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sábado, 30 de junho de 2012

A politica externa de Lula, um texto de 2005 - Paulo Roberto de Almeida

Continuando meu trabalho de escavação arqueológica em trabalhos antigos, para fazer uma lista dos textos relativos à política externa e relações internacionais do Brasil, deparo-me, de vez em quando, com alguns textos, sob forma de entrevista ou questionário, que foram respondidos bilateralmente e permaneceram "escondidos" desde então. Não tenho nenhum motivo para mantê-los reservados ainda, inclusive porque eles reproduzem exatamente o que eu pensava no momento da elaboração. As circunstâncias e a conjuntura podem ter mudado, fatos novos podem desmentir alguns dos argumentos, mas me parece útil expor aqui os textos, para ver o que se mantém e o que se tornou perempto. O texto abaixo foi para uma dissertação de mestrado numa universidade do sul do Brasil.



Entrevista sobre Política Externa no Governo Lula

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, em 7 de maio de 2005

1. Qual sua visão sobre a OMC de 2000 até os dias atuais?
Em 2000, a OMC, que já tinha completado cinco anos de existência, tinha sofrido um revés, com o fracasso da conferência ministerial de Seattle, nos EUA, em novembro de 1999. Esse fracasso, assim como outros percalços que ela possa ter tido nesse periodo de dez anos desde sua inauguração, não se deve propriamente à OMC, e sim ao aspecto político do comportamento dos países membros. Com efeito, a organização não pode, ela mesma, determinar suas orientações e ênfases em matéria de liberalização do comércio internacional e de criação, consolidação e respeito das normas relativas ao sistema multilateral de comércio, como é o seu mandato constitutivo. Para isso, ela depende da cooperação e da colaboração dos próprios países membros, que têm a faculdade de fazer avançar ou deixar paralisados os trabalhos que a OMC conduz, seja na administração dos acordos existentes, seja na negociação e implementação de novos acordos. Se os países membros são pouco cooperativos, seu trabalho ficará ipso facto paralisado. Se eles decidem avançar, ela consegue, então cumprir seu mandato e seus ideais.
Em todo caso, minha visão sobre a OMC é eminentemente positiva, pois ela consegue, ainda que a duras penas, fazer avançar, mesmo modesta e lentamente, a causa da liberalização do comércio internacional. Já em novembro de 2001, por exemplo, ela conseguir fazer aprovar na ministerial de Doha, um mandato para a atual rodada de negociações, que incluia a discussão sobre alguns dos temas mais importantes, e difíceis, do sistema multilateral de comércio, como podem ser os das práticas de subvenção à produção e exportação de produtos agrícolas, ademais da continuidade do trabalho em matéria de serviços, anti-dumping, investimentos e outros mais.
A ministerial de Cancun, no México, em setembro de 2003, foi um fracasso relativo, nãoa tanto devido ao capítulo agrícola – no qual o Brasil atuou de modo inteligente, ao constituir o atual G-20, de países que se opõem ao protecionismo e ao subvencionismo agrícolas –, mas mais devido a problemas em outras áreas, como os chamados novos temas, ou a agenda de Cingapura (investimentos, propriedade intelectual etc).
Nos próximos meses, isto é, no que resta de 2005 até a conferência ministerial de Hong-Kong, em novembro, a OMC tem pela frente o desafio de fazer avançar as negociações para completar a rodada Doha. Não acredito que haverá tempo hábil para finalizar todos os capitulos da negociação, e como sempre ocorrerá um mini-drama, nas vésperas da cúpula, e provavelmente durante a própria, alguns progressos serão feitos, a duras penas, mas o exercício não estará obviamente concluído. Provavelmente se chegará, em meados de 2006 ou mais provavelmente ao início de 2007, a algum resultado sob a forma de acordos complementares de liberalização em algumas áreas (como agricultura, mas ainda assim parcial e insatisfatório do nosso ponto de vista), e de estabelecimento de normas tentativas em outras áreas. Os países não mudarão muito o seu comportamento obstrucionista, o que é obviamente uma pena, mas é compreensível do ponto de vista político, tendo em vista o quadro habitual nesse gênero de diplomacia.

