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sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Disputa Moro-Bolsonaro: episódios de baixa política- Revista Veja

O plano para afastar Sergio Moro da disputa presidencial
Sem saber, Sergio Moro se moveu em direção a uma armadilha na segunda-­feira 27. Uma semana depois de ameaçar deixar o governo por divergências com o presidente Bolsonaro diante da provável divisão da pasta da Justiça, o ministro foi indagado em entrevista ao programa Pânico, da Rádio Jovem Pan, sobre a possibilidade de assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Diplomático, respondeu que achava a perspectiva “interessante” e até “natural” para um ex-­juiz de carreira como ele, mas que a escolha evidentemente cabia ao presidente da República. Se ficaria satisfeito caso essa indicação viesse a acontecer? “Claro”, disse, sem hesitar. Moro também voltou a repetir que não será candidato a nada e que apoiará a reeleição de Bolsonaro. Foram declarações na medida para atenuar as intrigas e suspeitas que levaram ao estremecimento das relações entre o ministro e o presidente durante o primeiro ano do governo. Foi também a senha que alguns esperavam para tirar da gaveta um plano que se propõe a eliminar qualquer possibilidade de Moro disputar uma eleição nos próximos anos.
Pesquisas mostram que o ministro da Justiça, caso decidisse ingressar definitivamente no mundo da política, seria o único nome capaz de bater Bolsonaro nas próximas eleições presidenciais. Moro nega que tenha a intenção de concorrer com o chefe. Chegou a dizer, em tom de brincadeira, que, se necessário, tatuaria na testa “Bolsonaro 2022” para não deixar dúvidas sobre sua postura. O presidente, porém, não acredita nessa convicção — de uns tempos para cá, elegeu o ministro como adversário e ensaiou demiti-lo mais de uma vez, mas foi advertido de que poderia estar disparando um tiro no próprio pé. O ministro é dono de uma sólida popularidade. Recentemente, o PSL, o partido que abrigava Bolsonaro até o fim do ano passado, encomendou uma pesquisa para medir a gestão de Bolsonaro no governo e de Moro no ministério. Resultado: Moro alcança 72% de avaliações positivas, enquanto Bolsonaro fica 40 pontos atrás. Esse cenário reforça teorias e suspeitas de que o ministro tentará voos políticos mais altos. Ao mesmo tempo, desencadeia reações no grupo que não vê essa possibilidade com bons olhos.
NO SUPREMO – A indicação de Moro pode ocorrer em novembroNelson Jr./SCO/STF
Na segunda-feira, logo depois da entrevista, a neutralização de uma eventual candidatura de Moro foi tratada numa conversa entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e lideranças partidárias. Muitos deputados gostaram de ouvir que o ministro ainda vê como uma perspectiva “interessante” a indicação do nome dele para o Supremo. Avaliam que essa pode ser a melhor e mais indolor saída para todas as partes — para o ex-juiz, que chegaria ao topo da carreira, para o presidente da República, que se livraria de um fantasma, e também para uma boa parte do Congresso, especialmente a turma dos enrolados na Lava-Jato e os que repudiam o comportamento de “justiceiro” do ministro. Em novembro, o decano do STF, Celso de Mello, completará 75 anos e será obrigado a se aposentar. Os parlamentares já enviaram recados ao presidente de que a indicação de Moro para a vaga não será um problema, e sim o início da solução. No Senado, onde ocorrerá a sabatina, Davi Alcolumbre, o presidente da Casa, avisou que a indicação seria aprovada com extrema facilidade. Mas ainda restou uma dúvida: o que garantiria que Sergio Moro não usará o próprio STF como trampolim para a carreira política?
Na reunião com as lideranças, Rodrigo Maia apresentou a solução: o Congresso tem na gaveta, pronto para ser votado, um projeto que prevê quarentena de seis anos para juízes e membros do Ministério Público que decidirem deixar a carreira e disputar eleições. Se aprovada, a quarentena abarcaria estrategicamente duas eleições majoritárias (2022 e 2026), quando são escolhidos os governadores, senadores e o presidente da República, e uma disputa municipal (2024). Dessa forma, numa hipótese absolutamente esdrúxula, se Moro assumisse a vaga de Celso de Mello em novembro e renunciasse depois para disputar uma eleição, ele seria imediatamente alcançado pela