O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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sábado, 19 de junho de 2021

Grand Strategy in 10 Words: A Guide to Great Power Politics in the 21st Century, book by Sven Biscop

 

O mundo precisa de uma nova Carta do Atlântico? A primeira, em 1941, era contra o nazismo. Agora é contra a China? - Richard J. Evans (The Wall Street Journal)

Essa tal de nova "Carta do Atlântico", do Biden e do Boris Johnson, é pura demagogia, aproveitando a mística da declaração de 1941, que nem tinha esse nome, e que se destinava a salvar a Grã-Bretanha numa das horas mais dramáticas da sua história, depois da Invencível Armada (destruída pelo próprio canal da Mancha) e da ameaça napoleônica (vencida em Trafalgar). Depois dos espanhóis e dos franceses, os chineses, e contra os americanos desta vez? Joe Biden está exagerando no seu populismo histórico, se rendendo ao que as esquerdas chamariam de "complexo industrial-militar": milhões de dólares canalizados pela paranoia irracional dos generais do Pentágono e pela inacreditável demência dos acadêmicos que caíram no conto de vigário de uma fantasmagórica "armadilha de Tucídides'. Pobre Tucídides, não merecia essa...

Paulo Roberto de Almeida 

Do We Need a New Atlantic Charter?

Eighty years after FDR and Churchill pledged to defend democracy, President Biden and Prime Minister Boris Johnson want to reenergize the special relationship for a very different world.

President Biden at G-7 Summit: “America Is Back at the Table”
President Biden at G-7 Summit: “America Is Back at the Table”
President Biden at G-7 Summit: “America Is Back at the Table”
During a press conference at the conclusion of the summit between leaders of the Group of Seven on Sunday, President Biden discussed working together with allies, global vaccine donations and how the group plans to approach challenges posed by China. Photo: Kevin Lamarque/Reuters

At a summit meeting in England last week, President Joe Biden and U.K. Prime Minister Boris Johnson signed a “new Atlantic Charter,” pledging their countries to work together on a range of issues, from combating climate change and preparing effectively for future pandemics to the defense of democracy and “the rules-based international order.” The agreement intends to “build on the commitments and aspirations set out eighty years ago” in the original Atlantic Charter, signed by Franklin D. Roosevelt and Winston Churchill on August 14, 1941, at their first wartime meeting, held at a U.S. naval base in Newfoundland.

The much-publicized agreement reflects Mr. Johnson’s determination to reorient British foreign policy away from Europe in the wake of Brexit. For Mr. Biden it represents a renewed commitment to America’s traditional allies after four years of tension during the Trump presidency, with its policy of “America First.” As Mr. Johnson said in a statement, “Eighty years ago the U.S. President and British Prime Minister stood together promising a better future. Today we do the same.” But does the new Atlantic Charter really deserve the comparison with the historic original?

In fact, the Atlantic Charter of 1941 was less about remaking the world than about fighting World War II. At the time it was signed, Britain and Germany had been at war for less than two years, and the U.S. hadn’t yet entered the conflict. But the Americans had already begun to help the British, notably through the Lend-Lease Agreement signed the previous March, which provided for the U.S. to supply Britain and its allies with war materials. A major purpose of the Charter was to prepare the American people for their likely future entry into the war by telling them what they would be fighting for. 

In this sense, the Atlantic Charter was more a propaganda statement than a program for action. Its eight clauses, echoed deliberately in the eight clauses of the 2021 Atlantic Charter, affirmed the right of peoples and nations to self-determination, the desirability of lowering trade barriers, the postwar disarmament of the “aggressor nations,” the freedom of the seas, and the necessity of social welfare measures and the alleviation of poverty.

The U.S. and U.K. also said they would not seek territorial gains after the war. Importantly, the defeated nations were to be included in the lowering of trade barriers, a conscious rejection of the punitive economic measures that followed the end of World War I. But the ambitious statement wasn’t signed by the leaders and had no formal legal power. Even the name “Atlantic Charter” wasn’t official; it was invented by the Daily Herald, a left-wing British newspaper, to describe what was formally known as the Joint Declaration by the President and the Prime Minister.

À espera dos bárbaros? - Paulo Roberto de Almeida

 À espera dos bárbaros?

Paulo Roberto de Almeida


Um poeta grego expressou certa vez sua surpresa pelo fato de seus concidadãos ainda estarem à espera dos bárbaros: eles teriam sido a solução ante à irresolução.

E no caso dos bárbaros já estarem entre nós? Resolveram alguma coisa? Diminuiu o grau de irresolução em face de problemas concretos? Ainda vivemos em tempos homéricos, nos quais pessoas acreditam sinceramente que são os deuses que guiam os seus passos e suas ações?

Progredimos alguma coisa desde a guerra de Troia no “Ocidente”, desde as guerras entre os reinos no “Oriente”?

A humanidade avançou realmente alguma coisa nos últimos seis ou sete mil anos?

Geologicamente é um tempo muito curto para certas acomodações de terreno.

Mas intelectualmente se poderia esperar algo mais avançado desde o Aufklarung.

E, no entanto, depois disso, ainda tivemos o racismo, a intolerância religiosa, os Gulags, o Holocausto, os diversos genocídios voluntários e involuntários, o terrorismo sempre presente, a corrupção política e as desigualdades sociais evitáveis. 

