Primeira viagem a Brasília (de carona), em 1968, ano em que foi escrito o texto abaixo.
Todo mundo já ouviu falar da primeira moeda do Tio Patinhas, aquele tostão que ele guarda zelosamente, preservado num quadro, como uma verdadeira relíquia, ou um trofeu glorioso; e era: o primeiro centavo que ele ganhou ainda criança, antes de acumular toda aquela montanha de dinheiro e muitas coisas mais, naquele imenso edifício-cofre que os Metralhas – eu disse Metralhas, não petralhas – tentam roubar e nunca conseguem.
Eu também tenho a minha primeira "moedinha", que não foi o primeiro trabalho elaborado – pois tenho resenhas de livros, anteriores, que se perderam – mas o texto primitivo que foi preservado entre um exílio de sete anos na Europa e o retorno para uma vida acadêmica e profissional mais ordenada.
Aí está, portanto, a minha primeira moedinha.
Note-se o marxismo ingênuo de certos argumentos – como a determinação de "classe" das escolhas profissionais, mas também a consciência clara que de que o progresso do Brasil deveria passar por um sistema de ensino completo, e de qualidade, sobretudo em nível técnico profissional.
Como eu geralmente divulgo o que escrevo – OK, não tudo, mas a maior parte – não há risco de que metralhas acadêmicos ou petralhas militantes tentem roubar este meu "tesouro" (ou outros). Tudo está disponível, ou quase tudo, em meu site e nas plataformas acadêmicas que utilizo.
Este vai entrar na história. Ou já entrou...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 29 de janeiro de 2018
Paulo
Roberto de Almeida
001.
“Quais os Fatores que Determinam uma Escolha Profissional Consciente?”, São
Paulo, Maio 1968, 9 p. Trabalho escrito para concurso promovido pelo jornal Folha de São Paulo, encaminhado sob
pseudônimo. Concurso não levado a termo. Inédito.
Introdução
O
presente trabalho não pretende ser um estudo pormenorizado dos problemas de
escolha profissional, dentro de normas estritamente psicológicas; isso, por si
só, já denunciaria o seu caráter teórico e abstrato. Ao contrário, ele se ocupa
sobretudo em discutir – e portanto, dentro de uma base empírica – os problemas
referentes à profissionalização em uma estrutura subdesenvolvida, onde poucas
vezes os indivíduos têm uma margem de liberdade real para decidir de seu
próprio destino. Dentro desse quadro, dificilmente os fatores que agem sobre
uma escolha profissional o fazem de forma a torna-la consciente. Mas, mesmo
assim, discutiremos as variáveis apontadas esperando contribuir dessa forma com
um apelo aos planos de desenvolvimento econômico e social do governo, que se
tornam necessários, pois o problema é, essencialmente, o mesmo enfrentado por
outras sociedades e culturas – ou seja, o de sermos capazes de aplicar a
compreensão histórica à ação política.
Para
evidenciar sua complexidade e melhor caracterizar o problema da escolha
profissional resolvemos dividir nosso estudo em tópicos específicos, da
seguinte maneira:
a) Caminhos
profissionais: preparação escolar e oportunidades oferecidas pela sociedade
b) A
conjuntura brasileira e o mercado de trabalho
c) Fatores
da escolha profissional
d) Algumas
diretrizes como contribuição à solução dos problemas do encaminhamento
profissional.
E, agora, sem mais delongas,
passemos ao trabalho propriamente dito.
Primeira Parte
Um dos problemas com os quais o
jovem se defronta ao abandonar o curso secundário é o encaminhamento de sua
futura no campo profissional. Geralmente mal orientado (ou quase nada
orientado) acerca das diversas opções sobre as quais tem de decidir-se, ele
permanece incerto frente aos vários caminhos que se abrem à sua vida a partir
deste momento. Esta incerteza tem, como todo fenômeno social e psicológico,
causas que podem ser encontradas na estrutura própria da sociedade. Se o jovem
se mostra incapaz de escolher sua futura ocupação, ou se o faz incertamente,
sem a necessária convicção em discernir aquilo que deseja realmente do que lhe
é imposto, então é porque algo está errado. E por uma questão de lógica natural
cumpre saber o que anda errado nesse processo de escolha e, consequentemente,
reformulá-lo ou afastá-lo, conforme o caso. É o que veremos agora.