2. Qual sua opinião sobre a renovação do acordo brasileiro com o FMI e quais as conseqüências que este acordo poderia trazer para o Brasil?
O governo brasileiro, justamente, depois de quatro acordos sucessivos, em 1998, 2001, 2002 e 2003, decidiu, em março de 2005, não renovar, ou não negociar um novo acordo com o FMI, ficando portanto livre das condicionalidades associadas aos acordos precedentes (geralmente relativas ao atingimento de metas fiscais, como o superávit primário no orçamento). Não tenho certeza se teria sido melhor renovar o acordo existente, ou se, como decidido, não extendê-lo ou negociar um novo. Ambas as soluções têm suas vantagens e desvantagens. No caso da existência de acordo, trata-se de uma garantia de linha de crédito em caso de necessidade, como uma nova crise financeira internacional ou uma deterioração sensível das contas externas que colocasse em risco nossa capacidade de pagamento das obrigações externas (juros da dívida, amortização dos empréstimos contraídos, transferências de divisas por pagamento de fatores e outras saídas de capitais).
Por outro lado, as contas externas do Brasil estão relativamente em ordem atualmente, com superávit comercial amplo, o que permite cobrir o déficit crônico dos serviços (e portanto das transações correntes) e outras saídas de capital. Os investimentos diretos estrangeiros também estão sendo retomados, o que é uma garantia adicional. Não havia, assim, necessidade, stricto sensu, de renovação do acordo. Mas, o Brasil ainda possui algumas fragilidades, internas e externas, como a grande dívida pública e a existência de déficit nominal no orçamento, mesmo com acúmulo de superávits primários (que não chegam, entretanto, a cobrir os pagamentos de juros da dívida pública).
Em síntese, um acordo com o FMI pode representar a garantia de saldo disponível, em caso de necessidade, e sobretudo um aval sobre a qualidade das políticas econômicas, mas ele também representa uma espécie de sinal de alerta sobre a fragilidade de nossas contas externas. Em última instância, nós mesmos é que devemos realizar esforços para colocar as contas públicas, sobretudo as internas, em condições de sustentabilidade.

3. Qual o seu posicionamento a respeito da política Externa do Brasil com o atual Presidente?
Trata-se, como o próprio governo proclama, de uma política ativa, de uma diplomacia altiva. Apenas não tenho certeza de que todo esse ativismo se dirige para o lado correto, pois que existe, em substituição à antiga “diplomacia presidencial” do período FHC, uma espécie de “diplomacia partidária”, que mobiliza todas as crenças, valores e princípios de política externa do PT, que não necessariamente tem o melhor julgamento da realidade ou que não necessariamente pratica a melhor política externa de que o Brasil precisa.
Essa política externa “partidária” é feita de um anti-imperialismo instintivo, como corresponde a um partido esquerdista e ainda teoricamente socialista como o PT, de um preconceito contra a globalização e o capitalismo financeiro – como se o PT e mesmo o Brasil tivesse o poder de mudar certos processos existentes no mundo atual – e feita de muitas ilusões quanto à liderança, pelo Brasil, de outros países em desenvolvimento, sobretudo na região mas também no chamado Terceiro Mundo, objetivando mudar o mundo, a região e o próprio Brasil.
O PT e este governo mantêm certas ilusões quanto à mudança no “eixo do poder mundial” e na “geografia comercial do mundo”, como várias vezes proclamado. Para isso, o governo colocou dificuldades em algumas negociações comerciais, sob o pretexto de preservar “espaços nacionais para políticas de desenvolvimento”, que não se sabe bem quais sejam (mas que representam a continuidade do velho estatismo econômico, que já conhecemos tão bem). Não tenho certeza de que essa política feita de ativismo no mundo em desenvolvimento possa representar adequadamente os interesses de uma economia avançada e diversificada como é hoje a brasileira.

