ter sido informado, previamente, do formato).
Globalismo e globalização: os bastidores do mundo 
 YouTube:  https://youtu.be/6Q_Amtnq34g

Eu não diria, como está abaixo, que se tratou de Olavo versus Paulo, pois em nenhum momento, após ter recebido um convite dos organizadores desta série "Brasil Paralelo", fui avisado que eu seria "entrevistado" junto com o professor Olavo de Carvalho. Recebi um convite, solicitei um roteiro, para preparação adequada – o que sempre faço para evitar aquele horrível sensação de improvisação, com o entrevistado gaguejando para encontrar a resposta a determinadas questões, que nem sempre são bem formuladas – e preparei, sim, minhas respostas, e aguardei o chamado. Apenas na hora soube que seria com o Professor Olavo de Carvalho, de quem conheço várias obras e muitos escritos "sueltos" nos jornais e em seu blog e FB, com quem concordo em muitas coisas – entre elas o caráter nefasto e criminoso do Foro de São Paulo –– e de quem discordo em várias outras, como esse fantasma do governo mundial. Tratou-se, contudo, não de um confronto, mas de uma exposição paralela de ideias coincidentes, convergentes e várias divergentes, opostos, o que é absolutamente normal no mundo dos debates democráticos. Eu chamaria essa experiência de "Olavo de Carvalho e Paulo Roberto de Almeida: duas concepcões sobre gobalização e globalismo, um mesmo propósito em fazer do Brasil um país livre, democrático, desenvolvido". Assistam, a despeito de ser longo e bastante cansativo.
Permito-me, igualmente, remeter à entrevista que dei em outubro de 2016 ao mesmo pessoal do Brasil Paralelo: 
https://membros.brasilparalelo.com.br/assistir/temporada-anterior/paulo-roberto-de-almeida

Abaixo, para os que desejarem não ficar 1:30hs no YouTube, e preferirem conhecer minhas posições, aqui os argumentos preparados previamente ao que eu pensava seria uma entrevista "solo":



Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: notas para entrevista em vídeo; finalidade: programa Brasil Paralelo]


Globalismo e globalização: qual a diferença?
A globalização é fenômeno bem conhecido, e praticamente secular, ou mesmo milenar, tendo se acelerado em diversas ondas desde os grandes descobrimentos e aventuras marítimas do século XVI, que realmente unificaram o mundo pela primeira vez; trata-se de um processo impessoal, objetivo, independente de quaisquer outras forças políticas e sociais, pois ela é conduzida essencialmente ao nível micro, ou seja, por iniciativa de indivíduos e empresas, inventores, inovadores, empresários, aventureiros, missionários, intelectuais ou quaisquer outros atores, de quaisquer países e origens sociais, que transcendem suas circunstâncias locais ou nacionais, para projetar-se além fronteiras, mundialmente e até universalmente, graças aos instrumentos, processos e mecanismos criados, deliberadamente ou não, para justamente ultrapassar barreiras nacionais, limites fronteiriços graças às ferramentas de informação e de comunicação desenvolvidos por esses mesmos agentes privados ou institucionais, com tais objetivos universalistas, transmitindo, transferindo, vendendo, oferecendo os mais diferentes tipos de bens e serviços, mas sobretudo ideias, conceitos, propostas para uma maior integração entre pessoas, empresas, instituições públicas e privadas.
Já o globalismo é um conceito novo, criado com motivações deliberadamente políticas, para caracterizar um movimento, ou processo, equivalente a outros ismos existentes no cenário intelectual ou conceitual do mundo moderno: por exemplo, o socialismo, o feminismo, o altermundialismo, o nacionalismo, quem sabe até o próprio capitalismo, ainda que este seja também um fenômeno econômico e social totalmente objetivo, impessoal, incontrolável, correspondendo apenas a uma determinada forma de organização das forças produtivas (baseada em empresas privadas produzindo bens e serviços para mercados de massa) e das relações de produção (baseadas no trabalho assalariado e no contratualismo direto entre trabalhadores e empresários).
Como eu vejo o globalismo? Como uma tentativa de forças conservadoras ou de direita, para rejeitar a sensação de perda de soberania nacional em prol da globalização, justamente, como se estivesse ocorrendo uma conspiração de forças globalistas para reduzir a soberania dos Estados em favor de um fantasmagórico “governo mundial”. Não hesito em classificar tal concepção estreita de alguns dos efeitos da globalização na categoria das manifestações paranoicas, derivadas de certo nacionalismo estreito, de um soberanismo introvertido, e de uma atitude defensiva em relação aos avanços diretos e indiretos da globalização, para mim inevitáveis e positivos, como aliás a própria perda de soberania dos Estados nacionais sobre partes importantes das políticas públicas, o que considero ser uma tendência favorável à racionalidade econômica e ao bem-estar das sociedades nacionais.
A esquerda política, num certo sentido, também atua contra a globalização, como visto pelo exemplo de diversos partidos europeus na rejeição dos projetos comunitários ou dos acordos regionais e plurilaterais de abertura econômica e de liberalização comercial, como também em outros continentes. Na América Latina, diferentes componentes da esquerda tendem a rejeitar os acordos de livre comércio, em favor de projetos mercantilistas, estatistas, intervencionistas, colocados sob estrito controle das burocracias nacionais.
Em resumo, eu vejo muitas diferenças, e total dissociação de objetivos entre um processo objetivo como a globalização e uma construção política, de caráter restritivo, como esse conceito de globalismo, que de fato se opõe à globalização, por considerá-la negativa ou restritiva das soberanias nacionais, o que eu reputo como positivo.

