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sexta-feira, 28 de junho de 2024

Maduro lança operação para manipular eleições diante do risco de derrota nas urnas - Julie Turkewitz e Anatoly Kurmanaev (NYT)

Maduro lança operação para manipular eleições diante do risco de derrota nas urnas

Ditador cria mecanismos para suprimir participação no pleito em meio ao favoritismo de Edmundo González nas pesquisas


Julie Turkewitz e Anatoly Kurmanaev26/06/2024
THE NEW YORK TIMES

Nicolás Maduro, ditador da Venezuela, enfrenta um momento decisivo que determinará o destino de seu governo e o futuro de seu país.

Em 28 de julho, o líder da nação que detém as maiores reservas de petróleo do mundo — e que, no entanto, viu milhões de habitantes fugirem em meio a uma crise econômica esmagadora — enfrentará seu mais difícil desafio eleitoral desde que assumiu o cargo em 2013.

As pesquisas mostram que seu principal oponente, um ex-diplomata discreto chamado Edmundo González, está muito à frente. González é apoiado por María Corina Machado, líder da oposição que cativou os eleitores ao cruzar o país, fazendo campanha para ele com a promessa de restabelecer a democracia e reunir as famílias separadas pela migração.

Do outro lado está Maduro, um operador político habilidoso que, durante anos, superou sua impopularidade inclinando as urnas a seu favor. Ele poderia usar as mesmas táticas para obter outra vitória.

No entanto, há um risco: Ele também pode perder, negociar uma saída pacífica e entregar o poder.
Poucos venezuelanos esperam que ele tome essa atitude. Em vez disso, analistas políticos, especialistas em eleições, figuras da oposição e quatro ex-funcionários de alto escalão do governo de Maduro entrevistados acreditam, com base em seu histórico, que ele provavelmente está pensando em várias opções para manter o poder.

Segundo eles, o governo de Maduro poderia desqualificar González ou os partidos que ele representa, tirando da disputa seu único adversário sério.

Maduro poderia permitir que a votação fosse realizada, mas se valeria de anos de experiência na manipulação de eleições a seu favor para suprimir a participação, confundir os eleitores e, por fim, vencer.

Mas ele também poderia cancelar ou adiar a votação, inventando uma crise — uma disputa latente na fronteira com a vizinha Guiana é uma opção — como desculpa para interromper o pleito.

Por fim, Maduro poderia simplesmente manipular a contagem de votos, segundo analistas e figuras políticas.
Isso aconteceu em 2017, quando o país realizou uma votação para selecionar um novo órgão político para reescrever a constituição.

A empresa que forneceu a tecnologia de votação, a Smartmatic, concluiu que o resultado tinha sido "sem dúvida" manipulado e que o governo de Maduro relatou pelo menos 1 milhão de votos a mais do que o número de votos de fato obtidos.

Zair Mundaray, ex-procurador do governo de Maduro que desertou em 2017, disse que o país havia chegado a um momento crítico. Até mesmo os seguidores de Maduro, acrescentou, "têm clareza de que ele está em minoria".

Independentemente do que Maduro fizer, a eleição será observada de perto pelo governo dos EUA, que há muito tempo tenta tirá-lo do poder, dizendo que quer promover a democracia na região, mas também procurando um parceiro amigável no negócio do petróleo.

Nos últimos meses, o desejo do governo Biden de melhorar as condições econômicas dentro da Venezuela se intensificou, já que centenas de milhares de venezuelanos se dirigiram para o norte, criando um enorme desafio político para o presidente Joe Biden antes de sua própria candidatura à reeleição.

Maduro deixou claro que não tem intenção de perder a eleição, acusando seus oponentes de planejar um "golpe" contra ele e dizendo a uma multidão de seguidores em um evento de campanha que "vamos ganhar por nocaute!" Quando isso acontecer, disse ele, seus oponentes certamente chamarão isso de fraude.

Representantes do Ministério das Comunicações e do Conselho Eleitoral do país não responderam aos pedidos de comentários.

Maduro, 61 anos, chegou ao poder após a morte de Hugo Chávez, fundador do projeto socialista da Venezuela.

Ex-vice-presidente, ele foi escolhido a dedo por Chávez em 2013 como seu sucessor. Mas muitos venezuelanos previram que ele fracassaria, dizendo que lhe faltavam as habilidades oratórias, o conhecimento político, os laços militares e a lealdade pública de seu antecessor. Eles estavam errados.

Maduro sobreviveu a uma crise econômica prolongada na qual a inflação anual chegou a 65.000%; a várias rodadas de protestos em todo o país; a várias tentativas de golpe e assassinato; e a um esforço em 2019 de um jovem legislador chamado Juan Guaidó para instalar um governo paralelo dentro do país.

Ele conseguiu evitar desafios dentro das fileiras de seu próprio círculo interno. Além disso, conseguiu contornar as sanções impostas pelos EUA, fortalecendo os laços comerciais com o Irã, a Rússia e a China e, de acordo com o International Crisis Group, permitindo que generais e outros aliados enriquecessem por meio do tráfico de drogas e da mineração ilegal.

Apesar de seus péssimos números nas pesquisas, "ele nunca esteve tão forte", escreveu Michael Shifter, um especialista de longa data em América Latina, na revista Foreign Affairs no ano passado.
Mas a eleição, realizada a cada seis anos, surgiu como talvez seu maior desafio.

O governo já está tentando manipular a votação a favor do presidente. Os milhões de venezuelanos que fugiram para outros países — muitos dos quais provavelmente votariam contra ele — enfrentaram enormes barreiras para se registrar para votar. As autoridades venezuelanas no exterior, por exemplo, têm se recusado a aceitar certos vistos comuns como prova de residência dos emigrantes, de acordo com uma coalizão de grupos de vigilância.

Especialistas em eleições e ativistas da oposição afirmam que de 3,5 milhões a 5,5 milhões de venezuelanos aptos a votar agora vivem fora do país — até um quarto do eleitorado total de 21 milhões de pessoas. Mas apenas 69.000 venezuelanos no exterior conseguiram se registrar para votar.

Os grupos de vigilância afirmam que negar a um número tão grande de cidadãos o direito de votar constitui uma fraude eleitoral extensa.

Os esforços para minar a votação também estão ocorrendo dentro do país. O Ministério da Educação disse em abril que estava mudando os nomes de mais de 6.000 escolas, que são locais comuns de votação, possivelmente complicando os esforços dos eleitores para encontrar seus locais de votação designados.

Entre os partidos menos conhecidos em uma cédula já complicada os eleitores escolherão entre 38 caixas com os rostos dos candidatos — há um que usa um nome quase idêntico, e cores semelhantes, à maior coalizão de oposição que apoia González, o que pode diluir seu voto.