4.Comparando a política e o andamento do Brasil com FHC e agora, com Lula, o que o senhor acha que se está levando mais em consideração? Prevalece ainda o pensamento de esquerda e de direita?
Certamente, prevalece, infelizmente, esse maniqueismo de esquerda e direita, o que diga-se de passagem nunca existiu muito dentro do Itamaraty. Pode-se dizer que, em certo sentido, esse pensamento foi introduzido agora, a partir de fora, com a assunção do PT a uma posição predominante na determinação das principais linhas da política externa, o que realmente é uma pena, pois diplomacia ideológica nunca combina bem com o interesse nacional.
No mais, creio a que a diplomacia brasileira tem mais traços de continuidade do que de ruptura, que se exerce mais no estilo do que na substância. Elaborei um trabalho no qual faço uma comparação das duas diplomacias, justamente, cuja referência é: “Um exercício comparativo de política externa: FHC e Lula em perspectiva”, publicado na revista Achegas (Rio de Janeiro: nº 17, 12 de maio de 2004; ISSN 1677-8855; link: http://www.achegas.net/numero/dezessete/paulo_r_a_17.htm), depois expandido para “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula”, publicado na Revista Brasileira de Política Internacional (Brasília: IBRI, ano 47, nº 1, 2004, ISSN: 0034-7329; pp. 162-184).

Paulo Roberto de Almeida

terça-feira, 5 de julho de 2011

Como fazer uma monografia academica - Paulo Roberto de Almeida

Caro aluno em dificuldades para concluir um trabalho acadêmico,

Aqui segue um trabalho antigo, mas que acabo de rever, tentando melhorá-lo, já que percebi que a demanda de alunos desesperados por alguns conselhos nesta área anda muito alta. Espero que sirva para algo, mais não fosse apenas para deixá-lo um pouco menos desesperado com o seu TCC.
Se quiser, pode me pagar os devidos "moral rights", sem precisar se preocupar agora com o chamado copyright.
No fundo, desejo que você não fique desesperado ou brigue com a noiva ou namorado por causa de um reles trabalho acadêmico. Vamos ao que interessa.

Como Fazer uma Monografia Acadêmica
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)

Este pequeno guia formula algumas recomendações essencialmente práticas em intenção daqueles que devem escrever artigos, ensaios, monografias, papers acadêmicos e assemelhados, com ênfase nos famosos TCCs, trabalhos de conclusão de curso de graduação, um monstro metafísico que parece assustar muitos graduandos que não encontram muito apoio entre seus professores ou na própria instituição acadêmica. Não tenho nenhuma pretensão à originalidade neste texto, mas não deixo de alertar que tampouco consultei os guias disponíveis no mercado – vários na internet – que se encaixam nesse gênero da ajuda especializada, tipo “How To Do a Perfect Dissertation”, ou “The Idiot’s Guide for Making an Academic Paper”. Acredito, porém, preencher de graça as necessidades básicas de alunos desesperados ao oferecer meus conselhos pessoais para torná-los menos desesperados. Como existem dezenas de guias do gênero, pretendo simplesmente escrever com base nas minhas próprias recomendações, sem necessariamente efetuar uma síntese dos manuais mais habitualmente usados e disponíveis na Internet (este segue, portanto, meu estilo e minhas preferências). A maior parte dos guias e manuais práticos disponíveis na internet está em inglês, como se pode verificar pela lista que agrego in fine, e aos quais os interessados em maiores desenvolvimentos poderão recorrer.