De onde vem essa ideia de globalismo e qual a origem dessa pauta? Por que estamos falando disso?
O globalismo, essa construção artificial, de certo modo reacionária, tende, pelo que entendo, a restringir, a constranger, fazer retroceder a globalização, por considerar que esse processo atua contra os interesses dos Estados nacionais, em favor de uma entidade que eu considero totalmente fantasmagórica que seria o “governo mundial”, algo totalmente impossível de ser instituído, uma vez que vivemos, desde Westfália pelo menos, e pelos próximos séculos até onde a vista alcança, sob o domínio dos Estados nacionais independentes e soberanos.
Visto pelo outro lado, registramos que é o nacionalismo estreito, a afirmação mesquinha dos interesses nacionais, a defesa exacerbada de uma concepção estreita desses interesses e sua projeção exterior que foram, e ainda são, responsáveis pela maior parte das guerras e conflitos militares, assim como, internamente, pelas violações mais grosseiras dos direitos nacionais e até pela repressão das liberdades democráticas. As ideias de liberdade, de defesa dos direitos humanos, de afirmação irrestrita de valores e princípios democráticos são ideias universais, concebidas e implementadas para a defesa dos direitos dos indivíduos, das liberdades pessoais (de religião, de expressão, de associação, de iniciativas individuais), contra os Estados, contra as tiranias, contra os governos arbitrários, prepotentes, concentradores do poder.
Vejo a globalização, justamente, como um processo criado e desenvolvido ao nível micro, ou seja, por indivíduos e empresas, ao passo que as forças antiglobalização são geralmente de nível macro, estatal, ou até de caráter intergovernamental. São essas forças, muitas delas implementadas por indivíduos ou por organizações de caráter estreitamente nacionalista, que se opõem a um fantasma, o globalismo, ou um pretenso governo mundial.

Quem são essas entidades? ONU, UE, fundações etc. qual o propósito, o que elas defendem, por que elas nasceram e com que dinheiro atuam. 
O mundo atual, o sistema contemporâneo de organizações internacionais, ou de âmbito regional – como a UE, por exemplo, um projeto comunitário – surgiram ao cabo e como consequência de grandes conflitos interestatais, ou de guerras globais, que trouxeram enormes destruições materiais ou e gigantescas hecatombes humanas, crises terríveis surgidas geralmente, quando não totalmente, da afirmação exacerbada dos interesses nacionais, dos nacionalismos exclusivistas, ou de ambições desmedidas de líderes nacionais irresponsáveis, animados pelo desejo de dominar povos e nações, pela via da expansão territorial e das aventuras militaristas. Essas organizações constituem uma tentativa, por parte de líderes responsáveis, democráticos, respeitadores dos direitos humanos, de valores e princípios humanitários, de encontrar um terreno comum de diálogo e entendimento entre os diferentes Estados nacionais soberanos, de maneira a evitar novas guerras e destruições.
Essas organizações podem ser invasivas, intrusivas, destruidoras das soberanias nacionais, mas num certo sentido elas também são soberanistas, defensivas, restritivas, mercantilistas, pela simples razão de que elas são intergovernamentais, na maior parte dos casos, e tendem a defender mais os interesses dos Estados do que dos povos. Creio, assim, de que a acusação de globalistas, ou de defensoras desse fantasma do globalismo, feitas contra elas é exagerada, e equivocada, pois elas nada podem fazer contra a vontade dos Estados nacionais, de que é prova maior a ação (ou falta de) do Conselho de Segurança das Nações Unidas em relação aos piores conflitos ocorridos nos teatros regionais desde o surgimento da ONU, notadamente o conflito no Oriente Médio, como no passado a guerra do Vietnã e, desde sempre e atualmente, as muitas guerras civis, conflitos intra-estatais e diferentes situações de violações de direitos humanos e dos princípios democráticos em quase todos os continentes.
Essas organizações nasceram justamente desses conflitos e das guerras globais, elas defendem o convívio democráticos entre povos e nações, entre Estados nacionais, a cooperação internacional para a paz e a segurança mundiais, o desenvolvimento e o bem-estar desses povos. O dinheiro de que dispõem vem diretamente dos Estados nacionais e de algumas outras fontes secundárias, e elas são, portanto, dependentes dessas dotações. O governo Trump, por exemplo, retirou os EUA da Unesco, o que geralmente significa uma redução do orçamento operacional entre um quinto e um quarto do total dos recursos devotados a alimentar a sua burocracia ou suas ações.

Como diferentes agentes se comportam nesse jogo de interesses? Estados Unidos, Rússia, China, economias emergentes, Islã...
Esses “agentes”, são muito diversos entre si. Estamos falando aqui, de um lado, de três Estados soberanos, Estados Unidos, Rússia e China, totalmente diferentes entre si, sob qualquer critério que se examine; de outro lado, de uma categoria difusa de “atores” que são arbitrariamente agrupados nessa categoria de “economias emergentes”, à qual o Brasil supostamente pertenceria, há muitos anos aliás. Cada um deles possui certamente interesses nacionais, não necessariamente convergentes entre si, e na maior parte do tempo bastante opostos entre si, como parecem ser, por exemplo, os objetivos nacionais de EUA, Rússia ou China. Quanto aos emergentes, essa categoria difusa não permite sequer falar de “jogo de interesses”, pois não jogam num tabuleiro comum.
Já o “Islã”, totalmente ou praticamente desconhecido no Brasil, designa uma imensa comunidade de praticantes dessa religião, divididos em diferentes seitas e vertentes da própria religião, nem sempre harmônicas entre si, que por sua vez se estende a um número muito grande de países e de regiões, diversificados em línguas, geografias, modos de organização política e formas diversas de integração econômica mundial, sem que se possa identificar claramente que tipo de unidade política, ou de governança, haveria de unir todos eles ao abrigo de um conceito vago como “Islã”. Existe uma “Organização Islâmica” que não tem sequer unidade de visão, ou coordenação de comportamentos dos governos dos países membros, para tratar, por exemplo, do problema mais intratável da atualidade, que é o terrorismo de base islâmica, na verdade fundamentalista, ou sectária, e que vitima primeiramente e principalmente os próprios muçulmanos, e marginalmente os ocidentais, que seriam, supostamente, os “inimigos” principais desses terroristas fundamentalistas.