lei e só estaria apto a concorrer a partir de novembro de 2026. Se o objetivo dele for a Presidência da República, o projeto político terá de esperar até 2030. “Há um sentimento generalizado sobre a necessidade de impedir que agentes públicos se utilizem do poder e se transformem em xerifes, pensando em um capital eleitoral para se eleger”, disse Fábio Trad (PSD-MS), autor do projeto. Ele nega que sua proposta, apresentada no fim do ano passado, seja dirigida a impedir a candidatura de Moro. Na reunião, Rodrigo Maia informou que, assim que terminar o recesso parlamentar, em fevereiro, pretende votar a urgência do projeto, o que significa que ele poderá ser tirado da gaveta e entrar em pauta a qualquer instante. “A estratégia agora é convencer o Bolsonaro a indicar o Moro para o STF”, diz um dirigente partidário que tratou do assunto com Rodrigo Maia.
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Na quarta-feira 29, Moro e Bolsonaro se encontraram pela primeira vez depois da crise que quase resultou na saída do ministro. O clima foi de cordialidade. Parecia estar tudo apaziguado entre os dois — e estava realmente, mas o que poucos sabiam é que horas antes do encontro uma nova confusão quase provocou o rompimento entre os dois. Antes de receber Sergio Moro, Bolsonaro se reuniu com o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem. O presidente confidenciou a assessores que havia decidido trocar o diretor da Polícia Federal, Maurício Valeixo, depois de ver uma foto dele ao lado de Moro e do juiz Marcelo Bretas. Bolsonaro entendeu a imagem, postada nas redes sociais, como uma provocação. Além disso, em agosto do ano passado ele se irritou ao descobrir que havia uma investigação na PF do Rio de Janeiro que supostamente envolveria o deputado Hélio Negão, seu amigo de longa data. Alertado, o presidente vislumbrou indícios de mais uma conspiração contra ele e anunciou que iria trocar o superintendente da corporação no Rio. Chegou a sugerir o nome do substituto, que foi desconsiderado por Valeixo. As baterias de Bolsonaro se voltaram então contra o diretor. Valeixo é um ex-integrante da equipe da Lava-Jato e foi alçado ao cargo pelas mãos de Moro. Na ocasião, o ministro ameaçou deixar o posto caso o delegado fosse demitido. Ramagem, que participou da equipe de segurança de Bolsonaro durante a campanha, iria substituí-lo.
NO CONGRESSO – Maia e Alcolumbre: projeto em caráter de urgênciaJonas Pereira/Ag. Senado
No círculo mais íntimo do presidente há gente que o alerta sobre o perigo que o ministro da Justiça representa e gente que o adverte do perigo ainda maior que ele representaria fora do governo. Dessa segunda turma fazem parte o ministro Paulo Guedes, da Economia, o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, e o general Luiz Eduardo Ramos, secretário de governo da Presidência. Ramos foi o primeiro a saber da intenção do presidente de trocar a direção da PF na manhã de quarta-feira e, prevendo o desfecho que a história poderia ter, decidiu agir. Logo cedo, ele ligou para Guedes, que tinha uma audiência marcada com o presidente. Guedes é ao mesmo tempo o ministro mais próximo de Moro e também um dos principais conselheiros do presidente. Ramos, por sua vez, é considerado um dos mais influentes auxiliares de Bolsonaro. Os dois convenceram o presidente a mudar de ideia.
À tarde, Moro e Guedes foram ao encontro de Bolsonaro no Palácio do Planalto. Segundo um assessor do presidente, não se falou de divisão do ministério nem de demissões na Polícia Federal, muito menos de intrigas e traições. O presidente, ao contrário, elogiou o trabalho do ministro. O ministro, por sua vez, devolveu a gentileza ao ressaltar que abandonara 22 anos de magistratura e decidiu aceitar o convite para o governo por acreditar no projeto do presidente. Depois disso, Bolsonaro contou algumas piadas, e, com a chegada da atriz Regina Duarte, que vai assumir a Secretaria da Cultura, a formalidade sumiu definitivamente. O encontro terminou em uma longa sessão de fotos: Bolsonaro ao lado de Regina, Regina ao lado de Moro, Guedes ao lado de Regina… À noite, o presidente recebeu dois desafetos do ministro da Justiça. Um deles detalhou o plano gestado no Congresso. Bolsonaro ouviu atentamente, mas não fez nenhum comentário.
Publicado em VEJA de 5 de fevereiro de 2020, edição nº 2672

