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domingo, 29 de junho de 2014

O fascismo a que chegamos: o cidadao so existe para sustentar o Estado - Ives Gandra Martins



Por  e 
Consulto Jurídico, 20 de junho de 2014

Ao concluir a primeira grande radiografia da advocacia de Estado no Brasil, os editores deste site e da publicação não tiveram dúvida em cravar uma chamada ousada para a obra: “O Novo Quarto Poder”, é a manchete de capa do Anuário da Advocacia Pública do Brasil.
A pujança e a eficiência do braço jurídico da União, dos Estados e municípios, entretanto, é vista com reservas por um dos advogados que, em 57 anos de atuação, mais projeção alcançou na história do Brasil: Ives Gandra Martins. Para ele, o poder público não tem obrigações, só direitos. Situação inversa à dos cidadãos. O tributarista elogia a atuação dos advogados públicos que, segundo ele, fazem um bom trabalho, mas têm um cliente que está acostumado a desrespeitar os direitos do cidadão.
Ícone da defesa da livre iniciativa, defensor ferrenho do capitalismo e adversário feroz do esquerdismo em qualquer tonalidade, Ives Gandra surpreendeu a opinião pública ao criticar publicamente e com eloquência o ‘justiçamento’ dos acusados nomensalão — segundo ele, um conjunto de deliberações movidas e turbinadas pelo clamor público, sem nexo com a doutrina e a jurisprudência. Mas essa tangência eventual com o PT não passa de um ponto fora da curva no universo das ideias desse jurisconsulto. 
Convidado a opinar sobre a assimetria nas relações entre o Estado e o cidadão, Ives castiga sem clemência a forma como o governo central exercita o poder. O advogado afirma que o país é tributado para pagar salários do funcionalismo e não para a manutenção do serviço público. O Judiciário, em grande parte, diz ele, se associa na empreitada de buscar receitas que mantenham a máquina burocrática.
Leia a entrevista: 
ConJur — Como o senhor analisa o atual nível das relações entre o Estado e o particular no Brasil? 
Ives Gandra da Silva Martins — Nos Estados Unidos, o presidente Obama — segundo o Torquato Jardim, ex-ministro do TSE — tem 200 cargos em comissão. Outros dizem que um pouco mais. Todos os demais funcionários públicos federais são concursados. No Brasil, com um PIB sete vezes menor, a Presidente Dilma tem 22 mil comissionados. E também um alto índice de corrupção, concussão e peculato que se concentra basicamente entre os cargos em comissão, também chamados de “cargos de confiança”. Muitos dos que aparelham o Estado têm necessidade de viver das benesses que os cargos dão. Isso explica a carga enorme de desvios que a imprensa noticia diariamente. Um exemplo: todos os programas sociais do governo federal consomem R$ 60 bilhões da receita tributária federal, que está em torno de 1trilhão de reais. É o eleitor mais barato. Custa, pois, 6% da arrecadação federal — sendo que a arrecadação global, considerando estados e municípios, está se aproximando dos 2 trilhões de reais. Isso significa que grande parte dos nossos recursos vai para os detentores do poder. Haja vista o déficit da Previdência, sobrecarregado pelos múltiplos benefícios oferecidos ao funcionalismo. 24 milhões de aposentados do povo geram déficit inferior a R$ 50 bilhões, enquanto os do serviço público (em torno de um milhão de beneficiários) superam essa quantia. Os próprios investimentos públicos ficam abaixo dos R$ 100 bilhões. Todo o resto é sugado pela máquina. O governo francês reduziu o número de ministérios para 16. No Brasil são 39. Alguns ministros ficam sem despachar com a presidente da República por meses. Em outras palavras: os cidadãos trabalham para sustentar a burocracia, os detentores do poder, e não o Estado prestador de serviços mínimo. Decididamente, a burocracia brasileira não cabe dentro do PIB. 