Por um lado, a formação
educacional dos jovens não se processa (salvo casos esporádicos que apontaremos
mais adiante) no sentido de unir, através de um elo concreto, o ensino dos
bancos escolares com a vida real que se lhes apresenta mais tarde – ou
simultaneamente, como é o caso de muitos jovens que trabalham e estudam ao
mesmo tempo. Há uma dissociação flagrante entre a família, a escola e outras
atividades ocupacionais, entre estas, presumivelmente o emprego. Isso leva
evidentemente a um desequilíbrio nas atitudes do jovem frente a todas estas
instituições, o que vai refletir-se, em última instância, na sua indecisão em
escolher uma profissão. De quem é a culpa? Do jovem que tem de dividir o seu
tempo entre o emprego e a escola? De nosso desenvolvimento econômico que exige
mais força de trabalho e melhores condições educacionais? Da família que,
muitas vezes, assiste impotente a esse desdobrar-se contínuo? Preferimos
admitir que grande parte dessa culpa cabe à escola secundária –e, portanto, aos
senhores responsáveis pela educação – que mostra-se incapaz de adaptar-se às
novas necessidades impostas pela industrialização do país.
Sem dúvida, o ensino atual não
fornece ao jovem os requisitos básicos para que ele possa, por si mesmo,
empregar os conhecimentos adquiridos – ou que seria preciso adquirir, é questão
de se dizer – a serviço de sua vida profissional. E isso porque ensinam-se
coisas sem nenhuma relação com a vida prática, isto é, conhecimentos que
dificilmente iremos usar. Isolada socialmente, a escola secundária não
participa do fenômeno de industrialização e desenvolvimento país, conservando-se
neutra perante a crise de crescimento econômico e perante os movimentos de
renovação cultural, crescendo em completo divórcio dos problemas básicos da
nacionalidade.
Mas não apenas o conteúdo do
ensino secundário contribui para debilitar uma formação real do jovem. São
também as formas de aprendizagem que reduzem o aluno a uma fita de gravação
para aprender uma enxurrada de matéria em apenas (vejam bem) 180 dias de aula –
número que desce a 160 para os períodos noturnos. Um ano letivo, sem sombra de
dúvida, ínfimo para as nossas necessidades. Mas, as formas de aprendizagem,
como dizíamos, consistem nisso que se pode chamar de aulas de “salivação”, onde
o professor dá razão aos seus arroubos oratórios e o aluno se conforma em
anotar pacientemente os respingos de sabedoria que emitem as glândulas
salivares do mestre. E o pior de tudo é que inverte-se o processo de
aprendizagem. Ao invés da apresentação da situação-problema, discussão em
equipe entre os alunos (trabalho socializado num processo análogo ao das reuniões
numa grande indústria) e por fim a elaboração do esquema com as conclusões,
temos exatamente o contrário: um esquema é colocado no quadro negro e, a
seguir, o professor derrama todo o seu conhecimento sobre a classe embasbacada
e boquiaberta, totalmente alheia à matéria que se vai transmitir. Nessa
situação, é claro que as escolas tradicionais não contribuem, na proporção que
lhes é devida, para apressar o ritmo de desenvolvimento econômico e integrar o
estudante no processo produtivo da sociedade, contribuindo antes, para emperrar
o desenvolvimento normal do processo da absorção de mão de obra pelo mercado de
trabalho. Urge fazer uma reforma completa e saneadora em todo esse quadro.
Quando nos referimos, acima, a
casos esporádicos na estrutura educacional estávamos pensando nos ginásios
estaduais vocacionais que, com sete anos de existência, já provaram sua
necessidade. Contudo, é preciso ver-se que estes poucos vocacionais se revelam
insuficientes e, por vezes, carecem de apoio governamental. Quanto à rede de
escolas SENAI, escolas agrícolas e outros centros de especialização de nível
médio, que se destinam à formação de pessoal técnico, discutiremos na segunda
parte sua real situação.