Deirdre McCloskey, por Fernando Schuler

Mais um artigo sobre a grande economista liberal da trilogia sobre as virtudes burguesas.

Deirdre McCloskey no Brasil
Autora da monumental trilogia Virtudes Burguesas, a historiadora Deirdre McCloskey é uma liberal em tempo integral, escreve Fernando Schüler na Gazeta do Povo:


Deirdre McCloskey visita o Brasil nesta semana. Concorde-se ou não com suas ideias, é alguém que merece atenção. Ela é autora de uma trilogia monumental, Bourgeois Virtues, sobre a formação do mundo moderno, e recentemente lançou Why Liberalism Works, com um bom resumo de suas visões, ainda sem tradução no Brasil.

Não faço ideia da razão pela qual a palestra que daria na Petrobras foi cancelada. O que é irrelevante, visto que todos, como sempre, já sabem de tudo, não é mesmo? Mas o episódio me dá uma boa pista sobre como começar explicando quem é a senhora McCloskey.

Em primeiro lugar, é uma liberal em tempo integral. Não brinca com essa história de separar a liberdade econômica das liberdades na cultura e nos costumes. O liberalismo nasce do direito de dizer “não”. Ponto. Seu vértice é a “igualdade de consideração e respeito”. Vem daí seu horror a qualquer forma de reacionarismo, à esquerda e à direita, e seu mau humor com o bolsonarismo. Em especial sua ideia de inflexionar políticas públicas para a “maioria cristã”, real ou imaginária.

O liberalismo, na sua visão, não se situa em um algum ponto intermediário entre esquerda e direita. Socialistas e conservadores gostam do Estado, por diferentes razões. Liberais gostam do fluxo espontâneo da vida. Isso vale tanto para quem quer enquadrar aplicativos de transporte na CLT, padronizar as escolas ou dizer que tipo de arte vale e qual a estrutura “verdadeira” de uma família.

Sua visão do mundo atual contrasta com o catastrofismo reinante em boa parte do universo intelectual. Em 200 anos, diz ela, a renda média cresceu perto de 30 vezes, e a miséria foi virtualmente extinta no mundo avançado. Nos anos recentes, o avanço migrou para o mundo em desenvolvimento. A igualdade cresceu entre os países. Entre o início dos anos 1990 e 2015, segundo dados do Banco Mundial, caiu de 36% para 10% o número de pessoas vivendo abaixo da linha de extrema pobreza, sendo a China a maior responsável por esse resultado.

É no acesso a bens essenciais para o bem-estar, no entanto, que a qualidade de vida e um sentido básico de igualdade vêm avançando mais rapidamente. O Serviço de Estatísticas do Trabalho dos EUA mostrou que “em 1901, um domicílio americano gastava em média 42,5% de sua renda com alimentação, contra apenas 13,2% em 2002”. Os dados são amplamente conhecidos e deixam muita gente nervosa. Eles põem água fria na retórica de que estamos nos tornando uma enorme Gotham City, povoada por palhaços abandonados e bilionários malvados.

Deirdre vai na contramão desse discurso, argumentando que são exatamente políticas de abertura e inclusão ao mercado que vêm retirando milhões de pessoas da miséria, mundo afora. Ela não vê problema na desigualdade econômica ou na multiplicação do número de bilionários, desde que sua riqueza venha da competição, da inovação, da melhora da vida dos outros, e não da captura do Estado.

Perguntei-lhe qual a sua ideia mais original. Ela não pensou muito para mencionar a tese de que é o livre fluxo de ideias e a inventividade humana, não o capital, a geopolítica ou a educação formal, que estão na base da prosperidade.

Seu foco são as ideias e a narrativa. A virada para o século 19 assistiu a uma mutação em vastas regiões da Europa e na América. O homem comum, o padeiro, o comerciante, o inventor de coisas ganhou dignidade, e sucessivas barreiras foram quebradas. Uma narrativa honrando o “inovismo”, termo que ela por vezes usa no lugar de capitalismo, cumpre aí um papel vital. Coisa que vai muito além do terreno econômico, invadindo a cultura, os direitos, o sexo e os estilos de vida.

Deirdre chamava-se Donald e resolveu trocar de sexo, no fim dos anos 1990. Fez de si mesma um exemplo dessas coisas. Seus filhos não a perdoaram. Tem um neto que nunca conheceu. Em algumas noites tristes, costumava estacionar o carro perto da casa do filho mais velho e observar seus amores, solitária. Com o tempo, parou de fazer isso. Tornou-se uma professora bem-humorada com um evidente gosto para desafiar o senso comum. Ela parece saber que, na vida pessoal ou intelectual, a liberdade cobra seu preço. E que é preciso seguir vivendo.