Quais as possíveis consequências de um governo global? Tanto positivas quanto negativas. O que ambas correntes argumentam a respeito. 
Falar sobre as “possíveis consequências” de um fantasmagórico “governo global” significa, em primeiro lugar, considerar que uma tal construção seja possível, que ela esteja em curso de ocorrer, que possa emergir futuramente, ou que esteja sendo seriamente considerada por essas entidades, ou por estadistas ou dirigentes nacionais interessados nesse tipo de agência ou organismo supranacional, que serviria para se substituir, ou até se opor, aos Estados nacionais. Ora, eu considero, não apenas, que tal tipo de governo global é indesejável, mas simplesmente que ele é impossível, nas atuais condições das relações internacionais e dos sistemas existentes de cooperação e de coordenação entre Estados soberanos, membros da ONU. A ONU, ou suas agências especializadas, inclusive as relativamente “independentes” no plano orçamentário, como o FMI ou o Banco Mundial, são totalmente submetidas à vontade, aos desejos, aos projetos dos governos nacionais, sobretudo dos mais poderosos entre eles, como são as cinco potências com cadeiras permanentes no CSNU e alguns outros atores dotados de certas capacidades políticas, financeiras ou militares, como alguns membros do G-20 (estes fazem mais de 90% do PIB mundial, e provavelmente quase a totalidade do “poder de fogo” no mundo, sem que eles sejam capazes de evitar conflitos na periferia).
Não se pode tampouco considerar que existam, efetivamente, duas “correntes” identificadas de opinião, uma “globalista”, a outra anti-globalista, que seriam, hipoteticamente, constituídas, a primeira por partidários da globalização, a segunda por seus opositores, ou vice versa (qualquer que seja o sentido que se atribua a esses conceitos). Tal maniqueísmo conceitual, totalmente artificial, não corresponde a qualquer movimento, processo ou projeto concreto, num ou noutro sentido, ainda que pessoas, ou grupos de pessoas venham agitando tais ideias. Na verdade, apenas os opositores de direita da globalização falam de um “governo global”, ao passo que seus opositores de esquerda preferem ser chamados de “altermundialistas”, e pretendem, utopicamente, a construção de “um outro mundo possível”, que seria não capitalista, não pró-mercados, mas sim partidários de uma coisa chamada “economia solidária”, defesa do meio ambiente contra supostas maldades das multinacionais, defesa de “minorias” – indígenas, mulheres, povos periféricos – que estariam sendo ameaçados por “capitalistas globais”.
Não acreditando, portanto, nessa possibilidade de um governo global, não tenho considerações outras a fazer, que não descartar tal hipótese. O mais próximo que talvez se esteja dessa “ameaça” pode ser representado, muito precariamente, pelas instituições comunitárias da União Europeia, hoje simbolizadas no euro, que não é senão uma etapa mais avançada das quatro liberdades criadas pelos tratados de Roma 60 anos atrás, ou seja: a liberdade de circulação de bens, de serviços, de capitais e de pessoas. A moeda comum, que ainda não é a moeda única da União Europeia, representa, de fato, uma perda, ou abandono, de soberania política e econômica por parte dos Estados membros, mas isso já estava implícito desde a origem, ao se aprovar a constituição de um mercado comum, que apela naturalmente a uma moeda comum. Mesmo esse tipo de arranjo é parcial e limitado, e não deixa de sofrer contestações dos próprios países membros quando determinadas medidas, convertidas em resoluções comunitárias, ameaçam infringir direitos nacionais desses membros, ou quando a Comissão de Bruxelas parece extravasar seu mandato dado pelo Conselho Europeu e busca “harmonizar” disposições diversas com impacto na vida econômica e social das comunidades nacionais.
A outra instância política supostamente destinada a “instaurar” uma alegada “governança global” seria o G-20, um foro de consulta e coordenação entre as maiores economias planetárias, mais a própria UE e algumas outras organizações internacionais que podem trazer alguma expertise ou competência institucional nos temas tratados pelo grupo, que estão situados primariamente no terreno da coordenação econômica global – uma vez que ele foi convocado, ou ressuscitado, quando da crise de 2008 que redundou na Grande Recessão, segundo a terminologia dos economistas –, mas que podem se estender igualmente a outros terrenos (meio ambiente, segurança internacional, etc.). Mas essas duas dezenas de países são muito diversos entre si, possuem alguns objetivos comuns, mas vários outros bastante divergentes, interesses nem sempre coincidentes ou convergentes, o que deve deixar esse grupo muito longe, talvez a anos-luz de distância, de qualquer perspectiva de “governo global”.