1. O que é uma monografia acadêmica?
Trata-se de um trabalho com finalidades “científicas”, numa acepção lata do termo. Ou seja, a exposição de um problema qualquer com relevância para o estudo ou aplicação prática na vida cotidiana (ou até para especulação “filosófica” ou deleite literário), com algumas regras indispensáveis ligadas ao formato e à elaboração desse tipo de trabalho. Em primeiro lugar, o trabalho deve enfocar uma descrição a mais acurada possível do problema, ou objeto, escolhido. A descrição deve ser clara, o mais possível exaustiva ou completa (sem ser redundante), seguida de uma discussão desse problema, para fins de conclusões baseadas numa certa racionalidade lógica, isto é: expusemos isto, discutimos suas implicações e chegamos a estas conclusões.
Deve-se evitar um jargão excessivamente pedante, ou ultra-especializado, e procurar utilizar-se de conceitos usualmente aceitos pela comunidade acadêmica e também por um público cultivado, uma vez que uma monografia acadêmica sempre visa um conhecimento especializado (mas compreensível a quem não é da área). De preferência se deve adotar uma linguagem enxuta, próxima do ideal de Graciliano Ramos: uma vez terminado de redigir um texto, devemos voltar atrás e começar a eliminar todos os adjetivos supérfluos, todos os argumentos impressionistas ou puramente “literários”, e buscar reduzir o texto à sua essencialidade básica: expor o problema, discutir suas implicações, chegar a conclusões claras, sem mais floreios ou redundâncias. Ou seja, quanto menos palavras melhor, ou dito em linguagem popular: não fique “enchendo lingüiça”, nem dando espaço dois para “aumentar” o texto.

2. Qual o formato ideal de uma monografia acadêmica?
Como deve ser organizada uma monografia acadêmica para atender aos requisitos do gênero?
Muito simples, ela deve pautar-se pela conhecida fórmula IMAC: Introdução; Metodologia; Apresentação (ou Análise) do Problema; Conclusões. A rigor, ela conterá também a bibliografia, que é de rigor em qualquer trabalho acadêmico, mas isto é um suposto básico de qualquer trabalho do gênero.
O que deveria conter cada uma dessas partes?

Introdução:
Depois de um eventual prefácio – e outros prolegômenos, nos quais muitos agradecem a Deus padre, a todos os santos, aos familiares, aos professores, aos colegas, ao namorado (ou noivo), enfim a tutti quanti colaboraram com o seu trabalho (o que é absolutamente dispensável, mas respeitemos esse direito do autor) –, o candidato a acadêmico deve, simplesmente, dizer o que pretende fazer ou oferecer com o trabalho. A rigor, bastaria uma simples descrição esquemática do que pretende ser o trabalho. Mas pode também conter uma justificação da escolha daquele tema, sua relevância ou legitimidade para a área de pesquisa em causa, e dizer (antecipando, digamos assim), aonde se pretende chegar com o trabalho em si; ou seja, sua contribuição para o estudo daquele tema. A descrição esquemática pode conter uma breve exposição do que conterão os diferentes capítulos – na parte de Apresentação do Problema – mas isso a rigor também é dispensável. O essencial deve ser dito em poucas palavras.
Escusado dizer que essa Introdução será escrita em último lugar, para que ela seja um retrato fiel do corpo do trabalho, e não um anúncio grandiloqüente que depois não é confirmado pelo desenvolvimento do tema. Essa introdução, finalmente, servirá para compor o resumo inicial e as palavras-chave, indispensáveis (em inglês também).
Se ouso oferecer uma sugestão de início substantivo, seria esta:
Este trabalho trata do (problema, assunto, tema, em duas linhas, no máximo), segundo uma abordagem (descritiva, analítica, interpretativa, etc.; à escolha), com vistas a alcançar o objetivo de (discorrer brevemente sobre a finalidade do trabalho). Para cobrir (ou abordar) essa questão, procedeu-se à análise do (ou ao exame) de tais e tais questões, consideradas as mais relevantes para este exercício analítico. Foram adotadas as seguintes hipóteses de trabalho: (apenas se existirem, de fato, premissas que sustentam a tese ou argumentos do autor). As conclusões preliminares indicam que (apresentar brevemente os resultados do trabalho), como resultado (ou decorrente) da análise desenvolvida no (capítulo central, parte principal, etc.). A bibliografia e a documentação listada no final (e as fontes primárias eventuais) consolidam o material de referência utilizado na confecção do trabalho, que apresenta utilidade para (avanço do estado da arte, reflexões teóricas, propostas de políticas, ou qualquer outra utilidade prática ou contribuição intelectual que o trabalho possa oferecer).
Depois disso, geralmente se apresenta o trabalho, dizendo o que conterá cada parte, capítulo, seções, etc., sublinhando eventualmente onde está o principal esforço ou contribuição do autor. Listar eventuais dificuldades no empreendimento. Ponto.