General Santos Cruz: a podridão moral dos olavo-bolsonaristas - J. R. Guzzo

Guzzo não aponta o dedo para os autores, apenas se refere ao escabroso episódio, mas cabe, sim, dizer claramente quem, quais foram os indecentes e criminosos responsáveis por um dos mais abjetos momentos de um governo que chafurda num pântano de intrigas e maledicências.
Os filhos do capitão e aquele guru destrambelhado que se expatriou estão diretamente implicados, com a ajuda de milicianos da guerra eletrônica clandestina, nesse que foi o maior, mas apenas o segundo (antes tinha ocorrido um similar contra Gustavo Bebbiano) episódio de um macabro festival de torpezas de um governo que vive imerso nesse mar de sandices políticas.
Esses personagens são uma espécie de figurantes de baixíssima qualidade de dramas shakespeareanos do submundo das torpezas políticas, algo indigno até para o baixo nível desse ajuntamento de ambições pessoais que se pretende uma administração pública.
O prosseguimento das investigações policiais deveria permitir chegar aos criminosos, mas os seus mandantes já se sabe que são.
Paulo Roberto de Almeida

Guzzo: "Episódios como o do general Santos Cruz são um desastre para o governo Bolsonaro".
Quer dizer que falsários têm acesso ao presidente da República, para lhe mostrar conversas telefônicas de um dos seus ministros não apenas gravadas ilegalmente, mas também falsificadas? J. R. Guzzo, via Gazeta do Povo:

O presidente da República, naturalmente, tem o direito de confiar em quem quer e de desconfiar de quem ele acha que não merece a sua confiança. Tem, como é óbvio, o direito de nomear e demitir os seus próprios ministros, sem ter de pedir licença para o Congresso, o Poder Judiciário ou os outros ministros da sua equipe. Não tem a obrigação, enfim, de explicar por qual motivo nomeou ou demitiu este ou aquele ministro – embora esse tipo de justificativa certamente acabe ajudando a tornar o seu governo e as suas decisões mais compreensíveis para o público pagante.

Com tudo isso, a demissão do general Santos Cruz do cargo de ministro da Secretaria de Governo, em junho do ano passado, permanece um episódio em aberto. Seria melhor, para todos, que estivesse fechado. Mas não está.

Como foi amplamente divulgado na ocasião, vieram ao conhecimento geral, um pouco antes de sua demissão, umas fitas gravadas de conversas pessoais do general Santos Cruz no qual sua voz – ou o que foi apresentado como sua voz – dizia uma série de barbaridades contra o presidente Jair Bolsonaro e membros de sua família.

O general, desde o começo, disse que era tudo mentira. Nunca tinha falado nada daquilo – mesmo porque, no momento em que as gravações foram feitas, ele estava dentro de um avião, isolado do resto do mundo, viajando para São Gabriel da Cachoeira, nos confins da Amazônia. Não adiantou muito, ou não adiantou nada.

O presidente da República, em vez de aceitar a palavra de um oficial general do Exército brasileiro, aparentemente acreditou no que diziam as fitas – anônimas na ocasião e anônimas até agora, do ponto de vista da sua autoria. Nunca, pelo menos, ninguém disse o contrário.

Tudo poderia ficar por isso mesmo se não fosse um detalhe: as gravações foram forjadas. Uma longa perícia da Polícia Federal, que acaba de ser divulgada, comprovou que as fitas com acusações ao presidente Bolsonaro foram uma obra de falsificadores. É uma história para lá de péssima. Quer dizer que falsários têm acesso ao presidente da República, para lhe mostrar conversas telefônicas de um dos seus ministros não apenas gravadas ilegalmente, mas também falsificadas?

Bolsonaro não precisa de gravação nenhuma, verdadeira ou falsa, para demitir um ministro de Estado; basta que não tenha mais confiança nele, ou simplesmente não o queira mais no ministério. Mas do jeito que esta história ficou, não é possível, positivamente, achar que está tudo bem, e que não aconteceu nada demais.

Há um lado escuro no governo do presidente Bolsonaro. Claro que há. Não adianta nada ficar inventando uma “transparência” que não existe em governo nenhum do mundo – por que iria existir aqui? Quem faz este tipo de observação, na verdade bem simples, é normalmente descrito nos círculos do governo, na melhor das hipóteses, como um idiota que não sabe do que está falando. Nos demais casos é classificado como mais um inimigo do presidente e aliado oculto dos que torcem pela desgraça do país.

Não se trata de uma coisa e nem de outra, Trata-se apenas de dizer o óbvio: episódios como o do general Santos Cruz são um desastre para o governo.