O que devemos esperar como próximos passos?
Não existe, a rigor, uma base conceitual adequada para se definir próximos passos, quando não existe uma base comum de entendimento sobre o que seja “globalismo”, “globalização”, “governança global”, ou “governo mundial”, e quando não tem uma definição clara do que sejam “interesses nacionais” desses vários “agentes” ou atores do sistema internacional contemporâneo. Minha compreensão do mundo atual é baseada em estudos de cunho econômico, de natureza política, sobre o desenvolvimento diferenciado e desigual dos países e regiões existentes, a partir de metodologias típicas da ciência política, das relações internacionais, da história e da economia, o que me revela um mundo em transição para algum tipo de configuração ainda não claramente definida.
No pós-guerra, as relações internacionais estiveram dominadas pela bipolaridade organizada em torno dos dois grandes atores da era atômica, logo adiante perturbado pelo desgarramento da China do mundo socialista soviético, e pelo neutralismo de uma parte de países periféricos que evitavam colocar-se claramente de um ou outro lado da bipolaridade. O Brasil, na maior parte do tempo, por força do anticomunismo oficial, colocou-se no lado “ocidental” da bipolaridade, mas crescentemente afirmativo na defesa dos seus interesses nacionais, em busca de uma trajetória própria de políticas nacionais de desenvolvimento, o que o levou a distanciar-se, em algumas instâncias das posturas defendidas pelos países líderes de sua suposta “coalizão de interesses”, no terreno da não proliferação, por exemplo, na capacitação tecnológica ou nas políticas comerciais e de investimentos estrangeiros (num plano relativamente distante do que existia no plano da OCDE, para mencionar um clube anteriormente chamado de “países ricos”, e que ao incorporar, a partir de certo momento, países em transição do socialismo ao capitalismo ou economias em desenvolvimento, passou ao se considerar um “clube de boas práticas”).
O Brasil é claramente um país em desenvolvimento, bastante conhecido pelo seu protecionismo renitente, pelo seu intervencionismo estatal exacerbado, por seu nacionalismo histórico, por uma introversão persistente das políticas econômicas e setoriais, pela burocracia intrusiva na vida dos cidadãos, e portanto por diversas restrições ao empreendedorismo de livre mercado. Até pelos exageros perpetrados desde o início do século por governos notoriamente ineptos e reconhecidamente corruptos, e pelo fracasso de políticas econômicas intervencionistas que nos levaram ao que pode ser chamado de “Grande Destruição”, o Brasil teria interesse, no presente momento de transição, de aproximar-se mais do modelo OCDE de governança econômica, assim como aperfeiçoar sua governança nacional em direção de padrões e práticas mais conformes ao que se chama de accountability – ou seja, responsabilidade governativa, com transparência – e de maior qualidade democrática, o que não é claramente o caso atualmente.
Por isso mesmo, depois de mais de uma década e meia de retrocessos institucionais e de deficiências de governança, estendendo-se por quase todas as áreas das políticas públicas, com uma expansão significativa dos níveis de corrupção política e empresarial, o interesse nacional brasileiro deveria voltar-se para uma recomposição de seu sistema político, com reformas importantes na legislação partidária e eleitoral, e para uma revisão fundamental de suas políticas econômicas, no sentido da abertura econômica e da liberalização comercial, com maior disposição para uma ampla integração econômica mundial.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de dezembro de 2017


Addendum 8/12/2017:

            Tenho por hábito escrever sobre todos os assuntos sobre os quais eu possa deter alguma capacidade analítica, como fruto de minha experiência de vida e conhecimento adquirido pelo estudo, pela pesquisa e através dos livros, em temas importantes da atualidade política e econômica brasileira e mundial. Tenho por hábito refletir sobre toda e qualquer demanda que me é feita, e preparar meus argumentos antecipadamente a meus pronunciamentos públicos.
            Por isso mesmo, nunca embarquei nessa canoa furada do “globalismo”. Esse conceito de globalismo assumiu, para a direita, o mesmo status que já tem, desde longos anos, o conceito de “neoliberalismo” para a esquerda: um slogan vazio, que não se traduz em nenhuma realidade palpável, a não ser uma fantasmagoria construída pela paranoia de alguns contra as evidências concretas da globalização, esta sim um processo real, como eu argumento no texto acima.
            Não pretendo mudar a concepção de ninguém, mas não posso deixar de expressar meus argumentos, que são o fruto de uma experiência diversificada de décadas vivendo no exterior, no Brasil, em contato e na vivência com todos os tipos de socialismos e de capitalismos, em todas as partes do mundo, assim como como resultado de leituras, pesquisas, estudos e debates feitos ao longo dessas últimas cinco décadas, mais a experiência prática como negociador diplomático em diversos foros desse tal de “globalismo”, e confesso nunca ter encontrado essa conspiração de megabilionários e de organizações internacionais para instalar o tal de “governo mundial”. Isso é paranoia pura.
            Outro simplismo extremamente redutor, e totalmente equivocado, é falar de um Islã, como se ele expressasse uma realidade uniforme, e como se todo o Islã quisesse esmagar o Ocidente para instalar o seu modo de governança sobre nós.
            Assim como a esquerda perdeu qualquer credibilidade e respeito intelectual ao persistir nas versões simplistas, e equivocadas, da história, a direita – se ele existe como “entidade”, o que eu duvido – pode perder credibilidade, e alimentar a paranoia, se continuarem agitando essa fantasmagoria do “globalismo”.
            Digo isto com base no que observo, leio, reflito sobre a realidade da vida empresarial, dos organismos internacionais, da vivência em diferentes sistemas socioculturais em que se divide o mundo, pois não me considero ser apenas, ou basicamente, um homem de livros, um acadêmico, ou mesmo apenas diplomata.
            A direita, no Brasil, não poder ser aprisionada pelos conservadores, ou ser um reduto dos reacionários, apenas para se demarcar da esquerda, e acabar adotando uma visão do mundo que é também ideológica, para não dizer sectária. Essa noção de que existe um complô de mega-bilionários com outras entidades poderosas para retirar a nossa soberania é simplesmente ridícula, como sempre foram ridículas as teorias conspiratórias da esquerda em relação ao imperialismo americano atuando para impedir o nosso desenvolvimento.
            Como sempre, escrevo o que penso, o que quero, e expresso minhas ideias através de artigos e livros publicados, ou deixo as ideias disponibilizadas no meu blog e site. Não peço licença a ninguém para expressar minhas ideias...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 8 de dezembro de 2017