Talvez a maior maquinação eleitoral de Maduro tenha sido usar seu controle dos tribunais para impedir que a figura mais popular da oposição do país, Machado, concorresse. Mas ela ainda mobilizou sua popularidade para entrar na trilha da campanha com González.

O governo de Maduro, de acordo com a oposição, tem como alvo a campanha - 37 ativistas da oposição foram detidos ou se esconderam para evitar a detenção desde janeiro, de acordo com González.

O monitoramento eleitoral independente será mínimo. Depois que o governo recusou uma oferta da União Europeia para observar a eleição, apenas uma grande organização independente monitorará a votação, o Centro Carter, com sede em Atlanta.

Luis Lander, diretor do Observatório Eleitoral Venezuelano, um grupo independente, disse em uma entrevista que a eleição já se qualificava como uma das mais falhas do país nos últimos 25 anos.

Maduro aumentou os salários dos funcionários públicos, anunciou novos projetos de infraestrutura e aumentou sua presença nas mídias sociais.

A economia melhorou ligeiramente. O presidente também esteve na trilha da campanha, dançando com os eleitores em todo o país, apresentando-se como o avô pateta do socialismo e zombando daqueles que duvidavam dele.

Seu argumento persistente é que as sanções dos EUA estão no centro dos problemas econômicos da Venezuela. O movimento socialista do país, apesar das dificuldades econômicas, ainda é profundo.

Durante seus melhores anos, ele tirou milhões de pessoas da pobreza e tem um poderoso braço de mensagens, com muitos que votarão na causa socialista, mesmo que encontrem falhas em Maduro.
"Não se trata de um homem, mas de um projeto", disse Giovanny Erazo, 42 anos, em um recente evento de divulgação do voto

Outros podem votar em Maduro acreditando que isso trará ajuda para suas famílias. Há muito tempo os leais são premiados com caixas de alimentos.

Mesmo que Maduro sabotasse a votação, não está claro se isso levaria ao tipo de agitação que poderia tirá-lo do cargo.

Pelo menos 270 pessoas foram mortas em protestos desde 2013, de acordo com a organização de direitos humanos Provea, deixando muitos temerosos de sair às ruas. Muitos frustrados com Maduro já votaram com seus pés, fugindo do país.

Caso Maduro não consiga chegar ao fim em 28 de julho, ele poderia trabalhar com González para negociar uma saída favorável, segundo alguns analistas.

O presidente é procurado nos Estados Unidos por acusações de tráfico de drogas e está sendo investigado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade. Ele gostaria de ir para um país onde estaria protegido de processos judiciais.

Mas Manuel Christopher Figuera, ex-diretor do Serviço Nacional de Inteligência da Venezuela, disse que esse cenário é improvável. "Maduro sabe que se ele entregar o poder, embora possa negociar sua saída, o restante desse bando de criminosos não poderá."

Figuera fugiu para os Estados Unidos em 2019, depois de participar de um golpe fracassado lançado por uma facção do partido de Guaidó, o legislador que liderou um governo paralelo.

Luisa Ortega, que atuou como procuradora-geral do país durante os governos de Chávez e Maduro, mas fugiu em 2017 após criticar o governo, alertou contra um "triunfalismo fatal" entre as pessoas da oposição.

"Uma avalanche de votos contra Maduro" poderia derrotá-lo nas urnas, disse ela. "E isso não se traduzirá necessariamente em uma vitória para nós".


quinta-feira, 27 de junho de 2024

Entrevista de Rubens Ricupero sobre a implementação do Plano Real, 30 anos atrás - Luiz Guilherme Gerbelli (Estadão)

Entrevista de Rubens Ricupero, apresentada da melhor forma possível por Mauricio David.

Se o Brasil tivesse tido na sua vida política mais uns dez ou vinte homens públicos da qualidade do diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero, a nossa história teria sido outra... Alguns poucos homens públicos extraordinários tivemos : a começar pelo próprio Ricupero, mas também o Fernando Henrique Cardoso, o Mário Covas, Tancredo Neves, o ex-presidente Juscelino Kubitschek, Celso Furtado, San Thiago Dantas, Oswaldo Aranha nos tempos do Getúlio, Ruy Barbosa e Joaquim Nabuco e alguns poucos mais... Do lado de gente com o perfil mais liberal-conservador, não posso deixar de mencionar Carlos Lacerda (tão odiado pela esquerda brasileira, mas que político extraordinário !, estou acabando de reler a biografia dele escrita pelo historiador americano John W.F. Dulles, que magnífico livro ! que homem político !), e o Lott – o soldado de ferro !, a história do Brasil seria outra, se tivesse sido eleito Presidente em 1960. Posso esquecer o único “santo” brasileiro, de certa forma um homem da Igreja que a aproximou dos pobres ? (dom Hélder Câmara). Mas se a nossa história nos legou estes homens públicos, por que haveríamos de desesperançar de que o futuro não nos possa trazer mais gente com um perfil extraordinário como destes ?

Recomendo muitíssimo esta entrevista do embaixador Ricupero publicada pelo Estadão e reproduzida abaixo. Um dos homens de ouro da diplomacia brasileira, oblato da Ordem dos Beneditinos ! (como me confirmou faz poucos dias em um e-mail que me enviou)-, me lembra um daqueles políticos japoneses que preferem se suicidar em público por pequenos deslizes cometidos na vida pública. Se todos os políticos brasileiros tivessem o comportamento do Ricupero ( e de imitar os políticos japoneses...), o Brasil certamente correria o risco de ficar despovoado, mas o ar pelo menos seria mais respirável...

MD

Eis a entrevista que mencionei acima : 

Real 30 anos: ‘Caí porque disse muita bobagem’, diz Rubens Ricupero

Escolhido por Itamar Franco para substituir Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, Ricupero fez a transição da URV para o Plano Real; sua queda foi polêmica com o chamado escândalo da parabólica

Foto do author Luiz Guilherme  Gerbelli

Por Luiz Guilherme Gerbelli

Entrevista com Rubens Ricupero  -  Ministro da Fazenda durante a implementação do Plano Real 

O Estado de S. Paulo, 27/06/2024

 

..”E ele me respondeu com uma frase dessas que têm de ser interpretadas. Me disse: “Nós examinamos todas as opções. E o senhor é a única alternativa”. Não quer dizer muita coisa, mas eu deduzi que ele não queria um economista da equipe nem alguém ligado ao Fernando Henrique. Ele queria alguém que devesse o cargo a ele. Talvez, com a ideia de que poderia influir mais.”

 

...” um desses gurus, o Nizan Guanaes, que eu nem conheço pessoalmente, falou com os meus colegas e disse: “O real precisa ter uma cara. Vocês pegam esse velhinho - eu tinha 57 anos, hoje, tenho 87 -, enquadram na televisão - e ele explica.”