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Bolsonaro não acreditou na palavra de Santos Cruz. Acreditou nas fitas e demitiu um ministro que é general do Exército. J. R. Guzzo, em sua coluna publicada pelo Metrópoles:


O general Santos Cruz foi demitido do seu cargo de ministro da Secretaria de Governo, em meados de 2019, por ter dito uma série de coisas horríveis a respeito do presidente Jair Bolsonaro– ou era isso, pelo menos, que aparecia em fitas gravadas de suas conversas. Na ocasião, o general negou que tivesse dito quaisquer dessas coisas. Nem poderia, explicou ele, porque no momento em que foram feitas as tais gravações, estava dentro de um avião, voando sobre a Amazônia, sem contato com o mundo exterior.

Bolsonaro não acreditou na palavra de Santos Cruz. Acreditou nas fitas e demitiu o ministro, pouco depois de ter tomado conhecimento delas. Agora, uma perícia da Polícia Federal prova que as fitas foram forjadas – Santos Cruz nunca disse o que disseram ao presidente que ele havia dito. Como é que vai ficar isso, então?

É perturbador que um ministro de Estado seja demitido de seu cargo com base na violação criminosa de suas comunicações. É mais perturbador ainda que falsificadores de conversas trafeguem nos mais altos círculos da República, a ponto de fornecerem ao presidente Bolsonaro o conteúdo de suas fraudes. É perturbador, enfim, que o presidente prefira acreditar em falsários e não na palavra que lhe foi dada por um oficial-general do Exército brasileiro – e o pior de tudo será que tudo fique por isso mesmo, com a admissão de que há um lado escuro dentro do governo e que este lado pode agir com impunidade, mesmo depois da comprovação de suas ações.


Quem são os falsificadores? Da próxima vez que vierem com um golpe parecido, o presidente da República vai acreditar neles outra vez? Não se trata de pequenas intrigas de palácio – e sim da atividade de uma gangue que forja conversas para obter objetivos claramente definidos. Quem está seguro, se essa gente continuar em ação?

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Voos da FAB: a imoralidade e os abusos continuam - Victor Farias


A FORÇA AÉREA BRASILEIRA FOI TRANSFORMADA EM “UBER”.

Autoridades planejaram 64 voos da FAB com no máximo 3 passageiros em 2019

Congresso em Foco, 29 jan, 2020


O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) demitiu o secretário-executivo da Casa Civil, Vicente Santini, por ter utilizado um voo da Força Aérea Brasileira (FAB) com somente três passageiros para ir de Brasília à Suíça, e, em seguida, à Índia. Apesar de legal, Bolsonaro afirmou que a ação foi "completamente imoral".

Caso isso vire praxe, o presidente terá problemas com outros de seus ministros. De abril a dezembro, foram feitas pelo menos 64 viagens oficiais, utilizando as aeronaves da FAB, com, no máximo, três passageiros previstos. Em três desses deslocamentos, os voos foram para destinos internacionais, sem previsão no decreto que regulamenta o tema.

Uma  das viagens internacionais foi feita pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em 21 de maio. O périplo começou em Brasília, onde pegou um avião às 15h15 para São Paulo. Em seguida, às 19h30, pegou outra aeronave, dessa vez em direção à capital argentina, Buenos Aires, onde participou da XXII Reunião de Ministros de Meio Ambiente do Mercosul. Dois dias depois, retornou a Brasília. A previsão era de três passageiros para os quatro trechos da viagem.

As informações disponíveis no portal de dados do governo não permitem identificar quantas pessoas efetivamente embarcaram nas aeronaves, mas indica quantos passageiros eram esperados para a viagem.

De acordo com a legislação, presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF), pessoas com status de ministro de Estado e comandantes das Forças Armadas têm direito ao benefício. As solicitações de transporte podem ser feitas por motivo de segurança e emergência médica, em viagens a serviço, e, no caso de presidentes de Poderes, deslocamentos para o local de residência permanente.

Estados Unidos e Colômbia

Seis meses depois, em 18 de setembro, Salles embarcou novamente em avião da FAB com destino ao exterior, dessa vez à capital norte-americana, Washington, onde participou de uma série de compromissos com investidores e jornalistas e, depois, seguiu para a Europa em voos comerciais.

Dessa vez, o primeiro trecho da viagem – de Brasília a Cartagena – foi feito acompanhado do presidente do STF, ministro Dias Toffoli. O magistrado foi à Colômbia participar do XXV Encontro Anual de Presidentes e Magistrados de Tribunais, Cortes e Salas Constitucionais da América Latina.