ConJur — Os direitos e obrigações do cidadão e do Estado são observados simetricamente no Brasil?
Ives Gandra — Num país em que se trabalha para sustentar os detentores do poder (carga tributária de 37% no Brasil, contra 31% no Japão e Estados Unidos; 25% na China e na Rússia) é evidente que os direitos dos cidadãos estão sendo pisoteados de forma fantasmagórica por parte do poder público, que é profundamente desleal em relação aos cidadãos. Temos a atuação judicial nas cobranças pretendidas e duvidosos créditos por penhoras on line; recusa de certidões negativas que impedem empresas de entrar em licitações; e privilégios de procuradores da Fazenda Nacional garantidos com honorários de sucumbência de 20% e que conseguem no Judiciário, quando o Poder Público perde, que os honorários sejam de apenas 1% — o que implode o principal princípio de uma democracia, que é o da igualdade. Para o poder público, vale o final do famoso livro de George Orwell, a Revolução dos Bichos, ou seja, todos são iguais perante a lei. Mas alguns são mais iguais que outros.

ConJur — Quais são os principais problemas que o senhor identifica?
Ives Gandra — Para sustentar o gigantismo da máquina burocrática, o governo não hesita em criar regras inescrupulosas para garantir receitas. O que lembra outro pensamento, este do jusfilósofo alemão Konrad Hesse: “A necessidade não conhece princípios”. E, no Brasil, não conhece porque o devedor do Estado é cobrado por todas as formas de coação. Nem sua dignidade é poupada, enquanto o Estado brasileiro é um notório caloteiro. Basta lembrar os precatórios e qualquer execução que tenha por vítima o contribuinte, em que todas as formas de expedientes são usadas por seus adversários. Nos meus 57 anos de exercício profissional, o Brasil se transformou numa república fiscal incomensuravelmente pior do que tínhamos nos tempos da ditadura, quando o contribuinte tinha muito mais direitos, nessa área, que hoje. Os magistrados eram mais independentes. A tal ponto que, quando decidem a favor do contribuinte, receia-se que sejam levantadas suspeitas sobre sua índole e autonomia. Maledicências oficiais que objetivam inibir as decisões contra o Erário. Se o Brasil não destruir a adiposidade malsã da máquina burocrática, ela matará o país, com esses fatores concorrentes que testemunhamos, como a alta da inflação, a queda do PIB, a balança comercial negativa, o balanço de pagamentos estourando, a elevação do risco Brasil e todos os indicadores que deram fundamento ao Plano Real, como o superávit primário, as metas de inflação e o câmbio flexível, que estão sendo projetados para o espaço. 

Conjur — Diante desse cenário de abusos, haveria como se reexaminar o poder coercitivo do estado contra o cidadão, em matéria cível?
Ives Gandra — Eu tenho a impressão de que a única solução é o voto. Eleger governantes com outra mentalidade. E nós temos, no Brasil, uma tendência de entender que o estado pode tudo e deve fazer tudo. Os políticos entram com essa mentalidade. E o que nós temos visto é um crescimento monumental da máquina administrativa. Então, eu acho que a única revolução que podemos fazer é através do voto e do esclarecimento à população de que nós, escravos da gleba, estamos vivendo em pleno século XXI o que os escravos da gleba viviam na época medieval. Os nossos senhores feudais são os governantes, e nós somos apenas campo de manobra para eles fazerem com os nossos bens o que quiserem. E estamos em um caminho que é mais triste, de apoio permanente aos regimes bolivarianos, onde o cidadão vai perdendo completamente o seu direito de ser. Vê-se, em relação à Venezuela de hoje, à Bolívia, ao Equador, um apoio monumental da atual estrutura governamental, dos atuais detentores do poder. Dizem que o Paraguai é uma ditadura, porque dentro da Constituição só restou um presidente, que depois concorreu ao Senado sem nenhum problema, sem nenhum trauma. Em compensação, a presidente Dilma se deixa fotografar ao lado de Fidel Castro como se estivesse ao lado de um deus. Assassino notório, que matou 17 mil pessoas em paredão, sem julgamento. Uma inversão absoluta. Testemunhamos, gradativamente, uma redução dos direitos de cidadania. Isto, a meu ver, é o grande drama que vamos ter de enfrentar através do voto. É preciso esclarecer o povo, porque as migalhas dos programas sociais têm eleito os governos. E esses programas sociais, na verdade, mantêm, com algumas migalhas, um contingente de votos que permite a perpetuação no poder de pessoas que pensam mais na detenção do poder do que fazer do país um país moderno, competitivo, com condições de concorrência com outros BRICs e, evidentemente, com condições de concorrência com países desenvolvidos. Eu acho muito difícil essa mudança senão através do voto.