A humanidade me decepciona, mas os bárbaros não são a solução…


Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 19/06/2021

Pequena declaração de princípios - Paulo Roberto de Almeida

 Pequena declaração de princípios para que fique bastante claro meu repúdio total ao que está acontecendo atualmente no Brasil

Paulo Roberto de Almeida


Não tenho nenhuma hesitação em classificar o presidente como um ignorante desequilibrado perverso, com traços de psicopata, o que converge com muitos dos seus apoiadores voluntários, pessoas que saem às ruas para defendê-lo ou que expressam esse apoio nas redes sociais, mas que não tiram nenhuma vantagem pessoal desse apoio, até fanático em diversos casos. 

Já aqueles que contribuem diretamente, no serviço público ou em torno dele (funcionários, contratados, contratantes ou fornecedores), para sua ação triplamente nefasta em detrimento do bem-estar material e da sanidade mental da coletividade, estes se distribuem em diversas categorias: primeiramente, existem aqueles, militares ou civis, que por interesse ou convicção, partilham da mesma visão rudimentar, tosca e autoritária do mundo; depois existem aqueles oportunistas safados que tiram vantagens materiais dessas atitudes e posturas que extraem recursos públicos da máquina estatal em seu favor; finalmente, existem também aqueles que, não necessariamente concordam com as insanidades perversas do capitão, mas que são suficientemente covardes ou incompetentes, para não se oporem, por passividade ou submissão, aos atos caracteristicamente nefastos à vida pública ou à simples moralidade no convívio social.

 

Contemplo com certa tristeza o que ocorre atualmente no Brasil, e me oponho de forma veemente a tudo isso, mas nem por isso me junto a outro bando de militantes de um outro populista mentiroso que convergem no apoio igualmente acrítico a esse outro “salvador da pátria” que se apresenta como tal, possuindo certos traços negativos de personalidade, que também condeno absolutamente.

No fundo, tudo é uma questão de caráter e de formação intelectual, além de uma postura digna, de forma consciente ou não: esperava que a esta altura de nosso itinerário como nação independente nossas elites supostamente educadas já teriam tido tempo de assumir uma postura de estadistas na condução do país. Constato que não é o caso e que muitos setores dessas elites são medíocres, ignorantes e despreparadas para o que legitimamente deveríamos esperar delas. 

 

O Brasil ainda é um país educacionalmente muito atrasado, o que resulta nessas elites medíocres e oportunistas.

Vai demorar mais um pouco, bem mais do que os pobres, ou todos aqueles que não vivem em segurança econômica, poderiam esperar. É a diferença, em muitos casos, entre a vida e a morte dos mais humildes, entre a esperança e a desesperança dos desprovidos de meios. 

Mas contemplando o conjunto da humanidade, constamos que não somos melhores ou piores do que certos povos: estamos na segunda metade dos níveis de bem-estar, não no terço final, mas muito atrás do que poderíamos estar, depois de 200 anos de completa autonomia nacional, se nossas elites não fossem tão medíocres.

 

Dito isto, considero que o mínimo que se esperaria de elites mesmo medíocres seria uma ação decisiva para afastar o monstro perverso que infelicita ainda mais a vida dos brasileiros. Trata-se de uma urgente necessidade profilática para a diminuição do sofrimento da nação, com mortes se acumulando sem razão de ocorrerem. A manutenção do psicopata no comando da nação apenas acrescenta ao atraso e à degradação da vida no Brasil.

 

Pela declaração meridianamente clara.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 19/06/2021


Micro-reflexão sobre certas coisas que não deveriam existir — Paulo Roberto de Almeida

 Micro-reflexão sobre certas coisas que não deveriam existir 

Paulo Roberto de Almeida


Não se limita ao Brasil. A Humanidade continua muito atrasada: mas não só imersa em preconceitos, também andando para trás, caminhando para a desrazão.

Ainda existem defensores do escravismo, da supremacia racial, fanáticos por futebol dispostos a qualquer coisa pelo seu time, militantes em favor de populistas ignorantes que são considerados salvadores de algumas ameaças imaginadas (pode ser inclusive a imigração), adoradores de deuses obscuros que se deixam capturar pelo sectarismo mais intolerante, seres que abandonaram qualquer possibilidade de algum raciocínio lógico em torno de atos racionais que promovam o bem-estar espiritual e material em favor da coletividade.

Seres humanos ainda são uma espécie muito atrasada…

Acho que ainda vai demorar certo tempo para que a humanidade se torne um pouco mais racional, e isto vale para os povos mais miseráveis do mundo, assim como para os supostamente avançados.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 19/06/2021

Ideologia de genero; o “sovietismo” voluntário das academias ocidentais - The Economist

 Carta de um leitor a propósito de matéria na Economist sobre o “debate” que ocorre em universidades ocidentais em torno dessa coisa chamada de “ideologia de gênero”:

“ I was born and raised in the USSR. Each university had departments of “scientific communism”, “dialectic materialism” and “history of the communist party”. Each student had to take those courses, from a pianist to a mathematician. The key difference is that nobody in the USSR seriously thought that communism was “scientific”. Everybody made fun of it, professors from those departments were the least respected, and actually most of them understood that their teachings were garbage. It was a religion, forcefully imposed by the totalitarian state. In today’s America universities have almost the same departments, but it’s voluntary. So sad.”