Em seguida, Salles continuou a viagem no avião da FAB. De acordo com a planilha da Defesa, a previsão era de três passageiros.

Outro que viajou para fora do país foi o Comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro Bermudez. Ele foi da capital brasileira a Rionegro, na Colômbia, em 12 de julho, onde participou no dia seguinte da Cerimônia Alusiva aos 100 anos da Força Aérea Colombiana. A previsão era de apenas três passageiros para os trechos de ida e volta.

Nesses noves meses disponíveis no sistema de dados do governo, cinco viagens estavam previstas para serem feitas com somente um passageiro.

Em 5 de abril, por exemplo, estava agendado que o ministro da Economia, Paulo Guedes, viajaria sozinho de São José dos Campos (SP) para o Rio de Janeiro. O mesmo ocorreu no dia 17 daquele mês, com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que foi de Belo Horizonte (MG) a São Luis (MA).

Outros que, segundo a planilha do governo, viajaram sozinhos nas aeronaves da FAB o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, de São Paulo a Brasília, em 23 de maio; o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Jorge Oliveira, de Curitiba (PR) à capital federal, em 21 de setembro; e o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, de Brasília a Canoas (RS), em 17 de dezembro.

Salles lidera viagens

Das 64 viagens com no máximo três passageiros previstos, o ministro do Meio Ambiente foi responsável por 25 delas. De acordo com a planilha, estava previsto que Salles viajasse uma vez sozinho, dez vezes com um acompanhante e 14 vezes com outros dois passageiros.

Em seguida vem o ministro da Economia que teria feito uma viagem só, duas acompanhado de mais uma pessoa e 12 com mais dois passageiros.

Há ainda viagens feitas pelos ministros da Justiça, da Agricultura, da Casa Civil, do Desenvolvimento Regional, da Saúde, das Relações Exteriores, da Controladoria-Geral da União, da Advocacia-Geral da União, além do comandante da Aeronáutica, do comandante do Exército e do Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas.

Procuradas, as assessorias de Salles e Guedes não haviam respondido aos questionamentos da reportagem até a publicação deste texto.

Sobre certas “decisões” do governo - Paulo Roberto de Almeida

Mini-reflexão sobre a natureza caótica de certas “decisões” dessa coisa que passa por governo:

Como sabem muitos colegas e observadores, não tenho qualquer cargo no Itamaraty atual, muito menos do governo, o que aliás me envergonharia muito, tanto um quanto outro. Vou ser claro sobre o assunto do título desta micro-nota: o governo carece, nunca teve, e talvez jamais venha a ter, essa coisa simples que se chama processo decisório, que existe em qualquer governo digno desse nome.
Quem está no poder, ou pelo menos responde por ele, age por instintos, em geral os mais primitivos e toscos, certamente cercado de aspones ineptos e totalmente despreparados para lidar com a política internacional.
A propósito, o Itamaraty não conta para nada em certas “decisões” e a mídia precisa parar de falar coisas do gênero: “o Brasil fez isso”, “o Itamaraty disse aquilo”.
Nem o Brasil, nem muito menos o Itamaraty, aqueles de verdade, têm qualquer coisa a ver com as “decisões” alopradas que saem como se fossem suas.
Não são, e nunca seriam num governo normal, o que manifestamente não temos.
Certas coisas precisam ser ditas e chamadas pelos nomes corretos: quem decidiu certas coisas, geralmente as mais malucas, não foi nem “o Brasil” e muito menos “o Itamaraty”.
A mídia, brasileira e estrangeira, precisa referir-se aos termos exatos: o governo Bolsonaro, os que formulam sua diplomacia.
A execução pode até estar, formalmente, a cargo do Itamaraty. Mas tenham certeza de uma coisa: não foi, não é, nunca seria do Itamaraty. A instituição nunca seria deformada a esse ponto.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30/01/2020

Lula-Bolsonaro: um depende do outro - José Nêumanne

A dupla infernal da política brasileira
Blog do Nêumanne, 27/01/2020

Presidente precisa manter petista em evidência para lhe servir de contraponto na tentativa de reeleição em 2002 e ex-sindicalista tem no capitão seu melhor meio de sobreviver no ostracismo
O ladrão e lavador de dinheiro Lula da Silva perdeu grande parte do capital político com o qual construiu seu império financeiro e seu poderio político, sob cuja sombra sobrevivem a esquerda e os áulicos sem moral nem caráter de todas as filiações partidárias. Não se trata apenas de dependentes diretos, como os que precisam da Bolsa Família para comer, mas também de marajás do serviço público e chefões partidários que catam sobejos (mas não migalhas) com os quais cevam suas proles e azeitam invejáveis patrimônios pessoais que os tornam nababos.