Conjur — Este governo tem defeitos próprios, como qualquer outro. Mas a hipertrofia do Estado e a assimetria na relação entre o particular e o Estado, é característica comum de todos os governos desde o tempo do Império, não é? 
Ives Gandra — É como um câncer, que existe desde o Império, mas hoje estamos com metástase em todo o organismo social. Se compararmos a hipertrofia no atual governo, com situações similares no passado, vemos que os próprios militares poderiam ser considerados monges trapistas nesse departamento. Há cerca de 20 anos, a carga tributária era de 22%, 23%. É a carga que sustenta a administração pública. Estamos falando da carga tributária que existia em 1992, 1993, na gestão de Itamar Franco. Hoje estamos com uma carga de 37%. Os serviços públicos continuam, se comparado com de outros países, muito ruins. O que ainda funcionou foram os privatizados, rodovias etc.

Conjur — Voltando para o cenário da máquina judiciária. Há casos que chamam a atenção. Houve uma desapropriação de fazendeiros, na área onde foi construída Itaipu, para reforma agrária. Os donos das terras não foram indenizados. Posteriormente, os colonos da reforma agrária, que nem chegaram a plantar, foram desapropriados para criação da represa. Esses colonos foram indenizados. Como se passaram 30 ou 40 anos, o valor do crédito dos fazendeiros ficou enorme. O tamanho da cifra é motivo para não pagar?
Ives Gandra — A máquina só funciona contra o cidadão, porque temos um estado aético e caloteiro. É preciso entender isso para compreender a realidade brasileira. Os precatórios: quantas vezes eles mudaram a Constituição para continuar caloteiros? E quando cresce a dívida, fica mais evidente a vocação caloteira do nosso poder público, a vocação aética. Eles dizem: “Não, agora temos de cuidar do interesse público.” Para mim, interesse público não existe. Existe interesse dos detentores do poder. Interesse público é interesse da sociedade. Quem diz: o interesse individual não pode prevalecer sobre o interesse público, está mentindo. O interesse individual é o interesse da sociedade a quem o poder público deveria servir. Mas, na verdade, o poder público, quando fala em interesse público, ele quer dizer: “Pelo meu interesse de detentor do poder, de gastador da máquina burocrática, os valores muito grande nós não devemos pagar. E é o que está acontecendo com os precatórios. O próprio Supremo que decidiu a favor do cidadão com os precatórios teve que colocar “n” condições, e eles não conseguem executar de qualquer forma.

Conjur — E qual é a responsabilidade do Judiciário nesse contexto?
Ives Gandra — Eu ouvi de muitos agentes ligados aos defensores do poder público, quando se trata de questões de valor: “De onde é que saem seus recursos, senhores magistrados? Saem da nossa receita.” Há uma manifestação, na imprensa, de uma queridíssima amiga, por quem tenho uma profunda admiração, a ministra Ellen Grace, de que os ministros do STF mereciam aumento, porque tinham garantido uma receita da União como não havia antes. Declaração criticada pela OAB. Ora, a função do Supremo não é garantir receita, é fazer justiça. Então, na prática, esta mentalidade hoje é uma mentalidade não só do Executivo ou do Legislativo, que é um notório desperdiçador de recursos. Há procuradores da Fazenda Nacional que dizem: “Como é que se pode dar aumento de vencimento se as decisões forem contra o Fisco?” E quando procuradores da Fazenda Nacional são assessores de ministros nos tribunais. Quer dizer, eles são procuradores, vão para o tribunal e depois voltam a ser procuradores. Como aconteceu no caso de uma procuradora que era advogada da procuradoria, foi para a assessoria e decidiu no próprio caso em que ela era advogada.