Por outro lado, o jovem se vê
numa difícil posição de escolha por força do próprio meio em que vive. Se
analisarmos o problema sob o ponto de vista de uma estrutura urbana
industrializada, como é São Paulo, por exemplo, constatamos que, para a pequena
burguesia (que é a classe que mais injeta força de trabalho no mercado), a carreira
profissional é concebida como projeto e o jovem como uma esperança e um
“investimento social”. No transcorrer do processo de constituição e de
integração ao sistema profissional global, o grupo social vê no jovem um
reforço a um consolidação das posições sociais adquiridas e sua própria
ascensão nos escalões mais elevados da sociedade. Dessa forma, a liberdade de
opção do jovem transforma-se, na verdade, na obrigatoriedade de escolha dentre
as profissões que possam favorecer a ascensão de sua classe. Os fatores sociais
que constituem as perspectivas da carreira do jovem orientam o seu
comportamento profissional e delimitam, como vimos, as alternativas de escolha.
Subjacentes a estes fatores e a eles vinculados como matriz determinante, estão
os interesses de classe, vagamente admitidos no projeto familiar.
Interrompemos, porém, esta
análise para retomá-la mais adiante quando estudarmos os fatores da escolha
profissional em capítulo próprio. Neste paragrafo quisemos apenas evidenciar o
contorno do problema da escolha profissional em relação a certas condições
sociais determinantes. Por ora, iniciamos o estudo da profissionalização dentro
da estrutura social brasileira.
Segunda Parte
As relações de produção nas
sociedades da esfera do capitalismo englobam uma série de fatores complexos e
muitas vezes contraditórios que determinam, por meio de mecanismos de sua
própria estrutura psicológica, modelos reais de uma escolha profissional que
atendam especificamente às exigências dessas mesmas relações de produção. O
desenvolvimento do capitalismo no Brasil – com todas as consequências sociais
que acarretou, tais sejam, a formação de um mercado de trabalho condizente com
o nível de desenvolvimento econômico, a ampliação do mercado interno e todos os
seus reflexos na superestrutura social – não fugiu a esse esquema. A
vertiginosa transformação operada num centro urbano como São Paulo, por exemplo,
a partir de 1930, está alterando os diversos sistemas profissionais, nas mais
variadas esferas, provocando uma integração maior entre a população e o
desenvolvimento econômico.
Contudo, a industrialização de
São Paulo e regiões paralelas, se bem que permitisse uma diversificação
profissional com a respectiva elevação de renda para grande parte da população,
não favoreceu plenamente um desenvolvimento auto estimulado, de modo que, ainda
hoje, recorremos ao auxílio de técnicos e profissionais estrangeiros, os
capitais postos a serviço da indústria (capitais originados de excedentes
cafeeiros que se intensificaram a partir de 1930, como é o caso de São Paulo)
não se multiplicaram devido à uma própria dinâmica interna, o que poderia se
refletir, mais tarde, num desenvolvimento autônomo do setor industrial e, com ele,
de toda a estrutura social. Mas, ao contrário: esse desenvolvimento foi
subsidiado por fatores fortuitos e ocasionais, entre os quais podemos incluir a
2ª guerra mundial. E vemos que, depois de 1954, a inflação, que até então não
se manifestara muito negativamente, aliada às péssimas condições cambiais do
país, começa a agravar a situação de nossa indústria. Isso vai motivar uma
crescente intervenção estatal na vida econômica, que se traduz no apelo ao
capital estrangeiro. O afluxo de verbas do exterior, por sua vez, vai
incrementar o progresso industrial e, consequentemente, amplia o mercado
interno e diversifica as atividades profissionais.
Mas cumpre notar que, de resto, no Brasil não
plenamente industrializado, onde as classes dominantes alicerçam os seus
valores sociais de comportamento frente à escolha profissional na
estratificação de diversas categorias sociais, percebem-se, de maneira
acentuada, resíduos sobreviventes de situações histórico-sociais, já superadas
e que ainda persistem em agir como apêndices condicionadores da estrutura
social. Isso acontece notadamente no que diz respeito a certas prevenções do
sistema à diversificação profissional, o que impõe limitações às nossas mais
prementes necessidades; subsiste o preconceito contra as profissões não
liberais, valorizando-se o bacharelato retórico do século XIX e a concepção
“racionalista” da ciência, tal como a viam os pensadores do século XVIII.