Na periferia dessa sombra de um passado sem glórias, mas com ótimas rendas, ainda há muita gente que depende das graças e da pecúnia amealhada no maior assalto aos cofres públicos da História de nossa triste República e de muitos Estados estrangeiros que desta se aproveitaram. O ex-presidente aprista Alan García meteu uma bala no próprio crânio para não ter de enfrentar a prisão em seu país, o vizinho Peru. Isabel dos Santos, a mais rica mulher da África, beneficiária do roubo do PT em Angola, começa agora a enfrentar as agruras da legislação penal internacional, depois da queda da longeva ditadura comunista sob a chefia de seu pai, José Eduardo dos Santos. A Cuba dos irmãos Castro e a Venezuela de Hugo Chávez e Nicolás Maduro vivem, a duras penas, das esmolas de aliados poderosos e ambiciosos como a Rússia de Putin e a China de Xi Jinping. São os restos do império soviético espalhados por um planeta desgovernado pela cobiça, pela corrupção e pelo medo.

Quando Lula foi preso, em 2018, havia o temor generalizado de que houvesse uma convulsão social no País. Ele mesmo se referia ao tal “exército do Stédile”, que pararia máquinas e veículos e conturbaria as ruas das grandes cidades brasileiras. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, que faz parte da patota que aboliu a jurisprudência do próprio plenário da mais alta cúpula da Justiça, vivia alertando para isso. Lula foi condenado por nove votos a zero por causa da tal cobertura na Praia das Astúrias no Guarujá e não há notícia de alguma greve de monta ou mesmo de manifestação que chamasse a atenção para justificar a quebra de ordem jurídica adotada por seus cupinchas na tal da “alta Corte”, que terminou por mandá-lo de volta ao luxuoso apartamento de São Bernardo do Campo, maior evidência de frutos de rendimentos que não podem ter sido reunidos com salário de operário que nunca trabalhou, sindicalista que vendia greves e dirigente político da era pré-fundões. Só o furto do erário sem fundo pode justificar sua mudança de um casebre de vila operária para o luxuoso edifício.

Mas no meio do enxundioso manifesto que ele dirigiu aos coleguinhas do UOL e foi impresso e divulgado pela Folha de S.Paulo, é possível encontrar um vestígio de sua noção, embora embriagada por libações e bajulações, de que ele contava com uma recepção mais calorosa e relevante ao alcançar o objetivo da campanha “Lula livre”. Preste atenção no que ele disse e entrou no longo texto final de seu lorotário de hábito. “Tem muita gente que fala o seguinte: fiquei decepcionado porque o Lula saiu da cadeia e não aconteceu nada. A grande coisa que aconteceu foi eu ficar livre, o que mais poderia acontecer? As pessoas acham que eu iria fazer comício. Eu saí numa época que não é de fazer comício, é época de Natal, época do Papai Noel. E numa época em que o PT estava em seu congresso interno. Esse país só começa a funcionar a partir do Carnaval, tem uma turma que entra de férias em dezembro e só volta depois do Carnaval.” No meio da desculpa esfarrapada, que seria cômica se não fosse trágica para milhões de brasileiros desempregados nas sarjetas, percebe-se claramente a noção que o macaco velho tem de que não basta sair da jaula do zoológico para assumir o reinado da selva.

Qualquer leitor vacinado contra a fantasia que Lula e seus acólitos usam para iludir incautos encontrará outras causas ainda mais graves para mandar cantar o Te Deum na Sé pela graça alcançada de serem retiradas as mãos peludas das ratazanas do socialismo de rapina dos repositórios da poupança nacional. Essa poupança foi seriamente danificada, mas o que restou ainda é suficiente para atrair a volúpia de gente como a que ele lidera. Um exemplo completo dessa desfaçatez, adotada para buscar um caminho de volta às chaves dos cofres públicos, é a explicação que ele deu para a “descoberta” da salvação do PT pela conquista de evangélicos e desassistidos dos bairros periféricos das metrópoles nacionais.

