Desafios Globais de
Desenvolvimento: Igualdade, Sustentabilidade e Crescimento no Século XXI
Paulo Roberto de
Almeida
[Objetivo:
notas para palestra; finalidade: 24ª edição do ENERI, Uberlândia.]
1. Introdução:
invertendo a ordem dos conceitos e o seu significado
Peço
permissão para revisar completamente os termos sugeridos para minha
participação nesta 24ª. edição do ENERI. Em primeiro lugar não existem desafios
globais de desenvolvimento. A despeito da preeminência avassaladora da
globalização neste século, aliás desde a pré-história, o desafio do
desenvolvimento é, continua sendo, e será ainda por muito tempo, eminentemente
nacional, quase que exclusivamente nacional. Existem poucos exemplos de países no mundo, se algum, que se tenha
desenvolvido pelas mãos de outros países, a não ser que se considerem colônias
dominadas por certas metrópoles exemplos de processos globais, ou
transplantados, de desenvolvimento. E, de fato, algumas colônias
conseguiram galgar alguns degraus no caminho do desenvolvimento pelas mãos das
metrópoles que as dominaram, mas entendo que não é este o conceito exatamente
pensado pelos organizadores deste encontro, ao sugerir o título que me foi
encaminhado para tema desta minha palestra.
Da
mesma forma, permito-me alterar a ordem do subtítulo: “igualdade,
sustentabilidade e crescimento”, embora aceite o final, “no século XXI”, pois é
nele que nos encontramos, objetivamente. Igualdade não é necessariamente um
desafio global do desenvolvimento, que ocorre de modo diferenciado entre povos
e nações, num formato profundamente assimétrico – como são todos os processos
nacionais conhecidos de desenvolvimento – e sequer deveria fazer parte dos
objetivos nacionais nesse sentido, mas vou explicar porque mais adiante.
Sustentabilidade,
por sua vez, virou o que se poderia chamar de “catch word”, um clichê, a que se
recorre desde pelo menos a segunda conferência da ONU sobre o desenvolvimento
sustentável, e que se tornou um conceito incontornável, obrigatório e até
indispensável em qualquer discurso oficial de burocratas internacionais e de
políticos nacionais. Ele serve para tudo: merchandising politicamente correto,
sinal de que se está alinhado com a modernidade, respeito pela preservação do meio
ambiente e todas essas palavras bonitas que precisam entrar nos discursos de
todos e cada um: diplomatas em primeiro lugar, ecologistas obviamente,
empresários com certeza, artistas e intelectual alinhados ao politicamente
correto, enfim, gente bacana. Virou uma mania, até o ponto de perder qualquer
significado concreto: tudo precisa ser sustentável, sob risco de ser execrado,
condenado, abjurado, recusado, conspurcado, relegado ao limbo das más
intenções, enfim, expurgado dos belos discursos recheados de bullshit.
Quanto
ao crescimento, finalmente, esta é uma realidade concreta, com a qual podem
trabalhar os economistas, pois ele pode ser medido, mensurado, quantificado,
estimado, projetado, colocado numa série histórica, transformado em números e
valores, pois que denotando uma realidade que existe como agregação de valor
monetário e que se traduz, concretamente, em renda, riqueza, bem-estar,
prosperidade, e até felicidade. Sem crescimento não há desenvolvimento, pelo
menos no sentido mais prosaico dessa noção mais política do que econômica, pois
que denota um processo de acréscimo nas opções abertas à satisfação das
pessoas, na sua longevidade, na liberdade de poder dispor de bens e serviços
que antes, sem crescimento, estavam mais ou menos tolhidas.
Vou me
estender sobre cada um desses conceitos para me deleitar um pouco no meu
exercício preferido como acadêmico, ou como simples cidadão consciente: o fato
de ser um contrarianista profissional, ou seja, aquele que está sempre
encontrando um motivo para contrariar o senso comum prevalecente, para
introduzir um pouco de ceticismo sadio, apenas pelo prazer de ser um
contestador daquelas verdades estabelecidas, o que Gustave Flaubert chamava de
“idées reçues”, ou seja, fatos tidos como de entendimento corrente, mas frente
aos quais eu ouso levantar o meu dedinho interrogativo para dizer: “Não é bem
assim”. Ou então: Think Again, ou
seja, pense duas vezes e revise seus conceitos aceitos até aqui. Não se
intimidem em romper o consenso, desde que tenham argumentos bem fundamentados
em dados empíricos, em um amplo conhecimento histórico, assim como em sólidas
bases teóricas e lógicas.
2. Crescimento: um processo basicamente nacional e endógeno
Gostaria,
antes de qualquer outro comentário, de formular
duas sugestões de leitura para aqueles interessados em aprofundar o
conhecimento teórico e comparado sobre o processo de crescimento econômico,
esse objetivo obsessivo de todo e qualquer estadista digno desse nome. A primeira
é o manual para iniciantes de qualquer curso de economia nas faculdades americanas,
de Robert Barro e Xavier Sala-i-Martin: Economic
Gowth (várias edições pela MIT Pess), que discorrem sobre como taxas
cumulativas de crescimento, mesmo em valores modestos, podem fazer diferença no
longo prazo. O segundo é o livro de James Robinson e de Daron Acemoglu, Why Natins Fail, que examina os fatores responsáveis
pelo desenvolvimento de algumas nações e não conseguem mudar a situação em outras.