Conjur — Que notícia sairia...
Ives Gandra — E a Ordem [dos Advogados do Brasil] levou o caso para o CNJ e o CNJ decidiu, por 11 a 4, que não havia problema nenhum. Hoje se fala em matéria tributária federal e em judiciário independente, quando sabemos que pelo alto número de questões em exame, são os assessores, não concursados, que decidem. Eu fui de banca examinadora de três concursos de magistratura, sendo dois de Magistratura Federal e um de Magistratura Estadual. Examinei o quê? 7 mil ou 8 mil candidatos, para aprovar menos de cem. Exames muito mais difíceis do que qualquer doutoramento, eu tinha pena dos candidatos. Para decidir em primeira instância. Pois nos Tribunais Superiores são não concursados que, na maior parte das vezes, decidem em nome dos Ministros, porque eles não têm mesmo condições de atender a todos os processos. E quando esses assessores são parte — e todo procurador da Fazenda Nacional, não licenciado, é parte, não é magistrado — é evidente que alguma coisa está desequilibrada em nosso sistema.

Conjur — Como é que o senhor vê o uso da rescisória? No caso da Usina de Itaparica, o governo rompeu o compromisso do financiamento da obra. O construtor financiou com seus próprios recursos, o caso foi julgado, o direito à reparação foi estabelecido e transitou em julgado. Na fase da execução, reverteu-se a coisa julgada...
Ives Gandra — Mas não é só esse caso. Eu tenho visto a Procuradoria da Fazenda Nacional constantemente entrar com rescisórias depois do trânsito em julgado, porque, na pior das hipóteses, atrasa incomensuravelmente o pagamento. O que vale dizer que esse é um instrumento que tem sido utilizado para não pagar. Porque, como eu disse, o estado brasileiro é naturalmente caloteiro. É duro dizer isso. Costumo dizer que democracia eu terei no dia em que eu chegar para a presidente da República e chamar: “Vossa senhoria, que está a meu serviço.” E ela me disser: “Vossa excelência, a quem eu sirvo.” Porque eu sou cidadão a quem ela serve, e ela está a meu serviço. Mas no Brasil, quando o cidadão vira autoridade, a partir deste momento ela se torna VIP (Very Important People)... Basta dizer, você tem dois tipos de tratamento em qualquer lugar, aeroportos etc, todas as autoridades são VIPs. E nós somos NIPs (No Important People), precisamos ficar em qualquer lugar, apertados, sem condições. Porque o povo está a serviço do governo, que sendo aético diz: “Nós temos o direito de ser caloteiros. Nós temos o direito de ser aéticos. O interesse público é o nosso interesse. Se houver possibilidade, nós fazemos serviços públicos.” Mas não é da essência do exercício do poder o serviço público. Eu tenho um livrinho, “Uma Breve Teoria do Poder.” Você lê lá: o poder é necessariamente aético e quem busca o poder sabe que vai ser aético, vai se identificar com o poder — e no Brasil isso é monumental —, e aí tem todos os direitos. O povo é campo de manobra. E quanto mais, por exemplo, um cidadão tem direito, mas seu crédito é grande, menos chance ele tem de receber. Rescisórias são uma das formas mais fáceis de ir atrasando, porque nunca se aplica ou raramente se aplica ao poder público as penas de litigante de má-fé. Basta entrar com uma rescisória, qualquer juiz suspende imediatamente até que a rescisória seja decidida. Se eu tenho um crédito a receber, suspenso, eu sei que vou levar 10, 12 ou 15 anos para receber aquele crédito, mesmo que eu venha a ganhar.