Disse ele ao UOL: “O que o PT tem que entender é que essas pessoas estão na periferia, oferecendo às pessoas pobres uma saída espiritual. As pessoas estão ilhadas na periferia, sem receber a figura do Estado. E recebem quem? De um lado, o traficante. De outro lado, a Igreja Evangélica, a Igreja Católica”. Lula e os repórteres que registraram esse truísmo vil sabem muito bem que o Estado que abandonou a periferia, chegando ao cúmulo de entregar os pobres a quadrilhas e milícias de bandidos ferozes e desonestos ex-agentes da lei, foi governado durante 16 anos por presidentes filiados ao Partido dos Trabalhadores (PT) – ele mesmo e Dilma Rousseff – e um aliado sem o qual não teriam conseguido mais dois mandatos, o PMDB de Michel Temer. Sem contar a aliança de cúmplices de PP, PR e PCdoB, entre outros da miríade de apoio que conseguiu. E do PSDB, que antes governou oito anos sob a chefia de Fernando Henrique, cujo primeiro cargo político foi obtido com apoio dele e que hoje não esconde de ninguém que a velha simpatia não acabou. Até porque os tucanos trocaram sua oposição de fancaria por grandes propinas.

Apesar de não ter mais importância no cenário político nacional para justificar o espaço concedido, convém reconhecer que Lula pelo menos vislumbrou nele a esdrúxula simbiose que o faz hoje caudatário do projeto político do presidente Jair Bolsonaro. A respeito deste, pontificou: “Acho que tem crítica que ele faz que é correta. Dê a ele o mesmo direito que dá aos outros, direito de falar, abra para ele falar. Na greve dos jornalistas de 1979, os donos de jornais descobriram que não precisavam tanto de jornalistas, que poderiam fazer jornalismo sem precisar do jornalista. Agora, o Bolsonaro está provando que é possível fazer notícia sem precisar dos jornais, da televisão. Ele faz por ele mesmo. Aliás, o Trump já fez escola”. E não perdeu a chance de dar lições a quem lhe desagrada e ao adversário: “O que eu acho é que a imprensa tem que dar informação correta. Se o Lula errou, dê a informação correta. Se Lula caiu, diga que ele caiu. Mas se ele não caiu, não inventa uma mentira. Quando a imprensa mente, ela não está desrespeitando o atingido, ela está desrespeitando o eleitor, o telespectador, o ouvinte, que merece respeito. ‘Ah, eu sou legal porque o Lula fala mal de mim e o Bolsonaro fala mal de mim.’ Vai no estádio para ver quantas pessoas gritam, ao mesmo tempo inteiro, ‘abaixo a Rede Globo, que o povo não é bobo’. Eles não agem como jornalismo, agem com interesse político”. Isso tudo dito por um ex-presidente que tentou calar os críticos que no noticiário rotineiro do dia a dia revelaram ao cidadão enganado a ciclópica dimensão do engano de elegê-lo leva a introduzir o outro lado dessa equação, que está longe de ser uma incógnita.

Lula precisa de um adversário como Jair Messias, porque sem este sua farsa não ficaria de pé. Sem o capitão o ex-sindicalista não teria o inimigo encarnado a abater. Pouco lhe importa se é justamente a sua existência que justifica a do outro. O que vale a pena, para ele, é seduzir quem vê no presidente da República uma ameaça real à possibilidade de voltar ao poder para esvaziar o que ainda resta do erário a ser usado. Bolsonaro foi lançado pela direita que dormiu seu sono de urso desde a queda da ditadura e ressuscitou da noite polar para oferecer a única opção que parecia antipetista. E só venceu por isso. As nesgas de lucidez no porre do ex-presidente parecem indicar que ele sabe que seus aliados dos velhos tempos mantidos em altos postos do Legislativo, do Judiciário e, pasmem, do Executivo não terão suficiente força para erguê-lo de novo ao cume. Enquanto ele continuar aparecendo, Bolsonaro será favorito à reeleição.

Lula depende de Bolsonaro para manter o vampiro em movimento e não perde um segundo de vista que só Sergio Moro poderá fincar nele um letal punhal de prata no peito.

Jornalista, poeta e escritor

(Publicado no Blog do Nêumanne na segunda-feira 27 de janeiro de 2020)

A nação renega seu passado e afunda na mediocridade - Paulo Roberto de Almeida

Nunca antes na história de certo ministério se tinha descido tão baixo na submissão abjeta a interesses não nacionais, como agora contemplado, atitudes que contrariam toda a história quase bissecular de um comprometimento exemplar com relação a princípios e valores de nossa tradição institucional, tanto na monarquia quanto na república, e de respeito a normas consagradas do direito internacional, inclusive em contradição com dispositivos constitucionais. A nação se amesquinha no opróbrio do adesismo sabujo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30 de janeiro de 2020