 

... “O Palácio é muito traiçoeiro”...

...” escapar da chamada armadilha dos países de renda média. O Brasil está preso nessa armadilha. Só sai se crescer 30 anos numa velocidade de cruzeiro, mas não vai crescer se voltar a política Dilma Rousseff. Ele vai crescer com responsabilidade e é, claro, que também com consciência social e atento aos que precisam mais. 

Ao lado de Itamar FrancoRubens Ricupero tem uma das imagens mais emblemáticas do Plano Real. Em 1º de julho de 1994, o então presidente e ministro da Fazenda, respectivamente, esticaram as novas notas para os fotógrafos. Era o início da circulação da nova moeda.

Ricupero assumiu o comando do Ministério da Fazenda com a saída de Fernando Henrique Cardoso, que deixou o cargo para participar da eleição presidencial de 1994. Coube a Ricupero, então, comandar a transição da URV (Unidade Real de Valor) para o real. 

“Eu deduzi que ele (Itamar) não queria um economista da equipe nem alguém ligado ao Fernando Henrique. Ele queria alguém que devesse o cargo a ele. Talvez, com a ideia de que poderia influir mais”, afirma.

A passagem de Ricupero pelo Ministério da Fazenda foi curta. E sua saída polêmica. Em setembro, caiu por causa de um áudio vazado numa entrevista para a TV Globo - no que ficou conhecido como “escândalo da parabólica”.

“Eu disse assim: ‘Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura. O que é ruim a gente esconde.’ Eu disse isso, mas ninguém se deu conta que eu estava fazendo o contrário. Eu estava escondendo o que era bom para mim”, diz.

Ao olhar para trás, quase 30 anos depois da sua queda, Ricupero diz que seu deslize foi “imperdoável” e que disse muita bobagem. “Eu estava apenas dando mostra de uma vaidade pueril de criança. Mas eu saí. Pedi desculpas em público e assumi plenamente a responsabilidade.”

A seguir Ricupero relembra a sua passagem pelo Ministério da Fazenda:

Como foi o convite para o sr. ser ministro?

Quando estava se aproximando a eleição, o Fernando Henrique tinha de tomar uma decisão, de sair do governo seis meses antes. Ele se decidiu no fim de março de 1994. Aí o Itamar me chamou e me convidou. No início, eu disse a ele: “Por que o senhor não convida o Edmar Bacha, o Pedro Malan, que são membros da equipe? Eu mal sei o que é essa URV (Unidade Real de Valor). A única coisa que eu sei é o que saiu nos jornais. Eu não tenho muito conhecimento disso.”

E qual foi a resposta do Itamar quando o sr. sugeriu esses nomes?

E ele me respondeu com uma frase dessas que têm de ser interpretadas. Me disse: “Nós examinamos todas as opções. E o senhor é a única alternativa”. Não quer dizer muita coisa, mas eu deduzi que ele não queria um economista da equipe nem alguém ligado ao Fernando Henrique. Ele queria alguém que devesse o cargo a ele. Talvez, com a ideia de que poderia influir mais. Não sei. Não me deu as razões. Eu perguntei a ele o que queria que eu fizesse. Ele disse que queria que aplicasse o plano com a equipe que esta aí. Essa frase foi muito valiosa para mim.

Por quê?

Várias vezes, durante o tempo em que eu fui ministro, ele queria interferir. E ele nunca aceitava conversar com a equipe. Só conversava comigo. Ele era um homem de índole generosa. Ele queria aumentar o salário mínimo. Havia campanha dos militares, dos funcionários civis (por aumento de salários). Ele queria atender a todos esses pedidos. Eu dizia a ele: “Olha, presidente, eu compreendo. Eu sei que o senhor tem razão. Essas pessoas também precisam de aumento, mas nesse momento não dá, porque o Orçamento já está no limite extremo. O senhor se lembra daquilo que me falou?”. Ele disse: “Não. O que eu lhe disse?”. “O senhor me disse que queria que eu aplicasse o plano com a equipe que está aí. Se eu fizer o que o senhor está me mandando agora, eu não vou ter nem plano nem equipe, porque o plano acaba e a equipe vai embora. Eles não vão aceitar uma interferência política”. Aí ele desistia.

Ele fazia muita pressão?

Muito. As pessoas queriam, por exemplo, o aumento da Polícia Federal. O ministro da Justiça ia falar com ele. Aumento dos militares. Os ministros militares falavam com ele. Eu tinha de fazer o papel do mal, de dizer que não pode, porque não tem dinheiro. Nós tínhamos de ter uma situação do Orçamento que fosse no mínimo mais ou menos equilibrada. O Fundo Monetário (Internacional) foi contra o Plano Real, porque eles queriam que nós fizéssemos um superávit de 2% do PIB. O governo americano pensava a mesma coisa, mas nós não tínhamos condições políticas. Agora, se começássemos a ceder, aí não teríamos condição nenhuma, inclusive, porque os economistas da equipe não aceitariam. Desde o primeiro momento, eu vi que a única chance de o real dar certo, era eu resistir às pressões. Agora, com isso, eu me desgastei muito. Ele (Itamar) reunia, às vezes, cinco, seis ministros contra mim. Todos os ministros militares, ministros da Casa Civil. Então, eu tinha de ficar horas e horas argumentando. Nem posso dizer o que foi a tensão.

E qual foi a sensação do sr. de entrar na equipe com o plano em andamento?

Ingenuamente, eu achei que o plano era como uma planta de uma casa. Tudo já desenhado, com datas. Não era nada disso. Havia algumas ideias gerais, mas muita coisa estava sendo feita. A URV tinha acabado de ser lançada. Num dia, à noite, eu reuni a equipe na minha casa e eu perguntei a eles quando iria ser o Dia D, o dia do lançamento da moeda física. A URV era uma moeda contábil. Não existia no bolso das pessoas. E eles disseram que não tinham pensado nisso. Eu vi que alguns queriam esperar mais de um ano, porque eles queriam que as pessoas se acostumassem com a URV. Eu disse que, se é para esperar um ano, quem vai lançar essa moeda é o Lula. O Lula estava com 40% (das intenções de voto) nas pesquisas, o Fernando Henrique não chegava nem a 16%. O Lula já tinha declarado várias vezes que era contra o real. Então, se ele fosse eleito, acabaria esse plano. Nós teríamos de lançar a moeda, não tem como adiar. E eu perguntei quanto tempo eles precisariam, o mínimo dos mínimos. Eles disseram três meses.

Quando foi isso?