Metodologia:
Trata-se, basicamente, de descrever a abordagem utilizada na monografia, ou paper. Ou seja: método histórico-dedutivo, analítico-conceitual, expositivo-crítico, ou qualquer outro que o autor decida, segundo alguns manuais do gênero (e a possível orientação do professor de metodologia). O autor dirá aqui como ele abordou o tema de sua preferência e por que escolheu aquele método e não outro. Poderá discorrer, eventualmente, sobre métodos alternativos, não usados; mas isso não é necessário.
O “método” a ser descrito nesta parte é um pouco a famosa “fundamentação teórica”, que muitos professores exigem dos candidatos, como se fosse um elemento absolutamente indispensável do trabalho acadêmico, o que nem sempre é o caso. Ou seja, o trabalho pode ser – este é um direito do candidato – simplesmente expositivo-descritivo, sem referência a qualquer autor famoso na comunidade acadêmica, posto que o tema escolhido se presta, hipoteticamente, a uma descrição empírica de fatos da vida real, ou que o autor tenha decidido, por exemplo, fazer uma síntese da literatura existente a respeito do seu tema, sem maiores inovações teóricas. Por isso alguns alunos tropeçam nessa parte, e acabam escrevendo uma “metodologia” que tem pouco a ver, finalmente, com o conteúdo em si do trabalho.
Resumindo: metodologia é simplesmente a forma como o autor organiza os seus dados, seus materiais primários, seus elementos empíricos, e até suas leituras, e os apresenta em seguida na discussão fundamentada da terceira parte, com análise crítica e um levantamento de outros problemas que tenha detectado em sua pesquisa. O autor pode, também, aproveitar essa parte para dizer como outros analistas do mesmo problema estudaram a questão, se concorda com eles, se utilizará métodos já empregados anteriormente, etc.
Pessoalmente, considero, que nem todo trabalho acadêmico tenha de possuir o famoso “marco teórico”, que muitas vezes nada mais é do que uma exigência pedante de algum professor, geralmente destacada de qualquer necessidade concreta. Para mim, o “marco teórico” funciona como uma espécie de farofa: alguns pratos requerem, outros não; assim que posso conceber monografias perfeitas, sem qualquer necessidade de fundamentação teórica, mormente em temas pedestres e práticos, como podem ser muitos TCCs em direito, ou administração, por exemplo.