Agora, observando-se os
múltiplos aspectos assumidos pelas perspectivas do sistema profissional
brasileiro, e considerando-se as inovações da tecnologia contemporânea, ficamos
embasbacados diante do atraso técnico da maioria dos nossos centros formadores
de mão de obra especializada, que, por motivos, vários não conseguem promover a
integração nacional dos diversos sistemas de ensino profissional. Já se disse
que sem tecnologia não há desenvolvimento mas, também, não podemos ficar
importando, indefinidamente, a tecnologia de que carecemos sob o grave risco de
eternizarmos nossas inflexibilidades estruturais. O desenvolvimento sempre
implica em modificações estruturais, isto é, transformações nas relações e
proporções do sistema econômico. As mudanças de estrutura são causadas
principalmente por modificações nas formas de produção e apenas se concretizam
através de alterações nas formas de distribuição e utilização da renda. O
desenvolvimento, portanto, é um problema de acumulação de capital e de progresso
técnico e, ao mesmo tempo, de evolução dos valores culturais e sociais de uma
coletividade. Por aí se vê a importância da dinamização profissional para o
progresso do país.
Contudo, não é menos grave a
crise que assola o ensino profissional. Vejamo-la. A rede de escolas do SENAI
possui um total de 111 núcleos de aprendizagem industrial, tendo os objetivos
presumíveis de atender às necessidades de nosso crescimento industrial.
Infelizmente, este pronto atendimento verifica-se de maneira lenta, não acompanhando
o ritmo crescente das nossas necessidades industriais. A Fundação Getúlio
Vargas, por sua vez, prepara técnicos para diversas especialidades industriais.
Ainda assim, entretanto, é preciso ampliar e conduzir racionalmente, isto é, na
base de previsões fundadas sobre as necessidades presentes e futuras de mão de
obra qualificada, esse processo de diversificação dos cursos industriais. Esta
previsão futura parece esquecida pelos responsáveis pela organização desse
ensino profissional, com perda irrecuperável de formação de mão de obra
especializada para o desenvolvimento do país.
A situação do ensino de nível
superior não difere muito da acima apresentada: o sistema existente não é capaz
de prover a economia do país de profissionais na quantidade e nas
especializações necessárias. Além disso, determinados setores do sistema
profissional não se encontram devidamente regulamentados pelos governos;
setores estes de grande importância para o desenvolvimento nacional, tais como:
sociólogo, físico, pesquisador, desenhista industrial e trabalhadores em
petróleo, para citar alguns casos mais evidentes.
Como vimos, através deste breve
estudo, os problemas com que se defrontam as condições institucionais de nossa
profissionalização são particularmente graves e afetam a própria estrutura do
desenvolvimento econômico. Agora, cumpre estabelecer as relações entre essas
condições e os fatores da escolha profissional. É o que analisaremos a seguir.
Terceira Parte
Antes de mais nada, torna-se
necessário fixar um conceito elementar de sociologia para que mais adiante
possamos analisar conclusivamente o problema da escolha profissional. Como já o
afirmaram muitos sociólogos, não são os homens em geral que pensam, nem mesmo
os indivíduos isolados, mas os homens dentro de certos grupos que elaboram um
estilo peculiar de pensamento, graças a uma série interminável de reações à
certas situações típicas, características de sua posição comum. E, portanto, a
determinado tipo de consciência social corresponde determinado tipo de
valorização profissional. Dentro desse raciocínio, por conseguinte, quais são
os critérios normalmente utilizados para justificar uma escolha profissional?
São muitos, variando de acordo com a classe social e com os condicionamentos
ambientais.
Ao tomarmos o encaminhamento
profissional como problema para análise não estaremos, por certo, levando em
consideração o tipo de carreira a que o jovem se destina, nem nos deteremos no detalhamento
das peculiaridades que distinguem as diferentes modalidades de atuação
profissional. Começaremos por explicitar as condições sociais em que se
desenvolve o problema da escolha profissional. Para isso, retomaremos a análise
do ponto em que a havíamos deixado na primeira parte deste trabalho, isto é, na
função de jovem como arma de sua classe, o que impõe um condicionamento
decisivo à sua carreira profissional. Vejamos esse processo mais a fundo.