Final de março e começo de abril. Eu fui falar com Itamar. Ele bateu o martelo. Nós marcamos 1º, 2 e 3 de julho (datas de feriado bancário). E aí preparou-se o real. Mas aí eu constatei outra coisa. Pedi a dois colegas que trabalhavam comigo, o Marcos Galvão, agora, embaixador em Pequim, e Gelson Fonseca, um diplomata já aposentado, que fossem ao Rio, a São Paulo, e a Belo Horizonte e conversassem com donos de empresas de opinião pública, os marqueteiros políticos. Pedi que perguntassem qual era a imagem do real, e eles voltaram e me disseram: “Todo mundo tem uma boa impressão. Dessa vez, parece um plano sério. Agora, ninguém sabe o que é essa coisa misteriosa, a URV. Ninguém entende se ela vai ficar, se vai coexistir com a moeda, se, em algum momento, desaparece e entra a moeda, como vai ser a conversão da URV para nova moeda, qual vai ser a taxa, quanto tempo”. Não era propaganda, mas alguém tinha de dizer isso para a população. Inclusive, um desses gurus, o Nizan Guanaes, que eu nem conheço pessoalmente, falou com os meus colegas e disse: “O real precisa ter uma cara. Vocês pegam esse velhinho - eu tinha 57 anos, hoje, tenho 87 -, enquadram na televisão - e ele explica.”

E qual foi a reação do sr.?

Eu disse que achava uma boa ideia, mas que iria falar com o Itamar. Fui falar com o Itamar. Ele achou a ideia muito boa, mas ele disse que “o senhor é que vai ter de ser a cara do real”. Ele tinha razão, porque, se o real tivesse fracassado, a culpa era minha. E aí mudava o ministro da Fazenda. Agora, se fracassasse com a cara dele, era mais complicado.

E como foi lidar com a equipe já montada?

Nunca tive problema. Eu conhecia quase todos da equipe. Um ou outro que eu não conhecia. Eu tinha dado uma declaração, porque falava-se muito do reajuste dos funcionários civis da União. Sou funcionário público aposentado. Naquela época, era funcionário da ativa. Eu disse uma coisa qualquer que dava a entender que eu era favorável a um aumento. A equipe ficou muito aborrecida, porque eles se sentiam um pouco desamparados. Me fizeram sentir isso. Eu pedi desculpas. E, a partir de então, eu nunca mais tive nenhum deslize com eles, porque percebi que o sucesso do real dependia da equipe. Fiquei unha e carne com a equipe. E eles foram muito leais a mim.

O que pensou em 1º de julho, data do lançamento da moeda?

Eu acordei de madrugada. Quis ser um dos primeiros a chegar ao Palácio. Eu fui falar com o chefe da Casa Militar. Eu disse a ele: “General, eu vou pedir ao senhor um favor. Na hora que o senhor descer para esperar, o presidente - ele entrava pela garagem -, eu quero ir com o senhor. Eu quero preveni-lo, porque tem gente que vai ficar na sala de espera para encher a cabeça dele de coisas para mudar. Ainda dá tempo de fazer uma nova edição do Diário”. Eu tinha essa experiência. O Palácio é muito traiçoeiro. Eu fui e fiquei lá. Quando ele (Itamar) veio, eu o chamei para um lado e disse: “O senhor vai encontrar na sua sala fulano, sicrano e beltrano. Eles vão lhe dizer tal coisa. Tudo isso é falso. O senhor, por favor, não aceite, porque nada disso vai contribuir. Ao contrário, vai atrapalhar muita coisa”. Quando ele subiu, já estava vacinado. O pessoal foi lá e não adiantou nada. Então, eu estava aliviado. Eu fui com ele para a agência da Caixa Econômica, do Palácio do Planalto, onde trocamos as primeiras moedas. Tem as fotografias da época.

A saída do sr. do ministério foi bastante traumática. Poderia relembrar?

Eu acabei caindo por culpa minha naquele episódio da parabólica. Me subiu à cabeça. Naquele dia, eu estava preocupado, porque a moeda tinha entrado em vigor há dois meses, e a inflação tinha caído, mas não tanto como se esperava. A inflação tinha sido o dobro do que a equipe tinha estimado. Naquele dia fatídico, 1º de setembro de 1994, resolvi fazer uma grande ofensiva para convencer a opinião pública que aquele problema da inflação, no início, era uma ilusão. Era um problema de metodologia. Todos os índices de medição da inflação no Brasil faziam a coleta de preços do dia 15 ao dia 15. Como a moeda foi lançada no dia 1º (de julho), todos os índices já vinham com 15 dias do passado. E aquilo se perpetuava. Não era um momento real, tanto assim que nós ficamos alarmados, porque houve um número tão grande de compras de eletrodomésticos. Começou a faltar produto. Eu queria convencer as pessoas que aquilo ia cair. E aí é que eu me perdi.

Por quê?

Eu fiquei achando que aquilo dependia de mim. Me envaideci muito. Fui a Pernambuco, e as pessoas vinham me beijar a mão. Eu fiquei assustado. Nesse dia (1º de setembro), eu acordei de madrugada. Dei 24 entrevistas para rádio, rádio sertaneja, televisão, revistas, correspondentes estrangeiros. Fiquei o dia inteiro dando entrevista. Não fiz outra coisa. Nem almocei nem jantei. No fim do dia, estava exausto. Era uma sexta-feira, um dia de fim de seca, um calor daqueles terríveis em Brasília. Eu estava no meu gabinete com a luz apagada. Tinha só uma luzinha vermelha na câmera. Eu não sabia que estava captando. Era uma entrevista para aquele programa, para o último jornal da Globo, aquele do final do dia. E estava esperando, e estava conversando. Não estava dando entrevista. Durante 19 minutos, eu só disse asneiras, bobagens de todo tipo, de que eu era o tal. Mas tudo isso era bobagem. Não era nada de grave. Era vaidade boba.

Mas uma hora eu cometi um deslize que foi imperdoável. O repórter me perguntou: “O senhor não acha que essa moeda já fracassou como as outras?. A taxa de inflação saiu um pouco mais alta”. Eu disse: “Olha, eu tenho certeza que não, porque os preços que já foram coletados nos 15 dias e os indicativos que vem agora mostram que a inflação está caindo de uma maneira drástica. Alguns economistas até acham que é capaz de dar alguma coisa perto do zero. Só que eu não posso dizer isso”. Eu tinha uma combinação com a equipe, de que só (falar) quando eu tiver todos os dados do mês fechados. Se a gente começa a dar os dados da semana, depois tem de ser dados diários. Eu disse assim: “Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura. O que é ruim a gente esconde”. Eu disse isso, mas ninguém se deu conta que eu estava fazendo o contrário. Eu estava escondendo o que era bom para mim, porque ele disse vamos dar isso, porque vai ser um furo da reportagem’. Eu disse eu não tenho escrúpulo, mas tem o problema da equipe. Eu tenho de conversar com eles. Vou falar com eles, depois eu te digo.