Apresentação (ou Análise) do Problema:
Aqui está, obviamente, a parte principal do trabalho, a que justifica todo o esforço do autor, e por isso mesmo deve ser objeto de um cuidado redobrado na sua organização e estruturação. Normalmente, uma monografia acadêmica – que sempre é algo maior do que um simples paper, ou artigo – encontra-se organizada em capítulos (eventualmente distribuídos em partes e subdivididos em seções). A maneira mais simples de organizar uma monografia seria numerar sequencialmente cada uma das unidades, de forma simplesmente linear: 1 para a Introdução, 2 para a Metodologia, de 3 a 5 (ou mais) na parte central do seu trabalho, que é esta que nos ocupa agora.
Pode-se organizar todo o trabalho em partes, ou seja, uma primeira parte para os “prolegômenos” (Introdução e Metodologia); uma segunda parte para a Análise, propriamente dita (com tantos capítulos e seções quanto requeridos pela pesquisa do autor e sua própria organização dos materiais); e uma terceira parte de Conclusões. Isso não impede a numeração seqüencial dentro das partes, e seria até recomendável que assim fosse feito, uma vez que a numeração linear dos capítulos facilita muito a elaboração do trabalho e a própria leitura do trabalho.
Mas deixando de lado essa questão puramente formal, vamos nos concentrar no que deve conter uma apresentação ou análise da problemática escolhida pelo autor. A descrição exaustiva – ainda que resumida – do problema selecionado é necessária, para que se possa julgar, a partir de elementos concretos, da capacidade de leitura, de pesquisa, de apreensão-compreensão do tema que o candidato escolheu para debater. Uma volta à literatura existente nessa área – eventualmente já apresentada na seção de metodologia – pode ser útil, para indicar não apenas pesquisa efetiva e leitura atenta dos “antecessores” do autor no tratamento daquele problema. Não preciso insistir aqui sobre a fidelidade absoluta entre leituras efetivas e listagem bibliográfica, sem aquele recurso muito comum de “nutrir” sua bibliografia de dezenas de obras conhecidas “de orelha”, ou por vezes nem isso, apenas um pequeno esforço de compilação com base no Google ou na Wikipédia: trata-se de desonestidade, pura e simples. Em frente!
Pode-se escolher fazer um retrato muito amplo do problema – começando na idade da pedra, por exemplo – mas o ideal é que a apresentação se limite ao essencial, pois se supõe que os leitores da monografia – que são “atentos” professores, velhos “conhecedores” do problema – já saibam que “antigamente” os homens eram todos uns ingênuos e que, só a partir da Revolução Industrial, da Revolução Francesa, ou de qualquer outro evento genial na história da humanidade, eles despertaram para o conhecimento e o saber... Enfim, isto para dizer que você não precisa dar voltas pela Grécia clássica para enfrentar o “seu” problema, que supostamente é contemporâneo.
Descreva, em palavras secas, à la Graciliano, o que você tem a dizer, e não tente enrolar o seu orientador com aquela “encheção de lingüiça” que só serve para rechear páginas e páginas de verbosidade inútil e aborrecida. Apresente os dados do problema e diga como se deve interpretá-los (ou como autores mais “sábios” do que você os interpretaram anteriormente, geralmente professores que já publicaram extensamente nessa área). Não é preciso dizer que você precisa colocar entre aspas tudo, absolutamente tudo, o que você recolheu nas fontes “primárias”: qualquer tentativa de enganar a “autoridade” nesse particular é punível da forma mais estrita, como crime suscetível de flagelação em público, por fraude ou plágio deliberado.
Por isso, não faça glosa, reescrita, ou copy and paste do que você encontrar por aí: transcreva honestamente tudo o que você recolheu da “inteligência” (ou falta de) de outros autores e dê o crédito a quem merece (sim, você pode aproveitar para criticar a “ingenuidade” de autores que o precederam na gloriosa tarefa de explorar aquele tema). Não se paga direito autoral por reconhecer a anterioridade de ideias já circulando no mercado e você deve reconhecer os direitos morais de autores que se especializaram naquele tema por você escolhido. Todos os dados (ou números) devem ser checados; para isso, indique claramente todas as fontes utilizadas, mesmo quando elas são de domínio público (IBGE, ministérios, agências públicas, por exemplo).
Uma vez apresentados os dados, os argumentos, a problemática em questão, está na hora de você discutir esses elementos, analisar seu impacto ou implicações para a área ou contexto nos quais o seu problema se insere Aqui você vai tentar inferir resultados a partir dos problemas detectados (em princípio situados no “passado”, em face das novas “perspectivas” que se abrem a partir do seu trabalho). Ou seja, você vai “discutir” os seus dados, qualquer que seja o sentido desta “discussão”. Você pode concluir, por exemplo, que aquela área é carente de regulação legal, e que o Estado deveria, supostamente, suprir essas lacunas (oportunamente já detectadas por outros autores, o que você deve também referir). Não tenha medo de referir-se a problemas não abordados em seu trabalho, por estarem à margem do assunto principal, ou por exigirem outro tipo de abordagem ou levantamento de dados adicional: isso pode poupar alguma cobrança na hora da defesa oral do trabalho, por exemplo.
Eventualmente, a discussão efetuada leva o problema a alguma generalização – casos semelhantes ocorridos em outros contextos, ou em perspectiva comparada (com outros países, por exemplo) –, ou você pode proceder por “analogia”, ou seja, por aproximação a outros casos detectados em outras situações e que podem servir como modelo ou base empírica para alguma sugestão na área de que se ocupa seu trabalho. Evite, porém, redundâncias, ou seja, não fique repetindo, em seções diferentes, as mesmas “descobertas” feitas por você ou outros autores: essa é também outra forma de “encher linguiça”, ainda que de maneira substantiva.
Importante: não tente esconder dados, ou argumentos de outros autores, que se oponham ou que confrontem, ainda que parcialmente, aos seus próprios argumentos. Uma exposição honesta dessas visões “divergentes” é mais relevante do que uma tentativa de “harmonia”, ou de unidade analítica, artificialmente construídas. Alguns dados poderão ser considerados uma “exceção”, mas isso precisa emergir da própria exposição completa do problema, não de uma seleção arbitrária das “perspectivas convergentes”, à exclusão dos “elementos discordantes”. Por isso, uma revisão ampla da literatura é necessária para identificar pontos de vista contrários e argumentos que destoem do sentido geral que você pretenderia dar ao seu trabalho. Melhor concluir pela impossibilidade de “conclusões” do que tentar escamotear problemas evidentes que surgem do próprio enunciado contraditório do problema. E com isso chegamos ao item final de nosso “guia”.