Ficha completa do trabalho: 

3202. “Globalismo e globalização: os bastidores do mundo”, Brasília, 7 dezembro 2017, 8 p. Notas preparadas para entrevista via hangout, para um programa da série Brasil Paralelo, gravada em companhia de, e em contraposição a Olavo de Carvalho, sobre o processo de globalização e o conceito de globalismo. Blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/globalizacao-e-globalismo-como.html). Complemento em 8/12/2017. Transmitido em 11/11/2017 (link: https://www.youtube.com/watch?feature=youtu.be&utm_campaign=inscritos_-_o_primeiro_debate_do_webinario_ja_esta_no_youtube&utm_medium=email&utm_source=RD%2BStation&v=6Q_Amtnq34g); no Canal YouTube (link: https://youtu.be/6Q_Amtnq34g); divulgado no Fabebook pessoal (link: https://www.facebook.com/paulobooks/posts/1746403232089786) e no blog Diplomatizzando (link: ). Relação de Publicados n. 1279.


terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Brasil Paralelo: entrevista com Paulo Roberto de Almeida (2016)

Antes de ter acesso a uma entrevista recente que concedi na série do Brasil Paralelo, na qual defendi a globalização e acusei o tal de "globalismo" de ser apenas uma invenção paranóica de certa direita (da qual ainda preciso ter o link), disponibilizo novamente uma entrevista feita no ano passado, na qual tratei de diversos problemas da conjuntura brasileira imediatamente após o impeachment de Madame Pasadena. 
 
Neste link: 
 

domingo, 10 de dezembro de 2017

Dez coisas que eu faria se tivesse poder (2002) - Paulo Roberto de Almeida

Trata-se de um artigo idealista, provocador, totalmente "oportunista"– no bom sentido da palavra – pois que concebido e publicado no fatídico ano eleitoral de 2002, quando eu pensava que os companheiros podiam ser relativamente honestos e realmente dedicados à transformação social do país. Na verdade, eu já sabia que eles eram corruptos, mas não imaginava que fossem TÃO CORRUPTOS. Por isso, imaginei que eles pudessem ser "educados" para as boas políticas públicas, no que eu me enganei redondamente e quadradamente.
A razão de eu estar divulgando agora é porque o veículo onde este artigo foi originalmente publicado, a revista digital Espaço Acadêmico – com a qual colaborei durante dez anos, até que os companheiros se cansaram de minhas provocações à esquerda acadêmica, tão estúpida quanto a esquerda sindical ou política, me despediram do rol de colaboradores –, foi totalmente reestruturada, e passou a abrigar os antigos artigos em novos servidores, com o que mudou o link de disponibilidade, como registro abaixo.
De toda forma, transcrevo o artigo em sua íntegra, pois quem sabe algumas medidas ainda são válidas (acho que todas, pois os companheiros não fizeram NADA como reformas, só roubaram).
Paulo Roberto de Almeida


906. “Dez coisas que eu faria se tivesse poder (licença poética imaginária, mas justificada em uma fase pré-eleitoral)”, Charlottetown (Ilha do Príncipe Edward, Províncias Atlânticas do Canadá), 1º e 2 de jun. de 2002, 9 p. Lista de mudanças a serem implementadas por um governo com orientação social-reformista. 
Incorporado ao livro A Grande Mudança: consequências econômicas da transição política no Brasil (São Paulo: Códex Editora, 2003).  
Divulgado no blog Diplomatizzando (22/10/2017; link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/10/propostas-pra-para-um-programa-de.html). 
  
(licença poética imaginária, mas justificada em uma fase pré-eleitoral)

Paulo Roberto de Almeida

As indicações constantes da lista a seguir, explicitadas mais abaixo, devem ser consideradas como propostas modestas para melhorar o índice de desenvolvimento humano no Brasil, bem como a qualidade do relacionamento de seu povo com o mundo externo. Trata-se, obviamente, de mera expressão da vontade pessoal do autor, mas que expressa, com grau razoável de clareza, uma certa concepção do mundo e dos modos possíveis pelos quais o Brasil poderia ser organizado para aperfeiçoar o nível de bem estar de seu povo. Como eu, também obviamente, não tenho poder, a lista pertence mais ao reino da utopia do que a uma plataforma de propostas realizáveis no imediato, mas ela pode servir igualmente de critério de aferição da qualidade da agenda de transformações que políticos em geral propõem como base de sua ação em prol da Nação.
Quem quiser pode elaborar sua própria lista de propostas e confrontá-la, por exemplo, às medidas que estarão sendo inscritas nas plataformas de campanha política dos principais candidatos nas próximas eleições presidenciais, como forma de verificar se o seu “pequeno poço de desejos coletivos” ou se sua “lista de prioridades de reforma social” encontra correspondência nesses documentos programáticos. Trata-se de um exercício que pode ser considerado como de “cobrança preventiva” de resultados.
Vejamos, em primeiro lugar, minha lista sintética de propostas – a serem implementadas não necessariamente na ordem aqui seguida –, para passarmos depois a seu detalhamento e explicitação.

1. Mudaria o hino nacional, colocando bem-estar e desenvolvimento em seu âmago;
2. Acabaria com os chamados “direitos adquiridos”;
3. Tornaria a educação pública de base as cinco primeiras prioridades exclusivas de governo durante uma geração inteira;
4. Transformaria o Estado em agente do bem estar coletivo, retirando-o de atividades produtivas ou de setores dotados de melhor eficiência quando de caráter privado;
5. Mudaria o caráter e a orientação das forças armadas;
6. Aprofundaria a abertura econômica e a inserção internacional do País;
7. Elaboração e execução orçamentária totalmente transparentes, visíveis na Internet;
8. Reforma tributária radical, com imposto único de transações financeiras e poucas taxas seletivas de natureza social;
9. Abertura de creches públicas em todos os perímetros dotados de uma certa densidade potencial de mães;
10. Abertura de bibliotecas públicas infantis em todos os perímetros dotados de uma certa densidade potencial de crianças.