E o que sr. pensa hoje em dia sobre o episódio?

Eu não tenho explicação. Hoje em dia, quando eu vejo aquilo, eu não me reconheço. Eu nunca fui assim. Ainda bem que eu também não disse palavrão nenhum, porque eu nunca digo palavrão. Mas eu disse muita bobagem. Muita bobagem. E acho que as pessoas ficaram chocadas quando viram. Eu fui para casa e aí veio me ver o meu colega, que era o meu braço direito, o Sergio Amaral. Ele faleceu há pouco tempo. E ele me contou o que tinha acontecido. Eu me senti péssimo

E como foi com o Itamar?

No dia seguinte, eu telefonei ao Itamar. Ele não sabia de nada. Eu contei a ele. No início, ele achou que não era tão importante, de que não era tão grave. Eu disse que estava colocando o cargo nas mãos dele e que não podia ficar mais, porque eu perdi a credibilidade, apesar de que eu não estava confessando nenhum crime. Não estava mentindo. Eu estava apenas dando mostra de uma vaidade pueril de criança. Mas eu saí. Pedi desculpas em público e assumi plenamente a responsabilidade. Nunca em minha vida tentei passar a culpa. Deveria haver mais gente no Brasil capaz de assumir a responsabilidade, pedir desculpas e assumir as consequências dos erros.

Sai da vida pública. Depois, eu refiz a minha vida, porque eu fui para a Unctad, mas eu fui eleito pela assembleia da ONU. Não fui nomeado pelo governo brasileiro. Fiquei lá 10 anos na ONU. Eu era subsecretário da ONU e secretário-geral da Unctad. Só voltei ao Brasil em 2005. Nunca mais quis ter nada a ver com a vida pública.

E qual é o balanço do Plano Real que o sr. faz?

Se nós não estamos no ponto em que está a Argentina é por causa do Plano Real. Eu fui um dos muitos que contribuíram. É uma luta que não termina nunca, porque a gente vê, por exemplo, esse governo, às vezes, tem aquela tentação (de gastar). Na época da Dilma, a inflação chegou de novo a quase 12%. A gente tem de segurar isso com todo o esforço. Eu aplaudo o ministro da Fazenda (Fernando Haddad), que é um homem corajoso. Está fazendo um belo trabalho. Está sendo solapado pelo próprio partido. Por que nós somos diferentes da Argentina? Porque nós temos moeda. Eles ainda têm de fazer todo esse esforço. Segundo, nós não temos estrangulamento externo. Temos reservas e um número grande do saldo comercial. Eu acho que nós temos uma base para seguir em frente. Nós não chegamos lá. Eu acho que ficou faltando a segunda metade, que é a parte fiscal.

Por que a parte fiscal é tão difícil de ser resolvida?

Nós não conseguimos incutir nas pessoas a responsabilidade fiscal. A gente vê nos políticos a tendência de aprovar medidas desastrosas. Essa do quinquênio é inacreditável. É o pessoal que mais ganha no Brasil e ainda quer ter um quinquênio. É quase de desesperar, de chorar. Num país com tanta pobreza, tanta dificuldade, as pessoas querem se locupletar com salários ultrajantes. Nós ainda não aprendemos o mínimo da responsabilidade fiscal.

O Brasil precisaria de um novo Plano Real para as contas públicas?

Nesse caso, eu não sei se seria um plano Real. Eu acho que se o Brasil não aprender isso, se o Legislativo e o Judiciário, junto com o Executivo, não tiverem a noção de que você não pode indefinidamente aumentar a dívida pública, nós nunca vamos sair desse voo de galinha que nós estamos. O primeiro desafio é o desafio orçamentário, da responsabilidade fiscal. O segundo desafio é escapar da chamada armadilha dos países de renda média. O Brasil está preso nessa armadilha. Só sai se crescer 30 anos numa velocidade de cruzeiro, mas não vai crescer se voltar a política Dilma Rousseff. Ele vai crescer com responsabilidade e é, claro, que também com consciência social e atento aos que precisam mais.

 


"Latin America and the Cold War" - Call for papers (Agenda Política)

CFP: Approaching Deadline - "Latin America and the Cold War"

Call for Papers
Date: 

Recent studies on Latin America’s Cold War have significantly advanced our understanding of the region and its historical, political, economic, and social dynamics during the Cold War period. These studies, based on new sources from public and private archives in Latin America, the United States, the Soviet Union, and other countries as well as international organizations, have challenged simplistic narratives of the Cold War as a binary conflict between the United States and the Soviet Union. They have also highlighted the agency of Latin American governments and local actors by revisiting familiar Cold War events and shedding light on new themes such as the role of culture, ideology, gender, and race.

We invite scholars and experts to contribute to our special issue about Latin America’s Cold War. We are particularly interested in original articles drawing on research from Latin American and former Third World countries’ archives, on subjects such as (but not limited to):

  • The role of Latin American governments and local actors in the global Cold War
  • Popular interpretations and adaptations of Cold War ideologies
  • Relations with Non-Aligned and Third World movements / countries
  • Gender and sexuality in the making of domestic and foreign policies
  • Race and Ethnicity
  • Moderate and reformist political forces during the Cold War
  • The role of experts and technicians 
  • Impact of modernization and development ideologies
  • Coordinated efforts to reform inter-American relations
  • Economic history of Latin America during the Cold War
  • Cultural and artistic expressions reflecting and influencing Cold War tensions

 

Deadline for submissions: August 20, 2024

Submission Information

Submissions will be double-blind peer-reviewed and selected articles will be published in a special issue of the journal Agenda Política by December 2024. Please submit your article to the Submission Portal.

Articles should be between 6,000 and 9,000 words in length. All submissions must be in English, Spanish or Portuguese. Please include an abstract (no more than 1000 characters with spaces) and a list of up to five keywords. Additional information can be found here.

Agenda Política (ISSN 2318-8499) is a journal edited by the researchers of the Graduate Programme in Political Science at the Federal University of São Carlos, Brazil. It publishes original articles in Political Science, International Relations, and related fields. All submissions undergo editorial and double-blind reviews based on relevance, clarity, and theoretical-methodological consistency. Agenda Política is an open access journal and does not charge any fees for submitting, processing and publishing articles.