Essa coisa já chegou no Brasil. Creio que deve ocupar o lugar da astrologia…

Paulo Roberto de Almeida 

Let’s talk about sex
A backlash against gender ideology is starting in universities

Academics are speaking up against the stifling of debate

The Economist, June 5, 2021

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Apogeu e demolição da política externa: itinerários da diplomacia brasileira: finalmente terminado - Paulo Roberto de Almeida

 Tendo finalizado o livro algumas horas antes que o pior chanceler da história da diplomacia brasileira apresentasse, finalmente, sua carta de demissão, acabo de encaminhar uma nota liminar explicando como ele foi feito, cujo texto transcrevo abaixo, em seguida ao índice: 



Apogeu e demolição da política externa

 itinerários da diplomacia brasileira 

(Curitiba: Editora Appris, 2021)



Diplomatie

Belle carrière (mais hérissée de difficultés, pleine de mystères). Ne convient qu’aux gens nobles. Métier d’une vague signification, mais au-dessus du commun. Un diplomate est toujours fin et pénétrant.


Gustave Flaubert: 

Dictionnaire des Idées Reçues 

(Paris: Éditions Conard, 1913)

  

 

Para o Brasil, esta é a hora do domínio das trevas. O Brasil nos dói, faz sofrer nosso coração de brasileiros. Também em nosso caso, a primeira atitude terá de ser a vergonha das coisas presentes como condição para despertar o espírito da nação. Reformar e purificar as instituições políticas, reaprender a crescer para poder suprimir a miséria e reduzir a desigualdade e a injustiça, integrar os excluídos, humanizar a vida social. Ao longo de todo este livro, tentou-se jamais separar a narrativa da evolução da política externa da História com maiúscula, envolvente e global, política, social, econômica. A diplomacia em geral fez sua parte e até não se saiu mal em comparação a alguns outros setores. Chegou-se, porém, ao ponto extremo em que não mais é possível que um setor possa continuar a construir, se outros elementos mais poderosos, como o sistema político, comprazem-se em demolir. A partir de agora, mais ainda que no passado, a construção do Brasil terá de ser integral, e a contribuição da diplomacia na edificação dependerá da regeneração do todo.

 

Rubens Ricupero:

A Diplomacia na Construção do Brasil, 1750-2016

(Rio de Janeiro: Versal, 2017, p. 738-9)

 

 

Esta obra é dedicada a Carmen Lícia Palazzo, com quem tenho desenvolvido várias décadas de feliz e profícua atividade intelectual, ela muito maior leitora,

pensadora e escritora do que este modesto escrevinhador.

Ela também traz a marca da felicidade com que fui contemplado ao ver dois filhos ativos e realizados, Pedro Paulo e Maíra, sendo que esta já nos presenteou com três belos netos: Gabriel, Rafael e Yasmin.


 

Índice

 

Nota liminar 

 

Uma história sincera do Itamaraty?

 

1. Relações internacionais do Brasil: uma síntese historiográfica

1.1. A historiografia: uma quase esquecida na história das ideias

1.2. A historiografia brasileira das relações exteriores: principais historiadores

1.3. Varnhagen, o pai da historiografia, o legitimista da corte

1.4. João Ribeiro inaugura a era dos manuais de história do Brasil

1.5. Oliveira Lima: o maior dos historiadores diplomatas

1.6. Pandiá Calógeras: o início da sistematização da história diplomática

1.7. Interregno diversificado: trabalhos da primeira metade do século XX

1.8. Os manuais didáticos de história diplomática: Vianna, Delgado e Rodrigues

1.9. O ideal desenvolvimentista: Amado Cervo e Clodoaldo Bueno

1.10. A diplomacia na construção da nação: Rubens Ricupero

1.11. A historiografia brasileira das relações internacionais: questões pendentes

 

2. As relações internacionais do Brasil em perspectiva histórica

2.1. Padrões e tendências das relações internacionais do Brasil

2.2. Etapas das relações internacionais do Brasil

       2.2.1. O Império: a construção da nação e as bases da diplomacia

       2.2.2. A Velha República: os mitos e as deficiências da política externa

       2.2.3. A era Vargas: escolhas estratégicas, a despeito de tudo

       2.2.4. O regime militar: consolidação do corporatismo diplomático

2.3. A redemocratização e as relações exteriores do Brasil

       2.3.1. Uma periodização diplomática para o período contemporâneo

       2.3.2. A restauração constitucional e os erros econômicos

       2.3.3. Os anos turbulentos das revisões radicais do momento neoliberal

       2.3.4. Estabilização macroeconômica e nova presença internacional

       2.3.5. A primeira era do Nunca Antes: a diplomacia personalista de Lula

       2.3.6. Uma transição pouco convencional: retornando a padrões anteriores

       2.3.7. Uma segunda era do Nunca Antes: a diplomacia bizarra de Bolsonaro

2.4. O que concluir de tudo isto? Que lições ficam de nossa trajetória histórica?

2.5. Nota final: reformas internas e inserção na globalização

 