A maior parte dessas propostas fala por si e elas deveriam ser autoexplicativas à sua simples leitura, mas para facilitar a discussão em torno de sua implementação possível (ou hipotética), vejamos agora o que poderia servir de rationale para sua adoção e efetivação, em qualquer governo dotado de um grau razoável de comprometimento com os níveis de bem estar da população, com esta qualificação importante de que elas devem ser vistas como simples meio de atingir o objetivo maior de melhoria no índice de felicidade do povo, não como uma finalidade em si mesmas. 

1. Mudaria o hino nacional, colocando bem-estar e desenvolvimento em seu âmago.

Trata-se, obviamente, de objetivo não prioritário e totalmente não relevante para o atingimento das demais finalidades de bem estar superior da população, mas totalmente congruente com o espírito no qual elas são formuladas, válido aliás não apenas para o Brasil, mas para a ampla maioria dos países. Os hinos nacionais expressam, como se sabe, o chamado “espírito nacional”, representando a síntese da história daquele povo, sua forma de se conceber enquanto Nação e uma defesa de seus objetivos prioritários.
Ora, todos sabem que a maior parte desses hinos foi concebida numa fase de lutas políticas e militares em prol da independência e unidade nacionais e traduzem, em sua grande maioria, um espírito militar e de ufanismo “patrioteiro” totalmente ultrapassados em função dos avanços da consciência cidadã e do direito internacional. Eles se referem a glórias nos combates, incitam os instintos guerreiros – “aux armes citoyens!” – e falam de um país ideal que está muito longe do sonho dos simples cidadãos reais da atualidade. Por isso, ganhariam em ter suas letras ·– em alguns casos a própria música – mudados para algo que expressasse o consenso da nacionalidade presente com o progresso social, o bem estar da população, a cooperação internacional, a paz e a justiça universais.

2. Acabaria com os chamados “direitos adquiridos”.

Os chamados “direitos adquiridos” representam, em grande medida, privilégios corporativos transformados em garantia legal de caráter vitalício, sem qualquer correspondência com as reais possibilidades da economia ou sua extensão universal, e nada mais são, portanto, do que um tratamento discriminatório em relação ao conjunto da população, em especial suas frações mais pobres. Eles hoje estão concentrados em geral na previdência do setor público (e assemelhados), que precisa ser reformada para torná-la compatível com o caráter verdadeiramente universal e impessoal da legislação. Uma simples emenda constitucional poderia, e de fato deveria, acabar com os privilégios remanescentes, ainda que preservando os direitos dos atuais beneficiários e seus dependentes imediatos, mas introduzindo a partir daí um regime universal dotado de legitimidade pois que livre de discriminações abusivas que comprometem o equilíbrio das contas públicas em favor de uma minoria de trabalhadores. 

3. Tornaria a educação pública de base as cinco primeiras prioridades exclusivas de governo durante uma geração inteira.

Todos sabem que o Brasil, país totalmente industrializado, dotado de economia pujante e diversificada, é um campeão de iniquidades sociais e de injustiças praticadas contra seus próprios cidadãos. Ora, as políticas diretamente redistributivas apresentam efeitos indesejados em matéria de investimentos e alocação de recursos e nem sempre conseguem atingir os objetivos a que se propõem. É também consenso praticamente universal que a educação é a melhor forma possível de elevação dos padrões de vida, em primeiro lugar ocupacionais, da maioria da população, contribuindo assim para uma correção efetiva, ainda que não imediata, das distorções em matéria de repartição da renda. O que se propõe, portanto, é a concentração dos recursos educacionais na educação pública de primeiro e segundo grau (ou num grande ciclo básico ampliado), bem como nas escolas técnicas profissionalizantes, com extensão da presença e da permanência escolar efetiva do aluno carente, com oferta de bolsa-escola onde e quando pertinente (esta deve ser concebida como algo a ser reduzido e, em última instância, eliminado, pois que representando na verdade uma confissão de nossas mazelas sociais, a serem eliminadas via emprego e renda, não mediante assistência social suscetível de manipulação política).
Se possível, ademais, esse esforço – que deve continuar como prioridade absoluta por pelo menos uma geração inteira, para produzir resultados efetivos em termos de redução da pobreza e correção das iniquidades distributivas – deve concentrar igualmente os recursos de promoção de programas setoriais de atividades econômicas (geralmente usados para beneficiar grupos industriais ou agrícolas de interesse restrito) ou aqueles hoje não mobilizados por motivo de isenções fiscais não justificadas socialmente de maneira ampla e não discriminatória. Como regra de princípio, o dinheiro público deve ser utilizado para promoção de atividades de interesse social universal – daí a razão de se concentrar o dispêndio na educação do conjunto da população, não em atividades de cunho econômico que apresentam interesse apenas setorial – pois esta é a melhor forma de elevar o nível geral de qualificação da população, em especial de seus segmentos mais pobres, e seu consequente índice de remuneração monetária.

4. Transformaria o Estado em agente do bem estar coletivo, retirando-o de atividades produtivas ou de setores dotados de melhor eficiência quando de caráter privado.