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Guest Editors
     Renato Ferreira Ribeiro (University of São Paulo, Brazil)
     Alessandra Beber Castilho (Federal University of Goiás, Brazil)
     Natali Cinelli Moreira (University of São Paulo, Brazil / King’s College London, United Kingdom)

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Persio Arida: entrevista excepcional; comentada pelo Maurício David ficou ainda melhor: na ordem inversa

Comentário inicial do Mauricio David: 

 My God ! O Pérsio com 70 anos ! (porque me admiro, se eu próprio já estou com 77, à dois meses e meio de completar 78...). Conheci o Pérsio a começos da década dos 80, quando ambos estávamos trabalhando na PUC/RJ ( o Pérsio no Departamento de Economia, eu em uma instituição nova e pioneira que havíamos criado um grupo de ex-exilados, o IRI-Instituto de Relações Intenacionais). No IRI tudo era precário nesta época e tínhamos pouquíssimos – ou quase nada- recursos, então o Bacha e o Malan articularam para que eu desse aulas no Departamento de Economia para fechar o final do mês... Nesta época eu estava com uns 34/35 anos, o Pérsio devia ter uns 28... Cara de garoto, casado com uma gringa (Suzy, se mal me recordo...) que trouxe dos Estados Unidos. Eu tinha uma amiga/colega/aluna, Wanda, que se tornou muito amiga do Pérsio, estavam sempre de papo na hora do lanche e do cafezinho (me dava até ciúmes...). Ela tinha adoração pelo Pérsio. Descobriu nele qualidades que eu ainda não antevia... Neste período, o Pérsio “estourou” no mundo acadêmico com o famoso paper “Larida”, escrito com outro “garotão”, o André Lara Resende. O paper Larida foi a base do futuro Plano Real, creiam... Éramos todos gênios, e não sabíamos... Anos depois, muitos anos depois, li um depoimento escrito pelo Pérsio sobre a sua prisão em São Paulo, êle estudante ainda, quando militava no grupo armado da VPR-Vanguarda Popular Revolucionária. Muito interessante o depoimento do Pérsio sobre a sua prisão, me emocionei muito quando o li quando o Pérsio o publicou. Depois o Pérsio se reciclou, seguiu para uma interessante intersecção entre o mundo acadêmico e o financeiro, virou banqueiro, fundou um banco (BTG, depois outro BTG Pactual), tornou-se um economista super-respeitado. Trajetória excepcional, assim como a do André Lara Resende, do Gustavo Franco, do Malan e do Bacha. Não me canso de repetir, éramos felizes e não sabíamos...

Esta entrevista do Pérsio sobre os 30 anos do Real é muito interessante, merece ser lida com atenção. É uma das melhores coisas que li sobre este período em que eu mesmo estava fora do país pela segunda vez, fazendo meu doutorado em Paris. Em Paris convivi por um tempo com uma pessoa com que fiz grande amizade, a Loris – irmã de uma amiga minha, cunhada de um grande amigo-irmão – que era muito amiga do Pérsio (haviam convivido juntos no movimento estudantil e na VPR). Ela adorava o Pérsio. Aprendi na vida que quando as pessoas são adoradas, por algo de bom será. Lamentavelmente, a Loris morreu muito precocemente, algum anjo celestial (se eles existirem...) deve ter se apaixonado por ela e a levou para o espaço celestial. Nem sei se o Pérsio chegou a saber disto, mas se não, que saiba que a Loris simplesmente lhe queria muito, muitíssimo...

MD

P.S.: O Castro (Antonio Barros) gostava também muito do Pérsio, creio que fizeram amizade em uma estadia de ambos nos Estados Unidos...Certa vez, creio que lá pelos anos 80 ou 81, o Castro reuniu um grupo d economistas para conversas com o Pérsio sobre a “Teoria das Expectativas Racionais”, que estava “bombando” nos Departamentos de Economia das universidades americanas. O Pérsio estava chegando dos Estados Unidos e estava com uma visão muito derrotista sobre a massacre avassaladora das Expectativas Racionais nos departamentos de economia das grandes universidades americanas. Super-inteligente e articulada a palestra do Pérsio sobre o que estava acontecendo nos centros hegemônicos do pensamento econômico americano. Sem nenhuma pretensão extraordinária da minha parte, confesso que a exposição do Pérsio não me convenceu, creio que a sua visão de mundo se restringia ao mundo americano, quase que exclusivamente. Não sei quem estava certo, se o Pérsio em sua análise derrotista, ou se eu, na minha visão mais esperançosa e otimista. Do lado prático das coisas, a história deu razão ao Pérsio... Mas, como dizia o meu amigo e mestre Darcy Ribeiro, eu não estaria feliz se estivesse do lado dos vencedores...

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“Precisa mesmo de uma reforma administrativa estrutural, mas sei que o tema é tabu. A melhora da máquina pública é um processo que leva uma década ou duas, mas vai na direção de ter um Estado eficiente. O debate não é se o Estado deve ser grande ou pequeno. O Estado tem que ser necessário e eficiente. Não temos isso.”

“O Brasil tem tudo para liderar o processo de transição energética no mundo, mas precisa de um plano, uma visão. Tem o Europa 2030, que é um plano. Os Estados Unidos optaram por subsídios maciços à inovação. Você pode questionar qual dos dois é melhor, mas claramente eles têm planos. O Brasil não tem. É inacreditável.”

(da entrevista do Pérsio na FSP de hoje, 26 de junho, sobre os 30 anos do Real)

Governos do PT interromperam modernização prevista pelo Plano Real, diz Persio Arida 

Apesar da frustração com medidas econômicas, ele afirma que preservar a democracia é fundamental e não se arrepende do voto anti-Bolsonaro 

Alexa Salomão

Oxford

Apesar de ter sido concebido para combater a hiperinflação, o Plano Real tinha uma visão mais ambiciosa, a de tonar o Brasil um país moderno e eficiente, afirma o economista Persio Arida, um dos formuladores do programa de estabilização que completa 30 anos. Mas essa proposta, avalia ele, foi interrompida nas gestões do PT.

"O Real, diferentemente de muitos planos de estabilização, tinha uma visão de futuro compartilhada por todos nós. Eu diria que as bases de um Brasil mais moderno foram todas consolidadas naquele momento", afirma.

"Houve uma série de frustrações do ponto de vista do que seria ideal, um retrocesso e uma interrupção de vários aspectos desse projeto modernizante de país nos mandatos do governo Lula."

Na avaliação de Arida, agora é preciso um esforço para recuperar parte daquela agenda e promover uma revisão do sistema de gastos e a melhoria da máquina pública.

"O debate não é se o Estado deve ser grande ou pequeno. O Estado tem que ser necessário e eficiente. Não temos isso", diz o economista à Folha.

Olhando agora, 30 anos depois, por que o Plano Real deu certo depois de tantos planos frustrados?

O Plano Real teve uma arquitetura de transição da alta para baixa inflação que foi original, não só para a história brasileira como internacionalmente. Foi "made in Brasil" mesmo.