3. Processos decisórios na história da política externa brasileira

3.1. O que define um processo decisório: observações preliminares

3.2. A diplomacia brasileira como instituição

3.3. A estrutura orgânica da diplomacia brasileira

3.4. Os processos decisórios na diplomacia brasileira

3.5. Virtudes e defeitos do processo decisório na diplomacia lulopetista

3.6. A degradação da cadeia de decisão no governo Bolsonaro

3.7. Conclusões: como funciona, como talvez devesse funcionar...

 

4. A política da política externa: as várias diplomacias presidenciais

4.1. Participação dos presidentes em política externa: da omissão ao ativismo

4.2. O início da liderança presidencial em política externa: a era Vargas

4.3. JK e o desenvolvimentismo: a caminho da política externa independente

4.4. O regime militar: tudo pelo “Brasil Grande Potência”

4.5. Redemocratização: crise externa e integração regional

4.6. Os anos FHC: enfim, uma diplomacia presidencial

4.7. Os anos Lula: o ativismo como norma, o personalismo como finalidade

4.8. A tímida diplomacia presidencial de Michel Temer

4.9. A antidiplomacia de Bolsonaro e dos assessores aloprados: afundamento

4.10. Conclusões: caminhos erráticos da diplomacia presidencial brasileira

 

5. O outro lado da glória: o reverso da medalha da diplomacia brasileira

5.1. Tropeços na independência e durante o império

5.2. Os fracassos da primeira diplomacia republicana

5.3. A difícil construção de uma diplomacia autônoma, e consciente de sê-la

5.4. A diplomacia profissional, como base da diplomacia presidencial

5.5. A deformação da política externa sob a diplomacia bolsolavista

 

6. Um exercício de planejamento estratégico para a diplomacia 

Introdução: demolição e reconstrução da diplomacia brasileira

6.1. A política externa e a diplomacia no desenvolvimento nacional

6.1.1. Etapas percorridas em 200 anos de história institucional

6.1.2. Os desafios: uma matriz dos recursos e das debilidades nacionais

6.2. Campos de atuação da diplomacia e da política externa 

6.2.1. Multilateralismo, regionalismo e bilateralismo como instrumentos

6.2.2. A política externa multilateral: interfaces políticas e econômicas

6.2.3. A geografia política e a geoeconomia global das relações exteriores

6.2.4. América do Sul: eixo de um espaço econômico integrado

6.2.5. O multilateralismo econômico: eixo da inserção global do país

6.2.6. Ambientalismo e sustentabilidade: eixos dos padrões produtivos
6.2.7. Direitos humanos e democracia: eixos da proposta ética do país

6.2.8. Blocos e alianças estratégicas na matriz externa

6.2.9. Relações com parceiros bilaterais e regionais

6.2.10. Vantagens comparativas e exploração de novas possibilidades

6.2.11. Integração política externa e políticas de desenvolvimento

6.3. O Itamaraty como força motriz da inserção global do Brasil

6.3.1. Gestão da Casa, com base nas melhores práticas da governança

6.3.2. Responsabilização, abertura e transparência nas funções

6.3.3. Capital humano de alta qualidade: base de uma diplomacia eficaz

6.4. Planejamento estratégico como prática contínua da diplomacia 

 

Bibliografia e referências

Nota sobre o autor

Livros do autor 



Nota Liminar ao livro 

Apogeu e Demolição da Política Externa

  

Paulo Roberto de Almeida 

 

            Este livro encontrava-se basicamente terminado, revisto e preparado para publicação – embora numa versão bem mais volumosa do que a desta edição – pouco tempo após a vitória do candidato democrata Joe Biden, nas eleições presidenciais americanas de novembro de 2020. Nos primeiros dias de dezembro, redigi um primeiro rascunho de Introdução, que figura após esta nota liminar, com exatamente o mesmo título – Uma história sincera do Itamaraty? –, mas com um texto ligeiramente diferente, uma vez que o índice original comportava tanto ensaios de natureza mais conceitual, abordando fases anteriores da política externa brasileira (preservados neste volume), quanto artigos de cunho mais conjuntural, tratando das desventuras da diplomacia profissional sob o chamado bolsolavismo. O conteúdo daquele volume, preparado numa fase que se imaginava de grandes mudanças no contexto hemisférico e nacional, refletia a decisão de oferecer uma análise sintética de um período mais largo da política externa e da diplomacia brasileira (as três décadas precedentes aqui enfeixadas sob o conceito de “Apogeu”), tanto quanto o desejo de compilar notas e comentários de ocasião, elaborados no segundo semestre de 2020, que estavam mais focados nos desenvolvimentos conjunturais do bolsolavismo diplomático (isto é, a “Demolição” da política externa e os ataques à diplomacia profissional).