Conclusões:
Muito simples: se trata, geralmente, de um resumo da parte anterior, ou seja: uma revisão geral dos argumentos apresentados nos capítulos anteriores e um ensaio de conclusão geral. Mais complicado: o que são, exatamente, conclusões?
Em primeiro lugar, trata-se de uma síntese dos “achados” – findings, como se diz na linguagem acadêmica americana –, o que significa expor as “descobertas” que você fez (não necessariamente originais, no sentido de Colombo, mas pelo menos de uma forma nova). Desses resultados você pode tirar “recomendações” para as autoridades (quanta pretensão, não é mesmo? Mas você não precisa ser modesto aqui, à condição que tenha mesmo conclusões interessantes para apresentar).
Discuta o que significam esses resultados, para a literatura da área, para a realidade em questão, para o trabalho legislativo, paras as medidas dos policy-makers. Esta discussão poderá já figurar na última parte da seção (ou parte) anterior, mas você pode reservá-la para as conclusões, como uma espécie de grande finale. Se você tiver algo de inteligente a expor, diga-o claramente, pois sua monografia poderá ganhar um desses prêmios que se prometem aos alunos mais aplicados.
Depois de tudo isso, você ainda precisa voltar e escrever a Introdução, fazer o resumo (absolutamente claro quanto ao objeto e conclusões), agradecer a Deus, etc. Não se esqueça de revisar a bibliografia, colocar as notas em ordem, segundo o padrão da ABNT (o que é sempre uma chatice), e rever cuidadosamente a linguagem – recorra a um parente mais velho, se o seu Português é destes tempos de incultura generalizada – antes de imprimir e depositar. Um texto mal escrito, mal revisado, um trabalho mal organizado e pobremente apresentado, indispõe seguramente os seus leitores, que vão para a banca de mau humor.