Consolidar o modelo de privatização de setores que não têm diretamente a ver com a orientação geral do Estado enquanto agente social de atividades de interesse coletivo, como a educação, a saúde, o saneamento básico (água e esgoto), justiça e segurança pública e assistência social, onde e quando pertinentes. Creio que existe já um razoável consenso social em torno das novas funções regulatórias do Estado – e não diretamente produtor de bens ou serviços, ainda que “públicos” – para insistir neste ponto de aceitação praticamente universal hoje em dia. Que não se assista mais ao ridículo de se ver políticos de projeção nacional opondo-se à privatização das telecomunicações ou da exploração do minério de ferro, por considerá-las “atividades de caráter estratégico para o futuro do País”, que isso ofende à inteligência do cidadão menos educado. Estratégico é colocar toda criança na escola, alimentada pelo menos com arroz e feijão, e não pagar regiamente burocratas de alto coturno em funções que estariam melhor sob direção e responsabilidade privadas, concentrando-se os recursos públicos naquelas atividades que são típicas do Estado como as indicadas acima. 

5. Mudaria o caráter e a orientação das forças armadas.

Ainda que exista um grau razoável de “consenso” em torno dos argumentos tradicionais – do tipo: todo “grande país” necessita de forças armadas compatíveis com sua “importância no mundo”; como “não se pode prever o futuro”, daí a razão de “se preparar para qualquer eventualidade”, que terminam por justificar a manutenção de uma panóplia completa de instrumentos militares, altamente custosos e de eficácia apenas relativa em função dos riscos reais, eu seria francamente a favor de uma outra linha de argumentação: quais as ameaças reais – não as percebidas – à soberania e independência do País? Elas emergem do nosso imediato entorno geográfico ou mesmo de potências hegemônicas que pretenderiam “subalternizar” o País ou impedir seu desenvolvimento econômico e social?
Como não acredito no tipo de raciocínio que pretende preparar a Nação para qualquer hipótese de conflito ou ameaças imponderáveis – inclusive por considerar os dados da realidade internacional e nosso tipo de relacionamento com o mundo –, preferiria diminuir o grau de comprometimento dos recursos disponíveis com a defesa exclusivamente “nacional” e, em contrapartida, aumentar de maneira significativa o nível de envolvimento do País com as operações de paz das Nações Unidas, tanto as de “peace keeping” como, de modo inédito até aqui, as de “peace making” – compatível com nossa aspiração a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança –, adaptando em consequência nossos requerimentos militares para esse tipo de situação e de “confronto” bélico. Ameaças residuais do tipo guerrilhas vizinhas ou narcotráfico estariam contempladas no novo esquema, mas não a defesa do território pátrio contra invasões hipotéticas ou uma guerra em grande escala (que nunca é aquela imaginada pelos generais). O cenário cooperativo com os vizinhos e também com as grandes potências deve ser pensado na perspectiva da promoção da paz e da cooperação em prol do desenvolvimento econômico e social, não como a partir da hipótese do conflito com algum inimigo externo não percebido como real ou em função da afirmação unilateral do “interesse nacional”.

6. Aprofundaria a abertura econômica e a inserção internacional do País.

Existe igualmente grau razoável de consenso em que a abertura “unilateral” dos anos 90 estimulou o mais intenso e rápido processo de modernização econômica e de competitividade tecnológica já conhecido na história do País, trazendo novos patamares de produtividade, tanto no setor industrial, como nas várias áreas do primário e do hoje imenso setor de serviços. Os argumentos quanto ao “desmantelamento tarifário sem barganha” são inconsistentes com a experiência comercial e de integração do Brasil, em escala mundial e regional, e não levam em conta os efeitos benéficos efetivamente verificados da abertura, tanto para os produtores como para os consumidores.
Nenhum economista razoável, inclusive nas fileiras da oposição oficial, acredita ser possível hoje continuar o processo de modernização da economia brasileira em uma situação de isolamento em relação aos mercados internacionais. Vários partidários da “soberania econômica nacional” acreditam, entretanto, ser possível algum grau razoável de proteção para indústrias ditas – pelo burocrata governamental – “estratégicas”, assim como doses “moderadas” de incentivos e isenções fiscais, de molde a estimular setores considerados competitivos a partir do apoio governamental. Além das distorções do jogo econômico e dos desvios das regras de concorrência provocados por esse tipo de política, trata-se provavelmente do mais seguro caminho para a volta aos padrões antigos de estruturação industrial do País, bem como de má alocação dos recursos públicos, com o efeito adicional de enviar sinais contraditórios aos investidores nacionais e estrangeiros, que ficarão aguardando – ou farão pressão em prol de – medidas especiais de estimulo a novas inversões nos setores pertinentes, cada um podendo esperar pela classificação de “estratégico”.
Em contraste, uma sinalização clara em favor da continuidade da abertura e da inserção internacional dá um recado transparente a todos os agentes econômicos, ou seja, o de que o jogo econômico será pautado pelas regras da concorrência, sem outras regras especiais. Esta é a melhor maneira de assegurar o prosseguimento da modernização e de modo geral e o aumento da produtividade da economia de modo particular. 

7. Elaboração e execução orçamentária totalmente transparentes, visíveis na Internet.

A manutenção da estabilidade econômica é ameaçada não tanto pela chamada preservação da “memória inflacionária” por parte dos agentes econômicos como pelas práticas eventuais de permissividade emissionista e/ou prodigalidade nas despesas por parte dos próprios agentes do poder político, legisladores ou executivos, dependendo da conjuntura. Com efeito, o descontrole inflacionário, raiz de tantos e tão perversos males sociais no passado econômico brasileiro – como a inflação renitente, causa principal e fonte primeira da desigualdade extrema na distribuição de renda –, tem sido provocada, quase invariavelmente, pelos péssimos hábitos orçamentários do Estado brasileiro, cujos governos, desde Juscelino pelo menos, tinham criado uma curiosa compulsão por gastos não cobertos pelo orçamento ordinário. Brasília, aliás, foi construída sem sequer estar prevista no orçamento, criando um ciclo ficcional nas contas do Estado que recém começa a ser encerrado pelos últimos anos de ajuste fiscal.
Por isso, o primeiro e principal dever do agente público, como de resto de todo cidadão politicamente consciente, seria o de exigir transparência total na formulação e na execução do orçamento público, em todos os níveis e etapas do processo de elaboração e implementação das contas públicas, das receitas originais às despesas finais. O objetivo, que pode ser alcançado em tempo real via Internet, tem por finalidade assegurar limpidez e correção na elaboração desse importante instrumento das políticas públicas, e não deveria ter qualquer limitação técnica para seu estabelecimento e funcionamento.