Depois de concluir o conjunto, naquele início de dezembro, hesitei, contudo, em encaminhar o manuscrito para a editora, pois pretendia que minha “derradeira” obra dedicada ao ciclo bolsolavista pudesse apontar o encerramento efetivo desse nefasto período em nossa história diplomática, ainda que também trazendo, no volume completo, a trajetória da diplomacia brasileira nas três décadas precedentes. A hesitação também se devia à possibilidade, sempre esperada – e até ansiada pela quase totalidade dos diplomatas profissionais –, de mudança na chefia do Itamaraty a partir da vitória de Biden em novembro, e sobretudo depois de sua posse como presidente, em janeiro de 2021, dado o notório comprometimento das chefias anteriores, do Brasil e do Itamaraty, com o candidato à reeleição que acabara de ser derrotado (ainda que continuando a contestar a aferição dos resultados em diversos colégios eleitorais estaduais até o último minuto da certificação pelo Congresso).

O manuscrito ficou, então, dormitando numa das pastas de trabalhos não terminados de meu computador, aguardando o tal desenlace que não vinha: passou dezembro, passou janeiro, entrou fevereiro, e nada. Dada a aparente “solidez” daquele que eu sempre chamei de chanceler acidental, decidi dar por encerrada a espera de uma aparentemente improvável demissão e de proceder, portanto, à publicação do livro. No entanto, inclusive por razões de suas dimensões já algo avantajadas, resolvi dividir o volume – então constante de duas partes, uma primeira, de natureza histórica-conceitual, chamada justamente de História, e a segunda, conjuntural, chamada Atualidade – em duas obras distintas, cada uma dedicada a essas partes. Os interessados em conhecer a estrutura original do livro, podem consultar o seu índice, tal como composto em 26 de março, colocado numa postagem dessa data em meu blog Diplomatizzando.

A de natureza conjuntural foi então consolidada num pequeno volume digital, cujo título, inicialmente colocado sob a égide do “Itamaraty sob ataque”, foi modificado de conformidade a sugestão do colega de carreira, e escritor prolífico, Miguel Gustavo de Paiva Torres, assumindo então esta identidade: O Itamaraty Sequestrado: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo2018-2021. Ela hoje se encontra disponível em formato Kindle, distribuído no sistema da Amazon (dotado, portanto, de ASIN, mas também de ISBN). Convido os leitores interessados nas desventuras finais do bolsolavismo no Itamaraty a percorrem o índice e o prefácio dessa obra no meu blog Diplomatizzando. Os livros precedentes do ciclo do bolsolavismo diplomático também podem ser acessados no mesmo quilombo de resistência intelectual.

A introdução ao presente volume finalmente publicado reflete, portanto, o “estado da arte” na madrugada do dia 29 de março de 2021, poucas horas antes demissão do chanceler acidental, que não foi exatamente uma surpresa, mas cuja factibilidade se chocava com o apoio irredutível do presidente, como também ocorria com seu colega do Meio Ambiente, o grande responsável, junto com o preposto do Itamaraty, pela péssima imagem do Brasil no exterior. Desconfiando que a mesma teimosia presidencial o manteria no cargo, contra “ventos e marés”, decidi, pois, remeter o novo manuscrito, já limitado à parte conceitual, à Editora Appris. Ao proceder a esta divisão mais racional, não me pareceu que caberia fazer, por dispensáveis, as poucas mudanças de tempos de verbos ou de atualização de datas nos argumentos e comentários relativos ao período bolsolavista da política externa e da diplomacia brasileira; considero que eles se situam num continuum histórico perfeitamente integrados à análise desenvolvida em torno das três últimas décadas das relações internacionais do Brasil, isto é, o “apogeu”, desde a redemocratização até o ano de 2018, quando, como resultado da vitória do primeiro candidato declaradamente de extrema-direita no Brasil, desembocamos na triste fase de “demolição” de ambas, agora parcialmente corrigida, mas apenas na parte da ferramenta diplomática, com o início de uma nova gestão, profissional, no Itamaraty, a partir de 6 de abril de 2021. 

Este livro é mais uma contribuição didática, como são quase todas as minhas obras anteriores, pensada prioritariamente na perspectiva dos estudantes de relações internacionais, dos candidatos à carreira – embora muitas de minhas análises não coincidam com as da diplomacia oficial –, assim como na dos próprios pesquisadores, eventualmente capturados pelo discurso oficial ou por algumas das outras versões correntes nessa área, tendentes a refletir preferências partidárias ou inclinações ideológicas bastante conhecidas nos embates entre movimentos tidos por progressistas ou acusados de “neoliberais”. Se ouso proclamar pelo menos uma de minhas poucas virtudes na área acadêmica, esta seria o ecletismo intelectual, combinado a uma postura racionalista que chamo de ceticismo sadio, ou seja, a de nunca me conformar com a aceitação daquilo que Bouvard e Pécuchet, no célebre dicionário de Gustave Flaubert, poderiam chamar de idées reçues, ou verdades estabelecidas. As minhas não são, justamente, estabelecidas, mas tentativamente construídas ao cabo de um longo processo de leituras, pesquisas, perquirições em torno das realidades existentes e sua confrontação com teorias e teses oferecidas pelas mais diversas escolas de historiadores, economistas, cientistas políticos e outros trabalhadores acadêmicos. 