Ficou claro que as alternativas
de escolha do jovem são delimitadas por fatores manipulados pela sua classe
que, por sua vez, tem interesses na carreira do jovem. A identidade entre a
escolha do jovem e o projeto da família demonstra os interesses da classe, pois
a família é a agência social que mediatiza as exigências da classe e do
sistema. Nesse processo, o ESCOLHER para o jovem, no sentido do encaminhamento
profissional, vê-se afastado e substituído pelo DECIDIDO. Em muitos casos, se
coloca o jovem na dependência de aceitação de sua tarefa ocupacional futura,
somente porque se cogitou de haver descoberto sua vocação pelo simples reflexo
de, na escola, ter ele obtido um melhor aproveitamento numa disciplina, em
detrimento de outras. Mas o que na maioria das vezes interfere nesse processo
de imposição da profissão pela família são as vantagens asseguradas por uma
carreira em relação a outras. As vantagens de uma determinada profissão pode,
assim, ser medida pelas possibilidades de ganho material que ela proporciona,
pela posição social de prestígio que ela confere, pela facilidades de vencer na
vida, etc. A mobilidade social, a ascensão e o prestígio, fornecidas pelas
vantagens acima explicitadas, são objetivos legítimos da família, para serem
concretizadas pela formação profissional do jovem, o que, em última análise,
traduz a preocupação de garantir a posição conquistada, ou ter condições de
preservá-la.
Resumindo o que dissemos até
agora: a classe social, através da família, aponta ao jovem suas possibilidades
de escolha e o que acontece geralmente é que ele mostra-se comportado e
paciente e, em muitos aspectos, em perfeita sintonia com os padrões
tradicionais de escolha. Dessa forma, pode acontecer que as aspirações legítimas
de tal jovem sejam tolhidas de concretização – o que poderá vir a acarretar a
impossibilidade de um desenvolvimento integral de sua personalidade e, quiçá,
sua participação na comunidade como elemento socialmente produtivo.
Mas, se o jovem adota uma
posição contrária à apontada pelo seu grupo social ocorre, então, uma ruptura
com os modelos apresentados, em prejuízo dos fatores condicionadores já
apontados acima. Somente a férrea vontade do jovem permite-lhe, nesse caso,
solucionar o problema e desenvolver o seu ajustamento às novas situações de
existência social, apesar da quebra de unidade verificada no âmago de seu grupo
social.
Portanto, os mecanismos da
escolha profissional independem da vontade do jovem e, antes, impõem uma
atitude determinada ao mesmo. Dessa forma, são poucas as possibilidades reais
com que o jovem conta para interferir nesse processo e torná-lo submisso aos
seus desejos conscientes, se é que existem como tais; pois, nessa fase do
processo – quando a personalidade está praticamente formada e a família exige
uma definição – o jovem ainda possui objetivos que não se manifestam com
suficiente clareza, de modo a permitir uma escolha verdadeiramente consciente
do caminho profissional. E dizemos possibilidades reais pois, apesar das opções
aparentemente abertas ao jovem, ele raramente dispõe de uma margem de liberdade
real para fazer frente às pressões contidas na estrutura social. Convém dizer
que nossa atual estrutura social apenas permite uma escolha profissional
verdadeiramente consciente quando esta se baseia no conhecimento, pelo
indivíduo, das necessidades de sua comunidade e de suas próprias
potencialidades e inclinações. Ora, tal conhecimento exige – se não se quer
transformá-lo, também, num privilégio de elite – a participação de maiores
contingentes populacionais no usufruto de níveis educacionais condizentes com
nossas necessidades. Isso implica, consequentemente, que, sabendo dos problemas
de seu meio, o jovem poderá, então, fazer uma opção deliberada e consciente por
uma profissão que atenda às exigências de nossas condições institucionais e
satisfaça, ao mesmo tempo, suas legítimas aspirações.