Mas, tão importante quanto o desenho, faz diferença quem implementa, e nisso houve uma característica única. Fernando Henrique Cardoso, como ministro da Fazenda, era, de um lado, intelectual e, do outro, articulador político, algo raro. Normalmente, um ministro da Fazenda é intelectual ou político.

Como intelectual, foi capaz de entender o programa e reunir uma equipe em que confiava, e escolheu a equipe da PUC do Rio —o que foi um ato de ousadia política. Ele trouxe os liberais para implementar o plano. Dada a sua trajetória como exilado, por exemplo, muitos podiam imaginar que levaria economistas mais à esquerda.

Esse grupo também foi um aspecto singular. Normalmente, equipes de governo são pessoas de várias extrações, que não se conhecem bem e precisam desenvolver o conhecimento de como trabalhar em conjunto já no governo. O grupo do Real era formado por pessoas que já trabalhavam em conjunto na universidade, muito coeso e com laços de confiança. Não tinha jogo político ou um querendo derrubar o outro, essas coisas da vida pública e da vida privada também, diga-se de passagem.

Por outro lado, como ministro da Fazenda, Fernando Henrique operou politicamente. Fez uma aliança do PSDB com o PFL, que era, muito mal comparando, uma espécie de centrão da época, e foi fortemente criticado pelos puristas do PSDB. Mas ele falou: "Precisa ter maioria para aprovar o plano, e maioria se faz com aliança". Aliás, ele manteve essa aliança durante os seus dois mandatos.

Teve outra característica única. Ele foi eleito por causa do Plano Real, e não teria sido sem ele, então deu continuidade e consolidou o plano. Ele sabia que a sua popularidade e sua possibilidade de reeleição dependiam intrinsecamente do sucesso do programa. Ou seja, o presidente da República estava comprometido, algo que não houve em outros momentos da história brasileira.

Fernando Henrique se empenhou num processo que ele mesmo descreve em seu livro a Arte da Política como pedagogia democrática: explicar o plano. Todos nós fizemos isso, mas ele, claro, mais do que todos. Enfim, houve um conjunto muito particular de circunstâncias.

Agora, tão desafiador quanto lançar o plano foi sustentar a moeda depois. Planos de estabilização são frequentemente bem-sucedidos no começo. O desafio é manter a estabilidade de preço ao longo do tempo.

O sr. pode enumerar desafios?

Foram muitos. Primeiro, teve o risco de uma enorme crise bancária. Os bancos eram sócios da inflação. Sem ela, o ganho de float desapareceu. Houve, na prática, um processo gradual de purgação do sistema. Mais de 100 instituições, públicas e privadas, foram liquidadas ou forçadas a serem vendidas para terceiros.

Outro desafio foi o câmbio. Depois de muito debate, o câmbio ficou praticamente fixo. Quando o Brasil não teve mais reservas, veio a flutuação cambial. Há países em que, quando você faz a flutuação cambial, a inflação sai do controle. Superamos esse desafio.

Destaco também o desafio foi organizar o Estado e fazer uma sociedade brasileira mais eficiente.. Eu diria que as bases de um Brasil mais moderno foram todas consolidadas naquele momento.

Vieram as privatizações, a quebra dos monopólios estatais e de telecomunicações, o FGC, fundo para garantir empréstimos, as mudanças no Conselho Monetário Nacional e nas relações entre Tesouro e Banco Central. Foram criados o mercado de títulos de longo prazo, que existe até hoje, a Lei de Responsabilidade Fiscal para enquadrar os estados, as agências reguladoras, o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]. A lista é enorme.

Passados 30 anos, o Brasil é o que vocês projetaram?

Muita coisa mudou para melhor. Alguns aspectos, porém, são muito frustrantes. A abertura, para forçar os mercados à disciplina da competição internacional, era um elemento chave do nosso projeto. Não aconteceu até hoje.

Outro exemplo. Foi feita uma desvinculação orçamentária com Fundo Social de Emergência, que era parte de uma desvinculação geral —desvinculando reajuste de Previdência de salário mínimo, desvinculando despesas de receita etc. Obviamente, estamos com essa discussão agora, 30 anos depois. Reajustes reais de salário mínimo quebraram a Previdência, porque há indexação. Não deveríamos ter indexado saúde e educação à arrecadaçãoHouve uma série de frustrações do ponto de vista do que seria o ideal, um retrocesso e uma interrupção de vários aspectos desse projeto modernizante de país nos mandatos do governo Lula.

Quais ajustes são inevitáveis daqui para frente?

Fizemos duas rodadas de aumento de gastos. Uma com a PEC do Kamikaze, do Bolsonaro [que turbinou benefícios sociais a três meses das eleições de 2022], e outra com a PEC da Transição, no mesmo ano, mas articulada pelo governo eleito do presidente Lula, que já tinha sido eleito. A junção das duas criou um aumento de gastos públicos que é impossível resolver via taxação. A sociedade se recusa a pagar o montante que é necessário.

É preciso algum esforço para fazer uma revisão do sistema de gastos. O mundo inteiro faz. Qualquer programa periodicamente tem avaliações —e avaliações independentes— que podem recomendar a continuidade, mudanças ou a interrupção dos programas. Não pode é criar um programa e expandi-lo inercialmente, perpetuando.

Você tem que fazer gestão por metas, ter objetivos claros, pré anunciados, para que a sociedade cobre se o funcionamento da máquina pública está ou não adequado aos seus anseios. Precisa elevar a digitalização. Hoje, você avalia até compra de comida pelo iFood, mas não tem avaliação para serviço público —e uma inovação no serviço público tem impacto extraordinário. Olha o Poupatempo, para dar um exemplo pequeno aqui de São Paulo.

Precisa mesmo de uma reforma administrativa estrutural, mas sei que o tema é tabu. A melhora da máquina pública é um processo que leva uma década ou duas, mas vai na direção de ter um Estado eficiente. O debate não é se o Estado deve ser grande ou pequeno. O Estado tem que ser necessário e eficiente. Não temos isso.

Pelo que o sr. está descrevendo, o arcabouço fiscal atual, sustentado em aumento de receita, não vai ficar de pé. Correto?

Se você olhar de frente, da forma como está posto, o problema é insolúvel. Não há como arrecadar da sociedade o necessário para gerar um superávit fiscal que estabilize a dívida pública. O que tem que fazer? Revisão de gastos e melhora da máquina pública

O sr. estava no que podemos chamar de frente ampla de economistas que apoiou a eleição do atual governo, e havia uma expectativa de que poderiam contribuir na gestão, o que não aconteceu. Qual a sua avaliação sobre a condução da economia? 