A carreira diplomática ofereceu-me a excelente oportunidade, que nunca recusei, de combinar o trabalho prático nas frentes negociadoras multilaterais e na representação bilateral com as lides docentes e de pesquisa em arquivos do passado e em gabinetes de atividade corrente. Sou muito reconhecido ao Itamaraty, por me ter aberto janelas conectadas ao mundo, além de vários outros estímulos à reflexão sobre nações e economias, que estão justamente na origem de muitas de minhas obras, certamente dos ensaios de pesquisa, de muitos artigos de conjuntura e de todos os livros acumulados em meio século de aventuras intelectuais. O trabalho de análise de nosso itinerário de dois séculos de diplomacia profissional ainda não está terminado, e a ele, assim como ao percurso do desenvolvimento nacional, pretendo dedicar os próximos anos de labor individual, talvez até oferecendo a promessa do título do prefácio, uma história sincera do Itamaraty. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 18 de agosto de 2021


 Contracapa, ou quarta capa:



 



Orelha: 




Existe algum risco de golpe militar no Brasil? Não, embora o capitão gostaria que ocorresse - Paulo Roberto de Almeida

 Existe algum risco de golpe de Estado por militares no Brasil? Não, mas o capitão está preparando algum. Não conseguirá...

Paulo Roberto de Almeida

Não veja riscos imediatos de o Brasil resvalar para um governo autocrático, ou seja, uma ditadura aberta, em moldes tradicionais; o próprio regime militar, na sua longa duração de duas décadas, se encarregou de “vacinar” o Brasil contra novas incidências desse tipo. Mas é um fato que os últimos dois anos e meio de um desgoverno medíocre e caótico redundaram numa deterioração sensível de muitas das instituições de Estado, bem como da qualidade das políticas públicas de governo. Não existe nenhuma dúvida que o personagem nefasto que ocupa a cadeira presidencial gostaria de se ver dotado ou investido de poderes que a Constituição lhe veda, ou de exercer algum controle sobre as duas outras instituições de Estado, e suas agências especializadas. Entre estas, também é notório que as FFAA, de modo geral, mas o Exército em particular, se envolveram ou se deixaram envolver numa ação de apoio político (e até logístico, quando não eleitoral) que redundaram nessa deterioração institucional que já é evidente e perigosa. 

Os militares, em geral, e determinados setores em particular, atuaram em total contradição com os requerimentos de uma situação em completo descalabro financeiro, buscando e obtendo vantagens corporativas e pessoais que estão em nítido descompasso com o presente estado econômico do país e das contas públicas. O mais surpreendente é, justamente, a subserviência demonstrada em diversos episódios constrangedores aos olhos da opinião pública, quando não da ética e da moralidade política. Esse rebaixamento de padrões já se manifestou em pesquisas de opinião registrando a nítida diminuição e deterioração da imagem geralmente positiva que as FFAA tinham conquistado três décadas depois do final da ditadura militar, da qual elas saíram bastante chamuscadas em seu prestígio e imagem pública, quando não em sua qualidade técnica a serviço da nação. 

Assim como o presente desgoverno não tem precedentes em toda a história do país, não existem registros comparáveis quanto à imagem pública das FFAA, salvo em momentos de comoção política mais forte: revoltas tenentistas do início do século XX, golpe do Estado Novo e implantação de uma feroz ditadura, novamente golpe militar em 1964, com episódios sombrios que mancharam a honra e a reputação das Forças e de seus integrantes – envolvidos em casos de torturas, assassinatos, desaparecimentos, arbítrio e violência, atos de crueldade e de desumanidade raramente vistos em nossa história – e inclusive colocaram certos setores das FFAA numa situação de rompimento com o Estado de Direito e com preceitos claros de natureza constitucional. 

Mas, todos os episódios anteriores tinham um claro contexto de conflitos no próprio tecido social e no sistema político nacional. Atualmente, temos o primeiro exemplo histórico, e espera-se o único e derradeiro, no qual a própria chefia do governo e do Estado se apresenta como o fator de ruptura na normalidade democrática e da quebra de padrões institucionais, sem a conivência das FFAA, mas tampouco com uma atitude de distanciamento crítico que seria de se esperar de comandantes comprometidos com a manutenção de um ambiente de plena vigência do Estado de Direito: as ameaças atuais parte do chefe de Estado e comandante das FFAA, que invoca abusivamente o apoio de que supostamente dispõe nas corporações de defesa e de segurança do país, inclusive com sérias ameaças de quebra de disciplina e de hierarquia. Por algo menos do que isso, os militares se insurgiram em 1963-64, resultando no golpe militar que dividiu o país por mais de duas décadas. O país volta a estar dividido atualmente, e um pouco da responsabilidade incumbe claramente às FFAA. 

Não vejo, portanto, riscos imediatos de o Brasil resvalar para um governo autocrático, ou seja, uma ditadura aberta, em moldes tradicionais; o próprio regime militar, na sua longa duração de duas décadas, se encarregou de “vacinar” o Brasil contra novas incidências desse tipo. Mas é um fato que os últimos dois anos e meio de um desgoverno medíocre e caótico redundaram numa deterioração sensível de muitas das instituições de Estado, bem como da qualidade das políticas públicas de governo. Não existe nenhuma dúvida que o personagem nefasto que ocupa a cadeira presidencial gostaria de se ver dotado ou investido de poderes que a Constituição lhe veda, ou de exercer algum controle sobre as duas outras instituições de Estado, e suas agências especializadas. Entre estas, também é notório que as FFAA, de modo geral, mas o Exército em particular, se envolveram ou se deixaram envolver numa ação de apoio político (e até logístico, quando não eleitoral) que redundaram nessa deterioração institucional que já é evidente e perigosa. 