Conjur — Com a globalização do Direito, surgiram foros internacionais, tribunais aos quais se pode recorrer na área de direitos humanos. Haveria, no campo cível e empresarial, digamos, no direito econômico, como recorrer a algum foro? 
Ives Gandra — Eu acho que não. Até porque, mesmo nos casos de direitos humanos, você não vê nenhuma decisão internacional ser aplicada no Brasil, nunca foi. E por uma razão muito simples: o artigo 5º, inciso 35, da Constituição, declara que toda lesão pode ser levada ao poder judiciário. O cidadão pode recorrer da decisão internacional e dizer: “Não. Eu tenho o direito de recorrer aqui, porque o crime foi praticado aqui. Por exemplo, a lei da anistia, com aquela ideia de se recorrer à Costa Rica. O que disseram os membros do Supremo: “Pode recorrer ao Tribunal de São José. Mas isso não vai ter valor nunca, porque nós não vamos cumprir.” No caso do Cesare Battisti, o STF disse o seguinte: “Temos que devolver, porque o crime foi praticado lá, o cidadão era de lá, etc.” Se não fosse o Lula, e o Supremo ter fragilizado a sua jurisprudência, ele teria sido imediatamente expatriado e mandado de volta para a Itália.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Emprestimos secretos a Cuba sao constitucionais?: o caso do porto deMariel