Quarta Parte
Insistimos nas linhas acima – e
já o tínhamos dito na introdução deste trabalho –que os fatores determinantes que
agem sobre a escolha profissional não o fazem de forma a torná-la consciente,
ou pelo menos sob o domínio do indivíduo. Quando ocorre, por conseguinte, uma
escolha profissional dita consciente é porque fatores circunstanciais – e,
portanto, sem qualquer conotação social mais ampla – interferiram e orientaram
tal processo de escolha. Os fatores circunstanciais a que nos referimos podem
significar, por exemplo, formação educacional mais adequada com oportunidade de
testes vocacionais e de personalidade, crescimento num ambiente socialmente
sadio, conhecimento dos problemas das várias esferas sociais, etc. Ora, são
poucos os jovens que hoje dispõem, ou podem dispor, destes pré-requisitos
básicos para uma escolha profissional realmente consciente e, assim, voltamos a
uma necessidade já tantas vezes dita e repetida, que é a das reformas
estruturais de nossa sociedade.
Contudo, não é nossa intenção
oferecer neste capítulo um modelo das reformas estruturais globais que se fazem
necessárias. Nossa insuficiência intelectual não o permite. Contentamo-nos em
apontar algumas diretrizes que se nos afiguram de importância relativa no que
concerne às reformas parciais que se hão de fazer no campo profissional – e
note-se que, ainda assim, prendemo-nos a soluções específicas que visem tornar
consciente o problema da escolha profissional.
A solução deste, e de muitos
outros problemas relativos à área profissional exige sobretudo reformas na
estrutura educacional que precisa adaptar-se, já o dissemos, às novas condições
institucionais de um país em franco desenvolvimento e cujo crescimento depende,
em grande parte, de dinamização deste setor. O aperfeiçoamento do sistema
educacional deve-se processar de modo que ele possa favorecer uma integração
pronta do jovem em sua comunidade tão logo isso se faça necessário, e isto
significa que a escola secundária deve trabalhar com situações sociais
concretas sem nunca descambar para interpretações simplistas da realidade, como
acontece na maioria dos casos. Significa, ainda, que ela deve realizar esta
integração com os olhos humildemente voltados para as nossas realidades, sem
contemplações para com o que acontece nos demais países em matéria de ensino.
Um passo já foi dado para tal integração: a criação do sistema vocacional.
Cumpre, no entanto, disseminar
este notável empreendimento já que os poucos ginásios vocacionais atualmente
existentes não bastam para atender as exigências da estrutura social.
Paralelamente a isso é preciso criar e aperfeiçoar centros técnicos de
especialização profissional, sem o que estaremos provocando um impasse em nosso
crescimento industrial. A intensificação dos cursos industriais exige, por sua
vez, a criação de um sistema que possibilite o aproveitamento real da mão de
obra especializada, isto é, sua imediata absorção pelo mercado de trabalho.
Poderíamos apontar outras diretrizes além das acima relacionadas porém, cremos
que estas já permitem evidenciar a natureza das soluções que se hão de impor,
obedecendo-se, é claro, a critérios válidos de prioridade e proporcionalidade;
e bastam também, estas diretrizes, para constatar a gravidade do problema que
enfrentamos, cujas repercussões colocam em xeque o próprio desenvolvimento
econômico do país.
Mas, para apresentar soluções é
preciso, antes de tudo, pesquisa e planejamento. Pesquisa para termos à mão
dados reais sobre o assunto em questão, e planejamento para que possamos fundar
nossas atividades futuras em programas essenciais de desenvolvimento. E compete
ao governo planificar tais programas, do qual esperamos, diga-se de passagem,
uma política que assegure as modificações estruturais pelo desenvolvimento.
Conclusão
Neste estudo, defendemos a tese
de que a escolha profissional consciente não apresenta validade social mais
ampla, pois ela só é feita, justamente, sob condições muito particulares, o que
já denota o seu caráter de exceção. Procuramos, por conseguinte, demonstrar a
necessidade de ela ser feita sob o impulso de condições sociais mais
atualizadas e justapostas à realidade, pois o homem não pode permitir que
fatores estranhos ao seu controle decidam por ele quando se trata de problemas
existenciais de grande importância para sua vida, como é o caso das tarefas
ocupacionais.
Salientamos, também, que tais
condições sociais de escolha profissional exigem, para efetivarem-se, as
reformas estruturais já mencionadas, sem as quais estaremos criando mais um
círculo vicioso responsável pelo nosso subdesenvolvimento. Sabemos que o
trabalho é complexo e árduo, mas acreditamos que ele será feito porque confiamos,
sobretudo, na capacidade ilimitada do homem em adaptar-se á novas condições de
existência.
São Paulo, maio de 1968