3. O que fazer da sua monografia?
Bem, você chegou ao termo de um extenuante processo de pesquisa, garimpo de dados, compilação de argumentos de outros autores, redação cansativa de um texto que precisa ser constantemente revisto – se o seu orientador fizer o trabalho que lhe compete, honestamente – e o realinhamento de parágrafos (aí sim, na base do cut and paste), e aguarda ansiosamente a defesa da monografia e a proclamação do brilhante resultado: aprovado suma cum laude (nem toda instituição cultiva estes bons valores de antigamente). Você trabalhou durante meses – ou anos – pela sua monografia; pois agora é hora de fazê-la trabalhar por você (em especial para o seu futuro profissional).
Pois tenha isto bem presente, no momento mesmo em que for escolher um tema para trabalhar: ele vai ser um irmão maior – às vezes menor, e muito chato – por um longo tempo (mais até do que você pensa, se alimenta essa ideia que a monografia é apenas uma obrigação “chata” e que é preciso deixar para trás o quanto antes). Uma monografia pode ser uma importante alavanca no seu futuro profissional e até mesmo lhe garantir um emprego bem pago. Assim, ponha a mão na consciência e diga a si mesmo: eu quero fazer um trabalho que discuta um problema relevante, com argumentos originais (não precisam ser todos seus, mas dê o crédito, por favor), e apresenta resultados derivados diretamente da discussão efetuada, eventualmente com a apresentação de “soluções”, ou sugestões, que encantarão os seus leitores (e futuros empregadores).
Dessa monografia poderá resultar um livro ou mais publicações (artigos em revistas, por exemplo), embora eu esteja certamente exagerando. Mas nunca é demais sonhar e, sobretudo, trabalhar ativamente para que isso se realize. Por isso, trabalhe bastante suas conclusões e aqui, sim, você poderá ser um pouco redundante: elas poderão aparecer já na parte final da discussão (ou Apresentação e Análise), nas conclusões, propriamente, e na Introdução do trabalho, quando não, de forma obviamente ultra-resumida, no resumo inicial (abstract).
Nesse sentido, a sua Introdução pode servir como apresentação geral do trabalho, para fins de marketing e oferecimento ao mercado. Por isso, exponha com clareza o objeto do seu trabalho, a relevância do tema pesquisado e discutido, cite os autores mais importantes que embasaram sua análise, eventualmente a metodologia, antecipe os argumentos principais da discussão e resuma, de forma compreensível (isto é, racionalmente), as conclusões a que você chegou. Se você produziu uma obra original, não seja modesto; diga isto logo de cara, mas tenha cuidado no autoelogio, sobretudo se ele for imerecido: uma pesquisa no Google Scholar poderá indicar os 15 mil artigos que existem sobre aquele mesmo assunto. Você não precisa ser tímido, mas também não se ache o novo Cristóvão Colombo.

Finalmente, se quiser seguir um pequeno conselho simpático, enfeite o início do seu trabalho com uma dessas frases geniais de algum cientista ou filósofo famoso, ou coloque uma pequena poesia ou canção popular na página anterior ao sumário. Se for verdadeiramente inteligente, a transcrição desse trecho, ou frase, fará sorrir o seu leitor, que já lhe dará alguns pontos pela graça da iniciativa. Mas, por favor, escolha coisas inteligentes, pois a televisão e a vida política já estão cheias de banalidades...
Seja feliz na sua monografia e tire proveito dela assim que puder!

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 de julho de 2011

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Algumas recomendações de leituras adicionais (hélas, em inglês):

1) Steps to Effective Library Research:
http://www.lib/libguides/1-1.html

2) A-Plus Research and Writing for High School and College Students:
http://www.ipl.org/div/aplus/

3) Writing a Research Paper, from Purdue University:
http://owl.english.purdue.edu/workshops/hypertext/ResearchW/

4) Writing Term Papers, from the Chinese University of Hong Kong:
http://www.lib.cuhk.edu.hk/uli/bi/writers/writers.htm

5) Research Paper Help .Net:
http://www.researchpaperhelp.net/

6) The Elements of Style, by William Strunk, Jr., and E. B. White:
http://www.bartleby.com/141/index.html