Desde o princípio havia informações circulando na mídia sobre as operações sigilosas que acompanham as ações de financiamentos bilionários do governo brasileiro para outros países, curiosamente países comandados pela esquerda, o ultimo fato foi o anúncio do financiamento de parte da maior usina hidrelétrica da Nicarágua, que custará cerca de US$ 1 bilhão, sendo parte deste total bancado pelo BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Nomenclatura curiosa, não? Já que tem sido usado tanto para desenvolvimento de países “amigos”. Será que o desenvolvimento nacional acontece construindo grandes obras em outros países?
Agora, suspeitas que corriam sobre uma das operações de financiamento internacional feitas pelo BNDES de sigilo acabam por ser confirmadas. O Porto de Mariel, em Cuba, financiado por R$ 1 bilhão pelo Brasil, teve suas informações de financiamento ordenadas para caráter sigiloso por 30 anos.
Documento mostra alguns detalhes da operação financeira para bancar porto
O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já repassou o equivalente a mais de R$ 1 bilhão à construtora Odebrecht pela reforma do porto de Mariel, em Cuba, um negócio mantido em sigilo, por até 30 anos, pelo governo brasileiro, que considera que a revelação dos detalhes do financiamento “põe em risco as relações internacionais do Brasil” e pode “levantar questionamentos desnecessários”, conforme extrato de classificação de documentos.
Esses papéis mostram que uma parte do custo do financiamento envolveu parcelas pagas “a fundo perdido pela União” – o governo diz que isso não motivou sigilo.
A empreiteira baiana ainda tem o equivalente a mais de R$ 500 milhões a receber do governo brasileiro por essa obra em Cuba.
Para modernizar o porto de Mariel, o governo cubano, dos irmãos Fidel e Raul Castro, escolheu a construtora brasileira. Depois, o BNDES financiou o empreendimento de US$ 957 milhões com US$ 692 milhões (R$ 1,5 bilhão), repassando os valores integralmente à Odebrecht. Mas os detalhes da operação, como garantias e prazos de pagamento, são mantidos em sigilo pelo Brasil.
Um empréstimo da construtora a uma empresa de consultoria, que o Conselho de Atividades Financeiras (Coaf) considera como possibilidade de “desvio de recursos públicos”, deve ser um dos temas de audiência pública com o presidente do banco, Luciano Coutinho, na Comissão de Fiscalização Financeira da Câmara, na quarta-feira (28). O negócio foi revelado pelo Congresso em Foco no último dia 19.
Em janeiro, Dilma Rousseff e o presidente Raul Castro inauguraram a reformulação do porto cubano. De acordo com o BNDES, a obra está “praticamente concluída” e, por isso, nem todo o dinheiro foi repassado à Odebrecht, mas só 70%. Os desembolsos são feitos à medida que a construção vai ficando pronta. O BNDES diz que não financia o governo cubano, mas “o exportador brasileiro” de obras e serviços. Em caso de eventual calote de Cuba, hipótese abraçada pela oposição no Congresso, a Odebrecht não será responsabilizada.
Dois anos após iniciar as obras no porto, a Odebrecht concedeu um empréstimo de R$ 3 milhões a uma consultoria, a Noronha Engenharia.
No ano seguinte, sem que o débito fosse quitado, a construtora firmou um contrato de R$ 3,6 milhões para que a empresa carioca avaliasse a qualidade das estruturas do porto. Mas um email atribuído ao setor financeiro da empreiteira cobra da Noronha a devolução de R$ 2,5 milhões desses valores. Os “pagamentos-espelho” foram negados pela Odebrecht, que disse não reconhecer a autenticidade da mensagem eletrônica e negou a devolução de dinheiro. Já a Noronha respondeu que os pagamentos eram atrelados ao serviço em Cuba como forma de quitar o empréstimo anterior. O Coaf, porém, estranha a operação. Deputados do Solidariedade e do PPS prometem questionar Luciano Coutinho sobre o assunto.
Os pegadores de carona que não fazem nada mais do que ‘dar o tapa e esconder a mão’
O líder do PPS, Rubens Bueno (PR), diz que a alegação de segredo não pode impedir a fiscalização do negócio pelo Congresso Nacional. “Tudo isso com que os bancos se blindam é o tal do sigilo bancário. A comissão pede as informações, em sigilo, para saber se houve crime ou não, se houve privilégio ou não”, disse o deputado ao site. Bueno pede a aprovação de uma Proposta de Fiscalização e Controle (PFC), espécie de mini-CPI dentro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, e pretende questionar Luciano Coutinho sobre o assunto na audiência da Comissão de Fiscalização e Controle. “Queremos tirar essa blindagem do sigilo e partir para a investigação.”
Simplício Araújo (SD-MA) disse que vai fazer um requerimento formal do BNDES para esclarecer o negócio da consultoria que atestou as obras da Odebrecht. “Parece negociação de prefeito corrupto do interior”, diz Simplício.
Fundo perdido
O BNDES se negou a informar ao Congresso em Foco em quantas parcelas emprestou os US$ 692 milhões a Cuba para a construção do porto de Mariel e quando vencem a primeira e a última prestações. “Questões relativas a condições financeiras de contratos são protegidas pela lei de sigilo bancário”, disse a assessoria do banco.