Os militares, em geral, e determinados setores em particular, atuaram em total contradição com os requerimentos de uma situação em completo descalabro financeiro, buscando e obtendo vantagens corporativas e pessoais que estão em nítido descompasso com o presente estado econômico do país e das contas públicas. O mais surpreendente é, justamente, a subserviência demonstrada em diversos episódios constrangedores aos olhos da opinião pública, quando não da ética e da moralidade política. Esse rebaixamento de padrões já se manifestou em pesquisas de opinião registrando a nítida diminuição e deterioração da imagem geralmente positiva que as FFAA tinham conquistado três décadas depois do final da ditadura militar, da qual elas saíram bastante chamuscadas em seu prestígio e imagem pública, quando não em sua qualidade técnica a serviço da nação. 

Assim como o presente desgoverno não tem precedentes em toda a história do país, não existem registros comparáveis quanto à imagem pública das FFAA, salvo em momentos de comoção política mais forte: revoltas tenentistas do início do século XX, golpe do Estado Novo e implantação de uma feroz ditadura, novamente golpe militar em 1964, com episódios sombrios que mancharam a honra e a reputação das Forças e de seus integrantes – envolvidos em casos de torturas, assassinatos, desaparecimentos, arbítrio e violência, atos de crueldade e de desumanidade raramente vistos em nossa história – e inclusive colocaram certos setores das FFAA numa situação de rompimento com o Estado de Direito e com preceitos claros de natureza constitucional. 

Mas, todos os episódios anteriores tinham um claro contexto de conflitos no próprio tecido social e no sistema político nacional. Atualmente, temos o primeiro exemplo histórico, e espera-se o único e derradeiro, no qual a própria chefia do governo e do Estado se apresenta como o fator de ruptura na normalidade democrática e da quebra de padrões institucionais, sem a conivência das FFAA, mas tampouco com uma atitude de distanciamento crítico que seria de se esperar de comandantes comprometidos com a manutenção de um ambiente de plena vigência do Estado de Direito: as ameaças atuais parte do chefe de Estado e comandante das FFAA, que invoca abusivamente o apoio de que supostamente dispõe nas corporações de defesa e de segurança do país, inclusive com sérias ameaças de quebra de disciplina e de hierarquia. Por algo menos do que isso, os militares se insurgiram em 1963-64, resultando no golpe militar que dividiu o país por mais de duas décadas. O país volta a estar dividido atualmente, e um pouco da responsabilidade incumbe claramente às FFAA. 


Brasília, 18/06/2021

113 anos da imigração japonesa, os nipo-brasileiros - Milena Castro (G1-DF, O Globo)

 Nos 113 anos da imigração japonesa, nipo-brasileiros que moram no DF falam sobre respeito e amor às raízes


Data é celebrada nesta sexta-feira (18). Conheça Takashi Yamanishi, 27 anos, que aos 10 'descobriu' que era brasileiro: 'Meu mundo caiu', diz. Já servidor público de 70 anos reconta chegada de familiares ao Brasil.

Por Milena Castro*, G1 DF
O Globo, 18/06/2021 06h35  Atualizado há uma hora

O orgulho de ser brasileiro e, ao mesmo tempo, o amor e respeito pelas raízes são parte da formação das identidades de dois nipo-brasileiros – descendentes de japoneses – que moram no Distrito Federal. Apesar da diferença de 43 anos entre eles, em comum, carregam os valores e traços culturais do Japão, mas a nacionalidade e o endereço do Brasil.

Nos primeiros anos da infância, o jovem sansei Takashi Yamanishi – neto de japoneses, hoje, com 27 anos – achava que era japonês e, não, brasileiro. Por causa disso, precisou aprender a criar vínculos com o país latino. Já o servidor público Waldemar Hiroshi Umeda, de 70 anos, cresceu sabendo que era filho de imigrantes e que precisava honrar o nome da família na terra estrangeira.

Takashi e Waldemar fazem parte dos mais de dois milhões de japoneses e descendentes que vivem no Brasil. Esse número é uma estimativa feita pela Embaixada do Japão no país. A representação reconhece no país "a maior comunidade nikkei (nome dado aos descendentes e japoneses que moram no exterior) fora do país asiático".

No aniversário de 113 anos do Dia da Imigração Japonesa, celebrado nesta sexta-feira (18), o G1 conta a história de descobertas na vida desses dois nipo-brasileiros. A data marca a chegada do navio Kasato-Maru que, em 1908, atracou na costa brasileira trazendo a bordo os primeiros imigrantes japoneses para trabalhar nas lavouras do país.

Takashi Yamanishi, 27 anos, é estudante de biologia na Universidade de Brasília (UnB) e faz parte da terceira geração de descendentes japoneses. O pai e a mãe dele – ambos filhos de imigrantes – mantiveram presente, na criação do filho, o idioma, a cultura e a culinária do Japão.

O jovem nasceu no Japão. A família estava no continente asiático para que o pai, brasileiro, concluísse o doutorado. Foi quando a mãe de Takashi engravidou. "Vim para cá [Brasil] quando era bem bebê. Só fui fabricado lá", brinca o jovem.