8. Reforma tributária radical, com imposto único de transações financeiras e poucas taxas seletivas de natureza social.

Um dos mais poderosos fatores de “deseconomia” na estrutura produtiva do Brasil é o seu sistema tributário, caracterizado pela cumulatividade, pela incidência em cascata e pela regressividade implícita na tributação indireta, ademais de aspectos pouco louváveis, no plano da aplicação e eficácia, como os altos graus de evasão e de elisão fiscais. Diferentes propostas de simplificação e de racionalização não têm logrado obter apoio dos diferentes setores políticos (sobretudo dos governos estaduais) em vista das incertezas associadas à federalização de alguns tributos e eliminação de outros.
Como o consenso se torna muito difícil em torno do sistema “ideal”, talvez o mais factível seria uma mudança radical nas próprias bases conceituais do regime tributário, a partir da eliminação pura e simples de todos os impostos e tributos e sua substituição por uma contribuição única sobre as transações financeiras, a mais eficiente possível de todas as formas impositivas, uma vez que insonegável e de custo praticamente zero no que respeita a máquina arrecadatória (eliminando, portanto, todos os focos possíveis de corrupção e de desvio, nas diversas pontas do sistema). Ela seria complementada, apenas para fins de “dissuasão do vício”, por taxas seletivas sobre tabacos e bebidas, bem como, para fins de “indução ao transporte coletivo”, por um imposto adicional sobre os combustíveis de transporte individual.
Os efeitos negativos – cumulatividade e incidência em cascata, igualmente – da nova CPMF (permanente e única) seriam compensados por uma desgravação parcial baseada numa simulação econométrica a partir de uma espécie de matriz de Leontieff construída para cada tipo de cadeia produtiva em causa, segundo as transações operadas tradicionalmente naquela atividade. A repartição funcional e social das receitas – uma vez que a base territorial do novo sistema seria unicamente a federação – seria decidida pelo Parlamento, com base na arrecadação estadual e municipal e sistemas de compensação para correção de desigualdades estruturais e para programas de investimentos sociais previstos nos planos plurianuais e nas diretrizes orçamentárias votadas pelo corpo legislativo. 

9. Abertura de creches públicas em todos os perímetros dotados de uma certa densidade potencial de mães.

Uma das desigualdades mais persistentes do gênero humano é aquela justamente baseada na distinção de gêneros, característica estrutural que insiste em discriminar as mulheres a despeito de todos os progressos sociais e culturais realizados nas últimas décadas – ou séculos – de conquistas femininas e feministas. Quotas e reservas fazem pouco para diminuir a desigualdade de chances nos mercados de trabalho e no mercado político, uma vez que a mulher tem de carregar o peso e as responsabilidades da gestação natural e da criação social dos descendentes. Uma vez que os homens parecem pouco dispostos a dividir os encargos domésticos e os inerentes à paternidade conjunta, uma forma de liberar a mulher das restrições impostas por uma longa maternidade seria a multiplicação de creches de boa qualidade onde necessário, como forma de prover um ambiente sadio para as crianças de mães trabalhadoras, até que a pré-escola possa assumir o encargo no seguimento dos primeiros serviços infantis de provimento público.

10. Abertura de bibliotecas públicas infantis em todos os perímetros dotados de uma certa densidade potencial de crianças.

Trata-se de outra medida corretiva das desigualdades de chance associadas a um nascimento em lares menos afortunados. Sendo eu mesmo filho de família modesta e tendo complementado minha educação em escolas do sistema público pela frequentação assídua e contínua de uma biblioteca infantil de bairro, sei avaliar o quanto esse tipo de oportunidade pode fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso no acesso ao ensino superior e depois, na vida profissional adulta. Associada às escolas públicas de boa qualidade, a disponibilidade de bibliotecas, junto com sistemas on-line em ambos os ambientes, pode efetivamente reduzir um pouco o imenso gap de oportunidades que separa os filhos das classes A e B dos demais estratos sociais menos privilegiados. É uma proposta sem dúvida modesta, mas compatível com a modéstia de recursos disponíveis no Brasil para promoção social.
Para terminar com os livros, e aproveitando para retomar minha licença poética neste planejamento utópico do futuro brasileiro, recordemos a recomendação de um verdadeiro profeta da redenção do povo, Castro Alves, o mais libertário dos poetas brasileiros: “Ó bendito quem semeia, livros, livros à mão cheia, e manda o povo pensar. Por que o livro caindo n’alma, é germe que faz a palma, é chuva que faz o mar!”

Resumo: Ensaio politico no estilo das propostas utópico-realistas, sob a forma de lista de mudanças a serem eventualmente implementadas por um governo com orientação social-reformista no Brasil. Coloca-se na perspectiva de declaração de intenções em período pré-eleitoral. Palavras-chave: Brasil. Mudanças politicas e sociais. Propostas para melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano. Política econômica.
Paulo Roberto de Almeida
Charlottetown, Ilha do Príncipe Edward, Províncias Atlânticas do Canadá;
1º e 2 de junho de 2002; Relação de Trabalhos nº 906