Um Termo de Classificação de Informação produzido há dois anos pelo gabinete do então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), Fernando Pimentel, e obtido pelo Congresso em Foco mostra alguns detalhes da operação. De acordo com ele, o empréstimo acertado em 2008 era um pouco menor, de US$ 600 milhões, para serem usados durante quatro anos. Há condições específicas para Cuba, como prazo de pagamento para começar a quitar o empréstimo e as contrapartidas dos cubanos no negócio.
O documento menciona que as condições de financiamento envolvem o custo da operação. E que essa operação é formada também por uma parcela paga, “a fundo perdido pela União”, do Programa de Financiamento à Exportação (Proex), na modalidade Equalização. Nesse sistema, o programa, cujo agente é o Banco do Brasil, o Proex “assume parte dos encargos financeiros, tornando-os equivalentes àqueles praticados no mercado internacional”, conforme definição constante em outros documentos do MDIC.
Procurada, a assessoria do ministério afirmou que o sigilo das informações foi motivado porque a publicidade do caso “comprometer a condução de outras negociações e as relações internacionais do Brasil”, com base na Lei de Acesso à Informação. “Não há que se falar que a classificação dessas informações se deu por se tratar de recurso “a fundo perdido”.
“Questionamentos desnecessários”
De acordo com o Termo de Classificação, o negócio foi classifico com o grau de “sigilo secreto”. Por isso, deve ficar em segredo por 15 anos a partir de 2008, prazo prorrogável uma vez, ou seja, até 2038.
No termo, o gabinete de Pimentel afirma, em 18 de junho de 2012, que memorandos de entendimento, protocolos, cartas, pareceres, correspondências e notas técnicas sobre o financiamento, à época avaliado em US$ 600 milhões, devem ficar em sigilo porque as informações “põem em risco” as relações internacionais, outras negociações entre Brasil e Cuba e ainda revelarão papeis de outros Estados e organismos internacionais fornecidos em caráter reservado. A divulgação das condições do empréstimo pode “inviabilizar outros projetos e levantar questionamentos desnecessários” e “resultar em constrangimentos diplomáticos”.
Operações com outros países poderiam ficar prejudicadas, porque as condições específicas seriam outras, “apesar de seguirem parâmetros internacionais”.
Exportações
A assessoria do MDIC disse que “dados referentes ao financiamento de exportações brasileiras” foram considerados sigilosos, e listou três documentos que estão nesta situação, inclusive Cuba. De acordo com a assessoria, os valores desembolsados não estão sob segredo e podem ser acessados no site do BNDES.
Na página do banco, observa-se que foram exportados para Cuba, com apoio do banco, US$ 802 milhões entre 1998 e 2013. No segundo governo Fernando Henrique (PSDB), de 1998 a 2002, o volume de exportações bancadas pelo BNDES para Cuba foi de US$ 7,5 milhões por ano. Já na era Lula-Dilma (PT), de 2003 a 2013, a média anual saltou para US$ 69,5 milhões.
Vistorias
Assim como o BNDES, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio não comentou a operação financeira entre a Odebrecht e a consultoria. O banco disse ao site que, por padrão de controle, fiscaliza as obras que financia por meio de vistorias in loco e conferência de gastos na execução do projeto. A assessoria do BNDES disse que a empreiteira já havia sido escolhida pelo governo cubano para reformar o porto de Mariel e só depois pediu o financiamento bancário, cuja aprovação “obedeceu aos ritos ordinários de concessão de qualquer empréstimo” na instituição dirigida por Luciano Coutinho.
O banco frisou que o dinheiro não saiu do Brasil, mas foi integralmente usado em empresas nacionais. “O Brasil atua de modo análogo à maioria dos países, já que o apoio às exportações por meio de instituições estatais é parte de estratégia nacional para promover o desenvolvimento”, disseram, em artigo no Valor Econômico, a superintendente e o chefe de Comércio Exterior do banco, Luciene Machado e Luiz de Castro Neves. Pelas normas divulgadas no site da instituição, a construção de portos financiada pelo banco exige nacionalização de pelo menos 60% das peças.
Seguro
O presidente da Odebrecht, Marcelo Odbrecht, que esteve com Dilma Rousseff na inauguração do porto de Mariel, defendeu o sigilo, em artigo na Folha de S.Paulo. “As únicas informações que não são públicas são as usuais das operações bancárias, como o valor do seguro, eventuais contragarantias e taxas que compõem a operação”.
Dados do BNDES mostram que, no ano passado, a instituição teve lucro líquido de R$ 8,15 bilhões. A inadimplência foi de apenas 0,01%. Marcelo Odebrecht rebateu as especulações sobre um eventual calote cubano, responsável por pagar o empréstimo canalizado para a empreiteira. “A ocorrência de calotes não está relacionada a alinhamentos ideológicos: os maiores defaults recentemente enfrentados vieram dos EUA e Chile”, disse o presidente da construtora. (Fonte: Congresso em Foco, editado e acrescentado por Revolta Brasil).