Como nenhum dos pais tinha a nacionalidade japonesa, o recém-nascido foi registrado como brasileiro. Apesar disso, ele lembra que até os cinco anos falava apenas a língua da terra natal dos avós. A imersão na cultura japonesa era tão grande que Takashi achou que era japonês e não brasileiro.

"Até que o meu mundo caiu quando recebi o RG aos 10 anos."

"Era lógico pensar que era japonês. Eu não falava o português tão bem. Só comia comida japonesa, inclusive arroz e feijão não fazem parte da minha rotina. Em relação à cultura e em termos de disciplina, de como se comportar, era voltada para o lado japonês", explica.

Nipo-brasileiro
Na hora de "reconstruir o mundo", Takashi inseriu a identidade brasileira como parte dessa estrutura. O português ganhou espaço no dia a dia e até mesmo o famoso "jeito amigável" característico de quem mora no Brasil passou a fazer parte da personalidade do jovem.

"Fui entendendo melhor sobre a minha identidade japonesa. Vi que era nipo-brasileiro, ou seja, brasileiro com ascendência japonesa, que é uma das identidades que compõem o que eu sou: um lado japonês e outro brasileiro."

Já adulto, Takashi trabalhou por alguns anos como professor voluntário em cursinhos gratuitos e, graças à experiência, descobriu a vocação para ser educador. Como forma de unir a cultura e o amor pela sala de aula, o jovem passou a ensinar japonês em uma escola de idiomas de Brasília.

Na trajetória, acumula ainda a experiência no cargo de presidente da Associação Brasiliense de Ex-Bolsistas Brasil-Japão (ABRAEX), de 2017 a 2020, e mais duas viagens ao Japão relacionadas ao trabalho no ensino do idioma e da cultura japonesa.

Segundo Takashi, a visita ao país asiático mostrou que, mesmo conhecendo bem as raízes, se "sentia um estrangeiro lá".

"Apesar de falar o idioma e entender a cultura, eu tinha umas questões que era fundamentalmente diferentes, como o modo de me comportar. Somos mais amigáveis aqui no Brasil. Lá, a sociedade é mais rigorosa, não tem tanto contato social, e a gente sente uma barreira cultural quando estamos com eles", disse.

Outro morador do DF que também já visitou o Japão é o servidor público Waldemar Hiroshi Umeda, de 70 anos. Ele conta ao G1 que quando esteve no país asiático, relembrou de todas as histórias que ouviu a respeito da imigração dos pais para o Brasil, em 1932.

Após 58 dias de viagem, um navio vindo do Japão atracou no porto de Santos (SP) trazendo seis membros da família Umeda, em busca de uma vida mais próspera no país da América Latina. Após a chegada, o governo local mandou os imigrantes para uma cidade no interior de São Paulo, onde recomeçaram a vida.

No Brasil, o pai de Waldemar conheceu outra imigrante japonesa com quem se casou e teve sete filhos. A família vivia da agricultura até que o pai do servidor público faliu, por causa de uma seca que atingiu a região. O novo destino dos nikkeis foi Brasília. Eles chegaram na capital federal em 1971.

Segundo Waldemar, a partir daquele momento "cada um dos filhos dos imigrantes seguiu seu destino". Na época, o brasiliense tinha 20 anos, e a decisão dele foi ingressar na UnB e, depois, iniciar a carreira como servidor público.

"Ele [o pai] e minha mãe não retornaram ao Japão. Ambos falavam muito das origens deles, mas sempre lembravam que o Brasil é um país próspero. Ele [meu pai] dizia: 'Filho, você não pode esquecer que é descendente de japonês, mesmo sendo cidadão brasileiro. Trabalhe no Brasil sem esquecer das raízes' ”, relembra.

Nome da família
O servidor público conta que, ainda hoje, lembra dos conselhos do pai, que costumava falar sobre a importância de preservar o nome da família. "Dizia sempre: 'procure honrar o sobrenome Umeda, porque se você fizer qualquer bobagem estará sujando o nome também dos seus antepassados' ".

Considerando os conselhos, em paralelo às obrigações do trabalho, Waldemar conciliava a rotina com a vivência da cultura da japonesa, o que resultou em quase 20 anos como membro da Associação Cultural Esportiva e Recreativa Nipo-Brasileira do Distrito Federal – Nikkey.

Foram tantos anos de dedicação e atividades para promover um intercâmbio entre Brasil e Japão que, em 2019, o morador do DF recebeu a comenda "Ordem do Sol Nascente, Raios de Ouro e de Prata". O título foi dado em reconhecimento pela liderança na comunidade nipo-brasileira em Brasília ao longo dos anos.

"Quando recebi a comenda, eu agradeci muito ao meu pai. Eu senti que ele cumpriu a missão de orientar os filhos", afirma. Para o nikkei do DF, ser nipo-brasileiro é uma mistura entre o "orgulho de ser brasileiro e de ser descendente de japoneses".

https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2021/06/18/nos-113-anos-da-imigracao-japonesa-nipo-brasileiros-que-moram-no-df-falam-sobre-respeito-e-amor-as-raizes.ghtml