3. Igualdade: uma
aspiração que costuma representar uma aberração
Desde Rousseau, a igualdade é a
palavra que mais causou confusão no mundo da política, e das lutas sociais, a
partir de meados do século XVIII. Consagrada na Revolução francesa como um dos
objetivos máximos do novo regime político e social – liberté, égalité, fraternité –, a igualdade foi igualmente incorporada
aos supostos objetivos de qualquer programa econômico de governança no decorrer
do século XX, inclusive no tocante aos programas das agências internacionais
onusianas, ademais, é claro, de a palavra estar integrada a dez de cada dez
discursos políticos em qualquer lugar do mundo. No entanto, esse não deveria ser
o objetivo de estadistas responsáveis, uma vez que produzir igualdade pode ser,
ou revelar-se, a iniciativa mais violenta que possa existir na face da terra,
se esse objetivo é realizado por métodos compulsórios.
Poucos anos atrás, fez relativo sucesso
o livro do economista socialista francês Thomas Piketty, O Capital do século XXI, uma evidente referência à obra magna do
filósofo social Karl Marx, que tentou dar ares de cientificidade às suas duvidosas
elucubrações sobre o capital no século XIX. O livro tenta provar, com o acúmulo
de estatísticas rigorosamente selecionadas, que o capital financeiro tende a
aumentar mais rapidamente do que os ganhos dos trabalhadores, e até a se multiplicar
acima e além da própria taxa de crescimento geral da economia, segundo uma fórmula
supostamente mágica, ao estilo da famosa equação einsteiniana (emc2), segundo a
qual r > g. Trata-se de uma metodologia questionável, ao considerar unicamente
como uma das fontes de riqueza o capital financeiro, que parece pairar acima
das sociedades e através dos tempos como um ente metafísico, independente das formas
variáveis de criação de riqueza e ao descartar os ativos intangíveis, que também
são uma forma de riqueza. Mais grave ainda, as prescrições corretivas apontam
todas no sentido da taxação vingativa da riqueza acumulada pelos mais ricos –
os megabilionários, os culpados de sempre – e sua redistribuição aos menos ricos,
como se essa fosse a forma correta de tornar todos os indivíduos igualmente
ricos.
Não é: ao repartir a riqueza
acumulada por todos os pobres do planeta, haveria um modesto quinhão adicional
de algumas centenas de dólares para cada um, que seriam consumidos em compras
imediatas de produtos de primeira necessidade e depois não sobraria mais nada,
nem poupança, nem investimento, nem estímulo para que os megarricos, ou os
simplesmente ricos, colocassem sua riqueza para operar em novos negócios. A
função mais nobre do economista deveria ser enriquecer os mais pobres, não
empobrecer os mais ricos...
4. Sustentabilidade: um ideal que mobiliza, e que pode obstruir o
crescimento
Trata-se do conceito mais usado e
abusado da história das relações internacionais desde várias décadas, praticamente
desde os anos 1970, logo após a primeira conferência das Nações Unidas sobre
meio ambiente e desenvolvimento. É um catch-word,
ou um saco de gatos, onde cabe tudo e qualquer coisa: tudo precisa ser sustentável
hoje em dia, do contrário não vende ou não pode ser apresentado ao distinto público.
Na verdade, a melhor sustentabilidade é aquela determinada pelo mecanismo de preços
dos mercados livres, que consegue aferir, imediatamente e precisamente, a raridade
relativa dos bens e ativos disponíveis para consumo humano ou incorporação ao processo
produtivo. Nenhuma determinação de preços e valores por burocratas
governamentais ou internacionais consegue se sobrepor à clareza, transparência
e fiabilidade dos preços de mercado.
5. Crescimento: sustentado,
competitivo, com alto capital humano e abertura
Volto ao conceito chave de crescimento,
e apenas a ele. As sociedades avançam, progridem, se desenvolvem, se conseguem
manter um processo de crescimento sustentado (não sustentável, pois essa condição
vem automaticamente numa economia de livres mercados), com transformações produtivas
e distribuição social dos benefícios desse crescimento pela via dos mercados, não
por indução estatal.
Para que ele se realize, esse crescimento
tem de estar mais ou menos baseado em cinco grandes pilares, ou alavancas operacionais:
estabilidade macroeconômica, competição microeconômica, boa governança, alta
qualidade dos recursos humanos e abertura econômica, liberdade ao capital estrangeiro,
sobretudo sob a forma de investimentos diretos estrangeiros, e liberalização
comercial, eventualmente até sob a forma de redução tarifária unilateral.
Quanto tivermos esses cinco pilares
bem estabelecidos como políticas públicas teremos o desenvolvimento, em bases
nacionais, num regime de plena inserção econômica internacional, ou seja, com
globalização e globalismo, quaisquer que sejam as restrições que certos gurus e
sofistas, totalmente ignorantes em economia, tenham quanto a este último termo.
Globalismo não existe, mas se quisermos aceitá-lo como conceito absolutamente normal
na atividade diplomática, ele nada mais é do que a vertente propriamente política
do processo de globalização.
Paulo Roberto de Almeida
São Paulo, 27 de abril de 2019