Olha, não me interessa comentar sobre política. Não é a minha praia. Mas a eleição entre Bolsonaro e Lula, a meu ver, era, antes de mais nada, uma escolha entre alguém que claramente ameaçava o fundamento democrático do país e outro que não. Voto no Lula, para mim, sempre foi um voto pela democracia, um voto anti-Bolsonaro.

E vou te dizer: não tenho arrependimento. Para mim, ajustes na economia podem acontecer mais cedo ou mais tarde, mas, se você perder a democracia, tem um problema muito mais grave. Claro, esperava mais do ponto de vista econômico.

Coisas boas aconteceram. A reforma tributária foi encaminhada. Apesar de todas as excepcionalidades, exceções e lobbies, a meu ver, foi um passo muito importante. Manter indexações, porém, foi claramente um erro. Com a indexação do salário mínimo à Previdência, muitos dos ganhos com a reforma já se perderam. Vamos ter que fazer uma outra reforma da Previdência por falta de coragem política para simplesmente dizer: "Olha, ganho real, ganho de produtividade, é para quem trabalha, não para quem não trabalha". Me preocupa também a falta de uma agenda climática.

Como assim?

O Brasil tem tudo para liderar o processo de transição energética no mundo, mas precisa de um plano, uma visão. Tem o Europa 2030, que é um plano. Os Estados Unidos optaram por subsídios maciços à inovação. Você pode questionar qual dos dois é melhor, mas claramente eles têm planos. O Brasil não tem. É inacreditável.

Acabamos de ter um desastre monumental no Rio Grande do Sul, e a mudança climática é uma ameaça enorme para um setor dinâmico da economia brasileira, a agricultura. Se o regime de chuvas mudar, ele será afetado. Então, o que eu estou chamando a atenção aqui é que precisamos de um bom plano de transição climática para enfrentar os desafios. Confesso que nisso o governo tem me dado uma grande frustração.

RAIO-X - PERSIO ARIDA, 70

Nascido em São Paulo, tem graduação em Economia pela USP (Universidade de São Paulo) e doutorado na área pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Foi professor da PUC-RJ e da USP, atuando como pesquisador no Instituto de Estudos Avançados de Princeton (EUA), no Centro Brasileiro de Estudos da Universidade de Oxford (Reino Unido) e no Instituto Smithsonian, em Washington (EUA). É um dos pais do Plano Real. Foi presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e do Banco Central. Na iniciativa privada, foi um dos fundadores do Banco BTG, atual BTG Pactual, do qual deixou de ter participação em 2017. Em 2018, foi coordenador do programa de governo do então candidato a presidência pelo PSDB, Geraldo Alckmin.


Progredi na arrumação da Biblioteca : 1/6 dos meus livros; agora só faltam 5/6 - Paulo Roberto de Almeida

Passei o dia tentando arrumar a minha caótica biblioteca (uma delas; a segunda não sei quando conseguirei enfrentar). Tenho duas, uma que me sobrou da última estada no exterior, e mais alguns livros de estudo eternamente carregados, e outra, que permaneceu intocada numa pequena kit-biblioteca completamente abarrotada em todos os centímetros quadrados, e está assim nos últimos dez anos. De vez eu quando eu apareço para carregar mais alguns para o meu apartamento, mas raramente consigo encontrar.

A segunda, atual, de trabalho, já não dava mais para trabalhar, pois tem livros para todo canto. De vez em quando arrasto alguns para a grande mesa da sala de jantar da sala, com o laptop, para trabalhar em algum ensaio mais exigente, mas nem sempre consigo achar os livros que eu sei que tenho, mas que permanecem perdidos em algum canto perdido do labirinto de estantes (sim, são quatro mais duas estantes móveis na frente, e do outro lado mais quatro grandes estantes com livros se espalhando pelo chão). Por isso sou obrigado a buscar os livros que me faltam, mas que se esconderam, nas duas ou três bibliotecas que frequento, ou até chego a comprar mais um exemplar (hoje, começando a arrumação, finalmente, encontrei três exemplares do mesmo livro, sobre o Hipólito, e mais três ou quatro títulos com dois exemplares cada).

Não preciso descrever a lindeza que foi colocar livros abaixo (tirei uma foto no meio da tarde, acima, mas depois fico bem pior) para começar a arrumar, segundo um ordenamento pré-estabelecido, que não sei se vai se manter, mas que segue estes conceitos que coloquei em etiquetas  impressas coladas nas estantes: 

Ordenamento provisório: 

1. História Global, história mundial, histórias regionais ou nacionais

2. História Política e Social da América Latina, do Brasil, História regional

3. História Econômica Geral, Comércio Internacional, Investimentos 

4. História econômica da América Latina, do Brasil, Geografia do Brasil

5. Economia Geral, Finanças, Pensamento Econômico, 

6. Política Mundial, Relações Internacionais, Política Externa do Brasil

7. Ciências Sociais, em geral, Sociologia Política, Sociologia brasileira

8. Política na América Latina, no Brasil, Partidos Políticos

9. Direito em Geral, Direito Internacional, Constituições, do Brasil

10. Biografias, Grandes Economistas, Arte, Ciências em Geral

11. História das Ideias, Filosofia, Línguas, Viagens, Turismo

12. Literatura, Geral, Brasileira, Miscelânea.

13. Livros de Paulo Roberto de Almeida

14. Livros editados por Paulo Roberto de Almeida

15. Capítulos de Paulo Roberto de Almeida em livros coletivos

16. Teses, dissertações, obras acadêmicas diversas

17. Revistas, periódicos, edições especiais de publicações diversas

18. Categorias e temas não cobertos nos itens precedentes

 

    Passei horas e horas fazendo apenas as seis ou sete primeiras categorias, mas também colocando em ordem os meus livros, os próprios, os editados, as colaborações em livros coletivos,e alguma miscelânea.

Aqui as fotos das duas primeiras seções livros próprios, editados e colaborações.







Mas do outro lado também consegui colocar ordem nas estantes dos livros que usarei mais intensamente.

Como aqui figuram.




Mas, deve ter ainda, espalhados pelo chão e nas estantes ainda não arrumadas perto de 5/6 dos livros, ou cerca de mil volumes, talvez. Isso não é nada, perto dos 4, 5 ou  6 mil (nunca cheguei a contar) que estão em certa de doze ou treze estantes bibliotecas na kit-biblioteca que mantenho em outro lugar, obras interessantíssimas, regurgitando de saber (e bastante empoeirados).

Tarefa semelhante à limpeza das estrebarias de Augias por Hércules, se alguém sabe o que é isso e o que significa como trabalho.

Vamos lá, um dia terminarei de arruma, só para doar tudo depois...

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 27 de junho de 2024.