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Cuba: emprestimos secretos sao inconstitucionais

PPS pede a ministério informações sobre empréstimos concedidos pelo Brasil a outros países sem ônus para o tomador, como o financiamento à obra da Odebrecht em porto de Cuba
POR EDUARDO MILITÃO· Congresso em Foco, 06/06/2014
[fotografo]Roberto Stuckert Filho/PR[/fotografo]
Dilma e Raul Castro inauguraram obra do porto de Mariel em Cuba. Termos da ajuda brasileira serão mantidos em segredo por até 30 anos
O líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR), apresentou à Mesa Diretora da Casa um requerimento para que o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) esclareça valores pagos em empréstimo a fundo perdido – ou seja, sem nenhum ônus para o tomador – para projetos no exterior, como o porto de Mariel, em Cuba.
O pedido, que será examinado pelo presidente Henrique Eduardo Alves, é baseado em reportagem doCongresso em Foco que revelou que até US$ 107 milhões de dinheiro público foram usados para reduzir os juros pagos pelo governo cubano ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O dinheiro serviu para a construtora Odebrecht, já escolhida por Cuba, modernizar o terminal portuário.
Além disso, o PPS quer saber por que o empréstimo foi elevado de US$ 600 milhões para US$ 692 milhões, como mostrou o site. Um documento obtido peloCongresso em Foco revelou que o projeto era mais barato para os cofres do BNDES do que o anunciado ao final. Mas o MDIC se nega a explicar o motivo, alegando sigilo do negócio, decretado pelo período de 15 a 30 anos pelo então ministro Fernando Pimentel.
“É preciso conhecer as explicações do ministro Fernando Pimentel em relação ao envio desses recursos ao exterior,  principalmente porque tais acordos podem ser lesivos aos cofres do Tesouro”, afirmou Bueno, no pedido de esclarecimentos.
O líder do partido solicitou os dados de empréstimos a fundo perdido nos últimos 20 anos, mas em valores separados por projeto. Os valores, publicados no siteda Câmara de Comércio Exterior (Camex) do ministéri,  são agregados apenas por país destino das exportações. “São recursos retirados de toda a sociedade brasileira para serem investidos em outros países sem a contrapartida direta de retorno desses montantes”, justificou Bueno.
Documento interno do MDIC ainda revela que os valores do empréstimo deveriam ser “utilizados durante quatro anos”. O ministério se negou a explicar se isso se refere ao prazo para pagamento do empréstimo ou ao período de desembolsos do crédito pelo BNDES. O PPS quer esclarecimentos sobre isso.
Falta de luz
O líder entende que as reportagens do Congresso em Foco “colocaram luz sobre esse tipo de modalidade de repasse de recursos  ao divulgar os termos do acordo firmado entre o Brasil e Cuba para a construção do porto de Mariel”. Entretanto, algumas informações não foram esclarecidas ao site e, por extensão, a toda a sociedade.
“Algumas, inclusive, foram consideradas reservadas e só poderão ser conhecidas por toda a sociedade brasileiras daqui a alguns anos”, disse o líder oposicionista.
Uruguai
Na segunda-feira (2), o senador Pedro Simon (PMDB-RS) usou a tribuna do plenário para criticar o projeto do BNDES de financiar um porto no Uruguai. Ele entende que isso pode prejudicar a economia gaúcha e brasileira.
A obra deve receber US$1 bilhão do banco brasileiro, de acordo com noticiário recente. Para Simon, “apoiar um superporto no Uruguai” poderá “furtar cargas dos terminais brasileiros, notadamente do Porto de Rio Grande”.
“O apoio do Brasil, repetindo um financiamento feito a um porto de Cuba, deverá ser forte”, disse o senador. Ele disse que, assim como em Cuba, o terminal poderá ter subsídios do Programa de Financiamento às Exportações (Proex), usando dinheiro público para tornar a taxa de juros compatível com as do mercado internacional.