A NOVA ORDEM ECONÔMICA GLOBAL E O BRASIL
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 28/02/2023
Em termos econômicos, desde o fim da Grande Guerra, em 1945, o liberalismo se impôs, com a redução do papel do Estado e a força do livre comércio, com a criação do FMI, Banco Mundial e GATT (depois OMC). A globalização, que aproximou países, empresas e pessoas, possibilitou a proliferação de acordos comerciais e o estabelecimento de cadeias produtivas baseadas na eficiência. O fim da URSS em 1991, com a nova ordem baseada em uma única superpotência, a entrada da China na OMC em 2001 e a realocação das cadeias produtivas para a China, confirmaram a ordem liberal. A volta da China como potência econômica e comercial global, trouxe o elemento geopolítico na cena econômica. Com Donald Trump, em 2017, são introduzidas medidas restritivas dos EUA contra a China, começa o esvaziamento da OMC e a perda de força das regras multilaterais de comércio. Essa tendencia é agravada pela pandemia e mais recentemente pelo conflito Rússia/Ucrânia e pelas tensões entre China e Taiwan, acelerando a configuração de uma nova ordem econômica.
A nova ordem econômica mostra que a eficiência na definição de políticas econômicas é substituída por objetivos de segurança, soberania e poder. Evidências disso são o ataque ao livre comércio, a negociação de acordos comerciais regionais (não bilaterais), a realocação das cadeias produtivas, o crescente número de restrições comerciais por razões políticas e a busca de autossuficiência. A globalização passa por importantes ajustes com a descentralização das cadeias de produção, pelo aumento dos subsídios, do custo transporte e pela desorganização e os altos preços nos mercados agrícola e energético. Considerações sobre meio ambiente e mudança de clima passaram a ter impacto sobre as negociações comerciais. O nacionalismo representado pelo fortalecimento das economias domésticas para conseguir uma autonomia soberana em áreas consideradas estratégicas e a definição de novas políticas industriais nos EUA afetaram diretamente o liberalismo e o livre comércio, gerando tensões, com impactos globais. O populismo fortaleceu o intervencionismo protecionista. Considerações de poder, com base na segurança nacional passaram a influir na aplicação de controle de exportações como arma política, como as sanções, que incluíram, entre outras, a limitação do comércio dos semicondutores, a retirada de empresas chinesas da Bolsa de NY e o congelamento de reservas. Assim, a emergência da China e da Ásia como eixos de poder econômico, a disputa com os EUA, a guerra Rússia/Ucrânia, podem levar a uma nova Guerra Fria, em outras bases, com divisão do mundo (Ocidente/Eurásia), não em função de disputa ideológica ou militar, mas econômica, tecnológica e comercial.
Em resumo, a nova ordem econômica está baseada na segurança de abastecimento e não no “just in time”; na realocação das cadeias produtivas, na segurança energética, no controle de investimentos, na formação de blocos regionais, na utilização da moeda como arma geopolítica e no mundo com crescimento reduzido e alta inflação.
Qual o impacto da nova ordem sobre o Brasil? Colocando a casa em ordem, com políticas econômicas que respondam com eficiência aos desafios internos de aumento da produtividade e competitividade, e com uma visão pragmática em relação as transformações econômicas e políticas que estão correndo, poderíamos ser um dos beneficiários das novas circunstâncias internacionais.
A emergência da China e da Asia, sob o aspecto econômico, foi muito favorável aos produtos agrícolas brasileiros que encontraram novos mercado e preços elevados, tornando o Brasil um dos três maiores exportadores mundiais de alimentos. A realocação das cadeias de produção poderá abrir oportunidades para o Brasil em nível regional com investimentos em áreas de nosso interesse. O mercado de carbono, com a adequada proteção do meio ambiente, em especial da Floresta Amazônica, poderá representar ganhos financeiros significativos para empresas e para o país.
Esse é o pano de fundo quando se diz que o mundo mudou, coincidindo com o início do novo governo. São muitas as consequências negativas da nova ordem econômica sobre o Brasil. Estarão elas sendo levadas em conta pelo atual governo com visão estratégica? Como enfrentar o enfraquecimento do multilateralismo, com a perda de relevância da OMC, deixando países como o Brasil sem proteção jurídica para o desrespeito das regras internacionais? Como enfrentar as restrições comerciais políticas, os altos custos, a transformações tecnológicas com o 5G e a Inteligência Artificial? Como serão respondidas as restrições às exportações brasileiras, sobretudo pela política ambiental em relação à Amazonia, assim como aquelas em função da aprovação de nova regulamentação europeia de desmatamento? Como reduzir a vulnerabilidade, representada pela concentração das exportações em poucos mercados e produtos, e a dependência dos semicondutores, fertilizantes e insumos farmacêuticos. E a política para a reindustrialização?
Estamos voltados aos temas do século passado como a conclusão das negociações do Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e a União Europeia, o ingresso na OCDE e o financiamento de projetos em países vizinhos.
Acorda Brasil!
Rubens Barbosa, presidente do IRICE e ex-embaixador em Londres e Washington